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A economia política e a moral

18 jan

O confronto destas ideias estará presente na maioria dos textos que pretendem analisar a conjuntura social mundial, o declínio das grandes nações e impérios, a volta do nacionalismo e do socialismo ao início do século passado e suas principais teses são, conforme explica Slavoj Zizek: a economia política e o Partido da Ordem (Zizek, 2012, pg. 28), que foi  o início da polarização que agora é mundial e extrapolou os limites patrióticos.

Toda sua discussão está entre a “doxa” (apenas para compreensão aquela da orto-doxa) do marxista Frederic Jameson (Valences of the Dialetic) e dos neomarxistas Michael Hardt e Antonio Negri (Multitude) para os quais a evolução do trabalho chamado de imaterial (nomenclatura de Marx para trabalho intelectual) ou trabalho simbólico (nomenclatura para linguistas e semióticos) e que é no fundo aquilo que Kant e depois Hegel chamado de “subjetivo”, que está preso ao dualismo objetivo x subjetivo, ainda que se use incorretamente transcendência para o subjetivo, não há em nenhum deles nada de sobrenatural.

O que Marx difere aponta Zizek: “as determinações ´objetivas´ da realidade social são ao mesmo tempo determinações ´subjetivas´ do pensamento (determinações dos subjeitos presos nesta realidade) e, nesse ponto de indistinção (em que os limites de nosso pensamento, seus impasses e contradições, são ao mesmo tempo os antagonismos da realidade objetiva social em si) …” (Zizek, 2012, p. 10), para resumir e tornar mais claro, na visão de Marx é o “modo de produção”, ou seja, a maneira como os bens materiais são produzidos que determina a subjetividade, assim as une, mas elimina qualquer “transcendência”.

A análise importante da precedência da economia política sobre qualquer moral, que é submetida a ela conforme explicado acima, torna este campo objeto de relativismo moral e também político, onde os fins passam a justificar os meios, mesmo que moralmente injustos pouco importa, porém a análise que grande parte da subjetividade intelectual tornou-se público (prefiro do que transcendência que não é ou mesmo trabalho imaterial, porque o fruto em última instancia é sempre um produto físico, mesmo que seja um livro ou um texto), então por isto a análise de Hardt e Negri fazem sentido, mesmo que todas elas estejam de algum modo vinculadas ao subjetivo de Hegel ou Kant, e em última análise são notas de rodapé de Platão e Aristóteles, como já disseram vários filósofos.

Depois de rever vários conceitos marxistas, como mais-valia (lembro que em Portugal é comum usá-lo como sinônimo de agregar valor aos produtos), sentencia as dificuldades do comunismo de nosso tempo, como as reformas na China de Deng Xiao Ping: “introduzir o capitalismo sem a burguesia (como a nova classe dominante); agora, no entanto, os líderes chineses estão descobrindo de maneira dolorosa que o capitalismo sem uma hierarquia estável … gera uma instabilidade permanente” (Zizek, p. 21), isto dito muito antes da quebra da gigante imobiliária Evergrande, e foi encampada pelo Estado Chinês, contraindo esta crise.

O autor pula a chamada “Industria cultural” descoberta pelos marxistas frankfurtianos em contato com a máquina de marketing americana, mas não deixa de notas a guerra cultural nos países pós-socialistas, ao se perguntar se a economia continua ser a grande referência para a análise política e social, no caso dos países do Leste Europeu: “em que a tensão entre o pseudofolk e o rock no campo da música popular funcionou como um deslocamento de tensão entre a direita nacionalista conservadora e a esquerda liberal” (Zizek, p. 33), no entanto dobra-se a ideia “que a luta cultural não é um fenômeno secundário …” (idem).

Embora reconheça, citando Thomas Frank, que há uma “lacuna entre os interesses econômicos e questões morais” (pg. 36), trata o tema com ironia e fora da questão cultural, da qual é parte inseparável.

ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério  Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.

 

A redução da transcendência a subjetividade

17 jan

A ideia de um pensamento absolutizante e único persegue a humanidade desde a antiguidade clássico, o Uno vai aparecer em quase todos textos, porem um conceito quase oculto vindo de Sócrates (claro através de “Toda a filosofia é apenas uma nota de rodapé a Platão e Aristóteles” frase de Alfred Whitehead, na verdade poder-se-ia estendê-la a Sócrates, alias o próprio Dalrymple não inclui Aristóteles (veja pg. 67).

Acontece porem que além do problema da tradução, poucos conhecem o grego, e toda tradução é uma traição, porque sabemos que a linguagem é expressão do Ser, e mesmo para a ciência sabemos que não há verdade formal e já postamos usando os textos de Darlymple, que há duas formas de relativismos: o abstrato e o empírico, assim apenas para entrar num novo textos, dependemos do pensamento embora nele também se encontrem dicotomias abstratas, como a da logica formal que vale para a matemática e a empírica que vale para ciências da natureza em geral e com certas restrições para as sociais também.

Assim podemos adentrar o texto de Slavoj Zizek sobre “O ano que pensamos perigosamente”, está falando de 2011 tanto nos diversos movimentos de ocupação (na Europa em Wall Street) e na primavera árabe, que depois os pensamentos absolutizantes trataram de reduzir a equívocos e ironias, porem havia algo novo e incomodo naqueles movimentos, e isto introduz bem o que pensa Zizek.

E sem duvida uma leitura mais a esquerda que Dalrymple, porem o interessante é ambos a busca de caminhos novos, o fato que retornamos ao socialismo bizantino e ao neoliberalismo pré-colonial indica que estamos andando em círculos, e alguns pensadores procuram o novo em meio ao populismo e a polarização.

Primeiro esclarecimento de Zizek importante para evitar leituras de rodapé é uma citação que faz de Hegel: “se a realidade não corresponde ao conceito, pior para a realidade” (Zizek, 2012, p. 10), para dizer que todo o pensamento a esquerda com filiação hegeliana, e isto inclui os marxistas ortodoxos, estão mais presos a teoria do pensam, e embora desejam ser herdeiros somente de Aristóteles que seria mais “realista”, há também em Platão a ideia do mundo sensível separado do mundo das ideias, mas cuidado, o eidos da antiguidade pouco ou nada tem a ver com o idealismo kantiano, numa palavra eidos em grego é imagem.

A divergência entre Platão e Aristóteles está na representação do real: em Platão a extromissão (a imagem projetada para dentro de nós e que converge para o mundo inteligível) enquanto em Aristóteles café a intromissão, onde a ideia provem do “mundo dos fenômenos contingentes” e que emitem copias de si mesmas para nosso interior, e são interpretadas por um saber inato ou adquirido.

Divergindo sobre esta concepção original sobre os princípios kantianos, aponta sua divergência com Frederic Jameson, e afirma que no pensamento de Marx tanto as dimensões objetivas quanto as subjetivas, não admitindo como ideológica as dimensões objetivas, “uma descrição desprovida de qualquer envolvimento subjetivo” (pg. 10), porem ambos não estão sujeitos a nenhuma forma de transcendência, o que Zizek discute com Kant e sobre o que considera “o espaço publico da ´sociedade civil mundial´ designa o paradoxo da singularidade universal, de um sujeito singular que, em uma espécie de curto-circuito, passa ao largo da mediação do particular e participa diretamente do Universal” (pg 11), assim como Kant e Hegel não se desvincula da dicotomia objetividade/subjetividade para chegar a transcendência realmente universal.

A ausência de uma ascese que reduz o homem ao meramente humano, ou para usar uma expressão filosófica “demasiadamente humana” livro de Nietzsche que abandona a transcendência, para tentar depois reencontra-la na filosofia oriental de Zaratrusta, caminho percorrido por muitos filósofos contemporâneos anteriores aos novos tipos de transcendência que já citamos de Theodore Dalrymple.

A analise de 2011 e suas revoltas são importantes para as analises que faz de Hard e Negri “Multidão” e a analise que faz das utopias de 2011 são importantes, senão as únicas, de sonhos adiados, desde a primavera de Praga, as revoltas de Paris, os movimentos dos hippies e de oposição a guerra do Vietnã dos anos de 1968, se as consequências politicas não foram as esperadas elas movimentaram o mundo cultural por anos, e acreditamos também podem movimentar as escassas ideias politicas e teorias universais sobre a paz entre os povos, com as primaveras de 2011, há uma carência de modelos de real emancipação, e o realismo tem a ver com ideias (eidos) e não são apenas opções “práticas” porque elas próprias tem seu ideário teórico, embora raramente examinado, Zizek o faz.

O retorno ao Eidos grego, que são o que produzimos como imagens sejam de dentro para fora (extromissão) ou de fora para dentro (intromissão) é importante para rever o ideário de nosso tempo, onde foi que ele se perdeu ou talvez encontrar o tesouro procurado. 

ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente, trad. Rogerio Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.

 

Insanidade na guerra e indefinições na Pandemia

16 jan

As noticias da Guerra no leste europeu são que a luta pela conquista da região de Soledar teve um custo militar alto e a cidade ficou praticamente destruída com pouco mais de 10 mil habitantes tem um significado estratégico militar e a consolidação de posições russas na região de Donetsk, enquanto a fragata com misseis Zircon navega pelo Atlântico.

A defesa ucraniana nega o domínio na região, enquanto a russa comemora em meio a uma polêmica com os mercenários do comando Wagner que afirmam que eles lutaram na região.

O significado desta batalha é de uma guerra que cada pedaço de território significa batalhas sangrentas e indicam ainda um longo período, a menos de uma estratégia mais agressiva e mais perigosa.

Os habitantes da vizinha cidade de Sirversk sonham com paz, porem poderá ser o próximo combate, assim como a cidade de Bahkmut estratégicas para a guerra terrestre.

A pandemia vive dias de incertezas, não são claros nem os diagnósticos nem a gravidade das novas variantes, porém é sabido que a “kraken” é altamente contagiosa.

Embora a politica da OMS seja de não fazer alarde e deixar pouco claro as medias a serem tomadas, o quadro tem contornos alarmantes (veja o mapa)+ e a variante kraken comprovadamente tem maior índices de contagio e não é clara a efetividade das vacinas da primeira linhagem.

O que se espera na guerra e na pandemia é que se encontrem medidas afetivas para salvar vidas, evitar uma radicalização ainda maior que a do quadro atual e dar esperança as pessoas simples de um futuro com paz e segurança.

 

As causas da paz

12 jan

Este é o subtítulo do capítulo 7 “Porque somos assim (2)?” do livro de Theodore Dalrymple que é analisado esta semana, o tópico 1 que trata em especial da transcendência, deixamos para a ultima análise, embora o livro não termine ai, embora este título vá até “Porque somos assim (7)?” e depois fala das consequências, porém penso que devemos pensar primeiro porque pensamos assim e onde foi nossa cultura, que é o propósito essencial do autor expresso em outros livros de sua autoria.

Já abordou-se no tópico anterior o aspecto das causas do relativismo contemporâneo: empírico e abstrato, porém sem superar a fundo a dicotomia sobre a verdade lógica (abstrata) e o empirismo científico (válido em laboratórios para específicos casos) que também já tem seus questionamentos tanto na filosofia quanto na própria ciência, vejam o caso anacrônico do vírus, não se pode prevenir porque as mutações não podem ser controladas e a natureza revela sua força também em aspectos negativos, esperamos que o positivo seja reequilibrar a ação desastrosa humana.

É interessante a abordagem do autor, porém ela se restringe à esfera europeia, não há análise nem neste autor nem e outros europeus não há análise da disputa colonial, também na análise mais à esquerda de Slavoj Žižek (escreverei sem os acentos no Z porque para não-eslavos isto é demasiado extravagante), porque a meu ver todas se concentram no poderio do estado e suas soluções paliativas.

A análise da paz, parte da ideia que as duas últimas guerras foram causadas basicamente pelo conflito entre Alemanha e França (iniciadas na guerra Franco-Prussiana, figura), e a União Europeia poderia ser uma “causa da paz” uma vez que uma maior harmonia na Europa poderia destruir as razões dos dois primeiros grandes conflitos. Pensava-se então que ninguém acredita que “a França atacaria a Alemanha, e não o contrário. A conclusão resultante seria seguinte: sem este vasto aparato europeu de contenção, o huno [nome dados aos alemães durante as guerras] voltaria á velha forma” (Dalrymple, p. 111).

O cenário da época do livro parecia estável, e embora seja plausível pensar que uma maior “união” entre as nações signifique menos guerra, não se pensava na possibilidade de saída da Inglaterra da União (o Brexit, iniciado em plebiscito em 2017 e finalizado em 2020), nem numa guinada soviética da Rússia mais recentemente.

Assim as causas da paz, como já defendemos esta tese em outros posts quase sempre resulta de maus acordos de paz, não apenas as tréguas, mas aquilo que prometa um futuro estável, pois foi assim que o mau acordo entre Alemanha e França após a primeira Guerra Mundial, resultou na Segunda, ainda que o estopim tenha sido o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do já frágil Império Austro-húngaro e vejam que esta região pode ser de novo estopim uma vez que Bósnia e Sérvia acenam ao governo russo, e a segunda guerra termina com maus acordos entre a Otan e o Império Soviético.

A entrada de países do leste para a União Européia deveria ser distinta da adesão a força militar da OTAN, este por exemplo é o caso da Turquia, embora a ameaça de sair da comunidade permaneça.

Porém o autor aponta o calcanhar de Aquiles da União europeia, um “fundo de pensão” para políticos cansados e que querem manter seu clientelismo: “depois de terem sido derrotados ou de perder a disposição para passar por rigores do processo eleitoral” (p 117),

Em comparação com o estado soviético, o autor diz que é possível identificar o sujeito alimentado pela EU a um quilômetro e meio de distância: “é um tipo de sujeito que desenvolveu aquele semblante típico dos antigos membros do Politburo soviético”, tendência dos estados atuais a esquerda ou a direita, dentro de uma proposta que é razoável que é uma maior união entre as nações, que deveriam diferir dos estados onde o apetite dos seus membros são satisfeitos por aqueles que melhor sabem gerenciar seus apetites, e isto não leva a uma verdadeira cogovernança nova e verdadeiro gerenciamento do bem público.

Assim a causa da paz que aparentemente viria (em 2010) de uma maior integração de países, as nações continuam em suas diferenças culturais, infelizmente não se realizou, o modelo da Pax Eterna está falido.

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.

 

Preocupações demográficas ou crise cultural

11 jan

O Capítulo 2 do livro de Dalrymple faz a análise da questão demográfica na Europa, os europeus de origem estão envelhecendo, enquanto africanos e muçulmanos que tem mais filhos crescem e também a questão de fundo religioso e cultural aparece, índices atrasados de 2004 (o livro é de 2010 no original) dados são, de crescimento em média:’

“Irlanda (1,99), França (1,90), Noruega (1,91), Suécia (1,75), Reino Unido (1,74), Holanda (1.73), Alemanha (1,37), Itália (1,33), Espanha (1,32), Grécia (1,29)” (Dalrymple 2016, p. 28)”, considerando que cada casal deveria ter dois filhos para repor a população, o crescimento não positivo e sim negativo.

Depois de fazer uma análise sobre o poder econômico e o crescimento populacional, citando como exemplos Cingapura e Hong Kong economias bem-sucedidas e com pequena população, a Dinamarca para citar um exemplo europeu e depois compara com a Grã-Bretanha que as colonizou, e a Nigéria com grande população e índices de desenvolvimento pequeno apesar do petróleo, porém a análise econômica não é seu forte.

Depois faz a análise da questão muçulmana, que cresce em toda Europa, mas ao mesmo tempo se seculariza, embora hajam pequenos focos de grupos radicais, que não é diferente neste aspecto dos cristãos, vejam o caso da Irlanda, só por exemplo, depois de uma longa análise da questão da mulher, do fundamentalismo ele finalmente cai na questão filosófica e o papel do relativismo.

Entretanto se fixará nos lógicos, e numa certeza nostalgia do período da Razão da Descartes, uma vez que este tipo específico de racionalismo já está praticamente ultrapassado e já em Kant, muito anteriormente ao nosso período de certa escassez filosófica nova (vamos explorar Sloterdijk e Zizek), já havia feito a “Critica da Razão Pura”, sua obra áurea.

Porém a análise inicial do relativismo é boa, escreveu o autor: “há duas origens do relativismo: abstrata e empírica” (pg. 67), o autor faz uma crítica as avessas uma vez que o empirismo é consequência do racionalismo, sonha com a volta a sua pureza (Volte, Descartes, precisamos de você, um subitem), e no campo do abstracionismo não faz uma crítica ao logicismo, entre suas citações estão Alfred N. Whitehead (do Principia Mathematica, escrito em conjunto com Bertrand Russerl outro lógico também presente em suas citações.

Porém escreve logo de início, uma frase de Whitehead segundo o qual toda a filosofia ocidental não é senão notas de rodapé da filosofia de Platão, porém isto é válido também para o logicismo, outra verdade também dita por Whitehead é “não existem verdades por inteiro: todas as verdades são meias verdades”, entretanto, o logicismo é baseado no binário Falso e Verdadeiro.

Se o empirismo não respondeu totalmente ao racionalismo puro, o abstracionismo também não, e pode-se dizer o abstracionismo puro é exatamente o logicista, já que o neologicismo, por exemplo de Kurt Gödel, admite sua contradição lógico, expressa em seu paradoxo que todo sistema axiomático (lógica formal) ou é completo ou consistente, não podendo ser os dois ao mesmo tempo.

Porém há coisas profundas na sua análise do racionalismo, por exemplo, ao citar Thomas Kuhn e afirmar que a ciência tinha pés “epistemológicos” de barro, Kuhn apelava para o fato “àqueles intelectuais que se sentiam vagamente culpados por nada entenderem de ciência …., mas num nível mais profundo ele apelava àqueles intelectuais que autodepreciação do Ocidente em geral, e da Europa em particular, como motor originador da ciência” …. E assim: “Quanto mais meticulosa fosse a autodepreciação, mais generosa, aberta e progressista seria uma pessoa” (p. 71) e isto está até entre aqueles que idolatram a ciência.

Assim não é conclusão do autor, mas nossa, ele tenta reconstruir este campo moral com “disseminação da dúvida”, “o multiculturalismo do dia a dia” e a “escolha do bem maior”, e cujo ápice é um amor a liberdade (sim ela é importante, mas não tem em si uma ascese moral), ao citar o empiro-anarquismo Shelley feito por Walter Bagehot em Estimations in Criticism: “o amor pela liberdade é peculiarmente natural à simples mente impulsiva [tal como a dele]. Irrita-se com a ideia de uma lei; aprecia imaginar que não precisa dela [….] O governo lhe parece absurdo – um demônio … “ (Dalrymple, 2016, p. 81).

É uma crítica juvenil ao estado, e não entra na discussão de estado forte, mediador ou mínimo, mas tem razão de dizer neste final do capítulo 5: isto que era excepcional na época de Shelley (passagem do sec. XVI paa o séc. XVII) na qual parecem estar presos os pensamentos de nosso tempo (segundo Dalrymple, quase uma norma).

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.

 

Guerra, intervenção e pandemia

09 jan

Embora o governo russo tenha decretado um cessar fogo unilateral devido ao Natal que lá é comemorado no dia dos Reis (que foi ontem), o cenário de guerra é muito preocupante: uma fragata (almirante Gorshkov oficial, mas podem haver outros movimentos) que navegará pelos oceanos Atlântico, Indico e Pacífico, com mísseis Zircon nucleares, que são hipersônicos e difíceis de serem captados por radares antimíssil.

O governo americano e a Otan disseram que podem bombardear o território russo, embora a Ucrânia já tenha feito de modo cirúrgico atingindo pontos de armamentos ou tropas militares, agora a ameaça é geral.

No Brasil após um dia de manifestações com invasões do Palácio do Planalto, STF e Assembleia Legislativa o governo federal decretou intervenção federal no Distrito Federal, usando o Art. 34 da constituição brasileira, que no Inciso terceiro diz: “manutenção da ordem pública”, a intervenção é quando uma instância superior intervém numa inferior que em situação normal goza de autonomia, ou seja, é um ato excepcional.

A intervenção no Distrito Federal vale até o dia 31 de janeiro deste ano, porém já se fala em 6 meses.

A pandemia embora goze de estabilidade no país, registra uma alta de 25% no mundo todo, assim ser tratada apenas como covid-19 é um eufemismo, ainda que os sintomas sejam mais leves, também devido a vacinação, as novas variantes são muito mais transmissíveis que as anteriores e começa a se destacar a Kraken (XBB.1.5), uma subvariante da Omicron já presente em 25 países, com o primeiro caso registrado no Brasil a três dias.

A declaração da OMS foi “A XBB.1.5, uma recombinação das sublinhagens BA.2, está aumentando na Europa e nos Estados Unidos, foi identificada em mais de 25 países e a OMS está monitorando de perto”, disse o seu diretor geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Seria necessário aumentar a vacinação, no Brasil as crianças tem uma defasagem alta, e começar a inserir rapidamente as vacinas de segunda linhagens, já que as atuais não são eficazes para as novas variantes.

Espera-se no mundo, e em especial no Brasil neste momento de tensão, maior serenidade e diálogo, o barbarismo não resolve nada, é como apagar incêndio com gasolina.

 

Qual seria a possível ofensiva da Ucrânia

01 jan

Enquanto as negociações de paz não saem da estaca zero, Rússia e Ucrânia traçam suas estratégias, a Russia continua a fazer bombardeios esparsos em todo território ucraniano, no final de semana passado foi na cidade de Uman, centro sul da Ucrânia.

Em setembro do ano passado enquanto russos esperavam ataques no sul próximos a Kherson, a Ucrânia atacou a nordeste próximo a região de Lugansk e Donesk, tudo indica que a grande ofensiva Ucraniana deverá seguir tática semelhante, a Russia retirou suas bases militares da região da Criméia (conforme mostram imagens de satélites), então espera -senovo ataque ao norte, mas será.

Seria lógico pelo confronto anterior, as sangrentas batalhas de Soledar e Bakhmut na região de Dontesk e Luhansk, que a grande ofensiva da Ucrânia prometida para a primavera (aqui no sul nosso outono), que o ataque poderia ser lá, mas tudo indica que poderá ser ao sul.

O problema grave é qual seria a reação russa a um novo avanço ucraniano ? Pode passar dos limites de uma guerra convencional? pior cenário ainda a Finlândia e Suécia lançarem uma ofensiva antecipando um provável ataque russo.

Não se trata de fatalidade bélica, sempre e todo conflito é evitável, a questão é colocar esta ou aquela população em risco de uma guerra total e não pensar no provável revide, afinal é sim verdade que a Ucrânia foi ao extremo por ter seu território invadido, do outro lado valerá o mesmo.

 

Viragem da virada: 2023

31 dez

Para onde iremos depende de nós, de um ambiente mais saudável, mais fraterno e onde os homens desejem e construam a paz.

Não apenas pena pandemia, pela economia e pelas guerras o ambiente social torna-se tóxico, é nas micro-relações, na propaganda cultural e até mesmo falsamente espiritual, que o novo se constrói ou se destrói.

Falamos da violência, indicamos algumas leituras para compreender aspectos culturais (indicamos Zizek e Darlymple), tecnológicos com a brevíssima introdução de Margarete A. Boden e espirituais (indicamos Anselm Grün), porém há muitos outros autores sérios (é preciso separar supersticiosos, fatalistas e adivinhos neste campo), muitos que indicam um perigo civilizatório grande a cada ano que se inicia.

Anselm Grün cita em seu livro Aristóteles: “A alegria é uma expressão da vida plena” e diz ela é própria “daquelas cujas atividades não são bloqueadas por fatores internos ou externos” (Grün, 2014, p. 15) e assim encontramos também alegria em tempo de tensões e ira, e damos espaço para as esperanças que só podem brotar da vida plena e de seu exercício social.

Zizek num pensamento mais amplo, muitas vezes defende a violência de modo, afirma de uma maneira mais consciente que: “Nem no campo da política devemos aspirar a sistemas que explicam tudo e a projetos de emancipação global; a imposição violenta de grandes soluções deve dar lugar a formas específicas de intervenção e resistência”, disse também em uma entrevista que “Não precisamos de profetas, mas de líderes que nos incentivem a usar a liberdade”.

No campo da tecnologia, que está sujeito a crítica sim e muitas vezes citamos o lúcido e crítico das mídias digitais Byung Chul Han, há muito devaneio e tentativas de explicações de ensaístas (que é o que de fato são) que escrevem sobre tecnologia, mas por não conhecerem suas entranhas navegam por problemas e questões que não são nem desmistificadoras nem esclarecedoras e fazem aquilo que mais criticam que é o fanatismo político e religioso, por ignorância tecnológica.

O texto de Margarete A. Bodan proposto (Inteligência Artificial – uma brevíssima introdução), embora seja histórico e pouco profundo (no aspecto tecnológico) é esclarecedor e pode ajudar aos críticos.  

Por ultimo apontamos um texto que pode nos ajudar a detectar de modo melhor o problema que vivemos de uma crise civilizatória, abordando os aspectos sociais e psicológicos (Theodore Dalrymple é na vedade o médico e psiquiatra Anthony Daniels) e indicamos seu livro “A nova síndrome de Vicky – porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo” mostra o fundo cultural e psicológico deste momento social.

Tudo isto não é por causa da pandemia e da crise econômica, que são só novos elementos nocivos, mas principalmente porque não introduzimos na vida pessoal e social mais empatia, mais alegria.

Feliz 2023, segunda tenho nova operação da visão e ficaremos alguns dias sem acesso aos meios e dispositivos digitais, é um bom começo com esta pausa forçada.

GRÜN, A. Viva com Alegria. Trad. Luiz de Lucca. Petrópolis: Vozes, 2014.

 

2022 alerta e esperanças

29 dez

O balanço de 2022 começou com o sucesso do lançamento do observatório James Webb (no Natal de 2021, mas chegada em 2022), suas primeiras imagens e dados científicos impactaram a astronomia e já balançam as teorias físicas atuais, novas concepções até do próprio universo, a formação de galáxias, a matéria escura e os buracos negros e é previsível mudanças nas leis físicas a partir destas observações.

Ele chegou ao seu destino um ponto de equilíbrio na atração gravitacional do Sol chamado de ponto de Lagrange L2, e mandou as impressionantes primeiras imagens somente em junho, e sempre acompanhados aqui no nosso blog mostramos as 5 primeiras imagens no dia 12 de julho e disponibilizamos o link  ferramenta de zoom disponível  que permite que você escolha o alvo de visualização no universo.

Outro aspecto de alerta foi a guerra da Ucrânia, acompanhamos as evasivas da Rússia que não invadiria o país, depois a invasão com a desculpa que era para combater o nazismo e a militarização, porém a guerra foi se tornando mais cruenta e embora tenham chegado a Kiev, depois de inúmeros revezes retrocederam, o número de mortos e refugiados é enorme, além da destruição física do país, a reação da Ucrânia foi uma grande surpresa e a guerra irá completar em fevereiro um ano, ainda com poucas expectativas de negociação e paz.

As tensões entre China e Taiwan, que envolvem os EUA e Japão também estão em pauta, as tensões internas nos países islâmicos também preocupam.

No Brasil o destaque foi a corrida eleitoral, envolta numa polarização ainda maior que a anterior, como denuncias e provocações ainda piores que as anteriores, a intolerância e a falta de diálogo construtivo foi uma das marcas da eleições, com a vitória da esquerda unida em uma frente ampla, e com uma reação ainda dos resultados das urnas.

O novo governo, entretanto, acena para setores conservadores com ministro de centro-esquerda e até pessoas respeitas no agronegócio, a fragilidade ainda é uma proposta clara na economia, o congresso e o senado teve uma avanço no número de cadeiras de conservadores.

Em toda América Latina é visível o avanço das forças de esquerda, Colômbia e Chile foram as vitórias mais impactantes, além do Brasil é claro, mas o quadro geral ainda é um pouco conservador.

A Covid deu sinais de trégua, volta ao trabalho e ensino presencial, mas no final do ano volta a preocupar com uma grave crise sanitária na China e o aumento de casos e mortes em vários países, que podem voltar a crescer a níveis preocupantes.

Ah o Brasil perdeu a copa e a Argentina ganhou.

O ano que vem não deixa de ter esperanças e preocupações, o quadro não é bom para a economia mundial, o aspecto sanitário e humanístico chama a atenção e deve ser tratado com maior profundidade, a reunião do G7 para janeiro, a expectativa de alianças que devem surgir na América Latina devem tornar o quadro geopolítico bastante modificado para 2023, há sempre esperanças e forças que lutam para a paz.

 

Ira e poder

28 dez

Toda literatura ocidental contemporânea desemboca na leitura de duas coisas que aparentemente não são opostas, mas se opõe frontalmente: amor e poder.

A violência é tema comum desde que o homem é homem, o confronto visava inicialmente como os animais o domínio de um território, a demarcação de países, nem sempre significa nação e sua cultura, é imposta pelo poder dominador, assim nasceu os primeiros impérios babilônico, persa, romano sua etapa de decadência, as monarquias medievais, o império mongol e depois o turco-otomano.

Desde as discussões de Thomas Hobbes, David Hume e John Locke, e Jean Jacques Rousseau, os chamados contratualistas, que divergiam sobre a origem violenta do homem: o homem é mau, o homem é bom e é a sociedade que o corrompe e o homem natural é bom, o chamado bom selvagem, o certo é que o estado moderno, diferente da polis grega, é aquele que tem direito a violência.

Na República de Platão não era assim, a ideia desta escola filosófica era educar o homem para ser político, deveria ter sabedoria e virtudes (aretê), sendo a sabedoria a maior das virtudes, porém é preciso lembrar a polaridade entre Athenas, cidade dos sábios e Esparta, cidade dos guerreiros, assim a ideia da violência permanecia no cotidiano, e Aristóteles não só caminha nesta direção como se torna preceptor de Alexandre, o grande, imperador da Macedônia.

Assim a Ideia de Platão permanecia influente na Grécia, e a tentativa de aliança entre gregos e macedônicos para derrotar o império persa não aconteceu, mesmo assim o império se estende por toda Asia Menor chegando a Índia, mas não a conquista, sem herdeiros e com disputas entre seus generais o império se divide e enfraquece, logo no período seguinte o Império Romano começa a se formar.

A violência moderna antes das guerras concentrou-se na divisão dos reinados, com a reforma protestante e também a anglicana no Reino Unido, até estabelecer-se a Paz de Vestefália.

A grande teoria sobre o Estado moderno e o poder será elaborada por Hegel, ela é dominante hoje independente de posições ideológicas, afinal Karl Marx era também hegeliano (novos, com ele se denominava), porém é o estado moderno o detentor do poder para causar a Paz, a Pax Eterna como pretendia Kant, mas que resultou em duas guerras e estamos a beira de uma terceira, que esperamos não aconteça.

Porém olhando a literatura atual, boa parte dela trata do barbarismo, os dois livros que indiquei e lerei no próximo ano vão nesta direção, embora com tendências políticas opostas, Zizek e Dalrymple se debruçaram sobre o tema, mas há muitos outros: “Ira e tempo” de Peter Sloterdijk, “Violência” de Slavov Zizek e “Comunicação não violenta” de Marshall Rosemberg entre outros.

De Byung Chul Han lembro a citação do seu livro No enxame, que analise a violência das novas mídias, onde afirma que só o respeito é simétrico, ou seja, os dois lados são não violentos.

O romance/ficção de Gabriel Garcia Márquez “O amor nos tempos do cólera” ele arriscou um happy end, diferente de outros livros ele quis tornar a felicidade possível, criar uma espécie de fábula moderna ou uma esperança desesperada, onde “uma utopia de vida, onde o amor de fato seja verdadeiro e a felicidade possível” (Márquez, 2005).

Márquez, Gabriel Garcia. O amor nos tempos do cólera. Rio de Janeiro, Record, 2005.