O velamento do conhecimento, noite do pensamento
A Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, escrita pelo físico Nicolescu Barsarabi, o serigrafista português Lima de Freitas e Edgar Morin, aponta o processo (anterior a Web), onde a excessiva especialização e um empobrecimento do Ser criaram um velamento do pensamento, diz a carta:
“ …a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis.” (Arrábida, Portugal, 1994).
O problema então é como criar um saber que une e uma cosmovisão que amplie o espírito humano empobrecido e embrutecido, segundo a receita do próprio Morin: “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une”.
Toda a polarização e barreiras entre pensamentos distintos são a raiz onde o diálogo é ignorado, mesmo que as vezes afirmado, o fechamento semântico do pensamento, seja quais forem os princípios e muitos vezes morais, religiosos e até culturais são importantes, devem ultrapassar os pré-conceitos e ir ao encontro do positivo no Outro.
Diz a Carta de Arrábida no artigo 14: “A Abertura comporta a aceitação do desconhecimento, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às ideias e verdades contrárias as nossas”, este é o sentido de substituir um pensamento “que isola e separa” por outro que “distingue e une”, ter diferença não significa isolar ou mesmo separar.
É a ideia totalitária da verdade única, mesmo que religiosa, pragmática ou científica que muitas vezes isola e não une, em diálogos fundamentados sempre há elementos novos a serem considerados e poucas vezes eles são devidamente ouvidos e respeitados.
O físico Barsarab Nicolescu, um dos signatários da Carta de Arrábida, em seu próprio Manifesto da Transdisciplinaridade, a respeito da física quântica escreveu: “… de onde vem esta cegueira? De onde vem este desejo perpétuo de fazer o novo com o antigo? A novidade irredutível da visão quântica continua pertencendo a uma pequena elite de cientistas de ponta”, embora a realidade física a comprove e surpreenda.
Disse na referida carta sobre a “realidade”, “Em nosso século, Husserl e alguns outros pesquisadores, num esforço de questionamento a respeito dos fundamentos da ciência, descobriram a existência dos diferentes níveis de percepção da Realidade pelo sujeito observador”, mais do que isto o observador é parte do experimento, do todo, e não é neutro.
Toda a nossa lógica e as nossas ações se baseiam em três axiomas: O axioma da identidade: A é A, O axioma da não-contradição: A não é não-A; e o terceiro é chamado axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (T de “terceiro incluído”) que é ao mesmo tempo A e não-A.
O que Nicolescu afirma é o que aconteceria se tornássemos o terceiro incluído, foi o que fez Stefan Lupascu (1900-1988) ao criar a lógica do terceiro incluído (tertium non datur), incluindo o estado-T que não é nem “atual” nem “potencial”, substituem a lógica clássica do “verdadeiro” ou “falso”, e cria um nível mais generalizado que inclui a física, a epistemologia e o que é “consciência”.
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Triom : São Paulo, 1999. PDF