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Porque a Covid 19 não acabou
Na quinta feira passada Hans Kluge, diretor da OMS para a Europa afirmou que 53 países da região estão enfrentando “uma ameaça real do ressurgimento da COVID-19” e encorajou os governos da região tomarem medidas urgentes, na China o governo aconselhou inclusive a população a estocar comida, a nova onda é devido a variante delta.
Na Alemanha, 66,5% da população está totalmente vacinada, mas de acordo com o RKI (Instituto Robert Rock, responsável pelo controle de doenças infeciosas), há mais de 3 milhões de pessoas com mais de 60 anos que não se vacinaram e o risco é alto, e na última sexta-feira registrou pouco 37.000 infecções, um número recorde, já a Rússia registrou 40.735 novos casos e 1192 mortes relacionados ao vírus na última sexta-feira, segundo dados do próprio governo.
França, Holanda, Itália e Inglaterra registram altas de infecções, Portugal tem uma alta apesar de ter a mais alta taxa de vacinação do mundo (quase 90%) e somente a Espanha não teve alta de infecções, o problema deve-se além da variante delta, a baixa taxa de imunização.
Na China o surto que ainda é em número pequeno atingiu diversas regiões do país, e o governo chegou a aconselhar a população a fazer estoque de alimentos.
O Brasil tem 58,2% da população totalmente vacinada, enquanto 76,3% já tomaram ao menos uma dose, a margem de segurança ainda é pequena para uma liberação geral que já aconteceu, não há mais controle de temperatura e aglomerações o que é preocupante, o país ainda está na faixa das 300 mortes diárias, e acima de 11 mil infecções.
A vacinação continua, o país recebeu neste domingo 1,1 milhão de doses de vacina contra a Covid 19 no aeroporto de Viracopos, apesar de algumas correntes criticarem a qualidade da vacina, não há critérios científicos para esta crítica.
O ministério informou que o número até o final de semana era de 122,3 milhões de pessoas imunizadas, e a população alvo é de 177 milhões de pessoas.
A dose adicional para grupos de idosos, a chamada “terceira dose” atingiu 8,9 milhões de doses adicionais, segundo o Ministério da Saúde.
Olhando o cenário da Europa é bom não relaxar e devemos continuar o esquema da vacinação completa, somente uma dose não garante a imunidade, mesmo no caso da Janssen está sendo aplicada uma dose de reforço.
Covid cai e casos preocupantes
A Covid 19 já mostra sinais de queda no mundo todo, mas ainda há casos preocupantes como a Rússia, o primeiro país a lançar uma vacina e teve sábado (16/09) mais de mil óbitos de Covid 19, os motivos são vários, o principal é a baixa taxa de vacinação, a Rússia chegou a 218,362 mil mortes para uma população de 145 milhões de habitantes.
O mundo todo tem quase 48% pelo menos uma dose e pouco acima de 36% totalmente imunizados, é possível considerar que não estamos fora de perigo, algo em torno de 60% seria desejável, ao menos até o final do ano para as festas natalinas, no Brasil o número de vacinados é de 73,4% ao menos uma dose e perto dos 50% totalmente vacinados, mas a curva de infecção cai ainda muito lentamente.
Ainda não se sabe as consequências da Variante delta, num balanço feito da pandemia pelo neurocientista Miguel Nicolelis ele afirmou que no Brasil ainda não vimos a cara desta variante.
Está chegando o inverno no Hemisfério Norte e a OMS pretende considerar a possibilidade de uma nova pandemia, para que não tenhamos surpresa como foi esta que ainda não terminou, em novembro fará uma Assembleia Mundial da Saúde onde vai estudar a possibilidade de um “tratado para pandemia”, é preciso considerar maior solidariedade e um combate mais efetivo.
A diretora-adjunta da OMS Mariângela Simão foi enfática: “vai haver uma próxima pandemia”, e acrescentou: “Isso é uma coisa que a gente já sabe e que é inevitável, é uma questão de quando vai acontecer” disse segundo o Instituto Paulista de Medicina.
Alerta Simão que não há vacina aprovada ainda para criança então não pode haver política nacional usando vacinas que não foram aprovadas para idade abaixo de 12 anos, e salienta nós só temos uma vacina aprovada para uso de adolescentes a partir de 12 anos, que é a Pfizer.
Destacou a importância do consórcio Covax que ajudou a vacinação em países pobres, salientando a importância da doação de 500 milhões de doses da Pfizer, o que possibilitará a entrada de 200 milhões de doses da Pfizer ainda para este ano, também a França se disponibilizou a fazer doações e espera-se que mais países auxiliem porque, por enquanto, é a única vacina para adolescentes.
Vontade de poder e infância civilizatória
Um conceito conhecido de Nietzsche é a vontade de poder, como uma força motriz “natural” do homem, já desenvolvemos que o natural é diferente do cultural, sendo esta uma das dicotomias infernais como dizia Bruno Latour, a outra é a objetividade x subjetividade vindo do racionalismo/idealismo da modernidade.
De fato isto levou os povos a se expandirem desde o mundo primitivo, diria na idade infantil civilizatória, as guerras e impérios de Alexandre o Grande, do qual Aristóteles foi tutor e depois o Império Romano, e os impérios da modernidade: o português, o francês, o russo e o americano e as duas guerras mundiais são de fato a grande crise da modernidade, não fomos capazes de superar a infância civilizatória.
Houve outros grandes impérios pouco citados na história: a grande dinastia manchu Qing, do norte da China invadiu e derrotou a dinastia Ming, era de uma etnia minoritária mas dominou toda a China e teve inclusive uma breve restauração em 1917 e o grande Império Mongol foi um dos maiores em extensão de área, chegando a Europa, nos séculos XIII e XIV.
Pode-se pensar potência como uma forma de crescimento para superar a infantilidade tanto individual como civilizatória, assim existe ato e potência, teorizou Tomás de Aquino, mas o próprio Nietzsche alerta para este outro sentido: “a vontade de poder não é nem um ser, nem um devir, é um páthos”, então analisemos a tríade da antiguidade clássica: ethos, páthos e logos.
Pathos é no racionalismo moderno aquele também usado por Descartes, em sentido diferente de Nietzsche de ondem vem a ideia de patologia, o que se move na imperfeição, usando a própria idéia de Nietzsche não é ontológico, nega o ser pois não nem o ethos e nem o logos da tríade clássica.
Na retórica aristotélica, o Ethos é um dos modos de persuasão ou componentes de um argumento, e este sim dá sentido ao ser, sendo ele o elo com o Logos que dá sentido ao Ser, dando credibilidade e estabelecendo uma verdade que não é realidade, porque é ela de onde o Logos tira a consistência do Ser para se contrapor ao Pathos-lógico.
O Pathos vive na pura emoção, na irracionalidade, na imaginação enganosa, ele é o responsável pelas desordens do Ser, sendo de certa forma sua negação.
A Patologia de duas guerras mundiais mostrou que a humanidade não saiu de sua infância civilizatória, ainda é vítima de si própria incapaz de conceito o Ser como Ethos.
Renunciar a regalias e dar condições aos pobres
Ao lado do problema da pobreza e da extrema pobreza, o mundo carece de solidariedade e compaixão com os pobres, segundo Amartya Sen, outro prêmio Nobel de Economia de 1998, “a pobreza é a privação de capacidades”, portanto não se trata de incapacitados ou de algum sistema de privilégios, mas o acesso á educação, a condição social e financeira, a saúde, etc.
A contribuição de Kremer, Barnerjee e Duflo (veja o post anterior) é revelante porque aborda o aspecto multidimensional, que vai além da falta de recursos da pobreza, e ainda mais aponta a ineficácia de pobreza governamentais, e entre estas medidas abordam que até mesmo o microcrédito tem limitações.
A pesquisa foi feita em 13 países no estudo The Economic Lives of the Poor (A vida economia dos pobres), os autores demonstram que as microfinanças não conseguem aumentar nem o investimento, nem o consumo, nem as condições de saúde e educação ou o empoderamento das mulheres, então qual é a solução apontada.
Eles apontam efeitos de fortalecer e melhorar aspectos específicos relacionados à pobreza, como a educação e a infraestrutura, e apontam um estudo feito no Quênia 2009 (Additional Resources versus Organizational Changes in Education: Experimental Evidence from Kenya – “Recursos adicionais versus mudanças organizacionais na educação: evidências experimentais do Quênia”), e outro feito na Índia em 2007 (Remedying Education: Evidence from Two Randomized Experiments in India – “Remediando a educação: evidências de dois experimentos aleatórios na Índia”), de 2007.
Também países desenvolvidos se alinham com estas propostas como os planos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, mas não faltarão argumentos polarizados que dirão que se trata de assistencialismo ou é uma proposta da esquerda radical, trata-se de superar a visão egoísta e certificar que a globalização não olhou para o problema social da humanidade.
Como é difícil superar esta visão, e isto vem de longe, superar a visão de conforme dos ricos e dos remediados e olhar aos pobres é também um ensinamento cristão, diz a passagem do evangelista Marcos (Mc,10:21-23) a um jovem rico que seguia todos os mandamentos e queria muito seguir Jesus, que olhou para ele com amor, e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me”, o jovem fica abatido e vai embora, porque era muito rico.
Superar o egoísmo e permitir aos pobres a estrutura e as condições de emergirem é no fundo ter que renunciar a privilégios que muitos não admitem ter não por mérito próprio, mas por ter estruturas que os garantiram.
Apagamento, invisibilidade e política
Não é ignorado na história o fato que o estado sendo um “possível” solucionador de conflitos, tenha tomado para si o direito da violência, que em última instância é o direito de matar.
O filósofo camaronês Achille Mbembe tomou este extremo do poder do estado para desenvolver sua tese sobre o direito de matar do estado, chamando-esta política de “Necropoder”.
O ensaio foi traduzido para o português em 2018, e no centro deste ensaio há uma pergunta sobre quem pode viver ou morrer no mundo contemporâneo? Mbembe denúncia que a função dos Estados, deveria ter a defesa da vida dos mais vulneráveis como um princípio, e não aquilo que é feito estruturalmente que é o apagamento da memória e das condições destas vidas.
Vemos que para além do apagamento há uma permanente invisibilidade destas pessoas, por uma camada que está ligada ao poder, chegando ao limite de não ter registro civil e direitos culturais.
Abordada no que diz respeito ao esquecimento (ou invisibilidade social) e silenciamento feito pelo Estado relativo ao passado histórico destes grupos vulneráveis, ela é além do campo acadêmico, a memória social, cognitiva e identitária daquilo que foi vivido no passado e que é vergonhoso não só pelo esquecimento e invisibilidade, mas feito a partir de uma narrativa oposta à sua memória.
Se olharmos a partir do pensamento complexo, que significa etimologicamente tecido junto (complexus), o termo biológico “necrose” remete a questões que envolve a morte biológica de tecidos corpóreos ou parte deles, assim, não se pode pensar na morte de uma parte sem que todo o corpo sofra, ainda que não procure ver o tecido que está em falência.
É importante abordar a complexidade deste conceito de necropolítica e invisibilidade, porque só ele pode abordar os problemas que envolvem o racismo, o sexismo e o apagamento de diversas culturas (como a indígena, mas há muitas outras no mundo contemporâneo), a já conhecida e não resolvida dimensão econômica, que é o acesso a bens e serviços sociais, une-se a dimensão política (os espaços de poder), a construção de narrativas e historicidade de subjugar culturas (a dimensão psicológica) e a abrangente dimensão cultural.
Partir da miséria e invisibilidade de povos, culturas e raças, não pode negar fatores estruturais que são fortes e impedem uma mudança mais sustentável de convivência pacífica e harmônica.
Em queda, mas é preciso cuidado
Após uma queda lenta no Brasil, sábado a curva ficou abaixo das 500 mortes nas últimas 24 horas, os óbitos chegando a quase 600 mil desde o início da pandemia, indicam que ainda há perigo e a flexibilização que já está acontecendo para eventos públicos massivos é preocupante.
É importante lembrar que em 13 de setembro a média móvel chegou a 465, e depois subiu.
Já explicamos a semana passada que é preciso um “rescaldo” e que a proximidade das festas e do final de ano pode nos preocupar, lembro o caso de Portugal no ano passado que relaxou nestas datas e teve um aumento no mês de janeiro, os países que estão em início de flexibilização tem taxas de infecção e mortalidade realmente baixas e as regiões de contágio são observadas.
A vacinação da primeira dose já dos 40% (93.271.450 imunizados e 147 milhões primeiras doses), a taxa de atraso vacinal no total do Brasil é de 11%, segundo o boletim VigiVac da Fundação Oswaldo Cruz.
O Boletim aponta os estados com maior atraso o do Ceará com 33% e o menor o Rio Grande do Norte com 5,4%, também observam a ausência para a segunda dose, em número absolutos, São Paulo 1,25 milhões, no Rio de Janeiro 956,9 mil pessoas não compareceram para segunda dose e na Bahia 907,5 mil pessoas, o Estado com maior vacinação é São Paulo com 79,20 % na primeira dose quando não é única e o menor é o Pará com 50,91% tomaram uma dose.
As vacinas também tiveram atrasos na entrega, a Coronavac 33%, a AstraZeneca 15% e a Pfizer com menor índice 1%, por isto tem sido a mais aplicada em muitos casos na terceira dose.
A Pfizer entrou mais de 1 milhão de doses neste sábado no aeroporto de Viracopos e promete entregar até 10 milhões em quatro voos fretados que chegarão nos próximos dias.
A flexibilização deveria avançar em números confiáveis, tomando medidas de controle sérias, por exemplo, o isolamento em eventos esportivos, nos shoppings e nos meios de transporte.
A sabedoria de pensamentos puros
O simplismo é o pensamento ingênuo, enquanto a simplicidade é o pensamento puro, a noesis pura.
Não está na capacidade de elaboração teórica, na cultura livresca que resiste a sabedoria, ela une simplicidade (que não é simplista) e complexidade no sentido de colocar tudo sob o manto da natureza e do universo, e entender que há saberes originários que não são simplistas, mas foram elaborados num contato real com a natureza, por isto rejeito a ideia de naturalização.
A culturalização é aquela que se apoderou do natural e o perverteu, disse o filósofo, escritor e líder indigenista Ailton Krenak sobre a atual crise pandêmica: “A Terra está falando para a humanidade: ‘silêncio’. Esse é também o significado do recolhimento”.
Grande parte da cultura ocidental está em crise, porque apoderou-se da natureza de maneira brutal e não quer entendê-la e tem dificuldade de ler nos sinais visíveis e claros, esta crise vem de antes da atual revolução tecnológica, muitos filósofos no início do século XX apontaram para ela, e o silêncio pedido por Krenak pode ser também aquilo que Theodor Adorno identifica como verdadeira contemplação: “A bem-aventurança da contemplação consiste no encanto desencantado.” Theodor Adorno, lembro que este filósofo não é místico, nem religioso.
Ailton Krenak escreveu “Ideias para adiar o fim do mundo” (Cia. da Letras, s/a), dentro de uma cosmovisão indígena, mas com consciência de que se trata de um problema planetário, disse numa entrevista ao Jornal Estado de Minas (03/04/2020): “Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”, denunciando que o modo que vivemos é artificial e não condiz com a natureza humana”.
Interpretando o livro de Davi Kapenawa, outro líder indígena, Viveiro de Castro e Danowski veem também que o nosso pensamento “culto” e ocidental está concentrado no mundo da mercadoria, e diz Kapenawa: “os brancos sonham muito, mas só sonham consigo mesmo”, ou seja, com sua própria cultura sem conseguir contemplar um mundo mais amplo, onde todos estão presentes.
Estas cosmovisões podem parecer ingênuas, mas significam que devemos sempre pensar além de nossa cultura, também a cosmovisão cristã pede este esforço, e depois dos ensinamentos aos seus apóstolos daquilo que o próprio mestre deveria passar, e eles ainda não entendem, Jesus vai fazer uso de uma nova metáfora para que eles pensem de modo mais puro e menos culturalizado (e não naturalizado).
No capítulo 10 do evangelho de Marcos, vendo que queriam afastar as crianças dele, Ele diz (Mc 10,14-15): “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”.
O mundo que há de vir, em diferentes cosmovisões, ainda que pareçam infantis, mostra a crise e o esgotamento do pensamento cultural de nosso tempo, e o esgotamento dos meios naturais.
O pensamento entre o simplismo e a simplicidade
O pensamento ingênuo ignora a complexidade, o relevo e a profundidade das coisas as veem na superficialidade de sua aparência, enquanto a simplicidade inicia um processo fenomenológico que começa na aparição de quem vê e depois desenvolve uma percepção maior, no dizer da filosofia o noema, que complementa a fase inicial da habilidade de sentir, a noesis.
Ao definir o pensamento complexo como tendo três princípios: o recursivo, o dialógico e o hologramático, Edgar Morin assim explica este terceiro que é indissociável dos outros dois:
“o holograma é uma imagem física, concebida por Gabor que, diferentemente das imagens fotográficas e fílmicas comuns, é projetado ao espaço em três dimensões, produzindo uma assombrosa sensação de relevo e cor. O objeto holografado encontra-se restituído, em sua imagem, com uma fidelidade notável. Esse holograma é constituído a partir de uma luz coerente (laser) e de um dispositivo que faz com que cada ponto que constitui essa imagem contenha uma mostra do sistema de linhas de interferência emitido pelos pontos do objeto holografado” (MORIN, 2003, p. 34).
Para explicar e dar clareza a determinados fenômenos é preciso usar recursos didáticos que os simplifica, no entanto, esta tarefa pedagógica não pode mutilar a explicação nem absolutizá-la.
Nada mais complexo do que reduzi-lo ao simples, como afirmava Bachelard não existe o simples, só há o simplificado, o que na maioria das vezes mutila e deforma o fenômeno, induzindo o pensamento a uma liquidez obscura.
Fenômenos da natureza não são facilmente simplificados, muitas vezes a pretensão de dominá-la mesmo nos casos científicos revelou uma face perversa, isto aconteceu desde a física atômica até as modernas tecnologias de comunicação atuais, é preciso prever e investigar os efeitos adversos.
Porém a simplicidade de ver os fenômenos não depende apenas da cultura, que é diversa sempre, e sim da capacidade de fazer uma redução da ideia (a redução eidética proposta por Husserl), onde vamos da simples aparência até a experiência de consciência sobre aquilo que é informado pelos sentidos e como a mente os recebe, interpretando aquilo que é informado.
Simplificar exige sempre uma analogia ou uma metáfora, já abordamos aqui, e isto sim é preciso ser simples para receber uma informação “nova” com a disposição de uma criança, com uma epoché diria a filosofia, com uma suspensão de juízos diria o pensamento cartesiano.
MORIN, Edgar et al. Educar para a era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo: Editora Cortez, 2003.
Ciência com consciência
Um minúsculo vírus nos desafiou e nos colocou diante de uma grave Pandemia, um vulcão que entra em erupção e cujo fim mesmo vulcanólogos e geólogos ainda veem como imprevisível.
A grande marca da ciência contemporânea é o fim das certezas, o princípio da incerteza anunciado primeiro por Heisenberg e depois certificado pelas pesquisas da física das partículas e pela astrofísica, Karl Popper desenvolveu o princípio da falseabilidade para a ciência e o Paradoxo de Gödel diz que nenhum sistema axiológico pode ser completo e consistente ao mesmo tempo.
Isto deveria nos devolver a humildade, o iluminismo não significa que a ciência triunfou e sim que ela descobriu seus limites e que deve dar espaço a ética e a um humanismo que complete o homem para além de sua racionalidade.
Edgar Morin escreveu “Ciência com consciência”, apresenta um duplo desafio: aponta os problemas ético e morais que a ciência contemporânea tem, cujos múltiplos e prodigiosos poderes de manipulação impõe aos cientistas e aos cidadãos, e de certa forma a humanidade inteira o problema do controle político e privado das descobertas.
Segundo Morin, os conceitos de progresso e conhecimento que se apresentam relacionados, devem ser reordenados, assim o progresso não se reduz à organização do desenvolvimento da economia, e o conhecimento não se restringe ao fornecimento de informações, mas também a superação de estruturas sociais teóricas que condicionam sua configuração a uma forma de pensamento.
Esclarece nas páginas 9 e 10 que “o dogma clássico de separação entre ciência e filosofias, as ciências a destes séculos todas encontram questões filosóficas fundamentais: “que é o mundo? a natureza? a vida? o homem? a realidade?) e que os maiores cientistas desde Einstein, Bohr e Heisenberg se transformaram em filósofos selvagens”. (MORIN, 2005).
Lembra no prefácio também o preceito de Rebelais: “Ciência sem consciência é apenas ruína da alma.” (p. 9).
MORIN, E. Ciência sem consciência. Edição revisada e modificada pelo autor. (Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória). 9ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2005.
A necessidade do rescaldo na Pandemia
Rescaldo refere-se aquela atividade que autoridades responsáveis pelo combate a incêndios e tragédias executam após o pico da tragédia ter se afastado, mas ainda restam perigos, encontramos nos dicionários uma definição para períodos que seguem a tragédia ou acontecimento marcante, quando ainda se sentem os efeitos ou consequências dela.
No Brasil os dados são preocupantes, porque bastou um anúncio de flexibilização das medidas da pandemia para os números de mortes se estabilizarem em torno das 500 mortes diárias e em algumas regiões já crescem, incluindo os estados de São Paulo e Rio de Janeiro que são populosos.
Um exemplo de rescaldo, além das medidas de prevenção até o final da pandemia, é a pesquisa financiada pela FAPESP e feita pelos pesquisadores do laboratório de Ficologia da Universidade Federal de São Carlos, que identificou uma nova espécie de microalga verde do gênero Nyphrocytium que afetou o pulmão de pacientes que morreram de Covid 19.
Estamos extenuados de um período de limitações tão longo, mas é importante que sejamos cuidadosos até a etapa final, que ainda está longe, e pode chegar até o final do ano.
Como já postamos a Europa está ingressando no outono e o inverno promete ser rigoroso, assim como o nosso verão no hemisfério sul, o perigo de novos vírus e de mutações do atual devem ser observados, vemos que em alguns países, como é o caso de países do Oriente, alguns casos já criam um alerta e tomam medidas duras, mas necessárias, nosso liberalismo pode custar caro.
Na abertura da Assembleia Geral da ONU, o secretário geral António Guterres, falando da situação mais geral além da pandemia, mas que a inclui, disse que estamos na direção errada, nunca se viu o planeta “tão ameaçado, nem tão dividido”, e salientou: “estamos na beira de um abismo e nos movendo na direção equivocada”, é um alerta difícil, mas necessário neste momento. 7
As tentativas de cooperação são fundamentais para um momento de crises globais, e não há uma cogestão dos problemas que são globais, e que podem se expandir para outras áreas, uma já fácil de ser observada que é a social, que não foi devidamente enfrentada, e agora é urgente.
Se fugimos de um problema central, complexo e que envolve todo o globo não o estamos resolvendo, e pior estamos agravando, o combate ineficaz a pandemia e suas consequências não podem produzir bons resultados, e aqueles que esperam dividendos políticos são corresponsáveis.
É preciso enfrentar o rescaldo da Pandemia ou não conseguiremos evitar novo incêndio.