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Líbano, eleições no Irã e leste europeu
As eleições no Irã já ocorreram dia 28/06 indicando que o prognóstico correto de ligeiro favoritismo para o reformista Masoud Pezeshkian o mais votado com 44,40% sobre o ultraconservador Saeed Jalili com 40,38%, o segundo turno deverá ocorrer no próximo dia 05/07 e as eleições significam muito para o Ocidente e para o futuro da relação com Israel.
As eleições foram antecipadas devido a morte do ex-presidente Ebrahim Raisi em maio no acidente de helicóptero no norte do país, o regime está submetido a uma junta de clérigos sob o comando do Aiotalá Ali Khamenei, que sucedeu ao famoso líder Khomeini e o presidente se submete a esta junta de clérigos.
Porém a tensão na região do Líbano, onde é visto pela população e diversos governos como um ataque próximo por parte de Israel, é parte neste xadrez onde o Irã é visto como aliado do grupo Hezbollah que tem base neste país, alguns países já pediram aos seus cidadãos que não viajem ou saiam do Líbano com urgência.
A possibilidade de um governo reformista no irã e a crescente pressão sobre Israel pode ajudar a mudar o cenário da região de guerra e tensão em escalada e com um futuro muito sombrio.
A tensão no leste europeu também cresce, a escalada da guerra atingiu a Criméia sob governo russo e a retaliação atingindo as fontes energéticas da Ucrânia, a Russia sob o tom devido o crescente apoio do Ocidente a Ucrânia e acusa diretamente a França de enviar tropas, o que significa na prática uma declaração de guerra.
Nos EUA a pressão também cresce, no debate presidencial o tema foi relevante, as eleições no país ocorrerão no início de novembro, e no primeiro debate Biden se viu desgastado e agora se fala em substituição dele como candidato.
A Rússia sob o tom, comentando até a patética tentativa de golpe na Bolívia, vista pelo Kremlin como aliada russa, porém houve uma troca de 90 prisioneiros entre os dois países (foto) num raro momento de trégua em meio a toda uma zona de fronteiras sob forte contingente militar.
A paz sempre é possível, é preciso corações e mentes capazes de ultrapassar o ódio e a violência.
As bolhas e o outro
Diversos autores escreveram sobre a questão do Outro, infelizmente ainda há uma ignorância sobre o termo, ele renasceu (a meu ver sempre existiu na filosofia cristã, a patrística trata amplamente do termo como “próximo” e Paul Ricoeur lembra isto), Habermas escreveu sobre a Inclusão do Outro que seriam as fronteiras de comunidades abertas a todos, Byung-Chul Han escreveu A expulsão do Outro, ao refletir sobre a comunicação hoje, entretanto Emmanuel Lévinas e Paul Ricoeur o trataram com originalidade e riqueza.
Já postamos algo sobre Lévinas lido por Byung-Chul Han que lembra seu conceito de “il y a” no qual analisa um aspecto funcional da relação ética, fazendo-a transcender, é preciso dizer que não é a eticidade de Hegel, para ele o princípio da saída do ser para a existência, passando do ser ao seu estado bruto, é sair da solidão do “il y a”, assim dá sentido a existir.
De Paul Ricoeur postamos em alguns trechos a relação entre o “sócio” e o próximo, a primeira é utilitária e a segunda realmente “transcende”, mas sua obra seminal é o Si-mesmo como um outro (publicado em 1990, em português no Brasil em 2014 pela Martins Fontes), ele tem o cuidado de tratar que o si-mesmo não seja deixado de lado, uma vez que é comum ver o Outro eliminando o si-mesmo, ainda que na relação fenomenológica sempre é necessário um “epoché”, mas colocado entre parênteses.
Mas aqui queremos avançar para o conceito de bolhas no Esferas I de Peter Sloterdijk, expõe sua esferologia, forma de definir e problematizar o que significa “estar no mundo”, uma vez que nós viemos de uma esfera que é o ventre materno, e saímos para a esfera do nosso planeta, e ele cria um conceito de imunologia para dar sentido a sua ideia de meio social de comunicação que é a co-imunidade, é curioso que o termo veio bem antes da pandemia.
É curioso que o autor, que não vê religião como algo objetivo, não deixa de analisar em sua obra conceitos vindos na “cultura” do cristianismo ao falar, por exemplo, de uma ascese desespiritualizada que vale para muitos religiosos de hoje, e de Matrix in Gremio (no colo da mãe, uma clara alusão a Maria) e aqui destacamos a eucaristia (não é o conceito ortodoxo, é obvio).
Ao falar das bolhas, um tópico especial é “Do excesso eucarístico”, essa mútua incorporação é descrita em episódios ilustrativos constituintes da tradição europeia da cordialidade ao seu ver, que para nós latinos poderia ser um adjetivo de miseri-cordis, tem um coração que acolhe humildemente o coração do outro, e seu “excesso’ seria melhor compreendido.
Narra três episódios neste tópico, o primeiro é do período da trova cavalheiresca do século XIII pelo poeta Conrado de Würzburg, em que o impossível adultério trovadoresco de um cavaleiro e uma dama é levado à concretude somente com a consumação não ciente do coração do rapaz pela moça, claro trata-se do amor humano aqui, porém o autor também trata do testemunho de Raimundo de Cápua (1330-1399) que ganha coro, no qual Catarina de Siena (uma santa católica muito sábia) que tem seu coração trocado pelo do próprio Cristo revelado, marcando a comunhão esférica do humano com o divino, e aqui se entende a sua adjetivação de “excesso eucarístico”.
O terceiro é mais filosófico e retoma a filosofia clássica de Platão, uma adaptação feita por Marcílio Ficino do Banquete de Platão, com a influência da medicina medieval ele imagina que Fedro penetra, com adaptação clara medieval, com vapores sanguíneos que vieram do seu coração e extrapolaram pelo seu próprio olhar, os outros de Lísias, com isto insufla seu coração tornando-o enamorado de Fedro.
O discurso de Lísias, no diálogo platônico Fedro fala do encantamento provocado pela arte de usar belamente o logos, com intuito de persuadir, ele elabora um belo e “lógico” discurso para dizer que é mais vantajoso entregar-se a um não apaixonado do que um amante, ele exerce ali sobre Fedro um fenômeno chamado apathê.
A questão importante de Sloterdijk é que todos estamos sujeitos a nossas bolhas, aos nossos pré-conceitos e somente com este recurso pensado por Lísias, ver o outro não-amante e não próximo, como uma possível entrega é que podemos iniciar um processo de aproximação, na filosofia de Hans-Georg Gadamer a “fusão de horizontes”.
Que olhar temos sobre o Outro diferente e como podemos realizar um “apathê” que se torne um encontro favorável e interessante, uma comunicação possível.
SLOTERDIJK, P. Esferas I. trad. José Oscar de Almeida Marques, São Paulo: Estação Liberdade, 20 16.
A guerra pode se estender ao Oriente
A inclusão de mais protagonistas num ambiente de guerra propicia sua escalada, e a resposta da Rússia ao encontro na Suíça foi imediata.
Putin se reuniu com o presidente da Coréia do Norte, um dos países mais fechados e bélicos do mundo, e depois foi ao Vietnã do Norte em busca de cooperação para a guerra na Ucrânia, a reação da Coréia do Sul foi Imediata, o presidente sul-coreano Yoon Suk-Yeol declarou: “é absurdo que duas partes com um histórico de lançar guerras de invasão, a Guerra da Coreia e a guerra na Ucrânia, agora prometam cooperação militar mútua com base na premissa de um ataque preventivo por parte da comunidade internacional que nunca acontecerá”, entretanto é uma clara ameaça.
O documento chamado de “Tratado Abrangente de Parceria Estratégica” tem o mesmo espírito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) , que prevê assistência de todo bloco a qualquer ataque que um membro sofra, a Rússia já tem a parceria da Bielorrússia, e assim parecem se formar as alianças que antecederam a segunda guerra, na época o Eixo era Alemanha, Itália e Japão, e depois aliaram-se também a Bulgária, a Croácia, a Hungria, a Roménia e a Eslováquia (a Finlândia, que não participou) Stalin da Rússia chegou a acenar a um acordo e depois traído, tornou-se inimigo do Eixo e uniu-se a Aliança que os combatia (França, Reino Unido e EUA).
Pode-se imaginar que este clima era absurdo, povos que viviam em paz aliarem-se deste modo, porém se olharmos nosso cotidiano hoje não é diferente, se olharmos a visão quase sempre polarizada e criando narrativas para as guerras podemos entender como este clima se instala, desejar a paz é também uma opção e poucos pensam assim, neste momento o presidente coreano destaca em seu discurso a ideia clara que o país não vê motivo para a guerra, mas não descarta enviar auxílio à Ucrânia e assim um novo polo do conflito surge.
Reagir com passividade em um conflito não significa omitir-se ou contrário é a posição mais dura por que verifica que há equívocos sempre que o recurso é a guerra, a leitura de uma narrativa não é a narração, conforme afirma Byung-Chul Han e Walter Benjamin (O narrador), lembram que a história contada por Heródoto do rei Psammenit “serve como exemplo de sua arte da narração” (Han, 2023, p. 21).
Nela o rei egípcio Psammenit ao ser derrotado na guerra pelo rei persa Cambises, após ver a filha reduzida a criada e o filho sendo levada para ser executado permanece com os olhos para o chão, porém ao ver entre seus servos prisioneiros, um homem idoso e frágil “bateu em sua cabeça com os punhos e expressou profunda tristeza” (Han, 2023, p. 22) pois talvez preferisse estar no lugar daquele pobre homem, a guerra destrói nossa humanidade mais profunda, a narrativa distorce e desumaniza a história.
Assim é preciso uma narração sensata, serena, o atual potencial bélico do mundo pode nos levar a mais séria crise civilizatória muito além da barbárie podendo chegar ao extermínio ou a um limite intransponível de ódio e violência, temos esperança de paz se ainda houver pacíficos. Diz a leitura bíblica: “Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!” (Mt 5, 9).
Han, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.
O Justo e a reconciliação
A justiça praticada apenas de modo legalista e sem nenhuma misericórdia ela é apenas humana e não pressupõe a paz social, ela incita o ódio entre adversários.
O contrato social estabelecido na modernidade, vem na verdade da ideia de absoluto do primeiro contratualista John Hobbes (1588-1679) e também da ideia de O Príncipe de Maquiável, na verdade transfere todo o direito e a justiça ao Estado e isto não significa que ele não pratique injustiças, na modernidade sabemos que sim.
Também no ápice do idealismo Hegel (1770-1831) desenvolveu uma ideia teleológica do Absoluto, que é uma figura abstrata ainda que a caracterize como “potência substancial”, que no momento de sua subjetividade e singularidade deste conceito se manifesta como uma substância universal, que através de sua abstração se efetiva como uma espécie de consciência de si singular, substituindo a ideia de essência da Ontologia, é algo abstrato mesmo.
A ideia de justiça traduzida no Justo de Paul Ricoeur, Habermas e outros autores é a ideia que ela não é a singularidade de uma substância, mas sim deve estar concretiza em algo concreto que é o Justo, este sim em potência pode e deve se desenvolver dentro do que é moral e ético, na antiguidade clássica os filósofos, em particular Platão que procurava a educação para os cidadãos, ele deveria ter as virtudes, o aretê, que na sua significação mais precisa significa excelência, e Aristóteles a desenvolve como phronesis, que é o político.
Parece muita teoria abstrata, a nosso ver o idealismo hegeliano realmente o é, mas as virtudes e a excelência política de cada pessoa não é abstrata, ela significa a capacidade de cada um de exercer a política considerando os direitos do outro e a responsabilidade ética com os bens sociais, em especial, com o bem-comum.
A reconciliação é sempre aquela situação de conflito onde é possível rever as responsabilidades sociais de cada um e os diversos éticos de posicionamento social, se alguém cometa uma falta grave ou leve, sempre é possível encontrar o Justo, aquele ponto em que as partes envolvidas podem estabelecer uma espécie de contrato social particular, minimizando o dano ou a perda das partes envolvidas.
Diz a leitura bíblica se você não se reconciliar com teu irmão, ele te levará ao juiz, o juiz ao tribunal e dali irá para a prisão, é então melhor se reconciliar antes.
O Justo vê o Outro e é delicado
Paul Ricoeur em seus dois volumes de O Justo irá se dedicar a desvelar esta relação, que envolve relações de poder, iniciando pelo grito que considerado justo: “Isto é injusto!” diz no prefácio de seu livro em referência ao primeiro capítulo do livro de R.J. Lucas “On the Justice” (1955) e reconhece nela uma proclamação de um protesto.
Como em boa parte da obra de Paul Ricoeur é no reconhecimento da face do Outro que devemos entender o príncipio da Justiça, mas faz uma longa análise da obra de John Rawls “Teoria da Justiça” porque não ignora relações de poder e sua influência na visão de justiça atual, até mesmo Habermas o analisou.
A experiência de injustiça é feita por nós próprios como por outros indivíduos e ainda mais por grupos humanos, em especial aqueles que estão em guerra por que consideram graves: o roubo de seus direitos, mas a experiência de injustiça requer uma reflexão profunda, em especial naqueles casos que há violência contra vítimas e a injustiça social.
Ricoeur retoma Aristóteles para analisar a “vida boa”, mas é preciso esclarecer que não é o sentido pejorativo de boa vida de malandros e oportunistas usado no senso comum, na linguagem aristotélica e da Grécia antiga o bom tem um sentido eminentemente ético, ou seja, o bem que se busca é inseparável do bem do outro, assim busca a paz e não o conflito ou a usurpação de bens como Eduardo Galeano classifica todas as guerras, é além de qualquer egoísmo repreensível, que rebaixa o sujeito o impedindo de atingir e ser respeitado no plano moral.
No ensaio verdade é justiça, do Justo 2, Ricoeur se refere à expressão mesma que serve de título ao seu livro O outro como um si-mesmo, onde comenta: “A fórmula de « Si-mesmo como um outro » é neste sentido uma fórmula primitivamente ética, que subordina a reflexividade do si à mediação da alteridade do outro.”
Há uma dimensão deontológica que não é distante da teológica no seu pensamento sobre o Justo, a ética de Ricoeur não se limita ao monologismo inerente ao formalismo kantiano, presente em John Rawls, ao mesmo tempo que se recusa a um apelo ao sentimento, digamos ao “coração” tem uma dimensão de “delicadeza” no respeito ao Outro.
Byung-Chul Han lembra em seu livro “No exame” que apenas uma relação é simétrica (diríamos horizontal, sem a relação de poder): “o respeito” e é esse respeito que nos leva a compreensão do Justo com relação ao Outro.
Assim aquele que pratica a justiça raramente busca holofotes ou brilho próprio, sabe que em essência o que faz é uma relação de respeito ao Outro, diferente e diverso.
Ricœur, P. Le Juste 1. Paris : Éditions Esprit, 1995.
Novo recorde do blog, ontologia e paz
Ultrapassamos os 50 mil acessos mensais neste blog, deverá chegar próximo aos 60 mil no final do mês, já é um novo record, o último a muito tempo era acima de 30 mil.
Credito isto aos nossos desenvolvimentos atuais sobre a ontologia, a retomada da questão do Ser escondida pela ausência de uma filosofia que compreenda o Ente (as coisas que são presentes na vida real) e contemple o homem todo desvelando a relação com o Ser, em nossa brincadeira pessoal: o Ser do ente.
Não deixamos de tocar a questão da contemplação, a necessidade de uma verdadeira ascese espiritualizada e uma religião autêntica que preserve a vida e a dignidade de todos.
Ela está em conexão com nossos análises e constantes apelos a paz, a escalada de conflitos em âmbito mundial coloca a própria civilização em crise e como no período que antecede a guerra muitas narrativas distorcem as verdadeiras causas e perigos da guerra, novos tipos de colonialismo e discursos que ignoram o Outro, assim além das leituras frequentes de Byung-Chul Han e Heidegger, pontos centrais de nossos posts, não deixamos de analisar o dia-a-dia cotidiano e outros autores como Paul Ricoeur e Edgar Morin.
Agradeço aos leitores e manteremos o site e blog independente e sem qualquer patrocínio.
Tensões e pressão pela paz
A cúpula do G7 conseguiu reunir 90 países se reuniu sem a presença da Rússia e sem o aval da China que considerou fundamental a participação da Rússia, a reação do Kremlin foi de ironia em relação a reunião que exige que o território da Ucrânia seja mantido em toda sua integridade, apesar da vitória diplomática de Zelensky a batalha bélica segue cruel.
Na quinta feira (13/06) os EUA assinaram um pacto de cooperação de dez anos com a Ucrânia, o que coloca em nível de igualdade com a parceria com Israel, porém um navio nuclear russo que chegou a Cuba eleva o nível de tensão próximo a famosa crise dos mísseis na década de 60, embora hoje o envolvimento mundial na crise seja muito maior já que boa parte da Europa se sente ameaçada pelas incursões militares russas e a militarização é crescente assim como uma guinada política mais nacionalista evolui.
Além dos 7 países que compõe o G7 US, UK, Canada, Canadá, Itália, Japão e França, mais 82 países compareceram a reunião que discutiu um possível acordo de paz na guerra do leste europeu, destaca-se a presença do Papa Francisco, lembrando que o Vaticano é também um estado soberano.
Destaque também para o primeiro-ministro Modi da Índia defendendo o bem-estar do Sul Global, enfatizando a importância de África nos assuntos globais, um ponto que escapa em muito debates, mas alguns aspectos do colonialismo ainda sobrevivem, tanto no aspecto econômico quanto o cultural, e a defesa destes países é essencial.
Em 1918 com o fim da primeira guerra mundial o presidente Americano Woodrow Wilson (foto) fez uma proposta de uma “paz sem vencedores” ainda que a Alemanha deveria ser melhor analisada no acordo, ela é importante para entender as diversas possibilidades para a paz hoje (na foto os países do Tratado de Versalhes, 1919, que estabeleceu as fronteiras).
Pouco conhecida, os 14 pontos que estabeleciam uma nova política de paz depois da segunda guerra mundial, conhecida como 14 pontos eram os seguintes: 1. Diplomacia aberta sem tratados secretos, 2. Livre comércio económico nos mares durante a guerra e a paz, 3. Condições comerciais iguais, 4. Diminuir os armamentos entre todas as nações, 5. Ajustar as reivindicações coloniais, 6. Evacuação de todas as Potências Centrais da Rússia e permitir-lhe definir a sua própria independência, 7. Bélgica será evacuada e restaurada, 8. Retorno da região da Alsácia-Lorena e de todos os territórios franceses, 9. Reajustar as fronteiras italianas, 10. À Áustria-Hungria será dada uma oportunidade de autodeterminação,11. Redesenhar as fronteiras da região dos Balcãs criando a Roménia, a Sérvia e o Montenegro, 12. Criação de um Estado turco com livre comércio garantido nos Dardanelos, 13. Criação de um estado polaco independente e 14. Criação da Liga das Nações.
Hoje existem questões nova como as reais fronteiras da Ucrânia, a inexistência de um território para o povo palestino (o Hamas é só um grupo desta nação), o esquecido povo Curdo, os conflitos na região da Caxemira (há uma indiana e uma paquistanesa), o fim dos conflitos e tensões na África que escondem novos colonialismo e algumas garantias de paz nas fronteiras da Rússia que podem muito bem serem entendidas (a Rússia chama de regiões “neutras”) e a tensão complexa Taiwan x China.
Enfim não é algo impossível, mas é preciso desenhar um mapa global da paz e isolar governos e grupos que atentam contra a liberdade e autonomia dos povos.
O outro como categoria política
Na história da filosofia o Ser, o Ente e a Essência foram três categorias metafísicas fundamentais, como a filosofia moderna jogou a “agua suja com a criança dentro da bacia”, além do esquecimento do Ser como aponta Heidegger e seus interpretes e diálogos (Hannah Arendt, Hans-Georg Gadamer, Peter Sloterdijk, Byung-Chul Han e outros), há também uma categoria redescoberta, ou até mesmo nova de fora da cultura religiosa: o Outro, visto como o “próximo”, o “irmão” ou o “fiel”.
Paul Ricoeur escreveu sobre o próximo e o sócio, para diferenciar na relação utilitária moderna as relações entre ambos, mas também Lévinas (O tempo e o outro), Martin Buber (Eu e Tu) e Byung-Chul Han, em análise mais contemporânea escreveu A Expulsão do Outro, mas a obra de Junger Habermas “A inclusão do Outro – Estudos de Teoria Política” é aquela, como diz o título, que trata de incluir esta análise no seio da polis moderna, diz na introdução: “defendo o conteúdo racional de uma moral baseada no mesmo respeito por todos e na responsabilidade solidária geral de cada um pelo outro” (Habermas, 2002, p. 7) e condena a desconfiança de um universalismo marcado mais pelo apelo a diferença do que “o mesmo respeito para todos se estende àquelas que são congêneres, mas à pessoa do outro ou dos outros em sua alteridade” (idem).
Diz o autor: esta comunidade moral não é apenas a mera inclusão do Outro (pg. 8)”, mas a “inclusão do outro” significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos – também e justamente àqueles que são estranhos que são estranhos um ao outro – e querem continuar sendo estranhos e constitui exclusivamente pela ideia de discriminação e sofrimento” (pg. 8 e toda primeira parte do livro se refere a esta questão.
Na Segunda parte refere-se a uma réplica e uma discussão com John Rawls, que foi convidado pelo editor do Journal of Philosophy, onde analisa em termos de conceitos, as instituições morais que norteiam Rawls e esclarece que sua réplica também serve ao intuito de esclarecer “as diferenças entre o liberalismo político e um republicano kantiano como eu o entendo” (pg. 8), lembro que também Paul Ricoeur “O justo ou essência” escrito em dois volumes, também abortou as ideias de John Rawls.
A terceira parte do livro “pretende contribuir para o esclarecimento de uma controvérsia que voltou a surgir na Alemanha depois da reunificação. Continuo a fiar a linha que iniciei outrora num ensaio sobre `Cidadania e Identidade Nacional’ “(pg. 8), mas sabia o autor que o tema seria tão atual para os dias de hoje.
A quarta parte, foi uma das motivações desta postagem, já que Byung-Chul Han fala da paz eterna de Kant, o autor fala sobre os direitos humanos a nível global e nacional (na Alemanha evidentemente), por ocasião do bicentenário texto sobre a Paz pérpétua de Kant, “A luz da nossa experiência histórica”.
O livro terá a quinta parte não menos instigante sobre a “a teoria do discurso a respeito da concepção de democracia e de Estado de direito” (pg. 9) e isto tudo é apenas o prefácio do autor, e o primeiro tópico é sobre o aspecto cognitivo da moral, que deve ser anterior aos demais capítulo, pois apresenta seus fundamentos.
Escreve o autor: “as manifestações morais trazem consigo um potencial de motivos que pode ser atualizada a cada disputa moral” (pg. 10) e assim “as regras morais operam fazendo referências a si mesmas” (idem) e estabelecerá “para isto dois níveis acoplados de modo retroativo entre si” (pg. 12).
No primeiro nível, elas dirigem a ação social de forma imediata, na medida em que comprometem a vontade dos atores e orientam-na de modo determinado” (pg. 12).
No segundo nível, “elas regulam os posicionamentos críticos em caso de conflito … não diz apenas com os membros da comunidade devem se comportar … coloca motivos para dirimir consensualmente os respeitos conflitos de ação” e vê isto de modo muito análogo aos jogos de linguagens de Wittgenstein onde se estabelece uma polifonia.
O tema se aproxima da Crise da Narração de Byung-Chul Han porque ambos, e isto inclui também John Rawls e Martin Buber ainda que de modo bastante diferente, pois Han esclarece: “o rosto exige distância. Ele é um Tu, e não um Isso disponível” (pg. 96), e penetrando na Teoria Comunicativa, grande tese Habermas, Han vê tanto na sua ideia de psicopolítica no Enxame na perspectiva digital, que a única possibilidade de simetria é o respeito, as relações de poder são assimétricas, e para ele também as comunicativas.
Quem é o Outro, aquele com que me encontro e que muitas vezes é muito diferente de mim, se ele me deseja a paz, diz a passagem bíblica, sentaremos e cearemos juntos,
HABERMAS, J. A inclusão do outro – Estudos de Teoria política. Trad. Georg Sperber, Paulo Astor. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2002.
HAN, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.
O desencantamento do mundo e a esperança
A guerra é o ápice do desencantamento, mas ela se reproduz nas narrativas, nas intolerâncias e pequenas guerras do dia a dia que provocam a expulsão do Outro, principalmente quando há interpretações e visões diferentes do que são os “fatos”, mas se valem de pequenas guerras ocultas em suas narrativas e num contexto restrito onde ela é válida.
O desencantamento do mundo, agora retomado pela crise da narração de Byung-Chul Han, já foi tema de Max Weber que referiu-se ao fenômeno como um processo no qual o sujeito moderno passou a se despir de costumes e crenças baseados em tradições herdadas ou aprendidas sob os pilares fixos das religiões ou da “magia”, nada mais convergente com Han, porém é importante entender como isto penetrou na linguagem.
Para ser coerente com o tema, o capítulo final da Crise da narração (há outro em sei que é o Storyselling, mas opto pela resistência do espírito), o qual postamos anotações a semana passada, começa com a narração de Peter Nadás, de uma aldeia que se reunia ao redor de uma grande pereira selvagem, e ali contam história uns aos outros, ela forma uma comunidade narrativa “que carregam valores e normas, vinculam intimamente valores e normas” (Han, 2023, p. 121), nela a aldeia se entrega a “contemplação ritual”.
Nadás fala ao final de seu ensaio: “anda me lembro como, nas noites quentes de verão, a aldeia costumava cantar baixinho […] sob a grande pereira selvagem […] Hoje não há mais dessas árvores, e o canto da aldeia emudeceu” (Há, 2023, p. 122 citando Nadás), e “essa comunidade sem comunicação dá lugar à comunicação sem comunidade”.
Ele imagina como outros autores, cita até a Pax Eterna de Kant, porém também sua filosofia construiu a narrativa moderna, e diz como sonhou Edgar Morin e imagina um universalismo radical “uma família mundial” para além da nação e da identidade (pg. 125) e diz “a poesia eleva cada indivíduo por meio de uma conexão peculiar com todo o resto” citando Schriften Novalis, e esta comunidade narrativa rejeita a excludente narrativa da identidade.
“A ação política em sentido enfático pressupõe uma narrativa” (pg. 126) e pressupõe uma coerência narrativa, relembra Hannah Arendt “pois a ação e o discurso, cuja estreita interrelação na concepção grega de política já discutimos [neste blog também], são de fato as duas atividades que, em última instância, sempre resultam em um história, ou seja, em um processo que, por mais arbitrário e por acaso que seja em seus eventos e causas individuais, ainda assim tem coerência suficiente para poder ser narrado” (Han, 2023, p. 127), lembro em posts anteriores a ideia de Arendt também utilizada por Byung-Chul de vita activa e vita comtemplativa.
Do capítulo final aproveito o seu “Viver é narrar. Os seres humanos, como animal narrans, diferem dos animais por serem capazes de realizar novas formas de vida por meio da narração. A narração tem o poder de um novo começo” (pg. 132) que é um sinal de esperança para a humanidade em uma crise crescente.
Han, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.
Violência, manipulação e resistência
Edgar Morin pediu em entrevista que diante de uma situação de policrise enfrentemos ela com uma resistência do espírito, a força de caráter, de oposição ao ódio e de oposição a pequenos atos desonestos, mas o mais difícil é a resistência espiritual as narrativas que vão da política a religiosidade.
Esclarecendo como fizemos no post anterior, que ao usar Walter Benjamim que faleceu na década de 40, o que ele citava era sobre a imprensa preocupada com notícias quentes e nem sempre em pensar e digerir com profundidade a “lentidão” como propõe Byung-Chul Han os fatos da realidades, afirma Byung-Chul: “A digitalização põe em movimento o processo que Benjamin, devido à sua época, não podia prever … associa a informação com a imprensa. Á imprensa é um meio de comunicação que segue à narração e ao romance” (Han, pg. 27), lembrando que é a visão romântica que inicia um processo de morte da narração.
Já havíamos citado em posts anterior Karl Kraus (1874-1936), poeta e jornalista austríaco forte opositor da 1ª. guerra mundial, um espírito de resistência da época, alertava as ideias em ebulição nacionalista e militarista, da qual a imprensa era parceira, e via na guerra uma manifestação da loucura coletiva da humanidade.
Em época de vazio espiritual é muito comum o espirito bélico e passional crescer, não faltam espíritos exaltados e sem nenhuma reflexão em todas mídias, a ordem é promover a desordem, a moral é promover o imoral, desta loucura se alimentam espíritos bélicos e doentios, precisam da loucura coletiva para sua loucura da guerra prosperar.
Em um período ainda anterior, o regime da informação [desordenada] afirmava George Büchner (1813-1837), citando por Byung-Chul: “somos marionetes, cujos fios são puxados por poderes desconhecidos; não somos nada, nada nós mesmos” (Han, 2023, pg. 29), agora “os poderes estão se tornando mais sutis e invisíveis,, de modo que não temos mais consciência dele. Nós até confundimos isso com liberdade” (Idem).
A pobreza da experiência da narração, também apontada por Benjamim e citada por Han: “que foi feito de tudo isso ? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas ?” (Han, 2023, pg. 31), é certo não há neutralidade, mas entre duas forças bélicas é possível um poder de resistência que as denunciem.
É como na leitura bíblica os fariseus que querem colocar Jesus em posição favorável ao império romano, para vê-lo como traidor, ou em oposição para enunciá-lo como rebelde.
Em leitura bíblica, dai a Cesar o que é de Cesar (Mc 12,16-17): “ Eles levaram a moeda, e Jesus perguntou: “De quem é a figura e a inscrição que estão nessa moeda?” Eles responderam: “De César”. Então Jesus disse: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E eles ficaram admirados com Jesus, pois não era um ato aliado e sim mostrar de que lado está o poder e de que lado estão os homens pacíficos e que querem de fato o bem comum de todos.
Depois de inúmeras alianças com os fariseus, no ano 70 d.C. o império Romano destruiu o segundo templo judaico e cuja reconstrução sonham até o dia de hoje, ambos perderam, também o império romano caiu no ano de 476 ao líder germano Odoacro (na foto os visigodos saqueando Roma), os bárbaros já haviam minado o poder político, financeiro e militar do Império.
HAN, B.C. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.