RSS
 

Arquivo para a ‘Método e Verdade Científica’ Categoria

A visada ética de Paul Ricoeur

25 ago

Em seu texto de 1990, Paul Ricoeur já elaborou o que chamava de uma pequena ética, simplificada em três teses:

  • a prioridade da ética sobre a moral, isto é, a prioridade da vida da vida boa (vem do conceito grego de bondade), com e para os outros, em instituições justas, sobre a norma moral;
  • A necessidade, no entanto, que a visada ética (aqui opõe-se a eticidade Hegel/kantiana) pelo crivo da norma moral: essa passagem da ética à moral, com seus imperativos e suas interdições, é por assim dizer exigida pela própria ética, na medida em que o desejo da vida boa encontra a violência sob todas as suas formas; e,
  • a legitimidade de um recurso da normal moral à visada ética, quando a norma conduz a conflitos e para os quais não há outra saída a não ser a de uma sabedoria prática, à criação de decisões novas frente a casos difíceis, como no direito, na vida cotidiana e na medicina.

Ricoeur esclarece que nem na etimologia das palavras, nem na história do uso dos termos, não há uma distinção clara entre moral e ética, porém há um nuance o termo ética “para a visada de uma vida realizada sob o signo das ações estimadas boas”, e o termo moral “para o lado obrigatório, marcado por normas, obrigações, interdições caracterizadas ao mesmo tempo por uma exigência de universalidade e por um efeito de coerção” (Ricoeur, 1991a, p. 256).

Neste sentido deve ser entendida sua “visada ética”, nem se restringe ao campo da liberdade pessoal, já que admite “exigência de universalidade e por um efeito de coerção” nem se limita a ética institucional já que ela deve estar “sob o signo das ações estimadas boas”.

Pode-se assim distinguir mais claramente na sua visada ética, a distinção entre duas heranças, a aristotélica “a ética caracterizada pela sua perspectiva teleológica (de telos, que significa fins), e a herança kantiana deontológica (“a moral é definida pelo caráter de obrigação da norma e, portanto, por um ponto de vista deontológico (deo de “dever”).

Assim sua análise ao invés de excluir uma ou outra tese da ética moderna, faz um complemento tanto da obra a Ética a Nicômaco, de Aristóteles, e a Fundamentação da Metafísica dos Costumes e a Crítica da Razão Prática de Kant, mas sem a necessidade de ser fiel à ortodoxia a nenhuma das duas, não é uma saída evasiva, mas sim inclusiva.

RICOEUR, Paul. Éthique et morale, Lectures 1: Autour du politique. Paris, Seuil, 1991, p. 256-269.

 

A variante Delta ainda preocupa

23 ago

Os casos da variante Delta e da nova variante Alfa, que veio do Reino Unido ainda preocupam, é necessário monitoramento, controle de movimentação, e no caso do Brasil o estado do Ceará que tem 43 casos dá um exemplo, tendo criado um centro de monitoramento e triagem para viajantes, o Ceará tem 43 casos da Delta e já há um caso da variante Alfa vinda do Reino Unido.

Os casos do Ceará são 24 mulheres e 19 homens, a maioria (33) são entre 20 e 39 anos, o que faz sentido pois são as idades que a segunda dose ainda está acontecendo, há casos vindo de Nova Friburgo (RJ) e São Paulo, e os outros são residentes em 20 municípios diferentes do Ceará, todos tiveram sintomas leves, moderados ou assintomáticos.

É um momento de cautela e a flexibilização de muitos governos estaduais pode ser prematuras, a curva de mortes e infecções está num patamar estável, e com a vacinação a expectativa era que fosse de queda.

Conforme informou o consórcio de veículos de imprensa, o número de pessoas que receberam a primeira dose é de 122 milhões enquanto 54 milhões tomaram as doses necessárias (uma vacina usa só uma dose), eram os dados do último sábado (21/08).

Como a segurança para a variável delta é necessária a imunização completa, o número exato de 54.890.099 pessoas (24,92%), o que dá um quarto da população é muito baixo para as novas variantes Delta e Alfa (que já começam avançar no país), a possibilidade de chegar a 60% de imunes é ainda distante, setembro será um mês fatal, e o patamar de infecções e mortes é ainda alto e estável.

Alguns estados estão um pouco acima Mato Grosso do Sul (40,59%), São Paulo (32,40%), Rio Grande do Sul (31.62%) e Espírito Santo (28,33%), os demais estão próximos ou abaixo da média de 25% de imunização completa, segundo o consórcio dos órgãos de imprensa.

Os dados recentes indicam que o Sudeste puxa a curva de infecção para cima em 7%.

Devemos aprender com os países do sudeste asiático vem as infecções crescerem devido a baixa taxa de vacinação, mesmo países como China, Japão e Coreia do Sul estão vendo surtos crescentes, conforme informa o site da CNN, dados de O Globo indicam os dados de alguns países da região, em azul as infecções e em preto o número de mortes (figura).

 

A policrise e palavras duras

20 ago

Já falamos da crise do pensamento, o excesso de especialíssimos que perdem a visão do todo, a prisão idealista, que nasceu num idealismo pré-socrático apontou Popper, e um vazio da capacidade de renovar o pensamento.

A proposta de Morin reformar o pensamento, é abrir as gavetas do pensamento e articulá-las num modelo complexo (do latim complexus, o que é tecido junto) fora da “especialidade” e do conceitualismo.

O que antes parecia um alerta agora já se faz presente em diversos discursos além dos ecologistas: o planeta dá sinais de esgotamento, temperaturas extremas, mesmo em locais onde pareciam impossível: frio no hemisfério sul e calor intenso no hemisfério norte, também a vida animal vai perecendo, a notícia atual é a quase extinção do pinguim imperador, que eram grandes colônias.

O núcleo planetário também se manifesta, o número de vulcões e terremotos cresce, o Haiti pede socorro após um novo terremoto e um furacão que enfraqueceu ainda mais aquele país pobre.

A volta do Taliban ao poder no Afeganistão, os militares em Myanmar e outros neototalitarismos, tudo isto parecem palavras duras e pessimistas, claro sempre temos esperança, não é a primeira crise da humanidade, mas talvez esta seja a mais global e a mais geral de todas e poderá se tornar uma crise civilizatória, em meio a uma pandemia que persiste, e é neonegacionismo dizer que passou, as novas variantes são ameaçadoras, e a própria OMS e muitos cientistas fazem o alerta.

Talvez um plano pouco perceptível é o da religiosidade, além do desrespeito a diversas crenças, há internamente uma crise que podemos chamar de uma “ascese desespiritualizada”, usando uma palavra de Peter Sloterdijk, que aqui traduzimos por sua raiz, ascese “sem” admitir o espírito.

Diz uma passagem bíblica em que Jesus está questionando seus discípulos que achavam que sua palavra era dura demais (Jo 6,61-63):

“Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem”.

Está falando para seus discípulos e para os que creem, e se não tem espiritualidade não tem fé.

 

O sofisma moderno e a crise da democracia

19 ago

Desenvolvemos através das postagens a crise do pensamento e os sofismas modernos, não mais fundados em justificativas do poder, mas para promover novos modelos neoautoritários de poder, é a psicopolítica como desenvolveu-Byung-Chul Han, que está além da biopolítica de Foucault.

Sobre a reforma do pensamento Edgar Morin desenvolveu uma extensão obra que está sintetizada em seu livro “A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento”, com duas vertentes importantes, além do próprio pensamento reformado: o pensamento ecologizante e a superação do modelo mecanicista.

Um século depois do triunfo da física quântica, o modelo do nosso pensamento ainda é newtoniano, mecanicista e dualista, o modelo quântico admite um terceiro excluído, no quanta a matéria pulsa e há um terceiro estado entre um ponto da matéria e outro, chamado na física de efeito de tunelamento, ele consagra a visão inicial de Werner Heisenberg do princípio da incerteza e redescobre a natureza ondulatória da matéria e não apenas da luz, que é também matéria sem massa.

Edgar Morin utiliza este conceito da incerteza para reformar a reforma, aquela mudança que todos queremos, mas que ainda fica focalizada em dois polos, e induz grande parte do pensamento moderno para fundamentalismos que não admitir reformas nem um terceiro excluído, nem uma terceira via.

Estas vertentes fazem o planeta caminhar para uma crise política da democracia sem precedentes, governos neoautoritários, como Myanmar e agora no Afeganistão e as ditaduras planetas já quase consolidadas em todo ocidente com ameaça de surgimento de novas e ainda mais radicais.

Afirma Edgar Morin em seu livro: “Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável” (Morin, 2014) e dirá mais a frente: ““[…] um modo de pensar, capaz de unir e solidarizar conhecimentos separados, é capaz de se desdobrar em uma ética da união e da solidariedade entre humanos. Um pensamento capaz de não se fechar no local e no particular, mas de conceber os conjuntos … estaria apto a favorecer um senso da responsabilidade e o da cidadania” (Morin, 2014).

Sem uma inversão da tendência atual teremos uma grande crise civilizatória a vista, veja o estaria na frase de Morin.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

 

As raízes do iluminismo e do dualismo

18 ago

Karl Popper em “O mundo de Parmênides: ensaios sobre o iluminismo pré-socrático” esclarece dois pontos fundamentais da essência do pensamento contemporâneo em suas raízes gregas: o problema de Parmênides com relação a verdade, onde já há certa dose de relativismo e a negação da ontologia, onde o ser não é visto como tendo relação com o ente, separação originária entre sujeito e objeto.

Popper descreve a origem da doxa, através do poema (fragmentos) de Parmênides, através da revelação da deusa Diké:

“A revelação divide-se em duas partes como deixa claro a deusa. Na primeira parte a deusa revela a verdade – toda a verdade, acerca do que realmente existe: acerca do mundo e das coisas em si mesmas. Na segunda parte, a deusa fala sobre o mundo das aparências, acerca do mundo ilusório do homem mortal” (Popper, 2014, p. 134).

Esclarece Popper esta divisão da revelação: “… habitualmente diferenciadas como a “via da Verdade” e a “Via da Opinião”, cria o primeiro e maior problema não resolvido acerca da obra de Parmênides” (idem), e faz a indagação do porquê a deusa “… contivesse não só uma explicação verdadeira do universo, mas também uma explicação inverídica, como ela diz explicitamente” (idem), é fácil explicar mesmo hoje com o avanço enorme da ciência iluminista, pouco sabemos.

Porém o idealismo inicial de Parmênides, cujo fundamento o ser é e o não ser não é, que não é uma ontologia, é Popper também que defende isto ao contrário de muitos filósofos: “não creio que exista algo como uma ontologia ou teoria do ser ou que se possa atribuir seriamente uma ontologia a Parmênides” (Popper, 2014, p. 137).

A sua tentativa de “provar” um enunciado ontológico é tautológica, dita assim “só que é (existe) é (existe)”, mas não há como a partir de uma teoria tautológica para criar ou derivar uma não-tautológica, assim a teoria do ser aí é vazia, como explica Popper, e eu diria uma visão dualista.

Porém é este tipo de eidos transformado em ideia do ser é ou não é, que chegou ao idealismo, Popper chega a dizer até mesmo que uma verdadeira epistemologia nasceu de Parmênides, e a visão iluminista desenvolvida no livro de Popper como “o iluminismo pré-socrático”.

Isto significa que herdamos de Parmênides, através do iluminismo, o dualismo da “via da verdade” e a ‘via da opinião”, e estas duas vias sempre assombrou os filósofos diz Popper.

Assim convivemos até hoje com os sofismas, em lógicas cada vez mais trabalhadas, afinal o poder dos sofistas sempre estive em sofisticar suas argumentações, porém não saímos desta herança e o iluminismo de fato tem raízes parmenidianas, e o esquecimento do ser ainda é presente hoje.

POPPER, K. O Mundo de Parmênides: Ensaios sobre o iluminismo pré-socrático. trad. Roberto Leal Ferreira. 1ª. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

 

Parir o conhecimento e a fenomenologia

12 ago

A definição do método fenomenologia como forma de conhecimento é segundo o dicionário de filosofia (Abbagnano, 2000, p. 437) como “descrição daquilo que aparece ou ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição”, sendo o fenômeno “aquilo que aparece ou se manifesta” (idem).

O filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938) desenvolveu como uma maneira radical de rever metodologias e conceitos da ciência com pressupostos lógicos e positivistas, partindo de como as coisas (o conceito de objeto é também ultrapassado aqui, ele é ligado ao sujeito) tem sua aparição à consciência, e a partir daí “ir ao encontro das coisas em si mesmas” (HUSSERL, 2008, p. 17).

A intencionalidade é a marca fundamental na consciência fenomenologia, ela está sempre voltada para fora de si, para algo, mas não é nem substância, nem invólucro, é uma intuição, uma evidência apodítica, e este é o parir da fenomenologia.

O primeiro passo deste método para “vasculhar” o fenômeno é a redução fenomenológica (epoché), uma suspensão de nossos conceitos ou pré-conceitos, colocando-os entre parênteses, já que é impossível separar o sujeito do objeto, quando de sua aparição algo se manifestará já.

Partindo desta “suspensão de juízo” (é usada por outras correntes do pensamento), perscrutar o fenômeno em sua “pureza” e evitar aquilo que seria uma “atitude natural” na apreensão e análise do fenômeno, depois realizar uma redução ou variação eidética (a ideia no sentido grego é uma imagem antes que um conceito), ela passa por um nível psicológico e um nível transcendental.

Aqui tornar-se algo como “consciência pura”, Husserl chama de “atitude fenomenológica”, ela permite novas perspectivas (Abschattungen) e diversas variações de perfil (Abschatung), é importante as raízes alemãs, porque percebe-se que uma é uma “variação” da outra, é o eidos.

É precisamente nesta variação eidética que se dá, na consciência, algo que vai objeto percebido (noesis) ao noema, um complexo de predicados e de modos a ser dados pela experiência.

A coisa que se apresenta a minha consciência não é apenas abstrata, não tem sua existência negada, o que Husserl defende é que temos uma percepção do algo (objeto para o idealismo), que só se sustenta na possibilidade de diversos perfis (abschatung) que ele é apreendido.

Resta-nos duas perguntas se isto está separado de sua materialidade (hylé para os gregos) e se é possível pensar nesta consciência como consciência do mundo, a transcendência na história.

HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

 

A maiêutica e parir o conhecimento

11 ago

O método socrático era que o filósofo acreditava que ninguém tinha respostas definitivas para suas perguntas e desse modo andava pelas ruas de Atenas fazendo questões que considerava básicas sobre política, moralidade e a verdade, a jovem democracia estava se corrompendo.

Assim fazia que cada pessoa pudesse “parir” respostas, e a cada respostas fazia novas perguntas, assim definia-se como “parteiro de ideias”, procurava assim instruir os “cidadãos”.

Seus adversários eram os sofistas que se baseavam apenas na arte da persuasão, e objetivo era bajular os governantes e dar respostas que as pessoas queriam ouvir.

Mas muitas pessoas, especialmente os jovens, eram envolvidos por sua sabedoria e ensinamentos, entre eles estava o discípulo Platão que é quem descreve os diversos diálogos socráticos.

Assim seu método era oposto aos dos sofistas baseados na retórica e na arte da persuasão, suas teses eram as mais diversas, Górgias por exemplo, defendia que “nada existe”, Protágoras que “o homem é a medida de todas as coisas”, além disto cobravam pelas aulas.

Aristóteles vai defini-lo como “a sabedoria (sapientia) aparente, mas não real”, mas ela não desapareceu por completo, foi ao longo da história mudando de forma e de discurso, porém essencialmente é a retórica, hoje por exemplo, pensadores performáticos e autorreferenciais.

A grande oposição de Sócrates aos sofistas era que eles, com recurso da persuasão e retórica, proclamavam apenas “opinião” chamadas de doxa e Platão, discípulo e divulgador de Sócrates, vai organizar a “episteme”, o conhecimento deve ser organização a partir dos seus “cortornos, limites, de seus aspectos e de sua aparência”, descritos como sua “dialética”.

Também Bachelard em nosso tempo critica a opinião como não científica: “A ciência, tanto em sua necessidade de acabamento como em seu princípio, opõe-se absolutamente à opinião” em sua obra: A Formação do Espírito Científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento.

Sócrates, acusado de subverter os jovens e não prestar cultos aos deuses do estado, foi condenado a morte, Platão desenvolverá seu método e criará uma escola de pensamento.

 

O conhecimento e uma nova Paideia

10 ago

Paideia era o ideal de educação de Sócrates, o eidos para ser mais exato, mais que formar o homem deveria formar o cidadão, lembre-se e contextualize que a cidade-estado era uma forma de organização específica onde a polis surge como uma organização extra civilizatória, ou seja, não era mera forma de poder, e sim como pensar a cidade como ética e virtude, o primeiro esboço de uma ideia de bem-comum.

Assim definiu Platão, já que só conhecemos Sócrates por Platão, a Paideia era: “(…) a essência de toda a verdadeira educação ou Paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento”, olhando a sociedade atual é fácil de perceber que não o atingimos.

Contextualizando o período de Sócrates e dos sofistas é aquele em que enquanto o primeiro dizia que era possível e necessário além de organizar o ethos, e da práxis, o conhecimento para alcança-los, este conjunto é a episteme.

A episteme, conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida, era uma clara oposição aos sofistas, que entre outras coisas diziam que a verdade não pode ser alcançada, então tudo eram formas de manipular a verdade, em termos atuais, apenas narrativas de acordo com conveniências.

Górgias (485-380 a.C.) dizia textualmente: “Nada é; se alguma coisa fosse, não poderia ser entendida; e se pudesse ser entendido, não poderia ser comunicado a outras pessoas”, tese que será negada por Platão, e a alegoria mais conhecida é o mito da caverna que é uma metáfora, e cuja episteme se desenvolverá nas categorias de Aristóteles, com o problema da analogia já abordado.

O conhecimento platônico/aristotélico por um longo percurso da idade médica, podendo ser citados Agostinho Hipona que imagina que a verdade como podendo ser obtida por meio da autorreflexão feita pelo homem e sua interiorização em Deus, na baixa idade média Boécio desenvolve a ideia dos universais e particulares, cuja discussão se dividirá entre nominalistas.

Os nominalistas não admitiam a existência de universais, Roscelino de Compiègne (1050-1120) é um dos fundadores, e por outro lado realistas, como Tomás de Aquino todas as entidades, podem ser agrupadas em duas categorias universais e particulares.

O idealismo emerge como corrente realista, mas se distância dela criando uma objetividade imanente, e a transcendência é o conhecimento que o sujeito tem do objeto, já na fenomenologia, o transcendente é aquilo que transcende a própria consciência, é objetivo no sentido de que só existe consciência de “algo”, e assim está ligada ao sujeito que vai além.

Bachelard (1884–1962) foi um pioneiro a estuda de que forma a epistemologia a referir-se às rupturas “revolucionárias”, cria formas novas de pensar e de saber, voltaremos ao tema.

 

Da metafísica à Ontologia

05 ago

Não há o recurso desonroso de usar a metáfora para afirmar a metafísica, conforme perguntou Ricoeur, o recurso tomista “não se deteve na solução mais próximo do exemplarismo platônico adotado no comentário do Livro I das Sentenças, ainda sob influência de Alberto Magno” (p. 421).

Tomás de Aquino ao trabalhar ser, potência e ato (suas grandes categorias), concebe uma ordem de descendência “na série ser, substância e acidente” observa Ricoeur, “segundo a qual um recebe outro esse et rationem”, e assim estabelece outra analogia assim descrita na Distintio XXXV (q. 1, ar. 4):

“Há outra analogia [além da ordem de prioridade] quando um termo imita outro tanto quanto pode, mas não o iguala perfeitamente, e encontra-se essa analogia entre Deus e as criaturas” (Aquino apud Ricoeur, 2005, p. 421), e explica Ricoeur é necessário compreender este recurso de um termo comum entre Deus e as criaturas, e esta pode ser explicada assim:

“Entre Deus e as criaturas não há similitude por meio de algo comum, mas por imitação, donde se diz que a criatura é semelhante a Deus, mas não o inverso, como diz o Pseudo-Dionísio” (idem).

Essa participação por semelhança significa que “é o próprio Deus que comunica sua semelhança: a imagem diminuída assegura uma representação imperfeita e inadequada do exemplar divino” (Ricoeur, 2005, p. 422), e isto tem uma fragilidade: “a total disjunção entre atribuição dos nomes e atribuição categorial” (idem), assim o discurso teológico “perde todo apoio no discurso categorial do ser”.

O recurso já apontado acima do ser como ato e potência, a semelhança direta ainda é próximo da univocidade, assim Aquino observa que a causalidade exemplar, por seu caráter formal, deve ser subordinada a causalidade eficiente, a única que funda a comunicação de ser subjacente à atribuição analógica.  A descoberta do ser como ato torna-se então o fundamento ontológico da teoria da analogia” (RICOEUR, 2005, p. 422).

O discurso é demasiado filosófico, e simplifico aqui: Deus é puro ser em ato e potência, a criatura é ser em ato podendo sê-lo em potência, por isto Tomás de Aquino faz um desenvolvimento disto.

O Aquinate em De Veritate, faz distinção de dois tipos de analogia, uma proporcional (proportio), por exemplo um número e seu dobro, e outra de relação proporcional (proportionalitas) que é uma semelhança de relação, em números por exemplo, 6 está para 3 como 4 está para 2.

Claro isto não é só matemática, Ricoeur faz isto como recurso didático, o infinito e o finito são desproporcionais, mas pode-se dizer (a ciência divina é para Deus, o que a ciência humana é para o criado” (Ricoeur, 2005, p. 423) e que é uma citação do De veritate de Tomás de Aquino.

Ricoeur, P. Metáfora viva. trad. Dion David Macedo. BR, São Paulo: Edições Loyola, 2005.

 

A metáfora e a metafísica

04 ago

O auge e a decadência da metafísica de Aristóteles, na análise de Paul Ricoeur está “nas características não-cientificas da analogia, tomada sem seu sentido terminal, reagrupam-se a seus olhos em argumentação contra a analogia” (Ricoeur, 2005, p. 414), e como a analogia era ligada a questão do ser, com ela fica submersa as questões ontológicas.

Entretanto, esclarece Ricoeur, “é porque a ´investigação´ de uma ligação não-genérica do ser permanece uma tarefa para o pensamento, mesmo após o fracasso de Aristóteles, que o problema do ´fio condutor´continuará a ser apresentado até na filosofia moderna” (RICOEUR, 2005, p. 415).

Para o autor, enquanto “o gesto primeiro continua a ser a conquista de uma diferença entre a analogia transcendental e a semelhança poética” (Ricoeur, 2005, p. 416), que ele explicita e aqui não será alongado, o segundo “contra-exemplo” da “descontinuidade do discurso especulativo e o discurso poético” é muito mais grave, e nele vai desde o discurso de Kant a Heidegger.

Explica que isto foi feito num discurso misto que a doutrina da analogia entis alcançou em seu pleno desenvolvimento e que ficou chamada de ontoteologia, pela pretensão de ligar ao Ser a transcendência divina, mas ignorando o discurso tomista, que é “um testemunho inestimável”.

O que o Aquinate faz é “estabelecer o discurso teológico no nível de uma ciência e assim substraí- lo inteiramente às formas poéticas do discurso religioso, mesmo ao preço de uma ruptura entre a ciência de Deus e a hermenêutica bíblica” (p. 417).

Contudo o problema é mais complexo “que o da diversidade regulada das categorias do ser de Aristóteles”, “falar racionalmente do Deus criador da tradição judeu-cristã.  A aposta é poder estender à questão dos nomes divinos a problemática da analogia suscitada pela equivocidade da noção de ser” (p. 417), lembre-se aqui a batalha entre nominalista e realistas medievais.

Explicando que a doutrina da analogia do ser nasceu “dessa ambição de envolver em uma única doutrina a relação horizontal das categorias à substância e a relação vertical das coisas criadas ao criador” (p. 419), ora este foi exatamente o projeto de uma ontoteologia.

Assim, o discurso tomista “reencontra uma alternativa semelhante: invocar um discurso comum a Deus e às criaturas seria arruinar a transcendência divina, assumir uma incomunicabilidade total das significações de um plano ao outro seria, em compensação, condenar-se ao agnosticismo mais completo” (p. 418), ele retoma o problema categorial “em suas grandes linhas” e “é o próprio conceito de analogia que deve ser incessantemente reelaborado” (p. 420).

Fica uma questão a responder, não estaria aqui um “retorno da metafísica à poesia, por um recurso desonroso à metáfora, conforme o argumento que Aristóteles opunha ao platonismos?” (p. 421).