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Arquivo para janeiro, 2023

A redução da transcendência a subjetividade

17 jan

A ideia de um pensamento absolutizante e único persegue a humanidade desde a antiguidade clássico, o Uno vai aparecer em quase todos textos, porem um conceito quase oculto vindo de Sócrates (claro através de “Toda a filosofia é apenas uma nota de rodapé a Platão e Aristóteles” frase de Alfred Whitehead, na verdade poder-se-ia estendê-la a Sócrates, alias o próprio Dalrymple não inclui Aristóteles (veja pg. 67).

Acontece porem que além do problema da tradução, poucos conhecem o grego, e toda tradução é uma traição, porque sabemos que a linguagem é expressão do Ser, e mesmo para a ciência sabemos que não há verdade formal e já postamos usando os textos de Darlymple, que há duas formas de relativismos: o abstrato e o empírico, assim apenas para entrar num novo textos, dependemos do pensamento embora nele também se encontrem dicotomias abstratas, como a da logica formal que vale para a matemática e a empírica que vale para ciências da natureza em geral e com certas restrições para as sociais também.

Assim podemos adentrar o texto de Slavoj Zizek sobre “O ano que pensamos perigosamente”, está falando de 2011 tanto nos diversos movimentos de ocupação (na Europa em Wall Street) e na primavera árabe, que depois os pensamentos absolutizantes trataram de reduzir a equívocos e ironias, porem havia algo novo e incomodo naqueles movimentos, e isto introduz bem o que pensa Zizek.

E sem duvida uma leitura mais a esquerda que Dalrymple, porem o interessante é ambos a busca de caminhos novos, o fato que retornamos ao socialismo bizantino e ao neoliberalismo pré-colonial indica que estamos andando em círculos, e alguns pensadores procuram o novo em meio ao populismo e a polarização.

Primeiro esclarecimento de Zizek importante para evitar leituras de rodapé é uma citação que faz de Hegel: “se a realidade não corresponde ao conceito, pior para a realidade” (Zizek, 2012, p. 10), para dizer que todo o pensamento a esquerda com filiação hegeliana, e isto inclui os marxistas ortodoxos, estão mais presos a teoria do pensam, e embora desejam ser herdeiros somente de Aristóteles que seria mais “realista”, há também em Platão a ideia do mundo sensível separado do mundo das ideias, mas cuidado, o eidos da antiguidade pouco ou nada tem a ver com o idealismo kantiano, numa palavra eidos em grego é imagem.

A divergência entre Platão e Aristóteles está na representação do real: em Platão a extromissão (a imagem projetada para dentro de nós e que converge para o mundo inteligível) enquanto em Aristóteles café a intromissão, onde a ideia provem do “mundo dos fenômenos contingentes” e que emitem copias de si mesmas para nosso interior, e são interpretadas por um saber inato ou adquirido.

Divergindo sobre esta concepção original sobre os princípios kantianos, aponta sua divergência com Frederic Jameson, e afirma que no pensamento de Marx tanto as dimensões objetivas quanto as subjetivas, não admitindo como ideológica as dimensões objetivas, “uma descrição desprovida de qualquer envolvimento subjetivo” (pg. 10), porem ambos não estão sujeitos a nenhuma forma de transcendência, o que Zizek discute com Kant e sobre o que considera “o espaço publico da ´sociedade civil mundial´ designa o paradoxo da singularidade universal, de um sujeito singular que, em uma espécie de curto-circuito, passa ao largo da mediação do particular e participa diretamente do Universal” (pg 11), assim como Kant e Hegel não se desvincula da dicotomia objetividade/subjetividade para chegar a transcendência realmente universal.

A ausência de uma ascese que reduz o homem ao meramente humano, ou para usar uma expressão filosófica “demasiadamente humana” livro de Nietzsche que abandona a transcendência, para tentar depois reencontra-la na filosofia oriental de Zaratrusta, caminho percorrido por muitos filósofos contemporâneos anteriores aos novos tipos de transcendência que já citamos de Theodore Dalrymple.

A analise de 2011 e suas revoltas são importantes para as analises que faz de Hard e Negri “Multidão” e a analise que faz das utopias de 2011 são importantes, senão as únicas, de sonhos adiados, desde a primavera de Praga, as revoltas de Paris, os movimentos dos hippies e de oposição a guerra do Vietnã dos anos de 1968, se as consequências politicas não foram as esperadas elas movimentaram o mundo cultural por anos, e acreditamos também podem movimentar as escassas ideias politicas e teorias universais sobre a paz entre os povos, com as primaveras de 2011, há uma carência de modelos de real emancipação, e o realismo tem a ver com ideias (eidos) e não são apenas opções “práticas” porque elas próprias tem seu ideário teórico, embora raramente examinado, Zizek o faz.

O retorno ao Eidos grego, que são o que produzimos como imagens sejam de dentro para fora (extromissão) ou de fora para dentro (intromissão) é importante para rever o ideário de nosso tempo, onde foi que ele se perdeu ou talvez encontrar o tesouro procurado. 

ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente, trad. Rogerio Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.

 

Insanidade na guerra e indefinições na Pandemia

16 jan

As noticias da Guerra no leste europeu são que a luta pela conquista da região de Soledar teve um custo militar alto e a cidade ficou praticamente destruída com pouco mais de 10 mil habitantes tem um significado estratégico militar e a consolidação de posições russas na região de Donetsk, enquanto a fragata com misseis Zircon navega pelo Atlântico.

A defesa ucraniana nega o domínio na região, enquanto a russa comemora em meio a uma polêmica com os mercenários do comando Wagner que afirmam que eles lutaram na região.

O significado desta batalha é de uma guerra que cada pedaço de território significa batalhas sangrentas e indicam ainda um longo período, a menos de uma estratégia mais agressiva e mais perigosa.

Os habitantes da vizinha cidade de Sirversk sonham com paz, porem poderá ser o próximo combate, assim como a cidade de Bahkmut estratégicas para a guerra terrestre.

A pandemia vive dias de incertezas, não são claros nem os diagnósticos nem a gravidade das novas variantes, porém é sabido que a “kraken” é altamente contagiosa.

Embora a politica da OMS seja de não fazer alarde e deixar pouco claro as medias a serem tomadas, o quadro tem contornos alarmantes (veja o mapa)+ e a variante kraken comprovadamente tem maior índices de contagio e não é clara a efetividade das vacinas da primeira linhagem.

O que se espera na guerra e na pandemia é que se encontrem medidas afetivas para salvar vidas, evitar uma radicalização ainda maior que a do quadro atual e dar esperança as pessoas simples de um futuro com paz e segurança.

 

A transcendência e a realidade

13 jan

Dos sete capítulos “porque somos assim” do livro de Theodore Dalrymple, comecei pelo segundo no post anterior, porque ao meu ver, diferente da época que foi escrito o livro este tema é mais central que o da liberdade em conexão com a religião, que é para ele o primeiro tópico.

Falando da liberdade inicia discutindo o lema “é proibido proibir” e a ideia que a religião limita a liberdade humana, e que a vida sem transcendência religiosa (afirma que é a maioria dos europeus), é tudo que se tem, porém o fato “é que a maior parte das pessoas não teme somente a perspectiva da morte (o que os filósofos acreditam que não seja inteiramente irracional), mas também a própria vacuidade da morte” (Dalrymple, p. 89), mas num parágrafo anterior faz uma afirmação importante: “Para o bem ou para o mal, Deus está morto na Europa, e não vejo muita chance de um retorno, exceto no despertar de uma calamidade.” (pg. 89), longe de uma narrativa apocalíptica, em processo de crescimento, há sim algo de podre como diz o autor e dissemos na primeira postagem sobre o tema.

A ordem do dia é curtir a vida ao máximo, e isto quebra até mesmo muitas normas da convivência racional entre os humanos, a causa do meio ambiente chama muita atenção, a fome e a miséria um pouco, porém o que se sobressai é aquilo que é próprio deste discurso: o individualismo, porém tema não tocado pelo autor o foco em objetos e não nos sujeitos é consequência do dualismo objetividade x subjetividade.

Ao falar de uma transcendência pagã, aquela que anda em busca de “salvadores da raça humana” (pg 92), da transcendência das pequenas causas; “o nacionalismo, os direitos dos animais ou o feminismo” (pg. 93) cita o reaparecimento do nacionalismo escocês estimulado pelo filme Coração Valente, porém está presente em quase todo o mundo, agora na America Latina e, em especial, no Brasil e, também há a transcendência do antinacionalismo, como o projeto Europeu e quem sabe num futuro próximo, o da América Latina, e faz uma sentença importante, estamos “a necessidade e a imutabilidade dos Estado-nação” (pg. 97).

Faz a análise da artificialidade dos Estados-nação africanos, que desconsideravam os agregados étnicos sob uma única nação (pgs. 100-101), mas sem citar o grave problema do colonialismo.

Embora tenha citado o ditado funerário da Igreja da Inglaterra (já ouvi de ingleses ateus ou de outras religiões), a morte faz parte da vida, mas a sua própria discussão de transcendência está nos limites do kantismo (subjetividade x objetividade): “não me preocupa aqui discutir se essa perspectiva é filosoficamente justificável: se Deus existe, e caso Ele exista, se Ele está interessado em nossas ações e mais preocupado com nosso bem-estar do que Ele estaria com as ações e o bem-estar de uma formiga, por exemplo” (pg. 85), que revela um agnosticismo que acena para a religião, mas sem uma ascese ou ao menos uma sinceridade religiosa.

Embora discuta a secularização como um subitem, apontando a própria Igreja como culpada pelo repúdio que sofre, com os casos de “pedofilia”, “hipocrisia” e tantos outros pecados, que todos sabemos que não é específico de uma categoria religiosa, política ou nacional, está presente em toda a humanidade, e nas mesmas porcentagens, e se de fato boa parte opta pelo obscurantismo e anti-progresso, ele cita o caso da Irlanda, não foi menor a opressão inglesa e colonial nestes países cujas religiões ainda encontram público e alento.

Além da raiz no pensamento ocidental de isolamento entre sujeitos e objetos, que se unem por uma “transcendência” do conhecimento, tornando o próprio ato de conhecer uma transcendência, não admitem aquilo que é hoje discutido por inúmeros filósofos, pensadores e cientistas: há algo além do finalismo científico e humano da vida, já que a vida e o universo continuam ao infinito e independente da vontade humana, mesmo que o homem opte pelo fim de sua raça e civilização, por “sinceras” razões políticas ou sociais, o que é um contrassenso com o desejo de vida plena e felicidade.

Há muitas razões em diversos tipos de religiosidades, porém para os cristãos nada é mais significativo que o que proclamou João depois do batismo de Jesus no rio Jordão (Jo 1,34): “Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus”, e assim não falamos só de um Deus transcendente e distante, mas de sua presença na vida e na história humana, de modo objetivo e histórico, ainda que se deseje negar este fato histórico.

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.

 

As causas da paz

12 jan

Este é o subtítulo do capítulo 7 “Porque somos assim (2)?” do livro de Theodore Dalrymple que é analisado esta semana, o tópico 1 que trata em especial da transcendência, deixamos para a ultima análise, embora o livro não termine ai, embora este título vá até “Porque somos assim (7)?” e depois fala das consequências, porém penso que devemos pensar primeiro porque pensamos assim e onde foi nossa cultura, que é o propósito essencial do autor expresso em outros livros de sua autoria.

Já abordou-se no tópico anterior o aspecto das causas do relativismo contemporâneo: empírico e abstrato, porém sem superar a fundo a dicotomia sobre a verdade lógica (abstrata) e o empirismo científico (válido em laboratórios para específicos casos) que também já tem seus questionamentos tanto na filosofia quanto na própria ciência, vejam o caso anacrônico do vírus, não se pode prevenir porque as mutações não podem ser controladas e a natureza revela sua força também em aspectos negativos, esperamos que o positivo seja reequilibrar a ação desastrosa humana.

É interessante a abordagem do autor, porém ela se restringe à esfera europeia, não há análise nem neste autor nem e outros europeus não há análise da disputa colonial, também na análise mais à esquerda de Slavoj Žižek (escreverei sem os acentos no Z porque para não-eslavos isto é demasiado extravagante), porque a meu ver todas se concentram no poderio do estado e suas soluções paliativas.

A análise da paz, parte da ideia que as duas últimas guerras foram causadas basicamente pelo conflito entre Alemanha e França (iniciadas na guerra Franco-Prussiana, figura), e a União Europeia poderia ser uma “causa da paz” uma vez que uma maior harmonia na Europa poderia destruir as razões dos dois primeiros grandes conflitos. Pensava-se então que ninguém acredita que “a França atacaria a Alemanha, e não o contrário. A conclusão resultante seria seguinte: sem este vasto aparato europeu de contenção, o huno [nome dados aos alemães durante as guerras] voltaria á velha forma” (Dalrymple, p. 111).

O cenário da época do livro parecia estável, e embora seja plausível pensar que uma maior “união” entre as nações signifique menos guerra, não se pensava na possibilidade de saída da Inglaterra da União (o Brexit, iniciado em plebiscito em 2017 e finalizado em 2020), nem numa guinada soviética da Rússia mais recentemente.

Assim as causas da paz, como já defendemos esta tese em outros posts quase sempre resulta de maus acordos de paz, não apenas as tréguas, mas aquilo que prometa um futuro estável, pois foi assim que o mau acordo entre Alemanha e França após a primeira Guerra Mundial, resultou na Segunda, ainda que o estopim tenha sido o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do já frágil Império Austro-húngaro e vejam que esta região pode ser de novo estopim uma vez que Bósnia e Sérvia acenam ao governo russo, e a segunda guerra termina com maus acordos entre a Otan e o Império Soviético.

A entrada de países do leste para a União Européia deveria ser distinta da adesão a força militar da OTAN, este por exemplo é o caso da Turquia, embora a ameaça de sair da comunidade permaneça.

Porém o autor aponta o calcanhar de Aquiles da União europeia, um “fundo de pensão” para políticos cansados e que querem manter seu clientelismo: “depois de terem sido derrotados ou de perder a disposição para passar por rigores do processo eleitoral” (p 117),

Em comparação com o estado soviético, o autor diz que é possível identificar o sujeito alimentado pela EU a um quilômetro e meio de distância: “é um tipo de sujeito que desenvolveu aquele semblante típico dos antigos membros do Politburo soviético”, tendência dos estados atuais a esquerda ou a direita, dentro de uma proposta que é razoável que é uma maior união entre as nações, que deveriam diferir dos estados onde o apetite dos seus membros são satisfeitos por aqueles que melhor sabem gerenciar seus apetites, e isto não leva a uma verdadeira cogovernança nova e verdadeiro gerenciamento do bem público.

Assim a causa da paz que aparentemente viria (em 2010) de uma maior integração de países, as nações continuam em suas diferenças culturais, infelizmente não se realizou, o modelo da Pax Eterna está falido.

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.

 

Preocupações demográficas ou crise cultural

11 jan

O Capítulo 2 do livro de Dalrymple faz a análise da questão demográfica na Europa, os europeus de origem estão envelhecendo, enquanto africanos e muçulmanos que tem mais filhos crescem e também a questão de fundo religioso e cultural aparece, índices atrasados de 2004 (o livro é de 2010 no original) dados são, de crescimento em média:’

“Irlanda (1,99), França (1,90), Noruega (1,91), Suécia (1,75), Reino Unido (1,74), Holanda (1.73), Alemanha (1,37), Itália (1,33), Espanha (1,32), Grécia (1,29)” (Dalrymple 2016, p. 28)”, considerando que cada casal deveria ter dois filhos para repor a população, o crescimento não positivo e sim negativo.

Depois de fazer uma análise sobre o poder econômico e o crescimento populacional, citando como exemplos Cingapura e Hong Kong economias bem-sucedidas e com pequena população, a Dinamarca para citar um exemplo europeu e depois compara com a Grã-Bretanha que as colonizou, e a Nigéria com grande população e índices de desenvolvimento pequeno apesar do petróleo, porém a análise econômica não é seu forte.

Depois faz a análise da questão muçulmana, que cresce em toda Europa, mas ao mesmo tempo se seculariza, embora hajam pequenos focos de grupos radicais, que não é diferente neste aspecto dos cristãos, vejam o caso da Irlanda, só por exemplo, depois de uma longa análise da questão da mulher, do fundamentalismo ele finalmente cai na questão filosófica e o papel do relativismo.

Entretanto se fixará nos lógicos, e numa certeza nostalgia do período da Razão da Descartes, uma vez que este tipo específico de racionalismo já está praticamente ultrapassado e já em Kant, muito anteriormente ao nosso período de certa escassez filosófica nova (vamos explorar Sloterdijk e Zizek), já havia feito a “Critica da Razão Pura”, sua obra áurea.

Porém a análise inicial do relativismo é boa, escreveu o autor: “há duas origens do relativismo: abstrata e empírica” (pg. 67), o autor faz uma crítica as avessas uma vez que o empirismo é consequência do racionalismo, sonha com a volta a sua pureza (Volte, Descartes, precisamos de você, um subitem), e no campo do abstracionismo não faz uma crítica ao logicismo, entre suas citações estão Alfred N. Whitehead (do Principia Mathematica, escrito em conjunto com Bertrand Russerl outro lógico também presente em suas citações.

Porém escreve logo de início, uma frase de Whitehead segundo o qual toda a filosofia ocidental não é senão notas de rodapé da filosofia de Platão, porém isto é válido também para o logicismo, outra verdade também dita por Whitehead é “não existem verdades por inteiro: todas as verdades são meias verdades”, entretanto, o logicismo é baseado no binário Falso e Verdadeiro.

Se o empirismo não respondeu totalmente ao racionalismo puro, o abstracionismo também não, e pode-se dizer o abstracionismo puro é exatamente o logicista, já que o neologicismo, por exemplo de Kurt Gödel, admite sua contradição lógico, expressa em seu paradoxo que todo sistema axiomático (lógica formal) ou é completo ou consistente, não podendo ser os dois ao mesmo tempo.

Porém há coisas profundas na sua análise do racionalismo, por exemplo, ao citar Thomas Kuhn e afirmar que a ciência tinha pés “epistemológicos” de barro, Kuhn apelava para o fato “àqueles intelectuais que se sentiam vagamente culpados por nada entenderem de ciência …., mas num nível mais profundo ele apelava àqueles intelectuais que autodepreciação do Ocidente em geral, e da Europa em particular, como motor originador da ciência” …. E assim: “Quanto mais meticulosa fosse a autodepreciação, mais generosa, aberta e progressista seria uma pessoa” (p. 71) e isto está até entre aqueles que idolatram a ciência.

Assim não é conclusão do autor, mas nossa, ele tenta reconstruir este campo moral com “disseminação da dúvida”, “o multiculturalismo do dia a dia” e a “escolha do bem maior”, e cujo ápice é um amor a liberdade (sim ela é importante, mas não tem em si uma ascese moral), ao citar o empiro-anarquismo Shelley feito por Walter Bagehot em Estimations in Criticism: “o amor pela liberdade é peculiarmente natural à simples mente impulsiva [tal como a dele]. Irrita-se com a ideia de uma lei; aprecia imaginar que não precisa dela [….] O governo lhe parece absurdo – um demônio … “ (Dalrymple, 2016, p. 81).

É uma crítica juvenil ao estado, e não entra na discussão de estado forte, mediador ou mínimo, mas tem razão de dizer neste final do capítulo 5: isto que era excepcional na época de Shelley (passagem do sec. XVI paa o séc. XVII) na qual parecem estar presos os pensamentos de nosso tempo (segundo Dalrymple, quase uma norma).

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.

 

Há algo de podre

10 jan

Este é o título do primeiro capítulo de Theodore Dalrymple do livro “A nova síndrome de Vicky – porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo” (É realizações, 2016), para quem não sabe a frase de Hamlet sobre o reino da Dinamarca do qual era príncipe, a tragédia escrita em 1559 a 1601, que fala do assassinato do rei, pai de Hamlet pelo irmão Claudius que quer o trono e a rainha Gertrude (o cartaz ao lado o filme Hamlet direção e roteiro de Michael Almereyda, de 2001), cuja adaptação foi criticada porém gostei: “o idealismo de um jovem destruído pela corrupção existente no mundo” diz uma sinopse.

Fala de uma Europa mais rica e com maior expectativa de vida, lembra que Keats, Schubert e Mozart morreram novos (25, 31 e 35 anos respectivamente), que “o aumento de riqueza e do padrão de vida físico foi impressionante na Europa das últimas décadas” (Dalrymple, 2016, p. 17), e apesar disto “há um disseminado sendo de iminente obliteração, ou ao menos de declínio, a permear a Europa” (p. 18) e acrescento, de uma guerra com a Rússia ou de um conflito social cada vez mais possível, agora também na Inglaterra e França.

Para não divagar por ideias culturais psicológicas e filosofias, alguns fatos citados por Dalrymple, depois de 12 anos de seu livro (o original em inglês foi publicado em 2010), parecem corresponder aos fatos, apesar de seu conservadorismo cita um “belo exemplo” do livro de Patrick Besson chamado Haine de la Hollande.  Besson simpatizante dos sérvios quando a Otan lançou uma ofensiva contra a Sérvia “quanto ao subsequente julgamento de Slobodan Milosevic como grandes equívocos” e diz que a Otan “recorreu aos mesmíssimos crimes dos quais a Sérvia fora acusada” (pg. 13), a isto refere-se o post anterior quando digo usar gasolina para apagar o fogo, e refere-se a Holanda porque o júri foi em Haia.

Faz uma sentença curiosa e inteligente sobre a história, que parecem confirmar fatos atuais: “o fanatismo é o ressentimento em busca do poder; o consumismo é a apatia em busca da felicidade” (pg. 15), falamos na semana anterior do que entendemos por alegria e aqui fica mais claro que ela não pode se comparar ao sucesso dos fanáticos ou a apatia melancólica dos que buscam prazeres do consumismo.

Tudo isto é prefácio e antecede ao capítulo 1 “Algo de podre” que explicamos a origem no início, já citados do segundo parágrafo uma breve síntese da opulência e a queda daquele que Peter Sloterdijk chamada de “Império do Centro” e também ele descreve o descaminho da Europa em “Se a Europa despertasse”, já fizemos algumas pontuações em posts aqui neste blog.

Entre diversos aspectos que o livro aponta, os tópicos sobre Ansiedade e Fraqueza devem ser lidos inteiramente para serem bem compreendidos, sua sentença do o que está “podre” pode ser lida quando aponta que há uma consciência que a diferença “entre a Europa e boa parte do resto do mundo, nos aspectos tanto da riqueza quanto das realizações em outras esferas, diminui dramaticamente, e, em algumas áreas, inverteu- se, provocou o aparecimento de um grande incômodo, mesmo que fosse considerado inevitável a longo prazo*”( aqui a nota de rodapé cita Disraeli de 1838), e finaliza: “ninguém gosta de perder posições na hierarquia das coisas” (Dalrymple, 2016, p. 21).

A citação de Disraeli em 1838, quando antevia que a “não tolerará que a Inglaterra seja a fábrica do mundo”, e isto agora pode estender-se para a Europa e o resto do mundo em relação a produtos alimentares.

Cito aqui uma obra que tive contato quando estive em Portugal e para a qual escrevi dois textos: “Repensar Portugal”, quando o culto e eclético padre Manuel Antunes dizia de Portugal pós Salazarismo, que devia se voltar ao continente europeu e esquecer as ex-colônias, isto deveria valer-se para todo continente Europeu agora em uma crise dramática e com ameaças de totalitarismos e guerra.

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.

 

Guerra, intervenção e pandemia

09 jan

Embora o governo russo tenha decretado um cessar fogo unilateral devido ao Natal que lá é comemorado no dia dos Reis (que foi ontem), o cenário de guerra é muito preocupante: uma fragata (almirante Gorshkov oficial, mas podem haver outros movimentos) que navegará pelos oceanos Atlântico, Indico e Pacífico, com mísseis Zircon nucleares, que são hipersônicos e difíceis de serem captados por radares antimíssil.

O governo americano e a Otan disseram que podem bombardear o território russo, embora a Ucrânia já tenha feito de modo cirúrgico atingindo pontos de armamentos ou tropas militares, agora a ameaça é geral.

No Brasil após um dia de manifestações com invasões do Palácio do Planalto, STF e Assembleia Legislativa o governo federal decretou intervenção federal no Distrito Federal, usando o Art. 34 da constituição brasileira, que no Inciso terceiro diz: “manutenção da ordem pública”, a intervenção é quando uma instância superior intervém numa inferior que em situação normal goza de autonomia, ou seja, é um ato excepcional.

A intervenção no Distrito Federal vale até o dia 31 de janeiro deste ano, porém já se fala em 6 meses.

A pandemia embora goze de estabilidade no país, registra uma alta de 25% no mundo todo, assim ser tratada apenas como covid-19 é um eufemismo, ainda que os sintomas sejam mais leves, também devido a vacinação, as novas variantes são muito mais transmissíveis que as anteriores e começa a se destacar a Kraken (XBB.1.5), uma subvariante da Omicron já presente em 25 países, com o primeiro caso registrado no Brasil a três dias.

A declaração da OMS foi “A XBB.1.5, uma recombinação das sublinhagens BA.2, está aumentando na Europa e nos Estados Unidos, foi identificada em mais de 25 países e a OMS está monitorando de perto”, disse o seu diretor geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Seria necessário aumentar a vacinação, no Brasil as crianças tem uma defasagem alta, e começar a inserir rapidamente as vacinas de segunda linhagens, já que as atuais não são eficazes para as novas variantes.

Espera-se no mundo, e em especial no Brasil neste momento de tensão, maior serenidade e diálogo, o barbarismo não resolve nada, é como apagar incêndio com gasolina.

 

Sucesso e alegria

06 jan

Anselm Grün começa este capítulo fazendo um contraponto, pois tanto o filósofo judeu alemão Martin Buber que disse “Sucesso não é um termo de Deus”, como o famoso psicólogo Carl Jung que dizia que o é o maior inimigo da transformação do ser humano é uma vida cheia de êxitos, o monge termina dizendo que “o sucesso faz parte da vida” e devemos nos alegrar com isto (Grün, 2014, p. 73).

Faz a ponderação que podemos sim “alegrar pelo momento”, uma alegria de gratidão, uma dádiva “gratuita, não um mérito, é algo que eu percebo e me alegra sabendo que acontece e passa” (Grún, 2014, p. 74).

Depois vai corrigir e dizer que a alegria está principalmente associada a criatividade, citando Aristóteles e Erich Fromm, “ficamos satisfeitos com o trabalho bem feito e quando percebemos que realizamos algo hoje” (pg. 75), e completa que os artistas são “grandes conhecedores desta alegria”.

Assim há diferença entre a Euforia e a verdadeira Alegria, o que se busca hoje nos shows, nas academias e nas clínicas de estética é um sucesso fugaz, passageiro, principalmente quando não se busca a saúde e o bem-estar daria até outro nome para esta alegria que permanece, chamaria de gaudio.

Também o reconhecimento é importante, mas ele não virá de poderosos, de gananciosos ou vaidosos, estes procuram holofotes e sucesso comprometido ou até mesmo comprado, não está envolto da verdadeira alegria porque surge de valores e verdades efêmeras e portanto, que passam, mas que as mentes e corações sábios sabem encontrar.

Na passagem bíblica o nascimento de Jesus, num local humilde de uma pequena cidade de Belém, e o reconhecimento primeiro por humildes pastores do campo e depois por “magos” vindos do oriente, uma clara alusão a povos distantes e de outras crenças, que anuncia uma verdadeira alegria, um júbilo e aquilo que deveríamos lembrar no Natal e no ano de que se inicia, isto que pode nos dar uma verdadeira alegria.

Diz a leitura que os pastores ouviram cantos de alegria cantado por anjos nesta data, que em muitos países (como a Rússia) é um dia comemorado, por entenderem que algo muito especial aconteceu: Emana-uel (Deus conosco).

GRÜN, Alselm. Viver com Alegria. RJ, Petrópolis: Vozes, 2014.

 

Obstáculos da alegria

05 jan

Certamente o oposto da alegria é a tristeza, mas o problema não é a certeza de que teremos muitas dificuldades e tristezas na vida, o problema está em não saber como tratá-la.

Diversos psicólogos indicam que o problema da educação familiar atual é não deixar que os filhos ou parentes ou mesmo agregados que compõe o círculo familiar contemporâneo aprendam a lidar com a perda, os obstáculos e as tristezas da vida, lembro de meu pai que no leito de morte perguntava por um filho que ainda não tinha vindo vê-lo, só depois partiu em paz.

No livro de Anselm Grün ele indica a leitura de “João Felizardo” (Hans im Glünck) dos Contos de Grimm (Cinderela, O pequeno polegar, João e Maria, etc.) onde o personagem expressa que não precisa do ouro, da força e nem mesmo do sucesso do trabalho, ao perder as pedras que amolava tesouras num poço, a ultima coisa que lhe restava, pula de alegria e agradece a Deus pela graça de livrar-se daquelas pedras.

Meu segundo livro de propósito anual “A nova síndrome de Vicky” de Theodore Dalrymple, que fala do barbarismo europeu, aponta também um fundo cultural da infelicidade, agora social, em leitura que faz em sites de encontros, eles surgiram porque as pessoas estão presas em universos pequenos embora estejam em multidões nos shows, festas e baladas noturnas (vejam que não é específico do virtual, como indicam alguns autores), vão procurar afoitamente em sites de relacionamentos uma saída para a ilusão.

Entre vários ensaios, o autor cita dois casos de muçulmanos, um homem e uma mulher que ao descrever o tipo de pessoas que são, diz assim o rapaz: “sou um sujeito distraído e relaxado. Sou bastante sarcástico e tenho um grande senso de humor. Às vezes sou uma criança, mas sei quando tenho que ser sério.  Acredito que temos nossos altos e baixos, mas devemos tentar ver o melhor das pessoas … Gosto de pegar meu carro e sair … Acompanhar as mudanças do mundo. Gosto de comer fora, de pegar um cinema, de boliche, sinuca e críquete” (Dalrymple, p. 42), diz-se tentar ser um muçulmano, “tentando se tornar um cinco ao dia” (os muçulmanos rezam 5 vezes ao dia), segundo o autor no Reino Unido muitos se declaram religiosos, ainda é um sinônimo de confiabilidade.

Outro caso que cita, já na página seguinte é de uma muçulmana, que diz no site: “Oi, gente, sou uma mulher que gosta de se divertir, tenho os pés no chão e não julgo as pessoas”, como se de antemão já se desculpasse da postura de alguns muçulmanos de julgar as pessoas (“os infiéis”), porém o que o autor quer apontar é que todos querem se desculpar de algo, estão tentando algo e poucas vezes se definem, o fato de serem muçulmanos é apenas um exemplo, poderia ser de qualquer outra religião, ou no caso da polarização política, de qualquer ideologia.

O tema do médico e psicólogo Anthony Daniels (Dalrymple é um pseudônimo) é o mal estar da cultura e adesão dos intelectuais a um certo tipo de barbarismo, que faremos alguns apontamentos na próxima semana, porém ligo aqui o tema da alegria, que deve ser e só pode ser neste momento da história algo interior, uma vez que exteriormente reina uma crise civilizatória e procuramos explicar suas razões e fundamentos.

É possível em meio a crise individual ou social, encontrar razões e motivos para manter a alegria e ajudar a humanidade a encontrar caminhos que levem a verdade e a felicidade.

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky – porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2016.

 

 

A natureza da alegria

04 jan

Este é o nome do segundo capítulo do livro “viva com Alegria” de Anselm Grün, a ideia de algo físico (a natureza) da alegria parecia algo estranho, porém já de início o autor cita Aristóteles, que vê na alegria a vida plena, como “uma energia que impulsiona e desperta vida nas pessoas”, e assim “quem sente alegria interior naquilo que faz, este obtém, no trabalho, a alegria da vida” (pag. 15).

Assim ele retira o alvéolo puramente espiritual para encarná-la “ela é a expressão de uma vida na qual lidamos com as dificuldades que surgem e desenvolvemos todas as capacidades que Deus nos deu” (pg. 16).

Cita a psicóloga Verena Kast que ela a define como uma “emoção elevada”, textualmente “nos anima, nos estimula, nos proporciona uma certa leveza, e também gera união entre as pessoas” (pgs. 16-17).

A psicóloga Verena observou isto em muitas terapias, e nela encontrei uma visão definitiva da natureza, segundo Verena a condição decisiva para alegria é “estarmos absorvidos num ato, numa atividade, num momento” (pg. 17).

Depois de desenvolver o estado de alegria, como algo que “nem nos damos conta”, ela observa que a alegria tem um poder curativo: “a questão é saber por que tendemos a prestar mais atenção nas tristezas do que `as alegrias que temos” (pag. 18), e aponta que um dos fatores pode ser o excesso de atenção dado pelos pais quando crianças, assim nos entristecemos para que “obtenhamos atenção”.

Por ultimo lembra que é saudável e sensato assumir atitudes positivas, tanto recordando as alegrias passadas como obtendo-a em nossa vida aqui e agora.

Rir até mesmo de situações adversas não é alienação, é obter energia para uma ação proativa. 

GRÜN, Anselm. Viver com alegria. trad. Luiz de Lucca. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.