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A linguagem e a empatia
José Saramago expressou assim sobre a opinião que as pessoas têm sobre diversos assuntos: “O problema não é que as pessoas tenham opiniões, isto é ótimo. O problema é que tenham opiniões sem saber do que falam”, em tempos de mídias sociais é muito comum repetir ilustres desconhecidos porque disseram uma frase de impacto, porém quando se coloca num contexto adequado ou se penetra no assunto em questão, pode-se ter uma opinião mais sensata.
Tudo é polêmico hoje e de certa forma quase tudo tornou-se mera opinião, a doxa dos gregos, neste contexto o problema da linguagem se extrapola e a empatia é cada vez mais rara na linguagem cotidiana, se o problema na origem da sociedade moderna na antiguidade clássica era o sofisma, tudo se argumentava apenas para agradar o poder vigente, o problema hoje é ver isto disseminado na linguagem cotidiana, o cuidado com a linguagem, o respeito ao outrem e a escuta respeitosa devem fazer parte da linguagem empática.
Não é a política central apenas que se deteriorou, ou a democracia que entrou em crise, as escolhas de líderes salvadores da pátria, a pouca discussão dos problemas de fato que atingem a população, em plena expansão pandêmica pouco se fala de medidas efetivas contra ela, só para dar um exemplo grave, todo o problema parece ser a vacinação das crianças, que é urgente sem dúvida, porém todos tem diversos casos de infecção familiar ou próxima nas vizinhanças onde mora.
Reeducar a linguagem cotidiana, reintroduzir o respeito a qualquer cidadão, de qualquer raça, cor ou religião, deveria ser um esforço comum para melhorar a empatia social.
Até mesmo na linguagem religiosa, antes extremamente respeitosa e amorosa parece evoluir uma concepção mais separatista e isolacionista onde o diferente é isolado e malvisto.
É preciso encontrar espaço, tempo e local onde as verdades primeiras possam ser ditas, onde as culturas originárias possam se manifestar e serem ouvidas.
Em muitas culturas, religiões e teorias há um nó central lá onde as verdades mais profundas estão ditas.
A passagem bíblica em que Jesus revela quem de fato é e a que veio deveria ser o ponto central de análise de sua linguagem e sua missão, foi a Nazaré cidade onde fora criado e podia ser visto como uma pessoa comum, uma atitude empática, indo a sinagoga em dia de sábado deram o livro do profeta Isaías (Is 61,1-2) e ali Ele leu: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação dos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos, enviou-me para proclamar um ano de graça da parte do Senhor”, fechou o livro e depois surpreende a todos ao dizer: “hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 1,14-21). (Na foto a assinatura do profeta Isaías, National Geographic).
Linguagem verbal, mista e mística
Linguagem verbal é aquela que encontramos somente palavras (pode ser a oralidade primária, secundária ou a escrita), enquanto a linguagem não verbal envolve gestos, signos visuais, imagens, figuras, desenhos, fotos, cores e até mesmo música, porém a comunicação pode se realizar além do gesto e então torna uma comunicação mística.
Não é específica das religiões, pessoas próximas, amantes e mesmo crianças podem se comunicar com esta perfeição sem o uso exclusivo da linguagem verbal ou escrita, ela é além da autossugestão envolve o tema que desenvolvemos mais atrás da empatia, o vigor de uma relação amorosa ou simplesmente uma abertura grande de alma.
Porém a linguagem mística para se fazer revelar para muitos e ser compreendida usa de recursos míticos, figuras de linguagens, parábolas e até mesmo a poesia, como já pensava Heidegger que considerava ela uma “outra função” da linguagem, os versos são ricos em metáforas, símbolos e estórias como a da passagem do samaritano que socorre uma pessoa que foi assaltada e agredida na estrada para explicar que o socorro ao Outro, a misericórdia com quem sofre e a ajuda é sempre uma “vontade” divina para o homem.
Porém ocorre que muitas passagens são lidas e analisadas fora do contexto ou fora do significado hermenêutico de sua realização, se no passado foram necessários vários recursos linguísticos para ler documentos místicos, entre eles a Bíblia, o Alcorão ou o livro de Vedas, não significa que eles possam ser lidos sem a hermenêutica necessária.
Também atualizá-los apenas para fazer uso política, seja qual for a tendência ideológica que o realize é uma hermenêutica suspeita porque depende de determinada concepção histórica, e sabemos que o texto sagrado, salvo sua leitura contextual, deve remeter a uma realidade divina atemporal e aespacial (embora o termo não exista), mas considerando a vida terrena de todos que a leem, é nisto que deve-se fundamentar uma boa hermenêutica.
A Bíblia não significa outra coisa senão aquilo que foi escrito a partir de uma palavra verbal, os evangelhos cristãos representam uma revisão e uma releitura dos fatos e relatos verbais dos primeiros tempos dos cristãos que se iniciou com a vida pública de Jesus, período de domínio do império romano e no qual além dele muitos outros se diziam profetas.
A linguagem mística encontra correspondência quando determinada alma está em sintonia com a “vontade divina”, no dizer cristão, atenta ao Espírito Santo e tendo uma graça especial para isto, o que é muito diferente de influenciadores comuns em nossos dias devido aos poderes midiáticos e aos apelos as nossas necessidades humanas, deve-se estar atendo ao divino, claro que isto é para aqueles que creem, embora também uma comunicação não verbal perfeita possa perfeitamente acontecer entre os que não creem, mas será desprovida de qualquer revelação divina.
Língua, linguagem e cultura originária
Na obra de Heidegger: Hölderlin e a essência da poesia, vista em Heidegger (1992) fala da essência da poesia como um tipo de linguagem primordial, uma fala originária que precede e possibilita a linguagem comum, a comunicação, isto remete a uma fusão de horizontes inédita em língua e linguagem, classicamente define língua como: “é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação de determinada nação ou cultura”, enquanto linguagem abarcaria um conjunto mais amplo que inclui a capacidade dos seres humanos de desenvolver e compreender a língua, como se fosse possível dissocia-la de contextos, culturas e formas de comunicação ligada a cultura.
A linguagem comum na qual se comunica determinada cultura originária, guarda formas próprias de um código linguístico que é necessário a cada linguagem originária e se desenvolva de modo criativo de forma a preservá-la, diz-se desta fala (ou palavra) que é aquela que nomeia os deuses, e o faz para responder a um apelo cultural.
Se no passado as narrativas incluíam mitos, símbolos e ganchos poéticos para dar conexão a narrativa, hoje não é diferente, há sempre na fala alguma crença e alguma fantasia, sem a qual a linguagem poética seria mero exercício de retórica, e não o é, e este apelo a fantasia, a imaginação e ao transcendente é parte do humano e do divino.
Desejar que toda fala seja pragmática e objetiva é reduzi-la ao contexto da pura lógica formal, também o exercício científico muitas vezes precisa de algum exercício no além, no imaginário para encontrar respostar que não estão ali apenas como uma equação lógica.
Não é puro devaneio, crenças e imaginários sempre fizeram parte da história do humano, é um justo desejo de ir além, de buscar voos mais altos e de imaginar como possível algo além do enfadonho e pesado dia a dia, ainda que ele possa conter alegrias e sabores, o limiar de abertura a diversas culturas originárias não pode estar apenas ligado ao realismo objetivo e simplório.
Na foto acima uma igreja sincrética construída em Kazan, iniciada em 1992 portanto no pós soviético, capital do Tartaristão (república russa, mas de cultura totalmente diferente) onde mesmo com o predomínio do islamismo seguido pela igreja ortodoxa, é ao mesmo tempo um símbolo de resistência ao complexo linguístico russo e capaz de construir uma obra de tão grande significado onde diversas religiões podem se expressar, uma obra eclética do arquiteto Ildar Khanov.
HEIDEGGER, M. Arte y poesía. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1992
Verdade e linguagem
É possível falar de verdade? ou para fazer uma pergunta mais contemporânea é possível negar a verdade sem cair no relativismo? Só a verdade lógica aquela que vem de Parmênides “o ser é e o não ser não é”, se expressou até muito recentemente como verdade única, porém ela é o fundamento do positivismo e da lógica dualista, a ideia da consideração da historicidade e a circularidade hermenêutica coloca sujeito e objeto no âmbito de uma relação com a linguagem.
Neste âmbito da linguagem da linguagem, a verdade é ressignificada, deixando de ser concebida como única, como descrição fiel, e passando a ser vista como uma redescrição parcial, criativa porém limitada das coisas, como uma interpretação possível em determinado contexto e determinação situação cultural, para isso é preciso compreender a linguagem como algo anterior à linguagem do cotidiano, aquilo que Heidegger chamou a atenção à poética de Hölderlin como a essência da poesia como um tipo de linguagem primordial, uma fala originária que precede e possibilidade a linguagem comum, a comunicação.
De que forma então é possível falar da verdade? Só é possível falar da verdade levando em consideração a historicidade e a circularidade hermenêutica de sujeito e objeto, que estão no âmbito da linguagem. Assim a verdade é ressignificada, deixando de ser concebida como única, como descrição fiel, passando a ser vista como uma redescrição parcial, criativa e limitada das coisas, como uma interpretação entre outras possíveis. Uma possibilidade de se falar em verdade é a partir da linguagem. Mas para isso é preciso recorrer a uma compreensão de linguagem que seja anterior à linguagem do cotidiano, da comunicação. Em Hölderlin e a essência da poesia, Heidegger (1992, p. 125-148) fala da essência da poesia como um tipo de linguagem primordial, uma fala originária que precede e possibilita a linguagem comum, a comunicação;
Sendo a linguagem a mediação da nossa relação com o ser, ela é a que estabelece esta relação, de forma mais clara aquilo que está dito em Heidegger: “aonde o homem assume a exigência de adentar a essência de alguma coisa? O homem só pode assumir essa exigência a partir de onde ele a recebe. Ela a recebe no apelo da linguagem … é a linguagem que, primeiro e em última instância, nos acena a essência de alguma coisa” (HEIDEGGER, 2002, P. 167-168).
Assim a verdade deve ser compreendida no âmbito da viragem (ou reviravolta) linguística, a redescoberta contemporânea da importância da linguagem e ela não pode estar separada da historicidade originária, aquela que remete a cultura dos povos e religiões do passado e do presente.
HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.
Covid: Sistema de saúde pressionado e aumento de casos
O aumento registrado nas primeiras semanas de janeiro no Brasil dos casos de Covid, com predominância da variante ômicron é muito alto e não há tendência de estabilização, o sistema de saúde está pressionado pelo aumento das internações e pela presença da gripe H3N2 que também já apareceu, em geral é esperando só no começo do inverno por volta de abril e maio, mas este ano chegou mais cedo.
Os números são incertos porém há um significativo aumento (veja o gráfico), há pouca testagem e uma pane nos dados do Ministério da Saúde que se arrasta por mais de um mês, isto prejudica a adoção de política e o controle efetivo da pandemia, conforme explicou aos órgãos de imprensa o infectologista e pesquisador da Fiocruz: “A gente não consegue planejar a abertura de novos serviços hospitalares, de centros de testagem, abertura de novos leitos e entender as regiões onde o impacto da nova variante é maior” e os números deverão crescer no mês de fevereiro.
É um fato que a infecção desta variante é menos grave, porém não é certo que esta seria um indicativo de final pandêmico e os cuidados deveriam se manter, as festas de final de ano e a liberação de eventos públicos, já há algum retrocesso nestas medidas, foram vetores de propagação da variante que é mais infecciosa que as anteriores.
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis negou que a variante ômicron possa ser o final da pandemia salientando que probabilisticamente as mutações são caóticas e não é possível prever a próxima variante ou algum ponto de enfraquecimento linear do vírus, o provável é que tenhamos que conviver com ele ainda por um bom tempo, e o neurocientista alerta o que já está acontecendo na Inglaterra e Estados Unidos onde o sistema de Saúde pode colapsar a qualquer momento, uma vez que está pressionado. e alerta que é possível chegarmos a um ponto de Covid crônica, isto é um estado que o sistema hospitalar não pode mais dar conta do volume de casos que acontecem e com tratamentos paliativos apenas sem conseguir tratar efetivamente a doença.
Com os números deste final de semana no Brasil, chegou-se a próximo de 50 mil casos diários, a expectativa é devem crescer até o final de fevereiro e o sistema de saúde já pressionado poderá entrar em colapso, enquanto as autoridades monitoram sem dados realmente válidos e confiáveis da pandemia.
A vacinação de crianças começou no Brasil, na idade de 5 a 11 anos, com a vacina Comirnaty ( Pfizer/BioNTech) porém o número de doses disponíveis é incerto, as secretarias de saúde tem aberto inscrições para agendamento que além de evitar aglomerações poderá fazer uma previsão na medida que tiverem doses disponíveis.
Empatia: da água para o vinho
Esclarecidas situações patológicas, onde a empatia é apenas uma instrumentalização ou um disfarce para ações que não contemplam o Sofrimento do Outro podemos afirmar situações em que ela realmente é eficaz e pode modificar a situação praticamente como um milagre, não só no sentido extraordinário como também com alta probabilidade.
Já dissemos que fora dos condicionantes ideológicos, culturais e sociais a natureza humana destina a viver em situação coletiva tende a empatia para bom convívio social, basta observar as crianças quando ainda não estão contaminadas por ambientes agressivos ou tóxicos, para usar um termo bem atual.
Também situações sociais: ambientes de trabalho, vizinhança, pequenas comunidades há sempre uma tendência onde reina a empatia (ou o Amor num sentido hoje esquecido) a tendência maior é que a frônese (no sentido que hoje chamam de inteligência emocional) e a empatia, e isto não é novo, apenas é necessária uma atualização.
Muitos ambientes podem mudar da água para o vinho se forem totalmente enriquecidos e purificados pela empatia, há sempre uma tendência maior a solidariedade e a tolerância do que ao conflito e ao egoísmo pessoal ou de grupo, em ambientes que ela não é enriquecida por uma espiritualidade também se enfraquece e tende a não prosperar, porque há uma pressão social vinda de fora aonde o ambiente é de conflito e polarização.
O sofrimento pandêmico foi uma grande oportunidade para reconhecer o Sofrimento alheio, a dor do Outro, ou apenas a face do Outro e suas inclinações e conceitos, o que se observa contextualmente é que recrudesceram os conflitos e a oportunidade não foi devidamente agarrada, mas não invalidade esforços conjuntos em regiões e situações.
Há exemplos destes esforços em muitos locais, agora mesmo a situação de enchentes na Bahia é nova oportunidade em que muitas comunidades se uniram ao flagelo da região, doações e socorros vieram de vários locais do Brasil, embora as autoridades centrais tenham tido certa negligência.
São opções que fazemos de ações, hábitos e que se tornam um “caráter social” se mudamos da água para o vinho, é possível, como naquela passagem bíblica onde na festa ia faltar o vinho, e Jesus estando presente recebe o pedido da mãe para que intervenha e seu primeiro milagre publico acontece apenas para dar vinho e melhorar a alegria daquela festa, manda encher três toneis de 100 litros cada de vinho e então pede que levem ao mestre da festa para provar (Jo 2,7), e ele diz o vinho melhor ficou para o fim.
Assim não é o fim que estamos vivendo, mas o início de uma nova realidade, mesmo a empatia não tendo chegado após tanto sofrimento ela virá e uma nova clareira se abrirá, como aquela da passagem do paralitico pelo teto que chega até Jesus para curá-lo, antes Ele o cura dos pecados (Mc 1,5) para que tenha uma alma mais “empática”.
Empatia e espiritualidade
Conforme apontamos no post anterior frônese não é uma virtude moral, mas intelectual na teoria de Aristóteles, então a empatia pode ser conforme elaborado ali, um componente de sentimento da frônese, o melhor exemplo para explicar isto é o da acrácia (em grego akrasia, ἀκρασία), ou do sentimento e frônese de um psicopata.
Embora acrásia possa ser traduzida ao pé da letra por “não ter comando sobre si mesmo”, está descrito no discurso de Platão em Protágoras, na verdade é uma situação de psicopatia onde o mesmo tem conhecimento de determinada ação, mas não tem exatamente o mesmo sentimento de uma pessoa normal perante algum sofrimento.
O que está errado neste contra-argumento para explicar a frônese é que o desejo de aliviar a dor do outro perante algum sofrimento deve estar de alguma maneira bloqueada, no entanto não impede que o psicopata cultive algum sentimento da situação da outra pessoa e o faz de tal modo sofisticado no que define a respeito de como e porque a pessoa em questão tem tal Sofrimento, e não se trata só de atitudes morais, no caso de um psicopata o que torna seus sentimentos e ações moralmente defeituosos podem ter raízes em seus hábitos (já dissemos que isto vem dos pensamentos tornados ações), se incluirmos as pessoas que tem compaixão ou misericórdia pelo Sofrimento alheio, então pode-se explicar.
Não é, portanto, apenas uma atitude moral ou ética, embora o seja também, mas alguma virtude espiritual praticada com insistência de tornar-se um hábito que o Sofrimento do outro, o exercício desta compaixão onde a ação torna-se hábito guiado para a disposição de agir de uma maneira boa que pode ser fornecida pelas outras atitudes morais que fornecem os meios para discernir sobre o sofrimento junto com a Empatia, assim tem-se que necessariamente expandir a lista das atitudes morais fornecidas por Aristóteles.
A frônese não pode ser exercida sem virtudes morais básicas e assim não pode ser iniciada sem a empatia, pode-se admitir que um psicopata tenha até mesmo empatia, muitos são carismáticos e podem influir muitas pessoas, mas lhe faltará uma virtude moral básica que complemente a sua ação, e isto é impossível sem alguma um exercício para tornar-se hábito a atitude empática completa de sentir o Sofrimento alheio, este exercício que torna-se um hábito é chamado aqui de Espiritualidade.
Enquanto não é hábito pode ser um exercício de ascese, uma simulação ou simplesmente um disfarce que em algum momento será desvelado.
É bom ressaltar que pode haver ascese (elevação do espírito parcialmente) sem uma verdadeira espiritualidade, chamo-a usando um termo de Peter Sloterdijk de “ascese desespiritualizada”, ou seja, sem uma raiz profunda que leve ao conhecimento amplo do que é a dor do Outro, se quisermos dar um nome uma frônese empatizada.
A espiritualidade é, portanto, um exercício que leva a uma ascese, porém o que é ascese não depende só da crença de cada um, mas aquilo que durante a vida torna-se hábito e caráter, quem não o tem pode praticá-lo por alguns dias, ou até mesmo alguns anos, mas sem raiz profunda logo a abandonará, como emagrecer, fazer dietas e outras tentativas de hábitos que nem sempre se mantém, para torna-los vida eles devem integrar o nosso caráter, a nossa personalidade.
Empatia e a convivência social
Embora em algumas áreas como a administração e a saúde já existam trabalhos sobre a empatia como melhoria do relacionamento social, está longe de ficar claro que não se trata de uma atitude apenas de simpatia, contágio emocional ou um relacionamento carinhoso (Pedersen, 2010), não se trata, portanto, de uma “tática” de construir relacionamentos.
Já delineamos o raciocínio que vai do pensamento até o caráter (a frase de Meryl Streep no filme “A dama de ferro”) e deve ser, portanto, um exercício de caráter ético.
O conceito de frônese (phronesis) traduzido como “sabedoria prática” ou “prudência” é desenvolvido em Aristóteles, no livro VI da “Ética a Nicomaco”, será que esta compreensão do ser empático e sábio em Aristóteles está correta ? E se assim o for isto significa ser sábio em questões práticas significa entender melhor o fenômeno da empatia?
Junto com a fronese na Ética a Nicômaco estão outras virtudes com a aretê (a excelência ou virtude suprema) e Aristóteles vai associar a cinco formas diferentes quando se trata de atividades humanas, poderíamos dizer sociais: a episteme (conhecimento científico organizado), a techne (conhecimento técnico), a frônese (sabedoria prática) e a sophia (conhecimento filosófico) e nous (“sacadas” intelectuais), claro todos estes conceitos devem ser contextualizados no mundo contemporâneo.
A sabedoria prática como Aristóteles a caracteriza é uma espécie de conhecimento de como agir em situações práticas (lembrem-se as palavras se tornam ações e as ações se tornam hábitos e vão definindo um caráter), mas ele também fala de perícia técnica, caso em que o objetivo da atividade deve ter de antemão algum conhecimento para realizá-lo, a ideia que basta a intuição ou a inspiração (nous) sem conhecimento técnico é inútil.
A empatia é desta forma um tipo de discernimento, uma maneira de ver o que está acontecendo no mundo a nossa volta com os outros seres humanos, neste sentido é preciso uma sabedoria (sophia) e atentar para diversos intérpretes que estejam de forma mais profunda tematizando-se, talvez a palavra filosofia esteja desgastada, então apenas sophia.
A filosofia contemporânea Martha Nussbaum mostrou como a noção aristotélica de sabedoria repousa na compreensão das emoções como contendo conhecimento sobre o mundo que compartilhamos com outras pessoas, e frônese não é desprovida de sentimento, ao contrário ela ajuda o “sábio” e entender e julgar a pessoa em dada situação.
Por causa do contexto ético, somos levados a colocar empatia no contexto da filosofia moral aristotélica, o que é um erro, como frônese é mais adequado, entretanto pode acontecer outro equívoco de considerar apenas como virtude “intelectual” e desconsiderar aspectos subjetivos (espirituais inclusive) que a empatia deve ser colocada.
A empatia é então um componente de “sentimento” relacionada a frônese, entretanto é fato que alguns filósofos negam que empatia seja essencialmente um sentimento (Coplan, Goldie, 2011), relembramos novamente que pensamento se tornam palavras, estas ações e depois hábitos e quando inseridos no caráter já fazem parte dos “sentimentos”.
Resolvemos esta querela, não é tão simples é verdade, entendendo que enquanto não são hábitos necessitam de exercício e depois inseridas no caráter, são sentimentos ou subjetividades (próprias do sujeito), porém fica claro que ela não é uma atitude natural, embora a empatia o seja, é preciso “treino”.
Assim detectamos em Aristóteles uma lacuna entre a sabedoria prática e a sophia, diríamos uma saudável espiritualidade ou uma capacidade de interiorização.
Referências:
Coplan, A., and P. Goldie. 2011. Introduction. In Empathy: Philosophical and psychological perspectives, ed. A. Coplan, and P. Goldie. Oxford: Oxford University Press.
Pedersen, R. 2010. Empathy in medicine: A philosophical hermeneutic reflection. Oslo: University of Oslo, Faculty of Medicine.
A empatia e a frônese
Frônese (phrónesis, do grego antigo: φρόνησις), na obra Ética a Nicómaco de Aristóteles, livro IV, distingue-se tanto de teoria como da prática por constituir-se de uma virtude da sabedoria do pensamento prático, entretanto uma adaptação moderna de Hans-Georg Gadamer situa-se entre o logos e o ethos, esta relação pode-se assim aproximar o amor “teórico” de uma ação prática empática.
Assim a frônese insere-se nas ações humanas como fenômenos mediante um exame hermenêutico de opiniões, não apenas para revelar os princípios imutáveis das causas dessa ação, mas sobretudo para entender que a partir da mera opinião (a doxa) do Outro, é possível auxiliá-lo mediante a empatia a chegar ao conhecimento (episteme).
Funciona como uma verdadeira ação de atração que leve o Outro a refletir. dentro do círculo hermenêutico trata-se de permitir uma leitura dos pré-conceitos do Outro e atentar para os próprios, assim as ações que decorrem daí poderão ser mais empáticas, explicando de maneira fronética (prática): ler o que o Outro de fato quer e pensa.
Esse conhecimento leva a uma nova episteme (concepção teórica dos novos horizontes) no qual é possível pensar em uma ação conjunta ou ao menos convergente, como já dissemos anteriormente, a empatia é uma relação originariamente natural, enquanto a desempatia (é diferente da antipatia que é oposto a simpatia) é o rechaço do Outro, sim algo que se tornou naturalizado, devido a ideologias e pré-conceitos herméticos impossíveis de fazer uma releitura.
A verdadeira lei de atração é a empatia, uma vez que ela pode reforçar ações positivas, colaborativas e socialmente coletivas, enquanto a simples oposição leva a repulsão do Outro e a criação de polos de opinião (doxa) e de conhecimento (episteme) não convergentes e não humanos, não se trata de lógica simples, mas de onto-lógica, lógica do Ser.
Porque isto tornou-se tão difundido e alargado é simples, um forte sistema de pensamento não humanista se desenvolveu com objetivo de poder e enriquecimento, não apenas colonizador e xenofóbico, mas sobretudo não ontológico, impróprio do ser.
A ideia do simples rechaço pode parecer natural, entretanto ela pode levar a outro sistema de dominação polarizado e estruturalmente autoritário e assim não empático e não fronético, novamente simples teorias que na prática se mostram desastrosas.
Caos pandêmico e negacionismo estrutural
As medidas de restrições deveriam ter continuado, mas o que se observa é uma liberação de aglomerações e ausência de protocolos claros, em todo mundo há um aumento de caos, aproximando-se dos 3 milhões diários, no Reino Unidos há uma explosão de casos (ver gráfico), estudos da França revelaram 46 variantes, a ômicron ainda é predominante, porém há o risco de novas mutações se a pandemia não for contida e a única arma disponível é a vacinação, entretanto, medidas sanitárias rigorosas já deveriam ter sido tomadas, aos poucos: voos, restaurantes e aglomerações voltam a ser proibidas (lá), mas sem a força necessária das autoridades públicas.
Não é diferente no Brasil, onde chegou-se a mais de 56 mil internações só na cidade de São Paulo, porém o discurso público é que são apenas pessoas que não tomaram vacina ou que os casos não são tão graves, porém a própria OMS alerta para a gravidade da ômicron, sendo o primeiro efeito imediato colocar o sistema de saúde em colapso, em São Paulo a ABLOS (Associação Brasileira de Lojistas Satélites) pedirá aos shoppings redução de horário de funcionamento pela falta de funcionários devido a covid.
Estudo da Universidade de Washington indica que o Brasil poderá chegar a um milhão de casos diários, em curto prazo, até o final do mês de janeiro, a influenza H3N2 avança, no entanto, a maioria dos casos ainda é da covid 19 com a variante ômicron. A China estoca alimentos não está declarado que seja apenas pela questão da ômicron ou há algo mais.
O líder indígena Ailton Krenak, do povo da região devastada do rio Doce, disse em entrevista no programa Bom para Todos da TVT que falar em novo normal é muito próximo ao negacionismo, aquilo que precisa ser mudado e não é significa que achamos bom o estado anterior de despreocupação com a vida e com a natureza, é a própria natureza que nos impele a uma mudança de hábitos, a um novo modo de viver, e se não aprendermos rápido ficaremos presos a novas pandemias e crises cíclicas.
É assim mesmo, não tem como mudar, diz o discurso conformista, ou pior aquele que deseja devastando vidas voltar a uma normalidade ainda impossível não apenas devido a pandemia, mas agora também por uma realidade social sofrida e com apagões e dificuldades de reestruturação, como alerta Krenak não há novo normal é preciso lidar com a realidade por mais dura que ela seja.
Mesmo com a ausência de dados claros, desde o final de dezembro o Ministério da Saúde vive um apagão de dados, causado por hackers, porém não conseguiu se reestruturar, também a testagem e controle em atividades coletivas foram suavizadas, basta ir a qualquer evento social, a restaurantes ou igrejas, já não há medida de temperaturas e as necessárias observações de distanciamento, é o que chamamos aqui de negacionismo estrutural.
Espera-se alguma medida, mas de cima para baixo, parece uma política intencional, há um descontrole em ações e uma relativização da gravidade pandêmica.