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Sobre a Ira e a Esperança
O filósofo romano antigo Sêneca (4 a.C.–65 d.C.) fez um belo ensaio Sobre a Ira que embora esteja em três livros, pode ser dividido em duas partes, é dirigido ao seu irmão mais velho Gálio, a primeira parte trata de questão teórica (I-II.17) e fala dos horrores da Ira e suas definições, a segunda parte dá dicas de como acalmar as pessoas, tanto crianças coo adultos, usados casos reais como exemplos.
Embora os textos sejam muito interessantes e inteligentes há uma lacuna essencial que não se pode obter seu uma ascese espiritual, a Esperança que o contexto se modifique por ações que extrapolam o nível pessoal, social ou de grupo, elevar o nível de saúde espiritual de um grupo.
Segundo o filósofo, um grande homem não deve irar-se nunca e, quando não for possível evitar a ira, ele deve tentar se acalmar o mais cedo possível, é famosa sua frase:
“Nenhum homem se torna mais corajoso por meio da ira, exceto alguém que, sem ira, não teria sido corajoso: a ira, portanto, não vem para ajudar a coragem, mas para tomar seu lugar” (I.13).
Porém na vida social existem situações em que homens bons e justos estão sujeitos ao poder de autoritários, presunçosos e arrogantes que humilham, exploram e maltratam humildes.
A isto o estóico rebate com outra frase; “Que nada lhe seja permitido enquanto estiver irado. Por que razão? Porque irá querer que tudo lhe seja permitido.” (III.12), dito de modo atual, se perdemos a calma ao apontar um equívoco podemos perder a razão em reagir ao erro.
A esperança é fundamental quando toda uma situação social, política ou mesmo religiosa se torna difícil e aponta para um caminho que parece sem o da destruição, do erro e do medo, não se trata de estar em conformidade, escrevemos no post anterior sobre a disposição que precede a intenção, mas a intenção de acalmar de propagar a paz e evitar a ira torna tanto a esperança quando a possibilidade de correção de rota viável, a ira não, inicia ou amplia o confronto.
É preciso acreditar que a união de forças que desejam a mudança positiva tem uma luz que é superior ao conjunto das forças humanas, porque podem melhor a “disposição”, o clima a favor de atitudes sensatas e construtivas e elevar o padrão moral num círculo virtuoso.
Hipocrisia e poder
Na análise de correntes políticas e ideológicas, a noção e o problema da hipocrisia é negligenciado, assim pode por defesa da democracia defender atitudes autocráticas, por combate a corrupção justificar elementos de corrupção ativa e passiva, aliás, a ativa que é o fato de se oferecer compensação ilícita (e não se diz o que é ilícito) e a passiva é quando um funcionário público recebe uma compensação indevida (quando é que pode) de terceiros.
O termo hipocrisia em grego antigo (hypocritás) é parecido ao atual, trata-se de quando um ator social intencionalmente age de modo simulado, em atos ou palavras, que escondem como pensa ou como de fato age, a regra hoje é dizer o contrário para confundir a opinião pública.
Como termo usado por autores contemporâneos, lembro Maquiavel, como críticas da razão política, e Foucault, que a vê como elemento central das relações de poder, embora sua análise se desloque para o campo psicológico.
A psicopolítica de Byung Chul-Han desloca-se para o campo midiático, o autor acredita que o poder da mídia digital facilita este tipo de relação, embora não a chame diretamente de hipocrisia, mas dá uma receita interessante no seu livro “O que é poder”, “A perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas à própria realidade, torna a vida humana radicalmente transitória”, assim não há nada perene, uma vez que tudo muda.
A base da hipocrisia moderna é induzir o homem a acreditar numa vida de facilidades, o que Byung Chul-Han chama de excesso de positividade, aboliu-se a dor e o sacrifício, “Esquece-se que a dor purifica. Falta, à cultura da curtição, a possibilidade da catarse. Assim, sufocamo-la com os resíduos [Schlacken] da positividade, que se acumulam sob a superfície da cultura de curtição”.
Isto torna o homem mais feliz, a resposta é o contrário do que a sociedade promete, a depressão, a bipolaridade e o tédio são as doenças contemporâneas, “A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade”.
Homens e mulheres se libertos desta sociedade do desempenho, dos exercícios, de uma ascese desespiritualizada, sem atitudes de desconfiança e persecutórias, tornam-se mais afáveis: “Homens e mulheres comuns, tendo a oportunidade de uma vida feliz, se tornarão mais gentis e menos persecutórios e inclinados a encarar os outros com suspeita”.
É possível restabelecer a confiança mútua, as relações saudáveis, a empatia e a fraternidade tornando a sociedade mais sadia e menos conflituosa.
HAN, B.C. O que é poder. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.
Esperanças de paz
As eleições russas acontecem em 15 e 17 de março, mas o provável adversário político de Putin, o ex-deputado Boris Nadejdin teve a sua candidatura rejeitada nesta sexta-feira, 2 de fevereiro pelo vice-presidente da comissão eleitoral Nikolai Bulaiev, que afirmou motivos de irregularidade e que vai apontar outros problemas técnicos.
É rotina nas eleições russas este procedimento, e algumas vezes os opositores somem ou são presos por algum motivo ou infração menor, os ditadores controlam a máquina de estado para forjar uma democracia que não existe na prática e crescem governos nacionalistas também.
Um dos motivos é que algumas pessoas da lista foam consideradas mortas, Nadejdin ironizou:
“Você e eu somos os mais vivos dos vivos. Se alguém imaginar que vê almas mortas nas minhas listas de assinaturas, essa não é uma questão para mim, talvez eles devam procurar a igreja, ou um exorcista”, segundo notícia no Telegram, uma eleição justa pode mudar o panorama da guerra na Ucrânia.
A paz no Oriente Médio também é possível, Israel quer a libertação de todos os reféns e o Hamas quer o fim da guerra, reiterou neste sábado (03/02) que a completa retirada das forças israelenses da Faixa de Gaza são pré-requisitos para acordo da liberação dos reféns.
Novos ataques contra alvos Houthis no Iêmen, foram feitos pelos Estados Unidos e Reino Unido neste fim de semana, acredita-se que a organização, um grupo de múltiplas milícias, seja armada e financiada pelo Irã, que nega as acusações.
Segundo o departamento de defesa americano, há diversas milícias financiadas pelo Irã, entre elas o Hezbollah e os Houthis, após dois americanos serem mortos na interceptação de um barco levando armas para rebeldes no Iêmen, o departamento de defesa americano divulgou uma foto (acima).
Há sempre conjunturas e situações que podem por fim a uma guerra, é preciso condenar e não relativizar o poder de tiranos e governos belicistas para que o mundo caminhe para a paz.
Poder e respeito
Byung Chul-Han em seu livro O enxame, esclarece que somente o respeito possui simetria, isto é, pode tornar a relação de mutuo respeito e reconhecimento daquilo que é bom para todos.
Nisto consiste um dos maiores valores da ação social, a solidariedade com aqueles que por algum motivo erraram ou tiveram um desvio em sua ação comportamental, ser permitido ao retorno da vida social e a esperança de uma vida nova.
É preciso fazer a experiência do novo, da retomada da relação de respeito com o Outro, e da reinserção social, não significa tolerar aquilo que é inaceitável quer seja moral ou socialmente, mas fazer uma nova experiência de vida da ressocialização e da reorganização da vida pessoal.
O poder quando exercido somente para a repressão e combate aquilo que é condenável social e moralmente não deve estar ausente, seria omissão e desorganização, porém cada ser humano e cada pessoa pode e deve ser permitido sua ressocialização e reinserção social.
O convívio social se degradou não porque as pessoas erram, isto é próprio da vida social e humana, mas porque retomar a relação de respeito, ser paciente em ouvir o Outro e permitir sua mudança é dar-lhe Esperança e condições de fazer uma experiência nova e de respeito.
A cultura da exclusão, do ódio e da ausência de perdão leva a uma sociedade hostil, ao fim de relações sociais justas e ao caminho que dá possibilidade para maior equidade e justiça para todos, a exclusão engrossa o caldo da marginalidade, da cultura do desrespeito e dá asas a todo tipo de polarização e confronto.
A sociedade sem um retorno a vida social equilibrada, justa em todos os sentidos, inclusive o moral e econômico, torna possível o desenvolvimento de uma cultura de paz e de fraternidade.
Não há caminho de retorno apenas impondo regras e conceitos, muitas vezes duvidosos e sem uma razão prática adequada (a phronesis grega), torna-se um direcionamento ideológico que é tão hostil quanto aquilo que condena: o autoritarismo e a ignorância.
Falta bom senso, razão prática em todos os âmbitos da sociedade, do político ao religioso, a prática da desconfiança, do descrédito e desrespeito ao pensamento diferente, torna o campo do autoritarismo cada vez mais presente e o campo da democracia e da igualdade distante.
A prática de atitudes cotidianas do bem, do ouvir paciente é o caminho para aqueles que de fato desejam um mundo mais fraterno e solidário, a prática da agressão e do ódio não levam a uma possibilidade real de retorno ao caminho da guerra e do confronto.
Aqueles que dizem seguir o Amor e a solidariedade precisam sair das palavras e ir aos atos.
Aretê e retidão
É preciso compreender que na filosofia antiga, principalmente em Aristóteles e Platão, o objetivo é desenvolver uma filosofia para a polis, educação o político (para Platão ele deve ser um filósofo no sentido de excelência do pensamento) e para Aristóteles o cidadão, considerando que somente homens livres estavam aptos para a cidadania.
Assim aretê traduzido como virtude, é também uma característica de uma excelência particular, mas não é sua tradução como propõe alguns interpretes, a palavra que Aristóteles usa para isto é phronesis, um pensamento teórico prático que leva a uma sabedoria especial.
Não podemos supor que homens que não tem uma vida particular de “excelência” e a vive com sabedoria sejam homens aptos ao exercício público, o apego ao poder, ao dinheiro e aos vícios da vida contemporânea, feitos em nome da liberdade, inibem a capacidade do político.
Não se fala mais no campo moral, não se trata do roubo e da mentira, o nome dado hoje é de fake News devido sua publicização pela mídia, e a mentira pode ter perna curta, mas sua ação confunde a vida social, desinforma e leva a outros vícios, além do fanatismo pessoal.
É importante abordar também a questão da liberdade, podemos fazer o que quisermos, mas não podemos ignorar as consequências, uma vida imoral e desonesta não leva a uma vida social justa e equilibrada, os outros vícios acompanharão a ganância e o poder pelo poder.
Assim não tarda a aparecer naqueles que veem a liberdade neste sentido equivocada pagam com deformações na vida pessoal, envolvimento com forças antissociais, por exemplo, desde o tráfico até mortes e trafego de pessoas, como aqueles que já ganharam publicidade.
É difícil neste contexto de uma visão equivocada de liberdade, falam de retidão, de bons costumes, do pessoal ao social, de empatia e solidariedade, o que existe é demagogia apenas para o exercício imoral da política, do poder e do dinheiro público.
Cultura, Inteligência e Sabedoria
O problema da cultura contemporânea já foi abordado em vários posts, o psiquiatra Anthony Daniels que assina seus livros como Theodore Dalrymple (O que fizemos de Nossa Cultura, Qualquer coisa serve, A faca entrou, etc.), a inteligência segue sendo questionada agora com o bode expiatório do universo digital, mas cuja crise vem desde o início do século passado (o neopositivismo, o neologicismo e a visão simplista da realidade), agora toma contornos de uma falta de equilíbrio, de bom senso e até mesmo de algum sentido de humanidade.
Edgar Morin explica esta falta de sabedoria através da visão disciplinar e segmentada da realidade, uma ausência completa de uma visão complexa e ampla que dá origem ao que ele chama de policrise, porém é importante questionar o que é sabedoria.
No sentido grego não é um saber privado no sentido da moral e sim público e social, que visa minimizar exacerbações de impulsividade egocêntrica do eu, quando colocada numa perspectiva da obra de arte atinge um patamar de princípio universal, bom e belo.
A palavra grega como “amigo do saber” ou do conhecimento é reducionista, uma das palavras judaicas para sabedoria é chokmah ou tushiya que significam sabedoria que conduz a um sucesso prático, parece mais adequado a realidade atual, porque é sábio se tem sentido prático para a vida de cada pessoa e do conjunto da humanidade.
Isto está bem de acordo com a palavra grega proposta em função de uma virtude, a phronesis, que costuma-se traduzir por prudência, termo que o filósofo contemporâneo Hans-Georg Gadamer adota mas o traduz por serenidade, julgando mais próximo que prudência.
Os que clamam por um saber meramente objetivo, bem ao sabor idealista, na realidade são pouco práticos indicando ausência de sabedoria, tornam-se impulsivos e activos (no sentido da Vita activa que Hanna Arendt e Byung Chul Han reclamam), típico da sociedade do cansaço.
Queremos um saber rápido, consumista ou midiático e ele nada ou pouco tem a ver com a sabedoria, que requer pensamento, contemplação e pensamento não imediato sobre os fatos.
A sociedade atual desviou-se do saber prático porque reclama por inteligência e cultura sem perceber a conexão profunda que deve ter com sabedoria que vem de uma reflexão mais profunda sobre o Ser, as coisas e a essência da vida.
Defendemos a paz, mas não evitamos a catástrofe, a guerra, o ódio e o diálogo e o respeito com o diferente, não há sabedoria prática neste tipo de pensamento contemporâneo.
Resistência ou catástrofe
Assim diz o artigo do centenário pensador e educador Edgar Morin, no artigo para o Jornal italiano La Reppublica, estamos “nos encaminhando para prováveis catástrofes”.
E pergunta: Isso é catastrofismo? Essa palavra exorciza o mal e dá uma serenidade ilusória. A policrise que estamos vivendo em todo o planeta é uma crise antropológica: é a crise da humanidade que não consegue se tornar Humanidade, a palavra policrise já foi utilizada pelo autor em outros contextos: a do pensamento, a crise ecológica e social, agora acrescenta uma antropológica, outros autores dizem a crise da idade do antropoceno.
Ele como outros autores apontaram para esta crise, mas acreditavam que era possível uma mudança de rumo, agora já parece tarde demais, “não sabemos se a situação mundial é desesperadora ou realmente desesperada”, não significa com ou sem esperança, como ou sem desespero, temos que passar para uma Resistência, e agora diferente daquela da 2ª. guerra na qual a França estava ocupada pelos nazistas (foto), agora o mundo está ocupado pela polarização e pelo ódio.
Os fatos e situações nos arrastam para uma guerra sem precedentes, “estamos condenados a sofrer a luta entre dois gigantes imperialistas com a possível intervenção bélica de um terceiro”, assim diz o autor, “a primeira resistência é aquela do espírito, que deve ser capaz de resistir à intimidação de todas as mentiras espalhadas como verdade e o contágio de todas as embriaguezes coletivas”, pede um espírito de sobriedade e de quem crê, de fé e esperança.
Hoje devemos saber como resistir ao ódio e ao desprezo, “requer o esforço de compreender a complexidade dos problemas sem nunca ceder a uma visão parcial ou unilateral. Requer pesquisa, verificação das informações e aceitação das incertezas” escreveu Morin.
Esta “resistência também implica na coordenação de associações que se dediquem à solidariedade e à rejeição do ódio. A resistência prepararia assim as jovens gerações a pensar e agir pelas forças da união, da fraternidade, da vida e do amor”.
Não se trata de achar onde há justiça em algum tipo de ódio, mas odiar o próprio ódio, não se trata de fazer torcida para este ou aquele lado da guerra, mas fazer guerra a própria guerra.
A resistência que Morin pede deve envolver todas as pessoas de boa vontade e a solidariedade entre aqueles que realmente além do discurso, sabem as consequências de uma guerra assim.
A resistência do espírito da humanidade
Victor Serge escreveu “Meia noite do século” em 1939, já em plena 2ª. guerra mundial, agora em artigo publicado em La Reppublica, em 24-01-2024, o sociólogo francês Edgar Morin publicou um artigo: “A resistência do espírito” sobre a crise das guerras atuais.
Serge, um anarquista de origem, que chegou a apoiar a Revolução Russa, viu ela se burocratizar e perseguir todos os inimigos reais e imaginários no período stalinista, descrito em “O grande Terror” (1934-38), anos antes de descrever o horror a meia noite, e o que disser de hoje.
A guerra na Ucrânia mobilizou ajudas econômicos de boa parte do mundo, enquanto do lado russo enfraquecido economicamente pelas sanções impostas pelas nações ocidentais, tanto fortaleceu o desenvolvimento técno-científico quanto o bloco formado com a China.
Um novo foco surgiu após um massacre de civis feito pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023, aos quais se seguiram bombardeios mortais de Israel na faixa de Gaza.
Na análise de Morin, já a algum tempo desenvolvida, o progresso do conhecimento se deu criando barreiras em disciplinas cada vez mais fechadas em seu objeto, que leva a um novo tipo de pensamento quase cego, ligado ao domínio do cálculo num mundo tecnocrático, o progresso do conhecimento não dá conta da complexidade da realidade e torna-se cego.
O resultado de uma falta de clareza e compreensão da vida humana exposta pela facilidade de acesso ao conjunto da vida no planeta, sem sua compreensão, levou aos dogmatismos e aos fanatismos, e uma crise da moral enquanto se espalham os ódios e as idolatrias.
Lembrando os anos da ocupação nazista na França (foto Carentan France, June 1944 From the LIFE Magazine Archives), em que o próprio Morin foi membro da Resistência Francesa, ele evoca agora uma resistência do espírito que evita uma ação quase desesperada ou realmente desesperada, e mantém a esperança através da Resistência.
Esta resistência implica em salvaguardar ou criar um oásis de comunidades dotadas de uma palavra de relativa autonomia (agroecológica) e de redes de economia social e solidária.
Esta ação também implica em associações que se dediquem à solidariedade e rejeição ao ódio.
Mudança de rota e poder
Hoje é dia da cidade de São Paulo, e também é comemorado por boa parte dos cristãos o dia do apóstolo Paulo, não coincidência pois o nome da cidade foi dado devido ao apóstolo, ainda no tempo da colonização portuguesa no Brasil.
Era chamado Saulo de Tarso, cidade da Cilicia onde nasceu ano 5 d.C. e era um judeu muito instruído que combatia o cristianismo como uma seita cristã, sendo um dos responsáveis inclusive pela morte de Estevão, o primeiro mártir cristão.
Aconteceu que no caminho de Damasco (foto) através de um tombo do cavalo, figura usada até hoje para indicar pessoas que mudam de mentalidade e de rota, ele tem uma revelação mística e fica cego, e nesta visão ele é indicado a ir ao encontro de Ananias, e tem a vista restaurada.
A partir daí é chamado de Paulo e será responsável para levar seu apostolado até os gentios, como eram chamados o que não eram judeus, visto que este era o povo escolhido por Deus, então o cristianismo sai de seus limites judaicos e chega até gregos, romanos e outros povos que viviam no Império Romano.
Sua elaboração do pensamento irá então extrapolar os limites dos costumes judaicos, embora com algumas controvérsias como a necessidade de circuncisão, ele será o primeiro e importante teólogo do cristianismo, tendo influenciado pensadores como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, importantes para o cristianismo, mas também para a filosofia.
Paulo entenderá que não se trata de uma luta pelo poder humano e nem um combate contra os domínios do poder temporal, e sim o combate a mentalidade terrena que não alcança valores além do poder, da riqueza e das paixões humanas.
Sem Paulo, provavelmente o cristianismo não teria saído dos domínios judaicos, nem chegaria a Grécia, a Roma e a todo império romano e depois ao mundo todo, apesar da perseguição dos poderes locais ele se expandia no mundo dos povos e se enraizava dentro das culturas.
A rota civilizatória e humana não pode almejar somente a tomada do poder e a submissão aos valores deste poder, sem uma base humana sólida, com valores atemporais, o poder fica confinado a dimensão das armas e da opressão.
A paz, a harmonia entre os povos, o respeito a diversidade cultural não pode estar submetido ao poder das armas e da opressão, da falta de liberdade e ausência de diálogo e respeito.
Pensamento do Estado
O modelo de estado, conforme visto em posts anteriores, vindo da antiguidade clássica, foi profundamente transformado pelo contratualismo (Hobbes, Locke e Rousseau) e pelo pensamento de estado de Hegel, cria categorias como Filosofia do Espírito e um complexo pensamento baseado na tríade que desenvolve um caminho cíclico, passando por contradição de opostos (tese e antítese) e síntese que gera novos opostos.
Supõe que o Estado possui ética e lei superiores que se só se objetiva se for cumprida, por ser apenas formal (ou seja, permanece idealista) e a Constituição resulta supostamente do espírito do povo e deve ser pensada como em constante formação.
O Estado, na sua suposição teórica, existe para si em virtude de uma necessidade natural, que para ele é “divina”, pois esta necessidade, para se fundar, não tem necessidade do consentimento dos indivíduos, nem de nenhum contrato, enfim, é um Absoluto poder.
Sua teoria tem a pretensão de representar um pensamento acabado, que tem por fim de ser o limite da própria filosofia, dá aqui para entender a frase paradoxal de Marx (um hegeliano) que afirma que os filósofos agora devem mudar a realidade, criando o estado “puro” sonhado por Hegel, seria um fim da filosofia, sistema que sem dúvida se iniciou com Platão e tinha como objetivo a política (a formação dos cidadãos para a polis).
Este pensamento último, afirma Hegel “essa ciência é a unidade da arte e da religião. Por conseguinte, a filosofia se determina de modo a ser um conhecimento da necessidade do conteúdo da representação absoluta” (HEGEL, 1995, p. 351).
Em seus escritos de juventude Hegel escreveu seu tema central sobre a problemática teológica, isso porque o futuro professor de Berlim formulou inúmeras reflexões acerca do cristianismo, sempre tendo a cultura grega como base para o ideal de organização política, chegando a comparar Jesus a Sócrates, assim estas teorias são mais antigas do que se pensa.
No terceiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, ensaia o que aprofundará depois em sua publicação da Filosofia do Direito, em 1821, um estudo do Estado (eticidade) que se diferencia da época porque retoma uma concepção teleológica da relação entre universal- particular, sua filosofia e elaboração na medida em que usa o Direito não deixa de ser ideal.
Sendo um de seus seguidores Hegel foi fortemente influenciado por Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854), que tenta estabelecer uma relação entre o real-ideal da concepção política, Marx fará uma crítica a estes filósofos “mais idealistas” se autodenominando neo-Hegeliano, uma filosofia da terra “para o céu”, ou seja, um idealismo invertido, mas ainda é.
A ideia que esta teoria política poderia se aproximar da ontologia, vem de um simplismo onde o Ser é confundido com o pensar (lembremos que isto é cartesiano: Penso logo existo) e assim sua ontologia seria que o Ser, compreendido pela dimensão do pensamento, identidade absoluta, busca a superação do objeto-sujeito, ser-pensar e nesta última relação é preciso ver não um dualismo, mas uma separação, já que na ontologia clássica se estuda o ser como são e não com suas propriedades particulares e fatos, é retornar a sua essência metafísica.
HEGEL, G. W. F. 1995. Enciclopédia das Ciências Filosóficas V. III. São Paulo: ed. Loyola.