RSS
 

Posts Tagged ‘literatura’

O que é o Amor afinal

27 out

Embora a obra de Hannah Arendt não seja definitiva quanto ao amor, o próprio orientador Karl Jaspers manifestou isto, desenvolveu e se apropriou de algumas categorias fundamentais em sua tese de doutorado “O amor em Santo Agostinho”.

Segundo o autor George McKenna, em resenha de sua dissertação, Arendt teria tentado incluir em sua “A condição humana” uma revisão, porém não fica muito claro no livro of Arendt, que apesar disto é ótimo.

Se podemos também manifestar expressão deste amor na literatura grega antiga, como o amor ágape, aquele que se diferencia do eros e do philia nesta literatura, do ponto de vista cristão o melhor desenvolvimento feito é de fato o de Santo Agostinho.

Primeiro porque ele separou este conceito do maniqueísmo bem x mal, dualismo ainda presente em quase toda filosofia ocidental devido ao idealismo e ao puritanismo, depois porque foi de fato arrebatado ao descobrir o amor divino, escreveu: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava fora!” (Confissões de Santo Agostinho).

Depois o homem deve amar o seu próximo como criação de Deus: […] o homem ama o mundo como criação de Deus; no mundo a criatura ama o mundo tal como Deus ama. Esta é a realização de uma autonegação em que todo mundo, incluindo você mesmo, simultaneamente recupera sua importância dada por Deus. Esta realização é o amor ao próximo (ARENDT, 1996, p. 93).

O homem pode amar ao próximo como criação ao realizar o retorno à sua origem: “É apenas onde eu pude ter certeza do meu próprio ser que eu posso amar meu vizinho em seu ser verdadeiro, que é em sua criação (createdness).” (ARENDT, 1996, p. 95)

Neste tipo de amor, o homem ama a essência divina que existe em si, no outro, no mundo, o homem “ama Deus neles” (ARENDT, 1996, 95).

Também a leitura bíblica sintetiza a lei e os profetas cristãos assim (Mt 22, 38-40): “Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.

O amor contém todas as virtudes: não se envaidece, sabe ver onde se encontram os verdadeiros sinais de felicidade, equilíbrio e esperança.

ARENDT, Hannah. Love and Saint Augustine. Chicago: University of Chicago Press, 1996.

 

O amor na literatura ocidental

26 out

No post anterior comentamos um exemplo pouco comum na literatura que é o amor humano visto de um ponto de vista da narrativa cristã, há outros é claro, porém este pela repercussão da obra de Francine Rivers e sua recente transformação em filme (2022) e a crítica aplaudiu.

Na história podemos relembrar algumas obras que marcaram a literatura: O Banquete de Platão, A arte de amar de Ovídio e Sobre el Amor de Plutarco, destacaria no período medieval O Romance de Tristão e Isolda e Correspondências de Abelardo e Heloísa.

O estilo filosófico do Banquete onde há uma predominância de elementos mitológicos que explicam ou denotam o amor, talvez daí a ideia de amor platônico, mas que nada tem de sublime ou não carnal, o que dizem comentaristas é que há relações homoeróticas que fazem parte do diálogo entre parceiros nas relações.

Se há algo de elevado é no diálogo de Sócrates que define o chamado amor filosófico, este fora da esfera sentimental e inserido num idealismo (sempre lembro aqui que eidos para os gregos que lembrar o Ser em sua essência, e não algo que vive só na mente), é um amor que está relacionado com a beleza e o bem.

Já Ovídio (45 a.C. – 18 d.C.) não está interessado em alcançar esta ascese a um amor divinizado, procura encontrar as ferramentas necessárias para realizar um amor mais sensual num mundo carnal.

Ovídio não encerra o amor restrito a esfera conjugal, já Plutarco (45 – 120 d.C.) o vê dentro de uma instituição social e política, é um “caminho” dentro do casamento em direção à felicidade, como uma ascese do tipo que os gregos a concebiam, assim não é uma ascese espiritual.

O romance de Tristão e Isolda e as Correspondências de Abelardo e Heloísa devem ser entendidos numa realidade de domínio da filosofia cristã na Europa medieval, onde o Amor a Deus é indiscutível, mas já o amor como união de dois corpos é ainda suscetível de debates.

Este tipo de romance inserido na tradição trovadoresca, é imbuído de um elemento “cortês”, encontramos na obra de Denis de Rougemont, uma interessante descrição deste amor:

O que amam é o amor, é o próprio fato de amar. E agem como se tivessem compreendido que o que se opõe ao amor o garante e o consagra em seus corações, para exaltá-lo  ao infinito no  instante  do obstáculo  absoluto que  é a  morte.  Tristão gosta de  sentir  amor,  muito  mais  do  que  ama  Isolda,  a  loura.  E  Isolda  nada  faz  para  retê-lo  perto  de  si: basta-lhe  um  sonho apaixonado. 

Destacaria entre os romances modernos entre os mais característicos: Eugénie Glandet de Honoré de Balzac, Madame Bovary de Gustave Flaubert e Anna Karenina de Leon Tolstoi, enquanto Eugénie Grandet mostra a realidade do interesse material em torno do romance, Madame Bovary vai mostrar a falta de lucidez, o excesso e egoísmo humano, Anna Karenina mostra as cores trágicas da infidelidade dela com o marido Vronsky, porém há outros dois casamentos:  um casamento feliz (Levin e Kitty) e outro que apenas se suportam (Stiva e Dolly).

 

ROUGEMONT,  Denis  de.  A  História  do  Amor  no  Ocidente.  Trad.:  Paulo  Brendi  e  Ethel Brandi Cachapuz. São Paulo: Ediouro, 2003. 2ª Edição reformada.

 

Amor de Redenção

25 out

O livro foi inspirado na narrativa bíblica do profeta Oseias, uma mulher, Angel, que se considerava arruinada, sem chance de salvação, descrente do amor humano, descobre o amor inabalável de Deus, mas o contexto é a corrida do ouro na Califórnia de 1850.

A época é aquela que os homens vendiam a própria alma por um punhado de ouro e as mulheres vendiam o próprio corpo por um lugar para dormir.

Angel vendida como prostituta desde criança, odeia os homens que a usaram e é invadida por desprezo e medo de si mesma, até que conhece Michael Hosea, um homem que busca o divino em todas as coisas, e acredita que tem um chamado de Deus para se casar com Angel.

Amor de redenção é um clássico atemporal, romântico, épico ou trágico, é uma história capaz de transformar o sentimento humano num amor incondicional, redentor e absoluto que está ao alcance de todos os que ainda pensam num amor verdadeiro, duradouro e profundo.

Mas Angel vítima de sua história, como muitos são hoje da ideologia erótica e de desprezo a verdadeira felicidade, foge e volta para a escuridão, para longe do amor resiliente do marido, do novo que é sua cura definitiva de um mundo de sombras e desprezo pela vida.

O livro de Francine Rivers, longe de ser apenas uma ficção cristã, é um apelo ao amor humano de fato, aquele capaz de preencher o vazio de almas que não aceitam o passageiro, o uso do corpo como mera mercadoria ou “instrumento” de prazer, onde é possível encontrar paz e felicidade, claro com todas as tribulações naturais da vida: contas, acidentes e envelhecer, etc.

O livro foi transformado em filme em 2022, com roteiro e direção de D. J. Caruso, tendo no elenco: Abigail CowenFamke JanssenLogan Marshall-Green.

RIVERS, F. Amor de redenção (Redeeming Love), trad. Alyda Sauer, R.J.: Verus; 14ª edição, 2021.

 

As intermitências da morte

31 ago

José Saramago (1922-2010), além do seu célebre livro Ensaio sobrea Cegueira, escrito em 1995 e que depois tornou-se um filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e com roteiro de Don McKellar, escreveu muitos outros romances: O memorial do convento (adaptado numa opera), O evangelho segundo Jesus Cristo, Ensaio sobre a lucidez, e muitos outros, destaco aqui As intermitências da Morte (2005).

Recebeu no ano de 1998 o prêmio Nobel da Literatura, porém duas obras parecem proféticas para os dias de hoje: O ensaio sobre a cegueira, que já fizemos um post e as Intermitências da Morte.

Cético e irônico, Saramago não deixou de perceber os dramas de nosso tempo, porém a maneira inesperada que acaba O ensaio a cegueira com a volta da visão de muitas pessoas, parece um tanto inexplicável, mas não é para quem ler também o seu Ensaio sobre a Lucidez, diria usando a metáfora heideggeriana que é possível a clareira, se penetramos no drama existencial da vida.

Em As intermitências da Morte, penetra nos dramas existenciais da vida, como um cético religioso, também vai ironizar as saídas com resposta “do alto”, isto é, transferir para “outro mundo” os nossos dramas permanentemente mundanos, entre eles, o que é a própria vida.

Diz numa passagem na página 123: “É possível que só uma educação esmerada, daquelas que já se vêm tornando raras, a par, talvez, do respeito mais ou menos supersticioso que nas almas timoratas a palavra escrita costuma infundir, tenha levado os leitores, embora motivos não lhes faltassem para manifestar explícitos sinais de mal contida impaciência, a não interromperem o que tão profusamente viemos relatando e a quererem que se lhes diga o que é que, entretanto, a morte andou a fazer desde a noite fatal em que anunciou o seu regresso.” (na foto uma figura do quadro de Gustav Klimt).

Depois de indagar em todo livro sobre a vida, coisa pouco comum nos dias de hoje, pois tudo que se quer é a volta a frivolidade, a normalidade do vazio, da ausência de vida, dos consumos e das falsas alegrias, o autor dirá no final do livro que a morte é a normalidade, dito assim:

“Permaneceu no quarto durante todo o dia, almoçou e jantou no hotel. Viu televisão até tarde. Depois meteu-se na cama e apagou a luz. Não dormiu. A morte nunca dorme.” (Saramago, 2005, p. 189).

E conclui que sua ironia comum em tempos que a pandemia sequer era sonhada (sua pandemia foi O Ensaio sobre a cegueira), diz sobre a morte: “(…) Não entendo nada, falar consigo é o mesmo que ter caído num labirinto sem portas, Ora aí está uma excelente definição da vida, Você não é a vida, Sou muito menos complicada que ela, (…)” (Saramago, 2005, p. 198).

Pena, pena mesmo que Saramago jamais tivesse acreditado numa vida verdadeira, esta descrença está também em toda sua obra, em especial “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991), mas ao menos não era indiferente ao tema, algo o “incomodava”.

SARAMAGO, José. As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005

 

Faleceu Alfredo Bosi

07 abr

Nasci na mesma data de Alfredo Bosi, mas não no mesmo ano, ele nasceu em 26 de agosto de 1936, eu sou mais novo, foi um grande crítico literário e antecipou algumas questões, como a crítica ao eurocentrismo, e revisitou o modernismo, separando-o por exemplo, do Macunaíma de Mário de Andrade, Bosi faleceu de Covid hoje (7/4).

Ao rever Macunaíma, onde há uma “narrativa mitológica” e de fato, Macunaíma é “a multiplicidade do ser, é a fratura insanável do ´eu sou trezentos´, é enfim a instabilidade comum ao poeta e ao heroi que tem por efeito a renuncia aos modos-de-existir passados e recentes”. (BOSI, Céu, inferno, Ática, p. 206).

Descreve com maior fidelidade a intencionalidade de Mário de Andrade, ao ressaltar que Macunaíma perde a proteção de Ci Mãe do Mato e a de Vei do Sol, amulhera-se com uma portuguesa, mas nem por isso adquire identidade fixa, branca e ‘civilizada’. O seu destino, aliás, vem a ser precisamente este: não assumir nenhuma identidade constante” (BOSI, Céu, Inferno, 1988, p. 206).

Também é diferenciada e interessante a sua definição de cultura, que está no livro “Dialética da Colonização” (Bosi, Cia. das Letras, 1992), que é definida como “colo”, onde é “particípio passado é cultus e o participio futuro é culturus” (Bosi, 1992, p. 11), e também colo significou no latim “eu moro, eu ocupo a terra, e por exemplo, eu trabalho, eu cultivo o campo” (idem).

Segue afirmando que o contrário de colo é incola, “o habitante, outro é inquilinus, aquele que reside em terra alheia” (ibidem), por ultimo vai derivar daí a ideia de colonização, onde “colonus é o que cultiva uma propriedade rural em vez do seu dono, o seu feitor no sentido técnico e legal da palavra” (BOSI, 1992, p. 11).

Deixa um legado imenso que ajuda a diferenciar brasilidade de falso patriotismo ou de apologia simbólica ao “colo”.