Posts Tagged ‘paz’
O outro como categoria política
Na história da filosofia o Ser, o Ente e a Essência foram três categorias metafísicas fundamentais, como a filosofia moderna jogou a “agua suja com a criança dentro da bacia”, além do esquecimento do Ser como aponta Heidegger e seus interpretes e diálogos (Hannah Arendt, Hans-Georg Gadamer, Peter Sloterdijk, Byung-Chul Han e outros), há também uma categoria redescoberta, ou até mesmo nova de fora da cultura religiosa: o Outro, visto como o “próximo”, o “irmão” ou o “fiel”.
Paul Ricoeur escreveu sobre o próximo e o sócio, para diferenciar na relação utilitária moderna as relações entre ambos, mas também Lévinas (O tempo e o outro), Martin Buber (Eu e Tu) e Byung-Chul Han, em análise mais contemporânea escreveu A Expulsão do Outro, mas a obra de Junger Habermas “A inclusão do Outro – Estudos de Teoria Política” é aquela, como diz o título, que trata de incluir esta análise no seio da polis moderna, diz na introdução: “defendo o conteúdo racional de uma moral baseada no mesmo respeito por todos e na responsabilidade solidária geral de cada um pelo outro” (Habermas, 2002, p. 7) e condena a desconfiança de um universalismo marcado mais pelo apelo a diferença do que “o mesmo respeito para todos se estende àquelas que são congêneres, mas à pessoa do outro ou dos outros em sua alteridade” (idem).
Diz o autor: esta comunidade moral não é apenas a mera inclusão do Outro (pg. 8)”, mas a “inclusão do outro” significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos – também e justamente àqueles que são estranhos que são estranhos um ao outro – e querem continuar sendo estranhos e constitui exclusivamente pela ideia de discriminação e sofrimento” (pg. 8 e toda primeira parte do livro se refere a esta questão.
Na Segunda parte refere-se a uma réplica e uma discussão com John Rawls, que foi convidado pelo editor do Journal of Philosophy, onde analisa em termos de conceitos, as instituições morais que norteiam Rawls e esclarece que sua réplica também serve ao intuito de esclarecer “as diferenças entre o liberalismo político e um republicano kantiano como eu o entendo” (pg. 8), lembro que também Paul Ricoeur “O justo ou essência” escrito em dois volumes, também abortou as ideias de John Rawls.
A terceira parte do livro “pretende contribuir para o esclarecimento de uma controvérsia que voltou a surgir na Alemanha depois da reunificação. Continuo a fiar a linha que iniciei outrora num ensaio sobre `Cidadania e Identidade Nacional’ “(pg. 8), mas sabia o autor que o tema seria tão atual para os dias de hoje.
A quarta parte, foi uma das motivações desta postagem, já que Byung-Chul Han fala da paz eterna de Kant, o autor fala sobre os direitos humanos a nível global e nacional (na Alemanha evidentemente), por ocasião do bicentenário texto sobre a Paz pérpétua de Kant, “A luz da nossa experiência histórica”.
O livro terá a quinta parte não menos instigante sobre a “a teoria do discurso a respeito da concepção de democracia e de Estado de direito” (pg. 9) e isto tudo é apenas o prefácio do autor, e o primeiro tópico é sobre o aspecto cognitivo da moral, que deve ser anterior aos demais capítulo, pois apresenta seus fundamentos.
Escreve o autor: “as manifestações morais trazem consigo um potencial de motivos que pode ser atualizada a cada disputa moral” (pg. 10) e assim “as regras morais operam fazendo referências a si mesmas” (idem) e estabelecerá “para isto dois níveis acoplados de modo retroativo entre si” (pg. 12).
No primeiro nível, elas dirigem a ação social de forma imediata, na medida em que comprometem a vontade dos atores e orientam-na de modo determinado” (pg. 12).
No segundo nível, “elas regulam os posicionamentos críticos em caso de conflito … não diz apenas com os membros da comunidade devem se comportar … coloca motivos para dirimir consensualmente os respeitos conflitos de ação” e vê isto de modo muito análogo aos jogos de linguagens de Wittgenstein onde se estabelece uma polifonia.
O tema se aproxima da Crise da Narração de Byung-Chul Han porque ambos, e isto inclui também John Rawls e Martin Buber ainda que de modo bastante diferente, pois Han esclarece: “o rosto exige distância. Ele é um Tu, e não um Isso disponível” (pg. 96), e penetrando na Teoria Comunicativa, grande tese Habermas, Han vê tanto na sua ideia de psicopolítica no Enxame na perspectiva digital, que a única possibilidade de simetria é o respeito, as relações de poder são assimétricas, e para ele também as comunicativas.
Quem é o Outro, aquele com que me encontro e que muitas vezes é muito diferente de mim, se ele me deseja a paz, diz a passagem bíblica, sentaremos e cearemos juntos,
HABERMAS, J. A inclusão do outro – Estudos de Teoria política. Trad. Georg Sperber, Paulo Astor. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2002.
HAN, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.
O desencantamento do mundo e a esperança
A guerra é o ápice do desencantamento, mas ela se reproduz nas narrativas, nas intolerâncias e pequenas guerras do dia a dia que provocam a expulsão do Outro, principalmente quando há interpretações e visões diferentes do que são os “fatos”, mas se valem de pequenas guerras ocultas em suas narrativas e num contexto restrito onde ela é válida.
O desencantamento do mundo, agora retomado pela crise da narração de Byung-Chul Han, já foi tema de Max Weber que referiu-se ao fenômeno como um processo no qual o sujeito moderno passou a se despir de costumes e crenças baseados em tradições herdadas ou aprendidas sob os pilares fixos das religiões ou da “magia”, nada mais convergente com Han, porém é importante entender como isto penetrou na linguagem.
Para ser coerente com o tema, o capítulo final da Crise da narração (há outro em sei que é o Storyselling, mas opto pela resistência do espírito), o qual postamos anotações a semana passada, começa com a narração de Peter Nadás, de uma aldeia que se reunia ao redor de uma grande pereira selvagem, e ali contam história uns aos outros, ela forma uma comunidade narrativa “que carregam valores e normas, vinculam intimamente valores e normas” (Han, 2023, p. 121), nela a aldeia se entrega a “contemplação ritual”.
Nadás fala ao final de seu ensaio: “anda me lembro como, nas noites quentes de verão, a aldeia costumava cantar baixinho […] sob a grande pereira selvagem […] Hoje não há mais dessas árvores, e o canto da aldeia emudeceu” (Há, 2023, p. 122 citando Nadás), e “essa comunidade sem comunicação dá lugar à comunicação sem comunidade”.
Ele imagina como outros autores, cita até a Pax Eterna de Kant, porém também sua filosofia construiu a narrativa moderna, e diz como sonhou Edgar Morin e imagina um universalismo radical “uma família mundial” para além da nação e da identidade (pg. 125) e diz “a poesia eleva cada indivíduo por meio de uma conexão peculiar com todo o resto” citando Schriften Novalis, e esta comunidade narrativa rejeita a excludente narrativa da identidade.
“A ação política em sentido enfático pressupõe uma narrativa” (pg. 126) e pressupõe uma coerência narrativa, relembra Hannah Arendt “pois a ação e o discurso, cuja estreita interrelação na concepção grega de política já discutimos [neste blog também], são de fato as duas atividades que, em última instância, sempre resultam em um história, ou seja, em um processo que, por mais arbitrário e por acaso que seja em seus eventos e causas individuais, ainda assim tem coerência suficiente para poder ser narrado” (Han, 2023, p. 127), lembro em posts anteriores a ideia de Arendt também utilizada por Byung-Chul de vita activa e vita comtemplativa.
Do capítulo final aproveito o seu “Viver é narrar. Os seres humanos, como animal narrans, diferem dos animais por serem capazes de realizar novas formas de vida por meio da narração. A narração tem o poder de um novo começo” (pg. 132) que é um sinal de esperança para a humanidade em uma crise crescente.
Han, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.
Narrativas, guerras e perigos
Em um dos recentes ensaios de Byung-Chul Han, ao mesmo tempo que o autor lembra Hyppolyte de Villemessant, fundador do jornal francês Fígaro e de Walter Benjamin ensaísta e filósofo que faleceu na década de 40, o autor não deixa de associar a narrativa moderna associada as novas mídias, ao storytelling chamando de storyselling (produto para venda).
Assim ao invés de provocar uma reflexão sobre os grandes problemas da atualidade, entre eles a escalada das guerras, mas o problema é antigo: “o leitor do jornal moderno pula de uma notícia para à outra, em vezes de deixar seu olhar vaguear à distância, e demorar-se ali. O olhar longo, lento e demorado se perdeu” (Han, 2023, p. 17), ou seja, não há reflexão.
Assim trata-se de criar uma narrativa favorável a esta ou aquela visão ideológica, pouco importa a lógica e a humanidade, mesmo diante de tragédias estamos mais ocupados (não todos felizmente) em criar uma narrativa para justificar determinada posição do que para defender um princípio humanitário, há esta ou aquela guerra, mas todas matam inocentes, todas como disse Eduardo Galeano escondem desejos de poder e de exploração sobre a nação a ser dominada, mas grandes impérios sucumbiram apesar de toda a prepotência e genocídios.
O recrudescimento da guerra da Ucrânia, as ameaças ao último reduto de refugiados palestinos, as constantes ameaças a Taiwan, além de incursões na África e agora até a América do Sul, a Venezuela volta a ameaçar a Guiana com intenso movimento de tropas e as provocações entre os EUA e o Irã incendiam espíritos bélicos e até pessoas boas, mas inocentes, embarcam nestas narrativas, não há outro interesse nas guerras: saques, mortes de inocentes e desumanidades.
Os encontros entre nações no Brasil, na Europa e as tentativas de sensibilizar governos para os perigos desta escalada bélica não faltam no mundo todo, porém esbarram em narrativas parciais e partidárias, poucos são as mentes que se sensibilizam para o perigo grave e civilizatório desta escalada, em todo mundo o armamento é a única resposta que parece tocar os governantes, e assim crescem as narrativas de “atos heroicos” de fatos bélicos em todo mundo que deviam envergonham aqueles que invocam princípios humanitários, sendo a ONU as guerras e problemas ambientais levaram a fome mais de 700 milhões de pessoas.
Até mesmo para uma narração bíblica ou histórica, onde pretende-se construir um “todo” narrativo, há uma chamada para o humanitarismo, ao Caim matar o irmão Abel, a pergunta divina é “onde está teu irmão?” (Genesis 4,9) e a narração sugerida por Byung-Chul Han é a do rei egípcio Psammenit que foi capturado pelo rei persa Cambises, e após a derrota faz o rei se humilhar ao ver sua filha transformada em escrava e o filho sendo levado para ser executado (Han, pg. 21), porém o rei egípcio só sentirá ao ver um servo idoso e frágil entre os prisioneiros e “bateu em sua cabeça com os punhos e expressou profunda tristeza” (pg. 22), assim a narração, diz Han, “dispensa qualquer explicação” (Han, pg. 22).
Se formos capazes de reflexões longas, lentas e demoradas não é difícil entender o perigo da escalada das guerras, das pessoas simples como o serviço de Psammenit que sofrem e morrem por questões que mal compreendem direito, e que as narrativas não explicam, apenas tentam justificar o injustificável: a morte, a pilhéria e a mentira.
Como afirmar o filósofo Morin, é preciso uma resistência do espírito, estamos aos poucos perdendo o sentido de amor, esperança e solidariedade e se lermos e investigarmos as notícias e fatos das guerras veremos que não houve nada nelas que não fossem grandes genocídios, roubos e situações de fome e miséria, é preciso resistir ao ódio e a violência.
HAN, B.C. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
A Ucrânia pode ser apenas um passo na guerra
Crescem temores que o avanço russo no norte da Ucrânia consiga chegar e capturar a cidade de Kharkiv, a segunda maior da Ucrânia e de importância industrial e militar indiscutível, o cenário pode ser mais grave do que se pensa.
Não há conexão ideológica, mas uma análise tática da segunda guerra, a Alemanha antes de invadir a Polônia, anexou a Austria, país de muitas tradições comuns e com uma estrutura linguística muito próxima, o evento conhecido como Anschluss (conexão ou anexação) ocorreu de 11 a 13 de maio de 1938, a invasão da Polônia ocorreu em 1º. de E
A base dos conflitos é sempre esta: determinada cultura, etnia ou povo se considera no direito de dominar outros povos devido sua “superioridade” por critérios quaisquer.
Os sinais que a Rússia não pararia aí, estão em vários discursos do Kremlin, recentemente Putin disse que a OTAN “está mexendo com fogo”, e também reivindica a posse das ilhas Svalbart atualmente da Noruega já foi desafiado por Putin que declarou: “O direito da Rússia sobre Svalbard não pode ser desafiado!”.
Do lado da OTAN, a França já havia declarado a possibilidade de um confronto direto da OTAN, as ajudas financeiras continuam sendo enviadas, recentemente a Estônia declarou que poderá enviar tropas de “retaguarda” para auxiliar a Ucrânia, porém o Ministro da Defesa do país, Hanno Pevkur, disse no dia 14 de maio ao meio de comunicação europeu ERR que tais conversações “não chegaram a lado nenhum” em Tallin, e que a Estônia não tomaria uma decisão sozinha, porém isto revela que houve “conversações”.
Os EUA continuam enviando ajudas milionárias a Ucrânia, porém com a proximidade das eleições isto enfraquece o governo Biden, as eleições acontecerão no início de novembro.
Outra notícia preocupante destes dias é que um helicóptero que transportava o presidente do Irã Ebrahim Raisi e o ministro das Relaçõe Exteriores do país, caiu neste domingo (19) enquanto atravessava uma área montanhosa sob forte neblina ao voltar de uma visita à fronteira do Azerbaijão, a informação teve origem na autoridade iraniana.
Aparentemente o acidente foi devido a neblina, Raisi desde que foi eleito em 2021 é conhecido por repressão violenta a protestos antigovernistas e pressionou as negociações nucleares com as potências mundiais, o Irã é também uma peça importante por sua oposição aos ataques israelenses na região de Gaza, agora num último reduto, que é a região de Rafah.
Sempre há esperança quando as pessoas de solidarizam com o sofrimento, as enchentes no sul despertou o povo brasileiro, porém não podemos parar aí há graves índices de enfermidades além do zika vírus que toma conta do país, sendo a CNN Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) vem alertado para o surto.
A um fio de um desastre civilizatório
Apesar dos imensos estragos já causados pelas guerras, destacamos aquelas que envolvem diretamente as potencias imperialistas, mas não deixamos de olhar “guerras menores”, o tom do discurso das forças envolvidas, em especial, da Otan e da Rússia, aumentou na semana passada.
A Rússia se diz pronta para um confronto direto com a OTAN, acusando-a de já estar presente na Ucrânia, o que praticamente foi confirmado pelo primeiro ministro da Polônia Donald Tusk, ao declarar: “A Otan hoje está ajudando o tanto quanto pode. Sem a ajuda da Otan, a Ucrânia não seria capaz de se defender por tanto tempo”, e acrescentou aos jornalistas: “Bem, e há algumas tropas lá [na Ucrânia], quero dizer, soldados. Existem alguns soldados lá, observadores, engenheiros. Eles estão ajudando-os”, o que é uma confirmação.
A Rússia realizou recentemente exercícios militares com armas nucleares, Rússia e EUA possuem juntas mais de 10.600 das ogivas nucleares do mundo, das 12.100 existentes, seguidos por China, França e Reino Unido, uma provocação deste tamanho é perigosa.
No Oriente Médio, Israel ameaça invadir Rafah (na foto acima), última fronteira dos refugiados palestinos, com mais de 1 milhão de pessoas ali e pode-se dizer que agora metade da população de Gaza está lá, diversas forças políticas e diplomáticas tentam dissuadir Israel de realizar a invasão.
As conversas diplomáticas para um cessar fogo acontecem a meses sem nenhum resultado, Egito e os EUA estão à frente de forçar um acordo, ainda que tropas americanas apoiem Israel, o desastre humanitário seria imenso uma vez que atinge em cheio os refugiados.
Há diálogos, pronunciamentos de forças pela paz, entretanto aquelas que se posicionam de modo unilateral devem entender que aumentam a força do conflito e não há neutralidade, sim não há neutralidade no sentido humanitário (sempre defender a vida), mas a política é polarizadora.
Edgar Morin fala em resistência do espírito, outros autores falam de trégua, postamos na semana passada sobre a “tonalidade do afeto”, aquele que não é nem plural, nem polifônica.
O grande e o pequeno
Na política, na filosofia e até mesmo na religião a ideia de Grande é sempre vista como poder.
Pode parecer estranho o uso do termo Grande de Sloterdijk ao se referir a grandes teorias políticas, econômicas e imperialistas, mas ele é mais adequado para aquilo que era finalidade dele falar no seu livro “Se a Europa despertar”, pouco lido inclusive na Europa, apesar dele ser reconhecimento como um dos maiores pensadores vivos.
Diria que ser pensador já é Grande, usando seu próprio termo para a filosofia, já que como ele afirma: “não é um tempo próprio para pensar”, temos que escolher entre ditadores e narrativas, ao invés de tomarmos o fio da história para uma civilização equilibrada e feliz.
Até mesmo no mundo religioso isto é confundido, Jesus não proclamou nem insistiu em qualquer corrente política de seu tempo, apesar de ter o grupo rebelde ao seu lado, Simão o zelote e Judas Iscariotes eram zelotes, grupo que era rebelde ao império romano.
Grandes impérios sucumbiram e desapareceram, um que até é esquecido e pouco analisado pelos historiadores são os mongóis, dos séculos XIII e XIX (veja no globo acima) sendo um dos maiores em extensão e hoje reduzido a um pequeno país dividido e dominado pela China.
A Europa não despertou, Makron disse em tom dramático a semana passada na Sorbonne: “A nossa Europa, hoje, é mortal. Ela pode morrer, e isso depende unicamente das nossas escolhas!”, o discurso está certo, mas a intenção errada, porque pouco depois fala de suas armas nucleares.
O Grande na espiritualidade, em tempos de religiões desespiritualizadas, são de narrativas em torno da religiosidade que pouco ou nada fala deste Grande “megalopata”, como chama-o Sloterdijk, e sim da capacidade de solidariedade, de amor verdadeiro levado a prática, de acolher e buscar os pequenos e sofredores que vivem a margem da sociedade desumana.
Francisco de Assis, era filho de Pedro Bernardone, rico e prospero comerciante que o filho o rejeitou, Catarina de Sena era analfabeta e seus seguidores escreviam por ela obras sábias e santas, teve influência na volta do papa Gregório XI de Avignon para Roma, sendo embaixadora de Florença, uma cidade em guerra com o papa e que ela pacificou.
O ocidente vivia um grande cisma, e ela foi junto ao papa até Roma, enviando numerosas cartas a príncipes e cardeais, para promover obediência ao Papa Urbano VI (sucessor).
Os pequenos homens e pequenos reinos fizeram a história, veja a Grécia antiga, os gauleses durante o império romano, o Grande quase sempre imperial, belicista e cego apesar de uma imposição brutal temporária, sempre sucumbiu ao desejo legítimos de povos e nações.
SLOTERDIJK, P. Se a Europa despertar. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
O animal político e o ser ontológico
Imaginamos pela maioria das narrativas que a política grega é um grande modelo para a sociedade contemporânea, mas a correção de Sloterdijk é a mais acertada possível: “A verdade sobre a forma de mundo imaginada por Platão e Aristóteles é certamente a de que cidade e império são figuras da era agrária” (Sloterdijk, 1999, p. 43).
É difícil acreditar porém “se Platão definiu o saber do político como arte pastoril em referência a bípedes sem penas, então fica claro coo motivos agro-ontológicos avançaram até na definição fundamental da essência do poder nas cidades – agricultura e a criação de animais são os reservatórios de contemplação, dos quais discursos politológicos devem extrair sua plausibilidade, mesmo se o olhar passe do jardim da academia para a ágora” (pg. 44).
A importância escapa até mesmo de Sloterdijk, já que na sociedade moderna industrializada europeia a “experiência camponesa” que culpa até mesmo Heidegger o seja, e os “motivos extra-agrários” saíram “das oficinas dos artesãos, a saber dos ferreiros, para avançar na consciência do mundo político-filosófica, e dos portos, de um o comandante, em grego kybernetes, pôde tornar-se uma sugestiva figura de poder” (pag. 44).
Também a convivência com a natureza é retomada em Sloterdijk e seu discípulo Chul-Han: “desde sempre constituiu um risco para a cidade o fato de ela usar mais do que criar o homem; mais do que isso, ela o impele aos últimos florescimentos como reproduções simples demais; tanto no sentido biológico quanto no cultural, ela é mais estufa do que campo e jardim” (pag. 45).
Antes do desenvolvimento do psicopolítico de Chul-Han já pode-se encontra-lo em Sloterdijk: “dominadores, políticos e chefes são, segundo essa lógica, sobretudo detonadores de uma crueldade funcional – que obviamente fazem bem em ciar para si, sob nomes como razão de Estado, bem comum, justiça, planejamento, entre outros, um rosto aceitável, se possível sincero” (pag. 47).
Sloterdijk desenvolve aqui o conceito verdadeiro de “humanidade” “se rompe aqui em grupos que se intensificam através de tensões, e grupos que ficam estagnados no sofrimento, a dor, na grande civilização, adquire um terrível rosto duplo; ela age em alguns como estimuladora, em outros como obstruidora; para a minoria, a carência tem efeito educador; para a maioria, age como destruidora de almas” (pag. 48), vale esclarecer que Sloterdijk não é religioso.
Para concluir este post, ela detecta doença contemporânea: “liga-as agora a estranheza íntima de senhor e servo” (pag. 48) e “o paradoxo da inclusividade exclusiva cobra então o seu preço; pessoas começam a caçar pessoas, matam-nas em grandes números, exterminam hordas e tribos inteiras, vendem-nas e compram-nas … “ (pag. 49).
Pouco ainda caminhamos na saída do zoom, as exclusividades e não-inclusividades estão ai.
SLOTERDIJK, Peter. No mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. Trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
Hiperpolítica e a guerra
Quando Peter Sloterdijk escreveu “Todos no mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica” estávamos no limiar do terceiro milênio, Manuel Castells escrevia a Sociedade em Rede e Edgar Morin escrevia sobre Cabeça Bem feita, repensar a reforma, reformar o pensamento, eram tentativas de acordar e fazer a humanidade caminhar para um futuro menos sombrio.
Sloterdijk escreveu ainda “Se a Europa despertar”, chama-a de Império do Centro e atenta para seu passado colonialista e a necessidade de um novo futuro e repensa a guerra, um tema tão deligado no país que deflagrou a II Guerra Mundial.
São todos pensamentos que tentavam redirecionar um futuro sombrio da possibilidade de uma nova guerra, em Todos no Mesmo Barco, Peter Sloterdijk revisita o projeto político que nasceu na antiguidade clássica, a tentativa de organizar o Estado, e diz: “Como podem “falar” a tão grandes números de pessoas e convencê-las a se sentirem participantes daquilo que é “grande” – até chegar à disposição de ir ao encontro da morte em exercícios de milhões contra forças de igual ordem de grandeza, a fim de assegurar aos “próprios” sucessores aquilo que os ideólogos chamam de futuro” (Sloterdijk, 1999, p. 31).
Ao contrário do otimismo de Castells e Morin, não apenas justificável, mas desejável, de um futuro mais civilizado e humano, Sloterdijk alerta que essa hiperesfera conectada, vejam que as mídias sociais eram apenas nascentes para estes três grandes pensadores, era para o alemão, um futuro perigoso da hiperpolítica.
“Os primeiros gestos desse holismo instintivo são tentativas de descrever o cosmo como casa maior e os povos como famílias maiores” (Slotertijk, p. 32), e acrescenta que de fato, “o homo politicus e o homo methaphysicus se pertencem historicamente; propectores do Estado e prospectores de Deus são gêmeos evolucionários” (Sloterijk, p. 33), claro não é a visão de todos e muito menos dos homens do poder, os grandes estadistas que pensam nesse holismo já não existem e agora é império da força e do pensamento monolítico, autoritário e de ódio.
O projeto político dos gregos para ele pode ser chamado de “metalomaníaco”, mas alerta que este é o homem que “imiscui em grandes questões maiores para ter algo que correrá com os olhos e logo abandonará. Mas deverão chamar aqueles que, uma vez apreendidas as grandes coisas, não mais as abandonarão? Proponho megalopatas” (pag. 34).
Também grandes impérios: o persa, o romano, os mongóis que chegaram a dominar meia europa, o turco-otomano e mais recentemente napoleão e as “esquecidas” colônias da Africa que nada mais eram do que extensão do Império do Centro, como Sloterdijk chama a Europa.
“Humanismo de Estado é desde então a busca por um centro justo – e desde a recepção romana dessa ideia grega essa busca carrega o seu nome até hoje conhecido: a Humanidade” (pags. 35-36).
Sloterdijk questiona esse modelo do homo politicus, o “pontifex maximus”, “como nos tornamos rajá? Como nos tornamos César? Como nos tornamos cônsul, senador, imperador? Como deve viver alguém para entrar nos livros de história como Metternich, lord Morlborough ou Bismark? (pag. 37).
A ideia da política como metanóia, este era o intuito inicial da Paideia por exemplo, não é mais verdade na guerra, Sloterdijk cita Goethe: “não se educa o homem que não sofre flagelos”.
Perigo de guerra eminente e esperança de paz
Um ataque de drones feito a usina de Zaporizhzhia na semana passada, ligou um alerta da Rússia que denunciou prontamente o perigo e as consequências de um desastre nuclear seria terrível.
Não ficou claro qual foi exatamente a arma usada contra a Usina nuclear (foto), apenas que eram drones e que um havia sido detonado no local, a Agencia Internacional de Energia Atômica (AIEA), que tem especialistas no local, disse apenas que as informações eram “consistentes” com as observações da entidade, ou seja, algum drone havia explodido próximo a Usina.
Analistas internacional ainda veem como improvável o conflito devido ao risco catastrófico devido a possibilidade de uso de armas nucleares, além de combates convencionais, uso de ataques cibernéticos e híbridos seriam colocados em movimento, inicialmente no Leste Europeu, mas com risco de expandir-se para a Europa e outros continentes.
A OTAN ainda que detenha vantagem significativa tanto na geopolítica, Finlândia e Suécia aderiram a OTAN e a Hungria que buscava uma posição de neutralidade, agora se fortalece com um acordo de tecnologia militar feito com a Suécia, que facilitou sua entrada na OTAN.
A Rússia porem possui capacidade militares agregadas a recursos econômicos e modernização de seu aparato militar, além de um acordo de apoio com a China e a Coréia do Norte, assim a manutenção da paz e prevenção de conflitos devem ser feito por um diálogo constante, mas a diplomacia russa segue jogando duro e diz que o diálogo com a OTAN é “zero”.
Tanto o ministro do Exterior russo Sergey Lavrov como o porta-voz do Kremlin, Dimitry Peskov dão declarações que dão a entender que o conflito com a OTAN já está em curso, estratégia diplomática ou pura retórica, o fato que os níveis de tensões se elevam.
A OTAN responde com exercícios militares e movimentação de tropas nas fronteiras, em janeiro um exercício envolveu 90 mil soldados, um novo treinamento foi anunciado pelo general comandante da OTAN, Christopher Cavoli, a operação chamada de Defensor Firme 24 (Steadfast Defender 24) já havia sido realizada em outros anos, porém agora acontece em meio a uma intensificação dos bombardeios contra Kiev.
A esperança é que o equilíbrio é frágil e os dois lados sabem disto, e o risco de uma guerra seria catastrófico, ainda que analistas evitem dizer que haveriam limites de ações.
Policrise e esperança
Rumores de confronto Rússia e Otan se agravaram nas últimas horas, entretanto, a esperança de paz e a resistência do Espírito, como protagonizava Edgar Morin, permanecem de pé.
Além da policrise de Morin (assim como poli é múltiplo e também é polis de cidade, Krisis tem também o significa de poder de decisão) o professor Adam Tooze (artigo do Financial Times), de história da Universidade de Yale (EUA) ampliou e atualizou: pandemias, secas, inundações, mega tempestades, incêndios florestais, guerra na Ucrânia (e agora na faixa de Gaza0, preços de energia e alimentos, etc.
No seu raciocínio, sem apontar diretamente o professor “descobre” a complexidade e uma nova visão transdisciplinar do “todo”: “Um problema se torna uma crise quando desafia nossa capacidade de lidar e, assim, ameaça nossa identidade. Numa multiplicidade de crises, os choques são diferenciados, mas interagem de modo que o todo é mais ambíguo do que a soma das partes”, afirma no artigo (na imagem o quadro de Tsherin Sherpa (Nepal), Espíritos Perdidos, 2014.).
Assim sentenciava Morin: “Ligado ao domínio do cálculo num mundo cada vez mais tecnocrático, o progresso dos conhecimentos é incapaz de conceber a complexidade da realidade e em particular das realidades humanas. O resultado é um retorno aos dogmatismos e aos fanatismos, e uma crise da moral enquanto se espalham os ódios e as idolatrias” (Jornal La Repubblica, entrevista), entretanto além da policrise há sinais de esperança.
Enquanto a Resistência do Espírito invoca uma compreensão da gravidade e das questões que envolvem a crise atual, a Esperança (aqui maiúscula) significa este Espírito colocado em ação e assim a obtenção de uma espiritualidade contracorrente que invoque valores de mudança.
Aqueles que mergulham de diversas formas nesta Esperança, estão sempre dispostos a abraçar os problemas que todos fogem, a abraçar os fragmentos de um mundo polarizado, e a lembrar o que une ao contrário daquilo que desune e polariza, felizmente há estes espíritos e chamaria de Espíritos da Resistência através da Esperança.
Ide pelo Mundo e Levai a Boa Nova, não pode ser só uma chave bíblica, é a Esperança Viva.