RSS
 

Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

A contemplação e a polis

30 nov

O título do quinto capítulo do livro Vita Comtemplativa de Byung-Chul Han é O phatos da ação, começa descrevendo os dois conceitos sagrados da tradição judaica: Deus e Sabá, para a cultura judaica Deus é Sabá, ou seja, é redenção, o imortal (pag. 107), ontem o tempo é suspenso, ou seja, comparando com o conceito de Han é a inatividade.

A criação do ser humano não é o último ato da Criação, só o repouso do Sabá a consuma, o mundo é similar a câmara nupcial: “falta-lhe porém a noiva. Só com o sabá chega a noiva” (Han, 2023, p. 108), que é uma citação de “Der sabbat” de Heschel.

A analogia com a noiva será usada também nas parábolas das noivas, a chegada “daquele dia” em que o noivo vem busca-la e deve encontrar as lâmpadas acesas (desenvolvendo em torno do tema da prudência), Arendt vai modificar a ideia do repouso divino complementando-a com a liberdade princípio para um novo começo (ou recomeço, necessário em muitas etapas da vida), diz a citação de Han:

“com a criação do ser humano, o princípio do começo (que na criação do mundo estava nas mãos de Deus e, portanto, fora do mundo) aparece no próprio mundo e permanecerá imanente a ele enquanto houver seres humanos; o que, naturalmente, naturalmente, em última instância, não quer dizer outra coisa senão que a criação do ser humano como um ´alguém´ coincide com a criação da liberdade” (apud Arendt, Han, 2023, p. 109).

“O “sentimento de realidade” que se deve apenas a ação; ou seja, ao atuar e produzir um efeito, reprime completamente o sentimento de ser. O sentimento de festividade, no qual é possível experienciar uma realidade superior, é estranho a Arendt” (Han, 2023, p. 112).

Este conceito é o temenos da polis grega, que significa o espaço sagrado recortado do espaço público que é reservado às divindades; um peribolos (literalmente um cercadinho ou um cercado), ou seja, um espaço cercado, uma área do templo delimitado por muros. Temenos é um templum, um lugar consagrado e sagrado, a palavra contemplação remonta ao templum.

Assim o templum é parte da polis, na sua viagem à Grécia, Heidegger tem em mente a acrópole quando escreve sobre a polis: “ … essa polis não conhecia, assim, a subjetividade como medida de toda objetividade. Ela se submetia ao jugo dos deuses, que, por sua vez, estavam submetidos ao destino, à Moirá” (apud Heidegger, Han, 2023, p. 113-4) (na foto a Acrópole grega).

Ao apresenta-la apenas como liberdade e ação, Han critica Arendt, a dimensão cultural das festas, rituais e jogos não tem lugar em seu pensamento e elas eram integrantes da polis.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Contemplação e o Ser

29 nov

O terceiro capítulo sobre a “Vita Contemplativa” de Byung-Chul começa com um texto de Walter Benjamim sobre a pintura Angelus Novus em nanquim, giz pastel e aquarela sobre papel de Paul Klee de 1920, que atualmente está no Museu de Israel, em Jerusalém, no acervo cristão.

Descreve a citação de Benjamim: “é representado aí um anjo que parece como se estivesse a afastar de algo que ele encara. Seus olhos estão arregalados, sua boca aberta e suas asas estendidas. O anjo da história deve parecer assim.  Ele virou o rosto para o passado. Onde uma cadeia de acontecimentos aparece para nós, lá ele vê uma catástrofe que empilha incessante- mente escombro após escombro, escorregando diante de seus pés.  Ele bem gostaria de se demorar, despertar os mortos e juntas os abatidos” (apud Han, 2023, p. 57) e continua.

Termina o texto de Benjamim com uma sentença: “Aquilo que chamamos de progresso é uma tempestade” e assim começa o capítulo “Da ação ao ser”.

Hannah Arendt foi a primeira a compreender o século XX como época da ação, diz o autor, mais para frente no texto o autor lembrará que o antropoceno foi o resultado (eu diria a tentativa, já que a natureza se rebela) da submissão da natureza à ação humana, perdendo sua autonomia e dignidade, “fazemos” história ao agir afirma.

O que podemos fazer sobre esta ação catastrófica sobre a natureza, Arendt confessa que não pode oferecer nenhuma solução, citada por Han: “abordar a essência e as possibilidades da ação, que nunca tinham se mostrado de modo tão aberto e se desvelado em sua grandeza e em seu perigo” (apud Han, 2023, p. 59).

Ela aponta um caminho no pensamento que seria um tipo de “filosofia da política” que traria uma reflexão sobre a problemática da ação humana, em “Vita activa” ela expõe (eu penso recupera) a ação humana em sua grandeza e dignidade (pag. 60).

Refletindo ainda sobre a figura do Angelus novus (acima), “seus olhos arregalados refletem sua impotência, seu horror. A história humana é um apocalipse em avanço. Trata-se, aí, de um apocalipse sem acontecimento”, a relação com a atualidade de acontecimentos é notável.

Anos antes de Arendt publicar Vita Activa, Heidegger havia dado uma palestra Ciência e Reflexão onde dizia que em oposição â ação que impulsiona adiante, a reflexão nos traz de volta apara onde sempre já estamos. Ela nos abre um ser-aí (Da-Sein) que precede todo fazer, todo agir e que se demora (Han, 2023, pg. 62).

O mesmo Heidegger vai escrever em Cadernos negros: “O que aconteceria se o pressentimento do poder silencioso da reflexão inativa desvanecesse?” e reflete Han: “o pressentimento não é um saber deficiente. Antes, ele nos abre o ser, o aí, que se furta ao saber proporcional.  Só por meio do pressentimento temos acesso àquele lugar no qual o ser humano já sempre se encontra …” (pag. 63).

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.

 

A vida e a contemplação

28 nov

Não, não se trata da arte de observar a natureza ou o universo, pois também o ato de observar é já uma “vida activa” pois certamente não escapará alguma interpretação ou detalhe que nos chame a atenção.

Trata-se de outros sentidos: escutar sem interpretar, olhar com um olhar purificado e entender aquilo que é incompreensível a razão humana, assim não é uma atitude racional, nem um desvario ou delírio sensitivo, é um exercício da “inatividade” escreve Byung-Chul Han.

Escreve o autor em Vita Contemplativa: ou sobre a inatividade (Han, 2023, p. 11): “A inatividade constitui o Humanum. O que tornar o fazer genuinamente humano é a parcela de inatividade que há nele. Sem um momento de hesitação ou de contenção, o agir se degenera em ação e reação cegas. Sem repouso, surge uma nova barbárie.”

Portanto inatividade contemplativa não se confunde com preguiça, ausência de ação, mas um repouso para a ação clarividente e a fala profunda, diz o autor: “É o silenciar que dá profundidade à fala. Sem o silêncio não há música, mas apenas barulho e ruído. O jogo é a essência da beleza. Onde impera apenas o esquema estímulo e reação, de carência e satisfação, de problema e solução, de objetivo e ação, a vida se reduz à sobrevivência, à vida animalesca nua” (idem) e não por acaso se confunde com a vida moderna atual.

Não somos máquinas sempre destinadas a funcionar, a verdadeira vida da ação consciente, começa quando cessa a preocupação com a sobrevivência e nasce a necessidade da vida crua.

A confusão apareceu por causa da confusão entre história e cultura, não a história das ideias (no sentido do eidos grego), mas aquela que ignora a cultura e trata apenas do poder e da opressão dos povos, diz o autor: “a ação é, de fato, constitutiva para a história, mas não é, a força formadora da cultura” (Han, 2023, p. 12) (quadro: A contemplação do filósofo, Rembradt, 1632).

E acrescenta no mesmo trecho: “Não a guerra, mas a festa, não as armas, mas as joias, são a origem da cultura. História e cultural não coincidem” (Han, idem).

Podem parecer estranho as “jóias”, mas o núcleo de nossa cultura é o ornamental. Ela está situada além da funcionalidade e da utilidade.  Com o ornamental que se emancipa de qualquer finalidade ou utilidade, a vida insiste em ser mais que a sobrevivência” (idem).

As grandes religiões instituíram o sagrado na inatividade o domingo cristão, o sabbath dos judeus, o Ramadã islâmico, não se tratam apenas de inatividade, mas um dia de “contemplar”.

O homem “activo” de busca de vida “intensa” e desenfreada de estímulos e respostas, cai num vazio de sentido e num fazer meramente de luta pela sobrevivência, pouco ou nada de humano resiste, e se queremos retornar ao processo civilizatório, a cultura, o ornamental e a festa devem retornar ao cotidiano, tempo de Natal e de festa de fim de ano, tempo de parar.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Guerra intensa e reféns libertados

27 nov

A Rússia afirmou neste domingo (26/11) que derrubou drones nas quatro regiões em guerra, incluindo alguns próximos a Moscou e também dois mísseis foram interceptados, já a ucrânia afirma ter eliminado mais de mil soldados e 30 tanques russos nas regiões de guerra.

No sábado havia um forte ataque de drones contra Kiev, segundo Moscou o maior desde 2022.

As tratativas de guerra continuam, porém as sanções impostas pela Moldávia criou uma nova zona de conflito entre Moscou e o Ocidente, a Moldávia teme ser o próximo alvo da Rússia.

O mais grave do conflito Israel e Hamas é o uso de civis como reféns (foto).

Na faixa de Gaza segue a trégua entre o Hamas e Israel, a troca de reféns por soldados do Hamas continua, ontem foi o terceiro dia, no total o |Hamas libertou 58 reféns enquanto Israel libertou 117 palestinos, por ordem estes foram os números de reféns solto.

Primeiro dia de trégua 24 reféns, segundo dia (sábado) 17 reféns e terceiro dia (domingo) 17 reféns, embora o acordo seja apenas de 4 dias, e se encerraria hoje, a expectativa é que possa progredir até 4ª. feira.

O papa Francisco sempre otimista, falou em sua última referência a guerra que a humanidade (claro os que tomam as decisões políticas) optaram pela guerra em vez da paz.

Os conflitos já são uma grande tragédia humanitária e poderão se tornar uma grave crise tanto humanitária quanto civilizatória.

 

O exame de consciência final

24 nov

Podemos estar (ilusoriamente) construindo a felicidade (boa-vida na filosofia) pessoal sem se importar com o Outro, a sociedade vive hoje a negação do Outro e da dor, porém este é o caminho para as disputas, as rivalidades e em último estágio as guerras.

O mundo contemporâneo vive com a descrença, a falta de consciência individual e coletiva, o que importa é resolver o próprio problema, não faltam literatura para isto ou para o sucesso fácil ou para o consolo individual com os livros de autoajuda, não escapam as receitas tidas como “espirituais”, mas na sociedade de exercícios, trata-se de uma ascese desespiritualizada.

Como tratamos a dor significa como vemos a pobreza, o descaso com a saúde (nem os planos médicos resolvem mais), a falta de saneamento básico, os abusos púbicos da imoralidade, isso sem falar dos sistemas prisionais, a destruição das drogas e as diversas marginalizações sociais.

O exame de consciência, como diz a boa literatura é aquela consciência de algo, não a do conforto dos condomínios fechados, do isolamento social em refúgios, mas aquela consciência de si e do Outro, que outra para o conjunto social e suas enfermidades, não esquecendo as morais, a qual parece que se perdeu todas as referenciais.

Não falta literatura e pensamento sobre estas questões, mas a pergunta final é como se reverte estas questões, como evitamos o ódio crescente, as polarizações fanáticas e no final de tudo as tendências de guerras cada vez mais cruéis e envolvendo diversos povos?

O exame de consciência é este sim de que lado estamos, não da irracionalidade pública e até mesmo política, mas ao lado dos que sofrem, daqueles que perderam as esperanças, daqueles que por determinado motivo justificável ou não, olham para a vida como um fardo.

O Exame de Consciência final é aquele, que também é bíblico (Mt 25,34-35): “ ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; 36 eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar’ “.

Portanto se trata de fazer este exame de consciência pessoal e socialmente, de que lado se está?

 

Doença, sistemas de saúde e abandono

23 nov

A doença faz parte da experiência humana, não é específica desta ou daquela classe, raça ou etnia, entretanto o modo como tratamos diferentes tipos humanos é muitas vezes um desrespeito e um sintoma de que algo vai mal na estrutura social.

Primeiro é claro deve haver um sistema que permita o acesso aos tratamentos de modo mais amplo possível e seguro, depois vem a questão da proximidade de familiares, amigos e em especial do próprio sistema que deve tratar do doente e não só da doença.

A experiência da fragilidade humana em diversas situações, e também numa doença grave, é a que deve despertar maior solidariedade e harmonia entre as pessoas que estão próximas e aos sistemas de saúde, a pandemia revelou uma grande fragilidade, embora os sistemas tenham funcionado, o grau de solidariedade e responsabilidade permaneceu em patamares sórdidos.

Não melhoramos humanamente com um flagelo tão grande que abalou todo o planeta, a expectativa que sairíamos mais solidários desta experiência não se confirmou.

O filósofo coreano-alemão expressou em uma palestra na universidade …., expressou assim seu sentimento do pós pandemia: “dramático que não sejamos capazes de tocar em outra pessoa, pois isso transmite uma energia incrível”, “não nos tocamos mais, nem contamos histórias entre nós” (referência ao seu último livro “A crise da narração”), e sentenciou: “estamos mais sós do que nunca”.

No livro “A sociedade paliativa” Byung-Chul citando Ernest Jünger escreve: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, nossa relação com a dor na sociedade mostra como vivemos hoje, os que falam de paz, muitas vezes torcem e até desejam a guerra, não todos claro.

HAN, B.C. Sociedade Paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2021.

 

Perspectiva de diálogo e América Latina

20 nov

Algumas mudanças no cenário mundial dão esperança de paz, a trégua de 5 dias e troca de reféns na Palestina, a Alemanha volta a dialogar com a Rússia e já há pressão popular para uma paz na Europa, na América Latina tensão entre Venezuela e Goiânia e eleição do ultra liberal Javier Milei na Argentina, por uma margem maior que apontavam as pesquisas.

Aquilo que poucos ou nenhum analista dirá, porque a polarização vai da periferia dos países até o jornalismo mais independente, é que não há solução única para nenhum dos polos e há erros de análise e de princípios nos dois polos, a própria polarização já é um contrassenso.

O diálogo Alemanha e Rússia, é certamente o que mais chama atenção, o último diálogo que foi realizado entre os dois países foi no dia 2 de dezembro de 2022, e esta retomada pode ser uma ponta de esperança de uma virada na escalada de guerra Ucrânia e Rússia.

Por outro lado, a maior esperança do mundo no momento, é um possível acordo de paz que pode liberar parte das 240 pessoas feitas como reféns numa investida do Hamas em território de Israel que matou cerca de 1.200 israelenses, com sinais de crueldade e barbárie, Israel reagiu também com brutalidade e força e grande parte da população civil da Palestina sofreu.

O embaixador de Israel nos EUA, Michael Herzog foi quem anunciou a emissora de tv ABC que haviam “esforços sérios” para uma trégua de 5 dias em troca da libertação de reféns, também o governo do Qatar costura um possível acordo.

A eleição de Milei, um candidato com 52 anos se deu por uma margem que nenhuma pesquisa apontava, teve 55,95% dos votos na disputa contra o governista e Ministro das Finanças do atual governo Sergio Massa com 44,04% dos votos, indicando que o povo argentino, embora Milei seja pouco conhecido, apostou numa mudança bastante radical, a Argentina está em crise econômica profunda.

Vários governos reconheceram a vitória de Milei porém a divisão ideológica é profunda, e há uma tensão entre Venezuela e Guyana (antiga Guyana inglesa, com rica história de povos indígenas e lutas internas de emancipação)  e embora seja uma região que já foi pauta na história, a razão da disputa agora é porque houve a descoberta de petróleo na região do rio Essequibo, que chegou a ser chamada de Guyana Essequiba, com forte presença indígena.

Após vários acordos, em 1904, 19.630 km2 foram entregues a colônia da Inglaterra e 13.570 k2 foram acordados com o Brasil e até hoje tudo que estabelece os limites entre estes três países, houveram vários acordos anteriores, em 1966 a Guiana se tornou independente do Reino Unido.

 

Contemplar e o Ser

16 nov

Byung-Chul Han em seu ensaio sobre a contemplação, dá uma sentença cruel ao saber ocidental eurocêntrico: “o saber não consegue retratar inteiramente a vida. A vida inteiramente consciente é uma vida morta” (Han, 2023, p. 29) e se apoia em nada mais que Nietzsche no âmbito de um “novo esclarecimento”, aquele que para Heidegger abre uma clareira do Ser, embora em uma perspectiva diferente.

Citando Nietzsche escreve Han: “não é o bastante que compreendas em que tipo de ignorância seres humanos e animais vivem; precisas também ter vontade de não saber e aprendê-la. É-te necessário compreender que em esse tipo de ignorância a vida mesma seria impossível, sob a qual o vivente se conserva e floresce: um grande e sólido sino de ignorância deve estar ao seu redor” (citando Nietzsche, pag. 29-30).

Esclarece que o objetivo último de um “mestre” é “alcançar um estado no qual a vontade se resigna. O mestre se exercita de modo a eliminar a vontade.” (pag. 31)

Afirma na página seguinte cita uma parábola feita por Walter Benjamin “Não esqueça o melhor” no qual ele esboça a ideia de uma vida feliz, trata de um homem de negócios que sempre realizou sua vida com precisão e zelo, porém em certo momento joga seu relógio fora.

Então começa a chegar tarde e as coisas começam a se realizar sem sua intervenção, e o alegram, revela-se agora um “caminho para o céu”, as coisas acontecem agora quando menos esperava, “amigos o visitam quando menos eles pensavam nele” e lembra da lenda de um rapazinho pastor que é permitido em “um domingo” entrar na montanha com seus tesouros, com uma instrução enigmática: “não te esqueças do melhor” (pag. 33).

A parábola da inatividade de Benjamin termina com estas palavras: “Nessa época ele estava bastante bem. Concluía poucas coisas começadas, e não dava nada por concluído” (pag. 33).

A época da hiperinformação, do cansaço não é um tempo de busca da verdade do ser, daquilo que realmente somos cultural, social e espiritualmente; é um tempo da busca do nada, em tempos assim, surgiram profetas, oráculos, monges e sábios que fugiam deste vazio temporal, para se encontrarem numa totalidade infinita, aquela que contempla todo o ser.

Escreveu Byung-Chul Han: “quem é realmente inativo não se afirma. Ele descarta seu nome e se torna ninguém”, não é niilismo, é um reencontro com a verdade que todos procuram nas coisas e não as encontram se não olharem para si, para o seu vazio interior e sua inatividade.

Haverá um tempo em que todos estarão procurando a verdade, dirão está aqui ou ali e não mais a encontrarão, não será um fim, mas sim um “novo esclarecimento”.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

In-formar, vincular e o simbólico

15 nov

O que faltou no texto da Crise da Narração, também tem algo equivocado na “Infocracia: digitalização e a crise da democracia na filosofia” (Vozes, 2022), a ideia que a informação é em si incompleta, está presente em outro livro intitulado de Byung-Chul Han “Vita Contemplativa” (Vozes, 2023), porque ali retornando ao ser pode- se encontrar como a forma se torna narração no interior do ser, e se in-forma.

Diz um trecho deste livro: “A perda do sentimento compartilhado acentua a falta do ser. A comunidade é uma totalidade mediada simbolicamente. O vazio simbólico narrativo leva à fragmentação e à erosão da sociedade.” (HAN, 2023, p. 91-92). (grifo nosso)

Assim reconhecendo esse aspecto da necessidade do ser enquanto um vazio simbólico, que a narrativa contemporânea em geral não contempla por seus vícios informacionais, ao mesmo tempo afirma o autor: “O ser humano, como symbolon, anseia por uma totalidade sagrada e restauradora” (pag. 92).

O termo symbolon aparece em destaque porque o autor usa-o a partir de uma leitura de O Banquete de Platão, onde Aristófanes lembra que este pedaço partido do ser, que para ele inicialmente era esférico e foi partido, tem este pedaço partido com um “symbolon”.

Ora se símbolo é uma parte, unido a outra parte formamos uma totalidade, não apenas numa comunidade, mas em toda “totalidade sagrada e restauradora”, ali onde há homens unidos por uma causa boa e justa.

A narrativa e a informação neste contexto, onde a parte está unida, com dizia um princípio importante defendido por Edgar Morin: “É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que une e distingue”, assim união de “símbolos” distintos e que fazem parte das culturas e povos contemporâneos.

Assim o in-formar ontológico (próprio do ser) ligado ao contexto da narração em seu tempo e objeto de pensamentos dentro de uma diversidade, não são razão para fragmentação e sim para um universo que nos une e faz mais “inteiros” dentro de nossas comunidades.

A hiperatividade contemporânea, que não só, mas também o mundo digital pode nos levar é ela própria um mundo que rejeita a interiorização, a meditação e assim, a própria narração.

Escreve o autor sobre esta interioridade: “A vida activa, com seu pathos da ação, bloqueia o acesso a religião” (pag. 154), a ação faz parte da vida religiosa tanto quanto da vida leiga, o que diferencia é que além da prudência, nossas reflexões da semana passada, podem levar a uma ação diferencia, justa e que leva a uma felicidade e plenitude diferente da pura “ação”.

Pathos, esclarecendo, faz parte da tríade grega “ethos, pathos e logos”, enquanto o ethos nos persuade pelo caráter, ou por quem narra, se este é digno de fé, o logos nos persuade pela razão lógica (ampla) e o pathos pelos sentimentos causados de tristeza ou alegria, amor ou ódio, e assim muitas vezes sem passar pela razão e pela ética.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

Recortes iniciais da crise da narração

14 nov

Boa parte da crítica ao excesso de informação de Byung Chul Han é situada no desenvolvimento do universo digital, este ensaio recente que vê a informação como fragmentada e oposta a narração, é visto tanto na histórica como naquilo que pode ser chamado de “crise da narrativa”, lê-se no texto.

Diferentemente de outras críticas à informação, situadas no período da informação digital, Byung-Chul Han busca na história o início da crise da narrativa (traduzida como narração):

Segue na mesma página, falando da perda de aspectos históricos:

Ela cede lugar a informação, deve-se esclarecer aqui que este conceito é para ele aquela atual sem contexto e fragmentária:

Assim para a ensaísta coreano-alemão “A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção”, e isto se inicia com o jornalismo contemporâneo e não com a informação digital.

HAN, Byung-Chul, A crise da narração, Vozes, 2023.