RSS
 

Posts Tagged ‘peace’

Paixão civilizatória: crise e clareira

07 abr

Não é a primeira crise civilizatória a que passa hoje a humanidade, se ela tem raízes no pensamento que desenvolveu uma forma de polis nacional e chauvinista, os impérios são a expressão multinacional desta forma de olhar as nações, esta, porém tem um agravante: a possibilidade de uso de armas nucleares e biológicas de extinção em massa.

Porque uma paixão comparando-a com a paixão de Jesus, já traçamos durante toda semana passada a questão da inocência e os aspectos trágicos e jurídicos que ela envolve, o Brasil viveu esta semana um drama na cidade de Blumenau a morte de crianças inocentes, o aspecto mundial é aquele que a partir de concepções e visões de mundo ideológicas se promova uma crise sem limites, este é o lado passional (na foto a tragédia na cidade de Bucha, Ucrânia).

A entrada que anunciamos no início da semana, da Finlândia na OTAN cria uma grande área de fronteira da OTAN com a Rússia permitindo uma guerra por via terrestre em uma área onde é sensível e existem resquícios de intolerância histórica recente, a chamada “guerra do inverno” de 1939.

Se a Rússia fizer o que chama de “contramedida” e ela pode ser no campo militar, já que no campo econômico e de comércio não há nada que possa ser mais grave que o quadro atual entre as nações, uma retaliação militar dispara um gatilho perigoso que terá uma resposta da OTAN.

É possível uma clareira, aquela que Heidegger reivindicava em meio a floresta destas hostilidades, a clareza que não haverá vitórias unilaterais, a própria guerra com a Ucrânia não parece ter final possível este ano, a menos que haja uma rodada de negociação de paz.

A China tomaria posição ofensiva em sua retomada da ilha de Taiwan que julga parte de seu território, o Irã está cada vez mais próximo da Rússia e boa parte da América Latina tem governos mais a esquerda atualmente, enfim este complicado quadro mundial político, pode ser o motivo para abrir uma clareira em meio a floresta de ódio e hostilidades que vai se abrindo a cada passo da guerra.

Será uma grande paixão da humanidade, como todo sofrimento, este numa escala inimaginável trás um trauma e depois uma reflexão ao ver as enormes perdas que a situação envolve, será sem dúvida num possível quadro trágico jamais visto, uma nova “clareira” da consciência civilizatória.

A paz é sempre possível, é sempre possível evitar perdas de vidas inocentes se houver prevenção.

 

Bem vindo a policrise

04 abr

Isto foi escrito o artigo de Adam Tooze, professor de história da Universidade de Yale (EUA) escrito no Financial Times em 2022 que chamou bastantes a atenção: pandemias, secas, inundações, mega tempestades, incêndios florestais, guerra na Ucrânia e preço elevado de combustíveis e alimentos, como é próprio da revista e do mundo atual o aspecto econômico se sobressai.

Mas a policrise de Edgar Morin via mais a fundo, o autor reconhece a origem do termo, mas desconhece o que de fato é o pensamento de Edgar Morin e de muitos outros filósofos que apontam para a raiz mais fundamental destes males: o nosso modo de pensar e a visão de mundo que criamos a partir dele e implantamos em nossas sociedades.

O termo citado por Morin foi dito a primeira vez em 1990, porém em entrevista ao Le Monde em 20 de abril 2020 o educador francês atualizou a palavra: “A crise da saúde desencadeou uma engrenagem de crises que se concatenaram. Essa policrise ou megacrise se estende do existencial ao político, passando pela economia, do individual ao planetário, passando pelas famílias, regiões, Estados. Em suma, um minúsculo vírus em um vilarejo ignorado na China desencadeou a perturbação de um mundo”.

Em sua visão a policrise atravessou os nossos modos de ser, de conviver, de produzir, de consumir e de estar no mundo, desafiando a pensar todos os nossos paradigmas, muito do que escreveu fala em métodos novos como  hologramático e o perigo da hiperespecialização da ciência que conduz “a um novo obscurantismo” que é nossa incapacidade de enxergar o todo na modernidade.

É verdade que atravessamos outras crises, mas o artigo de Tooze mostra as implicações da guerra da Ucrânia e da pandemia em acelerar estas crises (Mapa), no aspecto pragmático do econômico ela é clara, no aspecto espiritual e ontológico ela ainda não é tão clara, porém poderá estar mais clara em breve.

 

Um perigoso limiar da guerra

03 abr

Com o envio de armamento para a Ucrânia OTAN prolongou a guerra da Ucrânia com a Rússia no campo tático pelo menos para mais um ano, isto dizem analistas do Ocidente e russos, porém outro front está ameaçado já que a Finlândia está prestes a ingressar na OTAN faltando apenas detalhes burocráticos.

Na irrita mais a Rússia do que ver seus países de fronteira ingressando na OTAN, este foi inclusive o limite alegando para a guerra com a Ucrânia e a Finlândia possui a maior fronteira dos países da OTAN com a Rússia, mais de 1.300 km, comparável a distância entre Porto Alegre no Rio Grande do Sul até Queluz na fronteira do Estado de São Paulo com Rio de Janeiro.

A Finlândia ergue uma cerca de cabos de aço na fronteira (foto), e os países já viveram uma guerra chamada de Guerra do Inverno (tem este nome porque foi iniciada no final de novembro de 39 e finalizado em 12 de março de 1940 com um tratado no qual perdeu parte do território e boa parte de sua capacidade industrial).

Embora a Finlândia tenha um pequeno exército, na época ainda menor e agora está se armando, resistiu heroicamente, porém perdeu parte significativa de seu território (veja nosso post) e se sente ameaçada pela atual guerra no leste europeu.

Há outro provável alvo da guerra que seria a Moldávia, já há uma pequena região separatista chamada Transnístria, porém no aspecto geopolítico é a entrada da Finlândia na OTAN que mais atinge a Rússia e cria um forte polo de tensão e agora fica mais evidente a nova cortina de ferro.

A Suécia é maior e tem maior população, praticamente mais que o dobro da Finlândia e também vem se armando e o processo de entrada na OTAN é mais lento, porém a guerra pode acelerar este processo e seria inevitável uma ajuda militar á Suécia.

Um apelo da Belarus, aliada da Rússia, a um acordo de paz e a recente visita de Xi Jinping a Rússia, que se esperava um maior empenho pela paz permanece uma incógnita e é possível que Putin tenha exposto seus planos, e isto entra o Brasil por fazer parte dos BRICS e ter adiado a viagem à China por uma pneumonia do presidente Lula, porém a China espera a visita.

Uma eventual guerra com a Finlândia abriria um polo delicado da guerra, já que é praticamente membro da OTAN e as retaliações militares poderiam entrar em cena de forma explosiva.

O horizonte de uma possível paz vai ficando cada vez mais distante e as possibilidades remotas.

 

Pertencimento, inclusão e inocência

31 mar

A questão levantada por Michael Sandel transcendente os limites do direito, da vida e da própria ontologia, são estes os argumentos que justificam a morte de um inocente, a violência e por fim a guerra, enquanto o argumento de um simples espectador que lembra que alguém vai morrer e pode ser doador dos órgãos livremente e por uma morte natural.

O pertencimento também podem ser argumento tanto para a morte de um inocente, quanto a recusa dela, não são poucos os casos numa guerra em que por algum motivo alguém que poderia matar um “inimigo” em alguma situação inusitada se recusa a fazê-lo.

O aspecto do contrato social onde o estado tem o “monopólio” da violência, assim é justo matar para defesa da sociedade, é justo até mesmo usar de requintes de crueldade (como a tortura por exemplo) para obter informações e combater o “mal” do grupo oposto também é questionável.

O fato que não abandonamos tais métodos e princípios é o mais grave testemunho do pequeno avanço que socialmente ainda caminhamos no processo civilizatório, o fato que retornamos aos poucos aos graves períodos da guerra fria indica que estamos ainda em compasso de espera.

Quantos inocentes e civis que pouco ou nada tem de apoio a determinadas guerras, como a menina russa que fez um inocente desenho sobre a guerra, mostra que ao lado da perversidade de lutas imperiais e processos colonizadores estão longe de terem sido banidos da civilização.

Porém o que significa a morte de um inocente, qual o significado ontológico e teológico deste símbolo, o cordeiro que Abrão imolou no lugar do filho que seria imolado, lembremos que há três grandes religiões abramicas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, o que significa

Com certeza está longe da lógica do direito, longe da lógica racional, significa que só a inocência e o pacifismo podem contribuir num verdadeiro processo civilizatório que dignifique o homem, quantos inocentes ainda precisarão morrer?

A semana Pascal que se inicia no próximo domingo embora seja festa cristã pode e deve levar a humanidade a refletir sobre a verdadeira paixão civilizatória, que apesar de todo sofrimento humano causado por guerras e injustiças podem sonhar com uma nova civilização.

 

Contratualismo e inocência

30 mar

A grande discussão dos contratualistas era sobre a não inocência da pessoa, todos eles são defensores dos poderes do estado e em última análise do in dubio pro societate (na dúvida, a favor da sociedade e não do réu), Hobbes via o homem como mau e o estado devia policia-lo, Locke via como limitava os poderes do estado e dava direito ao povo de rebelião e Rousseau via o homem como bom, a sociedade é que o corrompia.

Nenhum deles nega a necessidade e a prioridade dos poderes do estado, assim foram pilares de todas as modernas constituições dos países, e sua atualização está em John Rawls e seu sucessor Michael Sandel.

Ambos foram idealistas kantianos e utilitaristas, porém há uma pequena diferença que Sandel criticava o voluntarismo de Rawls, segundo o qual princípios políticos e morais se legitimam partir do exercício da vontade individual através da escolha ou do consentimento.

Reivindicava para isto o empirismo de Locke: “somos todos, por natureza, livres, iguais e independentes, ninguém pode ser excluído dessa situação e submetido ao poder político de outros sem que tenha dado seu consentimento” (1988, seção 95).

Para entender a posição de Sandel é necessário ler ao menos a obra que indicamos ou entender claramente seus exemplos, os quais procura tornar práticos e claros seus conceitos, em relação ao pertencimento de grupos, como garantia de interesses coletivos (ele rejeita o termo comunitarismo) cita dois casos: o de um piloto da resistência francesa que durante a Segunda Guerra Mundial se recusou a bombardear a sua cidade natal, mesmo sabendo que isso contribuiria para a libertação da França (2012, p. 279), o pertencimento a sua cidade natal.

O segundo exemplo é o de uma operação de resgate organizada pelo governo de Israel para salvar judeus etíopes de campos de refugiados no Sudão (2012, p. 280), o pertencimento ao povo judeu.

Porém em uma de suas famosas palestras na qual dá outros exemplos, e faz vários diálogos com a plateia, é pego em contradição ao dar o exemplo de 6 pacientes chegam a um pronto socorro e 1 está em estado grave enquanto os 5 pacientes que precisam de doação de diferentes órgãos para sobreviverem e o paciente em estado grave exige muito tempo de cuidados, faz a pergunta se o deixaria morrer para ajudar os outros.

A maioria das pessoas concordaram em deixá-lo morrer, mas um jovem (na foto) disse que tinha outra solução, dos 5 que estavam para morrer, o que morresse primeiro doaria os órgãos para os outros, o que deixou Sandel constrangido e chegou a admitir: “é uma boa ideia, exceto pelo fato que destruiu o ponto de vista filosófico” (vejam o vídeo abaixo).

Há relações interpessoais e ontológicas que ultrapassam a mera subjetividade é algo entre seres e não apenas dos seres e suas culturas ou pertencimentos, está numa espécie de alma coletiva, numa noosfera onde tudo é mais do que lógico, é onto-lógico.(155) Justiça com Michael Sandel O Lado Moral do Assassinato – YouTube

 

LOCKE, J. (1690). “Second Treatise of Governement”. In: Two Treatises of Government Cambridge: Cambridge University Press, 1988.

SANDEL, M. “Justiça – o que é fazer a coisa certa”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

 

Inocência e direito

28 mar

Em outra postagem já traçamos diferenças entre inocência, ingenuidade e ignorância, a primeira que é algo que desconhecemos, entretanto percebemos o mal (ou bem) que há no ato, a ingenuidade é quando desconhecemos o efeito de um ato que pode provocar e a ignorância é quando desconhecemos que existe um mal em um ato praticado.

Tratamos em um post feito a algum tempo esta situação, e no post anterior sobre a guerra atual.

A violência é o mal praticado com intencionalidade, e neste caso vai além de um dolo e em geral é vitima de algum ódio, vingança ou mero destempero, há na violência sempre algo de ignorância.

Alguns autores trataram isto filosoficamente e aí há quem veja na inocência um “perigo” no qual seria possível alguma adesão a algum mal praticado, Nietzsche via desta forma, porém para autores atuais isto é visto a partir da ideia jurídica de presunção da inocência, in dubio pro reo (na  dúvida, em favor ao réu).

O pensamento que se opõe a este é o in dubio pro societate, neste caso o promotor de algum ato ilícito deve oferecer denuncia em favor da sociedade, os argumentos contrários estão na decisão dos valores da dignidade e direito a liberdade, e aqui está a presunção da inocência.

Para idealistas como Kant, o indivíduo é dotado de razão e dignidade, assim realizar uma ação por um motivo exterior às suas causas e não por ser o certo a se fazer e isto vai a favor da liberdade.

Por isto Bauman vai discutir a mixofobia, isto é, o desejo de opor-se aos diferentes, estranhos ou as minorias, quanto mais o mundo se torna global e plural isto deve aparecer em doses maiores.

Na visão de Bauman isto estaria aumentando o medo nas cidades, se vivesse estes tempos de pandemia e polarização talvez percebesse com maior clareza que há um problema de base maior, aquele que vem de culturas e ambientes onde é incentivado o desejo de isolar-se do diferente.

Um dos maiores conferenciais neste tema, reúne grandes públicos em suas palestras é Michael Sandel, veremos depois, porém Freud de certa forma antecipou isto no Mal estar da civilização: “Uma satisfação irrestrita de todas as necessidades apresenta-se como método mais tentador de conduzir nossas vidas, isso porem, significa colocar o gozo antes da cautela, arrecadando logo seu próprio castigo.”

Vive-se sobe riscos globais, nela tudo pode transformar-se em situações explosivas e violentas.

BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Tradução por Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D’Água, 2006.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Traduzido do alemão por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986

SANDEL, Michael. Justiça: O que é fazer a coisa certa. 17 ed. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2015.

 

 

A guerra e a inocência

27 mar

Há inúmeras razões políticas, econômicas, históricas e até religiosas para se iniciar um conflito, porém isto não está na ótica do pensamento inocente de uma criança que sonha um mundo sem conflitos de paz e de dignidade humana para todos.

O desenho de uma criança, omitimos o nome e a situação de polícia que envolveu o caso depois, é um olhar generoso e inocente sobre o mundo, e reforça a ideia que existe sentimento sincero de amizade e fraternidade ainda presente na humanidade.

A situação do conflito se agrava, com a ameaça russa de enviar armas “estratégicas” nucleares para a Belarus, país aliado da russa, no campo de batalha a Ucrânia “estabilizou” a situação em Bahkmut, o front mais violento da guerra e onde estavam as forças dos mercenários do grupo Wagner.

A possibilidade de um terceiro bloco de negociações com a Rússia, anunciado pela China cujo presidente fez uma recente visita a China e esperava a visita do governo brasileiro, entretanto o presidente apresentou um quadro de pneumonia e influenza e adiou a visita.

São mais próximos ideologicamente da Rússia, porém este terceiro bloco tem isto com um trunfo já que é visível que Putin não dá ouvidos a OTAN, nem a ONU, veja a condenação de Haia sobre a extradição de crianças ucranianas para a Rússia, que o condenou a prisão.

O quadro é delicado e exige cautela e esforço para uma possível negociação de paz, as pessoas que olham com generosidade a humanidade não podem ver o mundo diferente, não devem buscar justificativas e pressupostos para a guerra, devem ter o olhar generoso de uma criança.

 

A próxima estratégia pode ser decisiva

20 mar

Enquanto as batalhas de Bakhmut seguem sangrentas, aparentemente nem Rússia nem Ucrânia a consideram mais vitais, para a Ucrânia é um empasse a espera de armas do Ocidente: tanques, jatos e mais munições, para a Rússia um despiste que custou muitas vidas, em especial de mercenários do chamado “comando Wagner”, que critica a Rússia por isto.

Para reforçar isto Putin visitou Mariupol e a Criméia, posições de retaguarda russa, em pontos já conquistados em outras batalhas, com uma segurança extrema, mas para garantir a moral da tropa e a própria, uma vez que foi condenado junto a sua comissária Maria Alekseyevna Lvova-Belov por terem levado 6 mil crianças ucranianas para “reeducação” na Rússia.

Com a condenação ambos poderiam ser presos, porém é improvável que venham ao Ocidente.

A nova estratégia esperada pelos ucranianos é uma invasão ao norte pela Belarus, porém seu exército é pequeno e só teria efeito se apoiado por forças russas, os russos por sua vez gostariam de consolidar as posições em Donetsk e Mariupol, ganhando uma faixa do território da Ucrânia.

China e Belarus continua a afirmar “extremo interesse” na paz e fim das hostilidades, uma vez que perdem muito comercialmente com a guerra, mas certamente apoiarão as conquistas russas.

O evento de intercepção de um drone americano no Mar Negro por um caça russo também causou forte tensão, a escalada da “primavera” na Ucrânia está prevista pelo envio de mais armas.

Sempre há algum alento para a paz, porém desde o início da guerra o cenário apenas evoluiu no caminho oposto, há uma suspensão de folego sobre as novas estratégias de guerra.

 

Serenidade e o pensamento que calcula

16 mar

O livro “A Serenidade” de Heidegger vai dividir o pensamento contemporâneo entre o que calcula e o que medita, sobre o que calcula afirma:

“O pensamento que calcula (das rechnende Denken) faz cálculos. Faz cálculos com possibilidades continuamente novas, sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econômicas. O pensamento que calcula vai de oportunidade em oportunidade. O pensamento que calcula nunca para, nunca chega a meditar.” (p. 13).

Ele argumenta que não se trata de uma meditação “elevada”, todo homem pensa e o pensamento pode levar a meditação, basta meditar sobre o aqui e agora que está a nossa volta.

Heidegger lembra que todos devemos pensar sobre nossas raízes, dito de modo mais contemporâneo não negar nossas origens e suas influências em nossa visão de mundo, mesmo que limitada, afirma: “o enraizamento (die Bodentändigkeit) do Homem actual está ameaçado na sua mais íntima essência. Mais: a perda do enraizamento não é provocada somente por circunstâncias externas e fatalidades do destino, nem é o efeito da negligência e do modo superficial dos Homens. A perda do enraizamento provém do espírito da época no qual todos nós nascemos” (p. 17).

É isto que faz Heidegger e outros filósofos atuais analisar os fundamentos do pensamento atual, Edgar Morin também fala desta necessidade de superar este pensamento alertando para a visão contemporânea da educação.

A mais atual e surpreendente visão de Heidegger, publicada em 1955, é a característica de nossa época onde “a mais atormentadora é a bomba atômica”, ele percebe que o pensamento que calcula vê apenas as possibilidades industriais e liberação das energias da natureza, porém o filósofo medita sobre o que significa este domínio.

“O poder oculto na técnica contemporânea determina a relação do Homem com aquilo que existe. Domina a Terra inteira. O Homem começa já a sair da Terra em direção ao espaço cósmico …” (p. 19), que além de ser incrivelmente atual tinha também um presságio sobre o futuro.

Mas não deixou de ver o perigo destas “grandes energias atómicas”, e assim: “assegura à humanidade que tais energias colossais, subitamente, em qualquer parte – mesmo sem ações bélicas -, não fogem ao nosso controle, e “tomam o freio nos dentes” e aniquilam tudo ?” (p.20).

Vimos os acidentes de Chernobyl e Fukushima  (foto) esta perda de controle, agora vemos a uma guerra que aponta para o uso bélico destas forças, Heidegger tem razão ao pedir serenidade e meditação.

 

HEIDEGGER, M. Serenidade. trad. Tradução de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.

 

 

Sobre a lucidez

14 mar

Já postamos sobre a cegueira, em alguns ensaios (sobre o ensaio de José Saramago que virou filme do brasileiro Fernando Meirelles em 2008) e também fizemos relação com A peste de Albert Camus, fazendo uma relação com a guerra, 3 coisas relacionadas e analisadas foram de nosso tempo (a Pandemia, a cegueira da visão na Pandemia e a Guerra), também postamos a semana passada sobre a clareira.

Agora fazemos o movimento inverso, analisemos a lucidez e o que ela significa na história da humanidade, partindo novamente de Saramago olhemos seu Ensaio sobre a Lucidez, isto porque ele faz um jogo interessante para nosso desenvolvimento aqui, uma alegoria entre claro e escuro.

É importante esta relação porque Saramago recupera elementos do primeiro ensaio da cegueira (a cor branca como símbolo, por exemplo, as personagens e a epidemia de gueira) pode-se dizer que é um prolongamento da primeira narrativa.

A lucidez fala de uma eleição onde dois partidos ficaram com apenas cerca de 8% dos votos, com uma expressiva votação em branco, ao contrário de muitos argumentos sobre esta possível despolitização, Saramago faz um contraponto curioso, ele não viveu a polarização atual:

“… é porque aqueles votos em branco, que vieram desferir um golpe brutal contra anormalidade democrática em que decorria a nossa vida pessoal e colectiva, não caíram das nuvens nem subiram das entranhas da terra, estiveram no bolso de oitenta e três em cada cem eleitores desta cidade, os quais, por sua própria, mas não patriótica mão, os despuseram nas urnas.”

Resolve-se fazer uma pesquisa, mas os 83% não se manifestaram até que uma pessoa resolve enviar uma carta aos líderes, e foi esta carta que deu rumo novo a investigação e por mais resistência que houvesse, o governo não cederia tão fácil, pode-se perceber onde está o problema.

Essa leitura às avessas do nosso cenário político, que não é muito diferente dos EUA e Itália, só para dar dois exemplos, é muito interessante para se compreender a lucidez política, que parece andar na contramão na política contemporânea.

SARAMAGO, J. Ensaio sobre a lucidez”. Ed.: Companhia das Letras, 2004.