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Da linguagem ao Ser
A linguagem enquanto fala e retórica é apenas aquilo que se exterioriza, porém se pensada como ontologia é a abertura (Erschlossenheit) a partir da apropriação silenciosa do si-mesmo, como Heidegger pensou em Ser e Tempo, seja a abertura (offenheit) pensada como clareira do ser (lichtung des Seins), aquela usada por pensadores e poetas, e que se mostra na medida que sua correspondência silenciosa como ser, expressa em Carta sobre o Humanismo.
Escreve neste texto: “O destino se apropria como clareira do Ser, que é, enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do Da lugar, mora o homem como ex-sistente, sem que ele já possa hoje experimente e assumir esse mora” (Heidegger, 1967, p. 61)
Em termos gerais linguagem é um veículo da expressão de algo interno ao homem, isto é, uma ponte que vincula o dentro e o fora do homem, tal forma de falar é pensada como uma atividade que acontece na qual o homem é o próprio meio, por isto há o silêncio antes.
Mas segundo a concepção ontológica da linguagem, não é a linguagem que pertence ao homem, mas antes o próprio homem concebido ontologicamente como ser-para-a-morte resoluto ou ser ontologicamente que responde como mortal à solicitação silenciosa do Ser.
Em termos mais simplistas trata-se aqui da diferença entre o ente que “tem” uma linguagem, no sentido de capacidade de falar, e a concepção ontológica que pensa o homem como “sendo” por meio de ser possuidor da capacidade de falar, a linguagem aqui não é apenas a transmissão de informações, mas o modo no qual manifesta o próprio existir humano.
Neste contexto comunicação começa com o silêncio, é preciso um vazio, um epoché na comunicação, que pressupõe um Outro que será destinatário, não é assim receptor, mas destino de sua fala, e este é o modo pelo qual se manifesta o próprio existir humano.
Assim para Heidegger, mas de outro modo também para Niklas Luhmann, seria preciso rever toda a teoria da Comunicação, pois receptor e transmissor são eles próprios o meio não humanos, e não “substituem” o homem, não podem existir nem ter relação como se o homem fosse algo acessório, aí está toda a alucinação da Inteligência Artificial atual, colocar receptor e transmissor no lugar de fonte e destino, seria preciso prever uma “clareira” do ente “fora” do Ser.
Por isto a clareira é interna, já postamos em outro oportunidade aquilo que Heidegger afirma em sua obra magna Ser e Tempo: “Na medida em que o ser vige a partir da alethéia, pertence a ele o emergir auto-desvelante. Nós denominamos isso a ação de auto-iluminar-se e a iluminação, a clareira” (cf. Ser e Tempo). (* aletheia do grego: a- não, lethe- esquecimento, desvelar).
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, p. 61.
A variante Delta e suspeitas da vacinação
Uma nova variação do vírus Delta originado na Índia apareceu e já se espalha, chamado de Delta Plus o vírus é mais letal e já há casos em vários países do mundo, no Brasil uma gestante é o primeiro caso noticiado, tinha 42 anos e faleceu dias após o contágio.
O crescimento de 30,6 % de infecções e 17,2% de mortes no Chile levantou suspeitas sobre a vacinação com ouso da CoronaVac, as mídias de redes sociais espalharam esta notícia, já que lá 90% da vacinação foi feita com a vacina, e não há variante Delta ainda e o país era um exemplo.
Segundo notícia dada por diversos centros de informação de imprensa (entre eles a AFP) esta correlação não é verdadeira porque o número de mortes não é proporcional a infecção, e entre os infectados e mortos são principalmente não há vacinados, disse a médica chilena Vivian L. Farias.
Outro aumento foi na Rússia, 20 mil casos novos, sendo 7.916 em Moscou, o maior número de casos confirmados num único dia desde 24 de janeiro, quando a vacinação não tinha se iniciado, as autoridades atribuem este aumento a variante Delta que estaria em alta no país, novas medidas de restrições estão sendo tomadas.
O grande problema lá é também a desconfiança da população, sobram vacinas e nem todos procuram a vacinação, os restaurantes estão pensando em servir apenas pessoas vacinadas e outras medidas neste sentido podem ser tomadas.
A vacinação no Brasil atingirá 70 milhões de vacinados com a primeira dose, a vacina Jannsen começa a chegar ao país, ela precisa apenas de uma dose, é de alta eficácia e em BH os primeiros a receber foram moradores de rua, a Pfizer enviou mais 936 mil doses e chega a 2,4 milhões de doses, 6 mil litros de insumos para a CoronaVac chegaram ao Brasil, dá para 10 milhões de doses.
Em junho, nos primeiros 24 dias, a média de vacinação por dia foi de 1 milhão de doses, porém por causa do aumento da demanda 2ª. dose da AstraZeneca em julho, ela tem um espaço de 12 semanas da primeira dose, a vacinação pode sofrer problemas, é preciso atentar a este aspecto.
Até o dia 20 de junho, o Ministério da saúde havia distribuídos 46,6 milhões de doses da AstraZeneca para a primeira aplicação (fonte uol), entretanto seriam necessários a partir de julho igual número de doses mais aqueles que receberão a primeira dose, assim seria necessário quase dobrar a fabricação mais 21,3 milhões de doses são os cálculos dos agentes de saúde.
A preocupação da Organização Mundial da Saúde com a nova variante Delta que já está em 85 países é o temor que esta nova cepa consiga modificar-se a ponto de driblar as medidas de prevenção, tratamento e vacinas disponíveis, o próprio presidente da OMS acentuou este fato (vários órgãos de imprensa, no Brasil o Correio Braziliense e outros).
O círculo hermenêutico e a metáfora
Somos traídos quando julgamos conhecer e estamos ainda na etapa inicial da interpretação, aquela que ainda não iniciou um processo de epoché, colocar entre parênteses nossos pré-conceitos e iniciar uma verdadeira dialogia.
A metáfora nos ajuda a aproximar usando de linguagem poética uma relação de pertencimento, trazer o mundo a poesia e levar a poesia ao mundo, isto porque o poema projeta um mundo na sua dimensão ontológica, uma realidade que está entre o ver como da metáfora e o próprio ser.
Há além desta função no âmbito da inovação semântica, o desvelar de realidade mais profundas, por exemplo, explicar questões que são complexas de modo a permitir este pertencimento, esta proximidade, é a função por exemplo, das parábolas, a metonímia e a sinédoque.
Exemplos de parábolas mais conhecidas são as bíblicas, associar o Reino de Deus às sementes que crescem sem serem percebidas, ou ao grão de mostarda, uma pequenina semente que se torna uma árvore, isto para dizer que há uma força vivificadora no homem, e em todo homem.
Porém a metáfora, pelo uso de linguagem figurada corre sempre o risco de ficar na superfície.
Exemplificamos na semana passada a passagem bíblica em que Jesus ia para a obra margem do mar da galileia e uma tempestade ameaça a barca e Jesus acalma a tempestade (Marcos 4:35-41), porém a sutileza desta passagem é os significados metafóricos de ir a outra margem e da própria tempestade.
Precisava explicar coisas mais profundas e questionou os discípulos o medo das tempestades, e segue para a outra margem, significando lá um momento mais direto com os apóstolos, boa parte da exegese analítica (ver o post anterior) se fixa numa compreensão imediata que ir para a outra margem significa mudar a rota, quando na verdade além descansar (Jesus dormia na tempestade), as realidades mais profundas eram explicadas diretamente aos apóstolos.
Isto se comprova se verificarmos que depois Jesus retorna “a outra margem” onde volta a encontrar a multidão (Mc 5,21-43), e nesta multidão está além de uma mulher desconhecida que toca o manto do mestre e é curada de uma hemorragia de 12 anos, há um chefe de Sinagoga chamado Jairo.
Jairo tinha a filha nas últimas, e enquanto se encontrava com Jesus pedindo que impusesse as mãos na filha, chegam amigos de Jairo, que dizem que ela faleceu e Jesus diz que ela “apenas dorme”, vai a casa de Jairo e realiza o milagre pronunciando as palavras “Talitá cum” (na foto quadro pintado por Benito Sáez Garcia), menina levanta-se.
Esta sutileza, uma pessoa comum e um chefe da sinagoga, mostra bem claro que na “multidão” se encontram também autoridade religiosas que querem sinais (os judeus querem sinais e os gregos sabedoria) e assim a metáfora é complementada com “sinais” e uma “sabedoria” inerente a Jesus.
O que é compreender
Compreender se tornou na estrutura analítica ocidental um círculo vicioso que tende apenas a repetir aquilo que considera verdade partindo de algum aforisma histórico, o que Gadamer chama de historicismo romântico em sua crítica a Dilthey.
O esquecimento do ser ignora que o círculo hermenêutico que vai da interpretação até uma nova compreensão é a própria estrutura de um novo sentido, um sentido existência, que está no Ser.
Assim a circularidade da compreensão não é primeiramente uma exigência lógica, a partir de um método A ou B, mas o próprio desdobramento ontológico: “a reflexão hermenêutica de Heidegger tem o seu ponto alto não no fato de demonstrar que aqui prejaz um círculo, mas um círculo este tem um sentido ontológico positivo” (GADAMER, 2013, p. 355).
Heidegger (2014) em sua obra magna Ser e Tempo elaborou uma hermenêutica da facticidade a partir da analítica temporal da existência humana (Dasein), aqui facticidade é o modo de ser em seu Dasein que encontra, na existência temporal, a possibilidade de revelação, de clareira:
“A estrutura da temporalidade aparece assim como a determinação ontológica da subjetividade. Mas ela era mais que isso. A tese de Heidegger era o próprio ser é tempo” (Gadamer, 203, p. 345), eis a essência mais profunda da obra de Heidegger, que aponta para o círculo hermenêutico:
“O decisivo não é sair do círculo, mas nele penetrar de modo correto. Esse círculo do entender não é um círculo comum, em que se move um modo de conhecimento qualquer, mas é a expressão da existenciária estrutura-do-prévio do Dasein ele mesmo. O círculo não deve ser degradado em vitiosum nem ser também tolerado. Nele se abriga uma possibilidade positiva de conhecimento o mais originário, possibilidade que só pode ser verdadeiramente efetivada de modo autêntico, se a interpretação entende que sua primeira, constante e última tarefa consiste em não deixar que o ter- prévio, o ver-prévio e o conceber-prévio lhe sejam dados por ocorrências e conceitos populares” (Heidegger, 2014, p.433), mas dirigir-se as coisas mesmas.
O compreender visto assim pode parecer filosófico demais ou uma teorização sobre o pensar, não o é, pois, mesmo no esquecimento do Ser, estrutura atual de fragilidade do pensamento, este é o processo de aprendizagem que envolve desde o aprendizado da linguagem por uma criança até os mais elaborados métodos de descoberta e inovação, ou são apenas repetição de algo já feito, e assim sem a facticidade, pois é mera repetição.
GADAMER, H-G. Verdade e método Trad. Flávio Paulo Meurer, revisão da tradução de Enio Paulo Giachini. 13. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2013.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.
O conhecimento e o fazer
A sociedade que vivemos é uma sociedade do desempenho, assim a chama Byung Chul Han que fez seu doutorado em Heidegger, é uma sociedade do fazer, mas não do saber-fazer.
Recordar “velhos teóricos”, endeusar teorias antigas que tiveram um funcionamento temporal determinado constitui o ocaso e a crise da filosofia, do pensamento não, porque o homem enquanto Ser é capaz de desvelar e descobrir, mas há um esquecimento do Ser.
O conhecimento não fechado em lógicas, com abertura e possibilidade de novas descobertas é o movimento constitutivo do tempo, não há algo totalmente compreendido e acabado, ele é constitutivo daquilo que acontece no tempo, e ele é que está sujeito a história, é um saber prático e da vida, um Lebenswelt como o chamava Husserl.
Heidegger partiu daí com influência direta de Husserl, o significado de sua Fenomenologia, supõe esta abertura para que se vejam as coisas como se manifestam, princípio do saber.
Assim não há algo compreendido, acabado, o que há é uma compreensibilidade num constante devir, implicando num saber prático, um saber-fazer mais do que objetivo de ciência, deve ser o fundamento de todo ato compreensivo como aquele que busca o conhecer.
A abertura essencial não é para a consciência hermenêutica como vista por Heidegger um ato primeiramente racional, é uma disposição afetiva, uma das estruturais existências do ser-ai, se mostra que compreender é sempre um compreender afetivamente, no sentido de “afetar”.
Segue-se ao afeto a interpretação, mas o que é interpretar aqui senão revisões e elaborações de sentido, postas em movimento, assim interpretação é para Heidegger:
“A interpretação de algo como algo funda-se essencialmente por ter-prévio, ver-prévio e conceito-prévio. A interpretação nunca é uma apreensão sem-pressupostos de algo previamente dado […]” (HEIDEGGER, 2014, p.427).
Um dos problemas filosóficos centrais de Heidegger é a questão acerca das possibilidades da linguagem, é a partir dela que o Ser elabora sua visão de mundo, da qual não pode escapar, ela que nos possibilita compreender o mundo, ela que elabora o ser-no-mundo.
Ser no mundo que implicaria num saber-fazer depende da visão de mundo, empobrecida e obscurecida pelo desempenho, pela exigência de eficiência e pela má articulação com o tempo.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.
A angustia e o temor diante da existência
O traço constitutivo do Dasein, em Heidegger está além do fenômeno psicológico e ôntico, não sendo algo que se refere somente a um ente ou a algo dado, nos remete a totalidade do ser como um ser-no-mundo, isto é sua verdadeira dimensão ontológica, nela se explica a angustia do Ser.
A categoria surgiu com Kierkegaard porém para ele a angústia revela o nosso ser finito, o nada de nossa existência diante da infinitude de Deus, por seu caráter eterno, ao passo que Heidegger não pensa apenas como categoria ontológica tornando-a apenas um fenômeno da finitude humana.
Preso a finitude humana é que encontra-se em Heidegger a diferença entre angústia e temor (furcht), mas na obra Ser e tempo o temor também é uma existência fundamental mediante o qual o homem se encontra no mundo (Heidegger, 1989) e isto torna a angustia um estágio suave.
Já o temor constitui para o autor uma disposição anima forte [Befindlichkeit] é ela que nos remete a algo que tememos e com isso se manifesta o todo do mundo, em sua estranheza e assombro, ela é o que acontece antes que possamos realizar um ato de conhecimento do mundo.
Há nela uma força de revelação do mundo, mesmo que num primeiro momento seja só fuga, nela por exemplo a alegria ou a felicidade, explica o autor são muito transitórios e menos marcantes, este ser-aí encontra-se lançado [geworfen] em meio a estados de ânimos, capaz de suportar o peso da existência, e nela “O humor torna manifesto ‘como a gente se sente’. Neste ‘como a gente se sente’ o estar disposto traz o Ser em seu estar-aí” (HEIDEGGER, 1986, p. 134).
Dito de forma mais precisa, ou mais de acordo com o pensamento de Heidegger, o medo é uma disposição central na nossa existência pelo fato de que manifesta o mundo no ator de fuga do ser-aí de si mesmo, mesmo sendo o homem o tema objetivo de Heidegger e Kierkegaard, o endereço últimod e ambos é o temor não como um objeto fora dele, mas sim ele mesmo: o homem somente teme por algo determinado porque em última instância ele é afetado e interessado.
Faço uma digressão porque o estar “fora” para o mundo contemporâneo, Byung Chull Han e Hanna Arendt retomaram de forma diferente o “estar dentro” na “vitta contemplativa”, em Heidegger o medo se volta para quem teme e não para o que teme, em Kierkegaard o temor é a Deus, porém já em período do idealismo projetado sobre o mundo, não como um Ser “fora”.
O importante no discurso heideggeriano é que consegue estabelecer três formas de medo: o diante do que [wofür] tememos algo, o que nos ameaça (as dificuldades da co-presença), o próprio temer [fürchten] enquanto tal, que abre para nós o mundo (as esferas de Sloterdijk ajudam esta reflexão), e, e o porquê [worum] nós tememos, que é o nosso próprio estar-aí.
Por fim, o temor pode ter variações: ele pode ser o que é assustador; pode ser o horror e também a decepção” (Heidegger, 1986, p.142), porém a diferença entre medo e temor ajudaria a separar melhor a categoria de Heidegger de Kierkegaard, que temor é de algo “maior”.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo Traduçăo de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1989.
O ser em sua autenticidade
A incursão de Heidegger sobre o que é a vida social, é que ela é regida por uma noção obscura do que seja convivência, onde não há sujeitos e sim um império do impessoal, do império que a tradução para o português fica muito boa, império do “a gente”, é uma sociabilidade truncada, não é apenas o individualismo, mas um lugar onde nem o eu nem o nós se distinguem.
Este espaço individual é aquele que tudo nivela por baixo, uma perda do Dasein no espaço aberto da “opinião pública” (Öffentlichkeit]), uma sociabilidade truncada, até o nós não inclui o Outro.
Neste estar aí do Dasein em que medida ele lida com outras pessoas do seu meio ambiente cotidiano, para isto Heidegger dá um passo na determinação da analítica existencial, que é responder como o mundo se abre para o Dasein, independente se seja o mundo de coisas ou de homens, isto pode ser compreendido por como ele vê a abertura para o mundo.
A vê como como uma abertura primeira e fundamental de modo triplo: a disposição, a compreensão e a interpretação, entendendo que isto o torna envolvido com o mundo.
Então primeiro o ser humano é tomado por estados da alma que abrem para ele irrefletidamente o mundo, geralmente por meio de um certo desvio, uma disposição, compreende o mundo não como uma teoria ou conceitos, mas como o próprio Dasein está com-preendido numa situação.
Assim a disposição torna-se compreensão, mas não é o homem que compreende o mundo e sim o mundo compreende o homem de modo totalizante, onde o ser humano inteiro é compreendido e isto o remete ao conceito de projeto (Entwurf) num sentido essencial: ele é projetado no mundo.
Este projeto dá ao homem possibilidade de interpretação, e só então consegue traduzir o mundo no discurso e na linguagem, tendo em vista que a proposição e o enunciado sempre implicam em um momento posterior na existência do Dasein.
São estas aberturas ao mundo no discurso e na linguagem, porém que devem levar em conta a proposição e enunciado como implicando um momento, sempre posterior, na existência do Dasein, porém a tendência de encobrimento no Dasein é sempre forte para que se torne livre.
Este traço fundamental de encobrimento e de fuga de si mesmo se fazer valer e determinar o ser-no-mundo do ser-aí (Heidegger, 1989) põe a questão sobre a possibilidade do ser-aí sair de sua inautenticidade.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1989
De que humanismo falamos
É comum estabelecer uma conexão entre os estudos de ontologia e a questão da existência, o filósofo Paul Sartre o fez, porém nem a tradição ontológica da escolástica, nem Heidegger fazem esta conexão, este último ressaltou: “O enunciado principal do existencialismo não tem nada em comum com aquele enunciado de Ser e tempo” (HEIDEGGER, 1996a, p. 329).
Em sua Carta sobre o humanismo, de 1947, Heidegger vai afirmar que o que distingue o homem é a sua relação com o ser e o modo como ele resguarda o ser, e não na medida em que é definido como um ser dotado de razão, e ele próprio critica esse humanismo, pois para ele o que há é um esquecimento do ser, que é diagnosticado em toda tradição filosófica ocidental, começando em Platão e se estendendo até Nietzsche, com todas suas injunções políticas e epistemológicas.
O tema do ser caracterizado no pensamento ocidental que tem raízes incipientes nos pré-socráticos, são já que são anteriores a “episteme”, é novamente retomado a partir de Heidegger como uma “ontologia fundamental”, isto é, com a possibilidade de questionar o ser em sua essência, e como este questionamento o humanismo de todo homem, assim a essência é coexistente com o ser.
É preciso enquanto se discute a ontologia, entende que o Dasein, o ser-aí de Heidegger, está preocupado em examinar como se dá a primeira, a original compreensão do homem em sua essência mesma, até mesmo antes do momento de formular uma teoria ou de ter consciência, a teoria chegar num momento posterior e a consciência de dá após a abertura do homem ao Ser.
Para entender o que Heidegger caracteriza como existência pode-se ler: Que é metafísica? (1929), onde se lê: “A palavra existência designa um modo de ser e, sem dúvida, do ser daquele ente que está aberto para a abertura do ser, na qual se situa, enquanto a sustenta” (Heidegger, 1989b, p.59).
Deste modo o objetivo da ontologia fundamental de Ser e Tempo é o ser que que se colocado como ente privilegiado e que é capaz de questionar o ser, que possui compreensão do ser [Seinsverständni], e este ente é o homem, e a partir dele que pensamento o humanismo.
É certo que há uma crítica de Peter Sloterdijk em “Regras para o parque humano: uma resposta a cartas sobre o humanismo”, que questiona o antropocentrismo, nossa relação com a natureza.
Heidegger, M. Ser e Tempo Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1989a.
______. Que é metafisica? Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1989b. (coleção Os Pensadores).
A narrativa e seus contextos
A emergência de estudos para análises em metodologias não positivistas e interpretativas nas ciências humanas fez surgir no panorama cultural de nosso tempo uma crise do conhecimento (episteme) que tem atraído diversos estudiosos para o tema, entre eles: “as formas e gêneros da narrativa, especialmente, têm atraído atenção (Bamberg, 1997; L. P. Hinchman & S. K. Hinchman, 1997; Polkinghorne, 1987).
Bamber explora as três décadas da análise de narrativas, Hinchman e Hinchman organizam uma coletânea para discutir problemas de identidade e memória em comunidades, e, Polkinghorne estuda o conhecimento como narrativa nas ciências humanas, o sentido inverso da ordem cronológica dos estudos é aqui proposital indo do mais geral para o mais específico.
Porém do ponto de vista histórico o tema é bem antigo, podendo ser analisado na Retórica de Aristóteles, e mais contemporaneamente há uma longa tradição destes estudos na teoria literária e na linguística.
Há uma dificuldade reconhecida de definição da narrativa, primeiro pelas formas e estilos que são bastante variadas, e assim sua fenomenologia cultural não só é diversificada como aberta, e, em segundo lugar existem elementos estruturais nas narrativas que estão presentes em outros tipos de discursos com os textos jurídicos, científicos históricos ou religiosos.
Destaco os estudos de Paul Ricoeur, em seu clássico Tempo e Narrativa Histórica (1981-1983) onde a reflexão filosófica está precisamente na relação entre “tempo vivido” e “narração”, que dito de maneira mais profunda significam “experiência” e “consciência” que torna o conceito em contato mais estreito com a filosofia contemporânea onde tempo, vivência estão em conexão.
Confronta o conceito de historiografia estruturalizante desde 1945 e meados dos anos 1970, e desloca o discurso do historiador para pertencer antes de tudo à ordem das narrativas, embora um tipo especial de narrativa que não é a analítica.
Sua análise faz um diálogo com a obra Confissões de Agostinho e Poética de Aristóteles.
A sua frase “toda história é narrativa”, não é apenas o desprezo pela mera relação ao factual, ou ao biográfico, nem mesmo a agitada situação da histórica política, seu intento é dar sentido ao vivido, da sensibilidade e da ação humana a uma historiografia que parece abstrair do homem.
O que Paul Ricoeur destaca em sua “narrativa” como “História Mestra da Vida”, que está além dos grandes estadistas e políticos, e disponível para o ser humano cuja vivência cotidianamente o desafia.
Referências:
Bamberg, M. (Org.) Oral versions of personal experience: Three decades of narrative analysis. Journal of Narrative and Life History, 7, 1-4, 1997.
Hinchman, L. P. & Hinchman, S. K. (Orgs.) Memory, identity, community: The idea of narrative in the human sciences Albany, NY: State University of New York Press, 1997.
Polkinghorne, D. Narrative knowing and the human sciences Albany, NY: SUNY Press, 1987.
RICOEUR, Paul, Tempo e Narrativa Tomo I. Campinas. Papirus, 1994.
Ação sem conexão, a vida “activa”
Ao criticar a “Sociedade do cansaço”, do eficientismo que Byung Chul Han retoma em seu ultimo livro, no post seguinte comentaremos, ambos apontam o dedo para o activismo, ou a palavra que Sloterdijk gosta: “agitacionismo”.
A noção de praxis que Sloterdijk defende não é a noção de praxis como um agir que considera o mito central da modernidade – o “agitacionismo”, que é, no fundo, apenas uma inversão da poesis e da teoria –, mas como um “deixar-fluir”, um tipo de contemplação activa.
Desmistificar esta noção de praxis como correlativo necessário da razão-acção, a filosofia prática teria de tomar consciência de que se deixou iludir pelo mito da acção e de que a sua aliança com o constructivismo e o activismo a impediu de se dar conta de que o conceito mais elevado do comportamento não é a acção, mas o deixar-acontecer, o ser capaz de largar as coisas que passam por si e que agem através de si, para ser mais fiel as palavras do autor.
Para entender o que ele quer dizer com Critica da Razão Cinica, uma de suas obras mais hermética, ele diferencia o cinismo clássico do moderno, que vem da origem do trmo grêmio “kŷőn“, do cinismo moderno que se tornou uma “falsa consciência iluminada”.
O iluminismo pressupunha que se vivia nas trevas onde se praticava o mal, mas que este mal seria fruto da ignorância, assim sua tentativa de iluminar aqueles desprovidos da luz da razão, mas isto criou uma “falsa consciência”, uma visão deturpada da realidade,
O iluminismo pressupunha as trevas onde se praticava o mal, que era tido como o fruto da ignorância. A crítica tentava iluminar os antros desprovidos da luz da razão. Daí o conceito básico de ideologia como “falsa consciência”, como uma visão deturpada, e por isso, falsa, da realidade, e para que não se pense que isto é só filosofia, também o pensador “engajado” Slovoj Zizek, vai dizer que ela está inscrita nas próprias coisas.
De modo diferente era o que também propunha Husserl, do qual é herdeiro toda a afiliação da fenomenologia moderno, voltar a consciência das coisas mesmas.
O cinismo moderno, também se tornou uma forma de ideologia no qual uma máscara continua a se transformar em ação construindo grandes teorias que tanto “no sentido figurado” como “no sentido literal agem como se não soubesse ou desconhecessem a realidade, tudo é narrativa só para usar a palavra atual.
Daí a crítica da razão cínica defender um procedimento crítico-ideológico-clássico que tornou-se obsoleto, sendo que esta crítica agora contraponha uma leveza de humor ao excedo de teoria.
Dirá o autor: “[…] O grande pensamento da Antiguidade tem a sua raiz na experiência de serenidade entusiasmada, quando, no auge do ter-pensado, o pensador se põe de lado, deixando-se penetrar pela ´revelação´ da verdade”, é bem próximo do distanciamento proposto por alguns autores “activos” porém com as diferenças da serenidade “entusiasmada” e da vista do “Ser”.
Esta visão é a que na antiguidade se tinha do cosmos, diz o autor: “baseia-se para os Antigos em “passividade cósmica” e na observação de que o pensamento radical pode recuperar o seu inevitável atraso em relação ao mundo dado podendo, em virtude da sua experiência do ser, atingir o mesmo nível que o “todo.”
SLOTERIJK, P. Crítica da razão Cínica, trad. Marco Casanova. BR, São Paulo: Estação Liberdade, 2012.