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Uma abordagem diferente da desigualdade
Falar de pessoas simples e com sabedoria não pode excluir também as pessoas simples que são pobres.
Em setembro foi publicado no Brasil o livro de Abhijit V. Baneriee e Esther Doflo que procuram compreender os problemas específicos que surgem a partir da pobreza e encontrar soluções em torno das opções que as pessoas nestas condições fazem.
Foram a aldeias, às favelas e fizeram perguntas, recolheram dados e ouviram história, A economia dos pobres (Zahar, 2021) procura apresentar uma narrativa coerente com as histórias e opções de pessoas que em situação de extrema pobreza fazem para sair da condição que estão, pode parecer pequeno ou sem sentido, mas isto restaura a dignidade humana e o direito de opção destas pessoas.
As políticas governamentais e ações solidárias fracassam, conforme pensam os autores, por se fundamentarem em clichês e suposições equivocadas, a pior delas é considerá-las inferiores.
Mudar as expectativas e os pré-conceitos sobre estas pessoas não é tarefa simples, os exemplos concretos e experiências de sucesso feitas com paciência e boa vontade para aprender com estas pessoas, pode-se fazer progressos mais significativos no combate à pobreza.
Em 2019 junto com Esther Duflo e Michael Kremer, Abhijit recebeu o Prêmio Nobel de Economia, e abordaram em outra obra também com Esther Duflo a “Boa economia para tempos difíceis” (Zahar, 2020) onde além de desigualdade, trata de problemas como desaceleração do crescimento, mudança climática, automação do trabalho, distribuição de renda e inteligência artificial.
Thomas Pickety, autor consagrado por atualizar a questão do Capital para nosso tempo, disse sobre estes autores: “Nem todos os economistas usam gravata e pensam como banqueiros. Banerjee e Duflo destrincham novas pesquisas, questionam as visões convencionais sobre temas que vão do comércio à tributação de altas rendas e mobilidade social e oferecem caminhos para enfrentá-los.”
Vale a pena olhar para esta nova perspectiva, ainda pouco conhecida no Brasil.
A sabedoria de pensamentos puros
O simplismo é o pensamento ingênuo, enquanto a simplicidade é o pensamento puro, a noesis pura.
Não está na capacidade de elaboração teórica, na cultura livresca que resiste a sabedoria, ela une simplicidade (que não é simplista) e complexidade no sentido de colocar tudo sob o manto da natureza e do universo, e entender que há saberes originários que não são simplistas, mas foram elaborados num contato real com a natureza, por isto rejeito a ideia de naturalização.
A culturalização é aquela que se apoderou do natural e o perverteu, disse o filósofo, escritor e líder indigenista Ailton Krenak sobre a atual crise pandêmica: “A Terra está falando para a humanidade: ‘silêncio’. Esse é também o significado do recolhimento”.
Grande parte da cultura ocidental está em crise, porque apoderou-se da natureza de maneira brutal e não quer entendê-la e tem dificuldade de ler nos sinais visíveis e claros, esta crise vem de antes da atual revolução tecnológica, muitos filósofos no início do século XX apontaram para ela, e o silêncio pedido por Krenak pode ser também aquilo que Theodor Adorno identifica como verdadeira contemplação: “A bem-aventurança da contemplação consiste no encanto desencantado.” Theodor Adorno, lembro que este filósofo não é místico, nem religioso.
Ailton Krenak escreveu “Ideias para adiar o fim do mundo” (Cia. da Letras, s/a), dentro de uma cosmovisão indígena, mas com consciência de que se trata de um problema planetário, disse numa entrevista ao Jornal Estado de Minas (03/04/2020): “Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”, denunciando que o modo que vivemos é artificial e não condiz com a natureza humana”.
Interpretando o livro de Davi Kapenawa, outro líder indígena, Viveiro de Castro e Danowski veem também que o nosso pensamento “culto” e ocidental está concentrado no mundo da mercadoria, e diz Kapenawa: “os brancos sonham muito, mas só sonham consigo mesmo”, ou seja, com sua própria cultura sem conseguir contemplar um mundo mais amplo, onde todos estão presentes.
Estas cosmovisões podem parecer ingênuas, mas significam que devemos sempre pensar além de nossa cultura, também a cosmovisão cristã pede este esforço, e depois dos ensinamentos aos seus apóstolos daquilo que o próprio mestre deveria passar, e eles ainda não entendem, Jesus vai fazer uso de uma nova metáfora para que eles pensem de modo mais puro e menos culturalizado (e não naturalizado).
No capítulo 10 do evangelho de Marcos, vendo que queriam afastar as crianças dele, Ele diz (Mc 10,14-15): “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”.
O mundo que há de vir, em diferentes cosmovisões, ainda que pareçam infantis, mostra a crise e o esgotamento do pensamento cultural de nosso tempo, e o esgotamento dos meios naturais.
A necessidade do rescaldo na Pandemia
Rescaldo refere-se aquela atividade que autoridades responsáveis pelo combate a incêndios e tragédias executam após o pico da tragédia ter se afastado, mas ainda restam perigos, encontramos nos dicionários uma definição para períodos que seguem a tragédia ou acontecimento marcante, quando ainda se sentem os efeitos ou consequências dela.
No Brasil os dados são preocupantes, porque bastou um anúncio de flexibilização das medidas da pandemia para os números de mortes se estabilizarem em torno das 500 mortes diárias e em algumas regiões já crescem, incluindo os estados de São Paulo e Rio de Janeiro que são populosos.
Um exemplo de rescaldo, além das medidas de prevenção até o final da pandemia, é a pesquisa financiada pela FAPESP e feita pelos pesquisadores do laboratório de Ficologia da Universidade Federal de São Carlos, que identificou uma nova espécie de microalga verde do gênero Nyphrocytium que afetou o pulmão de pacientes que morreram de Covid 19.
Estamos extenuados de um período de limitações tão longo, mas é importante que sejamos cuidadosos até a etapa final, que ainda está longe, e pode chegar até o final do ano.
Como já postamos a Europa está ingressando no outono e o inverno promete ser rigoroso, assim como o nosso verão no hemisfério sul, o perigo de novos vírus e de mutações do atual devem ser observados, vemos que em alguns países, como é o caso de países do Oriente, alguns casos já criam um alerta e tomam medidas duras, mas necessárias, nosso liberalismo pode custar caro.
Na abertura da Assembleia Geral da ONU, o secretário geral António Guterres, falando da situação mais geral além da pandemia, mas que a inclui, disse que estamos na direção errada, nunca se viu o planeta “tão ameaçado, nem tão dividido”, e salientou: “estamos na beira de um abismo e nos movendo na direção equivocada”, é um alerta difícil, mas necessário neste momento. 7
As tentativas de cooperação são fundamentais para um momento de crises globais, e não há uma cogestão dos problemas que são globais, e que podem se expandir para outras áreas, uma já fácil de ser observada que é a social, que não foi devidamente enfrentada, e agora é urgente.
Se fugimos de um problema central, complexo e que envolve todo o globo não o estamos resolvendo, e pior estamos agravando, o combate ineficaz a pandemia e suas consequências não podem produzir bons resultados, e aqueles que esperam dividendos políticos são corresponsáveis.
É preciso enfrentar o rescaldo da Pandemia ou não conseguiremos evitar novo incêndio.
A finalidade humana e sua finitude
Diferente da máquina que tem como finalidade omeio (ver post anterior), a finalidade humana é reafirmar a existência pela perpetuação da vida, e também tudo que é vivo pode e deve defender esta existência, conforme explica Edgar Morin:
“As imposições que inibem enzimas, genes, e até células, não diminuem uma liberdade inexistente a este nível, pois a liberdade só emerge a um nível de complexidade individual onde há possibilidades de escolha; inibem qualidades, possibilidades de acção ou de expressão” (MORIN, 1977, 110), as máquinas não deixam de ter finalidade, mas sejam quais forem são meios.
Mas esta liberdade quando está no nível humano, e é “só ao nível de indivíduos que dispõem de possibilidades de escolha, de decisão e de desenvolvimento complexo que as imposições podem ser destrutivas de liberdade, isto é, tornar-se opressivas” (idem).
É o desenvolvimento da cultura humana que pode desenvolver estas potencialidades, assim diz Morin: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (ibidem), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida dentro do espírito humano.
Dirá Morin no capítulo de sua conclusão sobre a “complexidade da Natureza”, que no universo dito “animista”, ou mitológico no caso dos gregos, “os seres humanos eram concebidos de modo cosmomórfico, isto é, feitos do mesmo tecido que o universo.” (MORIN, 1977, p. 333).
Esta presença do que Morin chama de “generatividade”, os seres animados e animadores, todos existentes no seio do universo, implicava numa comunicação entre as esferas: da physis, da vida e a antropossocial, se ampliarmos estes conceitos para a esferologia de Sloterdijk: antropotécnico.
Mas conforme raciocinamos alguns posts atrás, a separação da physis em natureza (animada) e física (inanimada) não só “desencantou o universo, mas também o desolou”.
Completa seu raciocínio com uma frase que mostra nossas múltiplas crises e noites: “Já não há génios, nem espíritos, nem almas, nem alma; já não há deuses; há um Deus, em rigor, mas noutro sitio (o destaque é do autor); já não há seres existentes, com excepção dos seres vivos, que certamente habitam no universo físico, mas procedem duma outra” (idem).
Assim conclui que a natureza foi devolvida aos poetas e a physis aos gregos, e assim o universo das técnicas (que são meios) dominou a vida (que é finalidade) e então “a ciência e a técnica geram e gerem, como deuses, um mundo de objectos” (MORIN, 1977, p. 334).
Não deixa que o finalismo (ou fatalismo) seja a última palavra: “é da crise desta ciência que saem os novos dados e noções que nos permitem reconstruir um novo universo” (idem), a física quântica, do terceiro incluído (o quantum entre dois quanta) e a entropia/neguentropia se renovam.
Todo universo é “anima”, também o teológo Teilhard Chardin concorda com esta tese, e também que a vida é a complexificação do universo, no qual o fenômeno humano é seu ápice.
Além da interpretação animista ou mitológica para estas finalidades da vida, que é morte e vida em vida em morte, um princípio heraclitiano também citado por Morin, a reflexão cristão sobre as passagens já citadas anteriores sobre quem é Jesus (Mc 8,27 e Mc 9,31), e Ele devia sofrer muito.
Ela se complementa na questão sobre abandonar aquilo que é finalidade transitória da vida (portanto só meios) e se não for útil para a finalidade última (e, portanto, são apenas meios e devem ser relativizados) se tua mão, teu pé ou teu olho te leva a pecar (esquecer o fim último da vida humana que é a eternidade da vida) é melhor perdê-los para ter a finalidade viva.
Mas sua última palavra é a de aceitação aos que veem esta realidade de modo diferente, se não são contra nós é a nosso favor (Mc 8, 40) e (Mc 8,41) e “quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa”, assim muitos podem cooperar com o crescimento da anima humana, com a vida e a Natureza viva da qual todos dependemos.
MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.
Para evitar uma quarta onda
O mapa ao lado, oficial da OMS indica claramente as três ondas da Covid, as novas variantes e uma resistente Pandemia exigem um esforço final para que seja possível pensar um 2022 sem as restrições que são incomodas, é óbvio, mas ainda necessárias.
A pequena cidade de Florai no noroeste do Estado Paraná ilustra bem a necessidade deste cuidado, a pequena cidade de pouco mais de 5 mil habitantes recebeu uma etapa de um campeonato de handebol e antes com apenas dois casos viu subir para 68 em uma semana.
Olhando o gráfico da OMS e os dados do Brasil, estamos com uma média móvel de mortes acima dos 500 em uma queda ainda muito lenta, o que mais se fala é na possibilidade de flexibilização das medidas, que em muitos casos já vem acontecendo, porém os cuidados ainda continuam.
O Brasil chegou a 65% de vacinação da primeira dose e pouco mais de 37% para a segunda dose, se observarmos os dados de julho quando já havíamos chegado a casa dos 30% de vacinados, pode-se notar que há uma lentidão especialmente na segunda dose sem qualquer explicação.
A Europa entra no seu outono, enquanto o hemisfério sul na sua primavera, é de esperar que no calor a proliferação do vírus diminua, porém se os cuidados se mantiveram e a vacinação evoluir.
O grande perigo na Europa, e que não vejo nenhum comentário ou preocupação, são as doenças oportunistas, ou seja, clinicamente são aquelas infecções causadas por micro-organismos que mesmo em pessoas com imunidade normal, devido a outras doenças podem causar infecções ou mesmo quadros imunodepressivos em pacientes convalescentes ou que passaram pelo contágio, afinal são mais de 200 milhões de pessoas que já tiveram o contágio do vírus, em todo planeta.
No começo da Pandemia a OMS havia alertado para o problema de tratar do pós-covid em muitos pacientes, porém o tema foi esquecido e como não são casos isolados, um tratamento em massa seria necessário, o que podem vir pela frente é difícil de saber sem uma pesquisa médica, mas não difícil de imaginar, seria como se fosse uma nova epidemia pós-Pandemia, deixo para os médicos.
Precisamos sair fortalecidos ao menos em termos de saúde, em termos de solidariedade muitos dos analistas mundiais já jogaram a toalha, não fomos capazes de tratar um problema comum como tal, parece que é um problema do outro, daqueles que tiveram a doença, claro não para todo mundo, há uma reserva moral na sociedade que garante ainda uma esperança futura.
A ordem, a desordem e a dialogia
Entender o processo de complexificação da natureza, significa também entender que é o homem e que significa de fato o humanismo esquecido nos esquemas tradicionais idealistas e positivistas.
Assim para Edgar Morin (2001), a questão paradigmática vai além da simples compreensão na teoria das ciências (epistemologia ou metodologia), já que envolve o questionamento dos quadros do conhecimento que temos (gnoseologia e o que pensamos ser realidade) e de modo mais profundo a ontologia (qual é a natureza da realidade), estes princípios regem o fenômeno do que conhecemos e não podem estar separados dos sistemas físicos, biológicos e antropossociológicos.
Trata-se de uma razão aberta, não um irracionalismo nem um relativismo, mas funda-se na ideia que pode se construir um saber evolutivo, complexo e dialógico, no qual a desordem é uma parte.
Os sistemas se desenvolvem em um processo de entropia, porém é a neguentropia (a negação da entropia em cada fase da evolução) que torna a auto-organização um sistema vivo e evolutivo.
Define-a como um corpo que se desenvolve e se amplia aparece a entropia, a dispersão e a crise na organização originária, porém a neguentropia significa nova auto-organização e se olharmos o homem dentro dela, dentro da natureza e em seu aspecto evolutivo retorna-se a questão de ordem sobrenatural, pois foi justamente o caminho inverso que negou esta transcendência.
Quando o repúdio ao naturalismo venceu e instalou-se, o mito humanista do homem sobrenatural constituiu-se no próprio centro da antropologia (e de todas as demais ciências) e as oposições natureza-cultura, homem-animal, cultura-natureza tomaram a forma de paradigma.
Claro que o papel do homem na natureza depende da cosmovisão, os animistas por exemplo, todas as realidades não humanas também possuem poder sobrenatural, outras sobressaem um Deus também humano como no cristianismo (criado a imagem e semelhança de Deus) e outras uma ascese que estamos numa das pontas da escala da evolução (complexidade), as religiões hindus e orientais.
No cristianismo, refletimos a semana passada a pergunta de Jesus aos discípulos, “quem dizem que eu sou?” e preparava-os para a morte, para a “desordem” de sua morte, mesmo tendo compreendido ainda os discípulos querem disputar o poder, a posição e cargos que ocupariam nas asceses, e Jesus vendo o que falavam vai dar-lhes uma sentença dura (Mc 9,35): “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”, será que hoje entenderam?.
O lugar do homem na natureza
A terceira citação importante na Introdução do livro A natureza da NATUREZA é a citação de São João da Cruz, feita por Edgar Morin: “Para alcançares o que não conheces, deves seguir o caminho que não conheces”, por isto é preciso um epoché, uma total suspensão de juízos e conceitos.
Edgar Morin explica que a primeira “cristalização” do seu trabalho foi feita no livro Le Paradigme perdu (O paradigma perdido, de 1973), diz ser uma gestação prematura do seu método, ali “esforça-se por reformular o conceito de homem, isto é, de ciência do homem ou antropologia” (MORIN, 1977, p. 14).
Depois de contestar a tríade ciência Ʌ política, Ʌ ideologia, onde um dos três termos é absorvido pelo outro, vai criar outra tríade do indivíduo, partindo de Edward Sapir (Antropologie) que afirma que é absurdo separar o homem no individual e no social, ele acrescentará o biológico, para penetrar na natureza, e sua tríade é então o homem como um conceito trinitário [indivíduo Ʌ sociedade Ʌ espécie], “no qual nenhum termo pode reduzir ou subordinar o outro” (Morin, 1977, p. 14) e a partir daí vai elaborar seu conceito de complexidade.
Retomando sua questão: “Que significa o radical auto de auto-organização?” (idem) responderá que “ela reinstaura a problemática da organização viva”, a segunda “Que é organização?”, responderá introduzindo o conceito de antropossocial que complementa o conceito do físico, que não pode se limitar a química nem sequer a termodinâmica (a entropia é um conceito na desorganização) e por fim sua grande questão “O que é complexidade?” e isto significa que há uma ordem/desordem no desenvolvimento da natureza viva em um aspecto antropossocial.
Isto é importante porque coloca ele destacado no livro: “A realidade antropossocial projecta-se e inscreve-se precisamente no cerne da ciência física” (p. 15), o tema é longo, mas sendo sucinto: “O grande corte entre as ciências da natureza do homem oculta, simultaneamente, a realidade física das segundas e a realidade social das primeiras” (idem).
Assim toda realidade social depende de um modo da ciência física, e esta depende de certo modo da realidade antropossocial, o autor pergunta qual e procura responder em todo livro.
Também o teólogo e paleontólogo Teilhard Chardin procurou desenvolver no seu livro “O lugar do homem na natureza” esta crescente complexificação que vai das primeiras células até o homem, e para ele, seria este o resultado da complexificação geral das leis físicas e química da natureza.
Morin lembra o drama de nosso tempo, depois de discorrer sobre os ganhos científicos pelos métodos cartesiano/enciclopedistas partindo da célula e da molécula até os quasares, os pulsars, chegando ao DNA, porém “o homem fragmenta-se: aqui fica uma mão-no-instrumento, ali uma língua-que-fala, algures um sexo salpicando um pouco de cérebro” (p. 17).
Faz uma citação de Rebelais: “Ciência sem consciência não passa de ruína da alma” (idem).
MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa> PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.
O que é natural e a possibilidade de conhecermos
O problema de conhecermos o mundo (natural e não o cultural, este é o que temos) deve partir de uma premissa de desobstrução de nossa mente de convicções culturais, a maioria idealistas, que nos cegam sobre a possibilidade de entender que não dominamos a natureza como propôs o iluminismo, e pior, corremos o risco de destruí-la e colocar a civilização em cheque.
Citar Edgar Morin na epígrafe da sua Introdução Geral do livro “A natureza da NATUREZA”, a segunda em maiúsculas mesmo no original, no sentido que ela é ainda mistério para nós, e contém mistérios que nos afetam, como provou a atual Pandemia que ainda nos interpela.
Edgar Morin na abertura do primeiro capítulo: “O espírito do vale”, cita Karl Popper: “Pessoalmente julgo que existe pelo menos um problema… que interessa a todos os homens que pensam: o problema de compreender o mundo, nós mesmos e o nosso conhecimento enquanto parte do mundo”, assim este conhecimento não é definitivo e nem é eterno, na medida que tudo evolui e é perecível.
Para introduzir estas convicções faz uma segunda citação de Jacob Bronowski: “O conceito de ciência não é nem absoluto nem eterno”, e fará uma terceira que fica para o próximo post.
Faz um início de 5 convicções que o fez começar este livro e onde está seu “cogito” sua suspensão de juízo de tudo o que pensava antes, eu sua primeira convicção destes problemas afirma que ela: “nos prende à actualidade exigem que nos desprendamos dela para os considerar a fundo” (Morin, 1977, pg. 13), e professa sua segunda convicção: “os princípios de conhecimento ocultam aquilo que, doravante, é vital conhecer” (idem) assim desprende-se de suas ideias anteriores.
Sua terceira convicção é a mais forte cada vez mais convencido de que a relação ciência Ʌ política Ʌ ideologia [Ʌ no texto como uma triangulo] quando não é invisível, continua a ser tratada de modo indigente, através da reabsorção de dois dos seus termos num deles tornado dominante” (idem), dá o que pensar.
Sua quarta convicção é que “de que os conceitos de que nos servimos para conceber a nossa sociedade — toda a sociedade — estão mutilados e conduzem a ações inevitavelmente mutiladoras” (idem).
Por fim sua quinta convicção é: “de que a ciência antropossocial tem de articular-se na ciência da natureza, e de que esta articulação requer uma reorganização da própria estrutura do saber” (Idem), assim o conhecimento que temos precisa ser modificado a partir de suas bases.
Sabia que sua tarefa era mesmo enciclopédica e vastíssima, por isso até isolou-se num castelo (não tenho os dados precisos) pois sua tarefa: “Eu próprio precisei de circunstâncias e de condições excepcionais’ para passar da convicção à acção, isto é, ao trabalho” (idem).
E é a partir daí que escreveu seu método complexo com três questão iniciais: “Que significa o radical auto de auto-organização? • Que é a organização? • Que é a complexidade?” (pag. 14).
MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.
Em queda lenta e protocolos
Embora a OMS alerte para a possibilidade de nova onda devido a desigualdade no combate a pandemia, que em função do número de vacinas também não vê prioridade na terceira dose, até alguns Institutos contestam (da AstraZeneca, por exemplo), a queda no Brasil é lenta, e aqui a polêmica é por conta dos protocolos mal aplicados e pontualmente rigorosos.
No país o total de doses é 210 milhões, porém o total de pessoas vacinadas está em 72,6 milhões que dá 34,4% e faz sentido portanto dizer que a terceira dose ainda é para se pensar, uma vez que o número de vacinas é limitado e ainda tanto a queda de mortes com a vacinação seguem lentas (média móvel em torno de 450).
Também há polêmica em torno das vacinas, o Chile está aplicando a terceira dose com a Pfizer e a AstraZeneca sob o argumento de que a “combinação” é boa, porém olhando as vacinas que são aceitas em protocolos europeus, lá só a AstraZeneca, a Pfizer, a Moderna e a Jenssen são consensos, e a AstraZeneca com dúvidas em alguns países internamente (por causa de efeitos colaterais).
Para entender a polêmica criada pela interrupção do jogo Brasil x Argentina após a exigência da Anvisa que 3 jogadores fossem retirados do jogo (apenas 1 estava no banco), é preciso entender a Portaria Interministerial 655/2021 que estabelecia o prazo de 14 dias de quarentena definida para pessoas que chegam ao país passando pela África do Sul, Índia e Reino Unidos, incluindo a Irlanda do Norte, e que os aeroportos internacionais têm conhecimento, mas apenas assinam um papel.
Não há no aeroporto uma agência local da Anvisa que verifique se de fato a informação prestada é verídica, e somente horas após isto é feito em casos pontuais que tem repercussão na imprensa.
Assim os protocolos existem, uso de máscaras, procedimentos em bares, restaurantes e supermercados, mas qualquer pessoa que circule observa famílias inteiras nestes lugares, mal uso da máscara e as vezes até mesmo não uso e por isto causa revolta, a aplicação da lei é só pontual.
Isto sem falar de liberação e flexibilização que ocorre em muitas situações que há aglomeração, as escolas, no Rio de Janeiro um time poderá ter torcida em jogo da próxima quarta-feira, as próprias manifestações de 7 de setembro e dia 12, etc. enfim os protocolos devem ser cumpridos, mas sempre para que a lei tenha eficácia e respeito dos cidadãos.
Ainda não há uma compreensão ampla que o combate para ser eficaz tem que ser global, tem que haver um conjunto básico de protocolos que todos os países assinassem para evitar a desmoralização deles, e estes são necessários.
Quanto a terceira dose, apenas se há ineficácia assumida de alguma vacina justifica a terceira dose, pois elas serão necessárias para pessoas ainda não vacinadas e para a 2ª. dose.
O natural e o cultural
É bastante usada neste momento da história a palavra naturalização, e assim cabe a explicação aqui desta ideia do natural que permeia a cultura ocidental desde a antiguidade clássica, o que existe na verdade é uma dicotomia entre a cultura e o natural.
O renascimento foi um grande movimento de transformação na cultura ocidental, o universo tornava-se infinito, novas terras e novos povos entram na história do Velho Mundo e este clima colocava tudo em discussão, o humanismo italiano foi um destes palcos de históricos movimentos, citamos Pico della Mirandola e Marsilio Vicino e suas obras, porém Dante Aligheri é mais citado.
O Ulisses de Dante vai atravessar os Pilares de Hércules do conhecimento científico, da filosofia, da técnica, da matemática, das artes e das letras, desafiando os dogmas anteriores, porém a física e o domínio da natureza se colocam em lados opostos, embora a Revolução Copernicana seja o grande símbolo desta virada, será o domínio da natureza que se desenvolverá no momento posterior.
A ideia de ausência de limites, da previsibilidade, e das certezas acompanharam a filosofia da modernidade até o advento da física quântica, enquanto a ciência procurava o domínio do natural, e vemos agora as consequências deste domínio no planeta em crise ecológica, a física ponto inicial da revolução copernicana continuou se movendo na direção do mistério das partículas às subpartículas atômicas, do universo harmônico ao caos com buracos negros, com caminhos de minhoca (wormholes) que contradizem o tempo absoluto, são a dimensão espaço-tempo já prevista por Einstein, e que as astrofísica moderna já comprovou.
As incertezas chegaram a ciência, e Edgar Morin lembra que uma das consequências da pandemia atual em entrevista afirmou: “Não sabemos as consequências políticas, econômicas, nacionais e planetárias das restrições causadas pelos confinamentos. Não sabemos se devemos esperar o pior, o melhor, ou ambos misturados: caminhamos na direção a novas incertezas”, e isto é o futuro.
A naturalização de contextos históricos (raça, etnias e sexismos, por exemplo), na verdade é uma culturalização (embora o termo não exista), e as epistemologias ditas científicas foram importantes para isto, principalmente do ponto de vista histórico, onde foram transformadas em cultura porquanto não eram naturais e nem mesmo reais, mas versões da história.
O planeta, a sociedade e a civilização pede uma trégua, e não sabemos se será possível entrega-la, o clima é cada vez mais tenso, e uma consequência que não esperávamos da pandemia (que devia nos empurrar para a solidariedade) é que estamos mais divididos que antes, a trégua será difícil.