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Círculo hermenêutico e diálogo
Antes do diálogo o círculo hermenêutico de Heidegger é construído um conceito de fusão dos horizontes, parece idealista, mas é justo o oposto, o conhecimento não se dá pela revelação do objeto ao sujeito, como entendia Kant, não é mera projeção do sujeito sobre o objeto como pensava o idealismo de Kant.
Sujeito e objeto possuem horizontes próprios, pois ambos são dotados de historicidade, exemplifico com um exemplo muito presente: a guerra, não basta olhar sobre os sujeitos em guerra nos dois lados de uma disputa, há a guerra como instrumento de ódio e opressão, e ela própria tem sua historicidade, claro os sujeitos em guerra também.
O conhecimento então se dá a partir da fusão dos horizontes dos sujeitos, daí se falar da superação do esquema sujeito-objeto, ele é dualista e nele o diálogo fica segmentado.
Ao perceber um objeto o sujeito sempre contribui com sua pré-compreensão, sua interpretação é parcial, assim é preciso entender a outra pré-compreensão, na hermenêutica filosófica embora sejam chamados de pré-conceitos, ela tem um aspecto positivo, o ponto de partida do diálogo e o passo seguinte é a fusão de horizontes.
Se ambos desejam a paz, e isto não pode ser só uma retórica, é preciso saber o preconceito.
Gadamer critica a historicidade romântica de Dilthey e esclarece: “[…] a ideia de uma razão absoluta não é uma possibilidade da humanidade histórica. Para nós a razão somente existe como real e histórica, isto significa simplesmente: a razão não é dona de si mesma, pois está sempre referida ao dado no qual se exerce.” (GADAMER, 1998).
Kant proporcionou a superação do paradigma objetal, com sua visão espiritual foi para a filosofia da subjetividade, no entanto hoje, com os estudos pertinentes à virada linguística já há uma visão de superação da subjetividade pela intersubjetividade, manifestada na linguagem como condição de possibilidade do conhecimento e não apenas como uma terceira coisa entre sujeito e objeto ou a simples oposição e confronto.
A hermenêutica filosófica está pautada não na dualidade de significados, mas na sua ampla e plural visão de significados possíveis, a possibilidade criada pela compreensão que se dá na fusão de horizonte que não é “qualquer coisa sobre qualquer coisa”, e sim penetrar naquilo que a fenomenologia de Husserl chamava de “a coisa em si”, aquela do Ser do ente.
O diálogo de posições em confronto não é senão outra forma de guerra, não há uma análise que vá ao fundo de cada pré-compreensão dos sujeitos e daquilo que estão nos objetos.
Uma dialogia sincera é necessária para um novo passo civilizatório, um “outro” diálogo.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
Ascese e o dualismo entre corpo e alma
Já na filosofia grega, a autodisciplina e o autocontrole do corpo e da mente (ou da alma) acompanhavam a ascese assim como a busca da verdade.
Esta busca e sua correspondente ascese está em toda a filosofia e até na literatura, é da peça Hamlet de Shakespeare “há mais coisas entre o céu e a terra que supõe a vá filosofia”, mas é da mesma peça “Ser ou não ser, eis a questão” que remete a ontologia.
Freud também dizia que a principal tarefa de uma existência é compreender a mente, na filosofia contemporânea há o clássico dilema da separação de corpo e mente (ou alma), até Marx se propunha a inverter o caminho de Hegel “da terra para o céu”, claro o céu hegeliano.
O certo é que o processo civilizatório depende de ascese, dos homens como comunidade e dos homens individualmente porque senão não terão o que levar para a comunidade se não tem uma ascese própria, levarão a miséria humana e a decadência que vivem.
O dualismo corpo e mente é aquele que separa os fenômenos da mente (que seriam apenas mentais, no caso da alma, apenas espirituais) e do corpo que são físicos e, portanto, são amplamente separáveis, também há hoje uma filosofia barata que afirma que aquilo que penso se tornará realidade, não cito os livros para não dar popularidade maior a este sem qualquer base teórica ou prática.
A fenomenologia de Husserl penetrará na categoria ontológica da “intencionalidade” para remover este obstáculo “a peculiaridade em virtude da qual as vivências são vivências de alguma coisa” (HUSSERL, 2010), e no § 14 de Meditações cartesianas (1931), repete-o novamente, mas de um modo mais completo: “A palavra intencionalidade não significa outra coisa senão essa particularidade fundamental e geral da consciência de ser consciente de algo, de portar, em sua qualidade de cogito, o seu cogitatum nela mesma” (HUSSERL, 2010).
Husserl e seu professor Franz Brentano recuperaram a categoria de intencionalidade de Tomas de Aquino para o qual o exterior na natureza (esse naturale) é como as coisas existem, as formas sendo distinto de existir no pensamento (esse intentionale), apoia dessa forma o modo da existência, no qual as coisas existentes no intelecto (in intellectu) como “coisas pensadas”, porém Husserl retira da intencionalidade a base empírica e a objetividade imanente.
Mostramos no post anterior esta separação entre Filosofia da Natureza e Filosofia do Espírito como divergente e até opostas, ao admite que de certa forma há na consciência alguma forma de consciência de algo é base para a fenomenologia e depois na ontologia e no existencialismo, há na consciência uma forma definida e transcendental do que é externo, porém parte da intencionalidade da consciência.
O transcendente está presente na mente (ou na alma) através da intencionalidade, enquanto o transcendental é de ordem superior e só se torna conhecimento se pode ser compreendido dentro do mistério transcendental da existência, ou retornamos ao nada.
HUSSEL, E. Meditações Cartesianas. Conferencias de Paris. Phainomenon –Clássicos de Fenomenologia . Portugal. CFUO: 2010.
Controvérsias da ascese espiritual e filosófica
Para negar a ascese recorre-se a ideia que ela estaria impregnada da “exegese cristã” entretanto a própria literatura mostra que isto é uma contradição, pois tanto a filosofia idealista tenta refazer uma visão daquilo que é o espiritual na “Fenomenologia do Espírito” como também mais modernamente Foucault ( ) vai dizer que os gregos na época helenística e romana estariam longe de compreender o termo que denominamos de ascese. “Nossa noção de ascese é, aliás, mais ou menos modelada e impregnada pela concepção cristã”. (FOUCAULT, 2004, p. 399).
No dicionário hegeliano de Michel Inwood encontramos o conceito de Espírito (geist): “Geist inclui os aspectos mais intelectuais da psique, desde a intuição até o pensamento e a vontade, mas excluindo e contrastando com a alma, o sentimento etc.”, porém o Espirito no uso hegeliano tem um sentido ao mesmo tempo semelhante e diverso do usado no cotidiano (no sentido da alma) e na filosofia, uma vez que ali também há um sentido “trinitário”.
Como em toda filosofia idealista, Hegel é um pós-kantiano é bom que se diga, há uma busca de superação da dualidade sujeito e objeto, para Hegel ela se encontra no Espírito Absoluto, dito de forma a propiciar um encontro entre o sujeito e o objeto, formando uma identidade que se dá no interior da relação mútua entre subjetividade e objetividade.
Enquanto em Kant a transcendência é aquilo que faz o Sujeito ir até o objeto, em Hegel é o Absoluto que marca um encontro entre o sujeito e o objeto, formando uma identidade que se dá no interior da relação mútua entre subjetividade e objetividade, mas em ambos não há na transcendência um Ser.
É importante entender esta relação porque nela se realiza aquilo que Hegel trata como atividade intelectual essencial, para a apreensão intelectiva tanto acerca do objeto (que é justamente o momento da alienação como “saída-de-Si”) quanto do próprio sujeito (o retorno à subjetividade após a experiência com o objeto, isto é, o Outro como ele vê), assim diferente da ontologia de Husserl, Heidegger e outros, que vê nisto uma relação ontológica com o Ser.
Para isto deve se penetrar nas categorias hegelianas: em-si, de-si e para-si, ditas na Filosofia do Direito como: “Com efeito, o em-si é a consciência, mas ela é igualmente aquilo para o qual é um Outro (o em-si): é para consciência que o em-si do objeto e seu ser-para-um-outro são o mesmo. O Eu é o conteúdo da relação e a relação mesma; defronta um Outro e ao mesmo tempo o ultrapassa; e este Outro, para ele, é apenas ele próprio” (HEGEL, 2003);
Muitos filósofos contemporâneos vão ver o Outro, como algo além do Eu, e uma para-si algo além do Eu e do Outro, um “para” de além de.
Ainda que haja controvérsias tanto no idealismo Hegeliano, quanto na sua concepção dialética “trinitária”, é importante notar que para ele os membros de uma comunidade devem sempre entre os princípios sempre ter aquele que “tem objetividade, verdade e moralidade” (HEGEL, 2003, §258).
FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. Tradução Márcio Alves da Fonseca; Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
HEGEL, G.W.F. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução: Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
INWOOD, M. J. Hegel. Dicionário Hegel. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
A ascese como elevação humana e espiritual
Não é específica de uma religião e também está definida na filosofia, do grego áskesis, “exercício espiritual”, derivado de ἀσκέω, “exercitar”, consiste em uma prática ou mais práticas que propiciam o desenvolvimento espiritual, a simples ideia de renúncia ao prazer ou as necessidades primárias, deve ser vista dentro de contextos ou períodos determinados, portanto não é normal geral e também seu contrário não significa apenas pecar, mas se deteriorar, enfraquecer ao deixar de fazer determinados exercícios.
Peter Sloterdijk, um agnóstico, fala desta ascese despiritualizada, no sentido que somos uma sociedade de exercícios, mas que eles não propiciam nem uma elevação humana nem espiritual, um claro exemplo disto é o número de academias que crescem no país e em muitos lugares do mundo, outro exemplo são as demonstrações de virilidade como uma elevação humana, claro é importante cuidar da saúde, mas algumas vezes excesso de exercícios e remédios fazem o contrário.
Do ponto de vista humano o que experimentamos é uma decadência que vai da moral ao religioso, assuntos tão claros até recentemente, hoje são vistos como tendo controvérsias quase absurdas a ponto do imoral ser considerado “normal” e “humano” e o religioso ser identificado com atrocidades.
A série crise humanitária não poderia deixar de atingir o econômico, não se trata das simples crises de mercados, elas estão no epicentro das guerras e das falácias econômicas, não é preciso ser economista para ver que formulas simplistas não funcionam em nenhum dos extremos: o capitalismo selvagem e o socialismo sem liberdade e sem qualidade humana.
Parece difícil reconhecer o que seria então uma verdadeira espiritualidade, mesmo havendo o princípio da ascese que significa a elevação humana nas relações sociais e na dignidade inerente a todo ser humano, no respeito a natureza e na preservação de seus benefícios, enfim no amor a vida.
Até mesmo para o conceito de paz voltamos na história, a pax romana parece ser o princípio para muitas guerras, qual seja aquela que submetia os territórios “inimigos” para declarar a paz, nem mesmo a paz eterna do idealismo contemporâneo é reivindicada, embora também tenha limitações (na foto, foto do brasileiro Felipe Dana ganhador do prémio Pulitzer).
É prenuncio de grandes tragédias, incluindo a guerra, o que se espera é que de alguma forma forças que ainda tenham um fundo humano e espiritual possam interpor esta realidade contemporânea e reverter o quadro perigoso que todos enfrentamos e poucos trabalham para sua reversão.
O Outro, o Infinito e a Verdade
O desenvolvimento da questão do Ser na filosofia moderna não se separa da questão religiosa, Gadamer lembra o exemplo dos deuses nas obras de arte desde o mundo grego (Gadamer, 1997, p. 18),
O outro é tratado em diversos âmbitos da ontologia, tornando-se quase uma categoria essencial.
Outro ponto importante no caminho para Verdade, afirma que é preciso reconhecer: “A finitude do próprio compreender é o modo como e onde a realidade, a resistência, o absurdo, e incompreensível alcança validez.” (Gadamer, 1997, p.24), e expande esta história também para a histórica, onde vai criticar o historicismo romântico de Dilthey e ressalta que não é a-histórico.
Assim o caminho (ou o método) para a Verdade é traçado o desenvolvimento do círculo hermenêutico como um novo e revolucionário método para a Verdade, ouvir o texto (ou o Outro) e realizar uma fusão de horizontes, onde é possível ver e repensar mais claramente a Verdade.
A simples elaboração de narrativas que justifique o poder determinadas verdade não é senão uma volta a obscuridade e o oportunismo do discurso sofista moderna, agora usando como recurso os limites e as especialidades de determinadas ciências, por exemplo, o direito e a economia que vistas em seus campos restritos não são senão sofismas que se justificam mutuamente.
Ao analisar a possibilidade do fim da metafísica, Gadamer ressalta: “Se a ciência se elevar à tecnocracia total, e com isso cobrir o céu com a “noite do mundo” do “esquecimento do ser”, o nihilismo predito por Nietzsche, pode-se então ficar olhando atrás do último rebrilho do sol que se pôs […]” (GADAMER, 1997, p.27), ou seja, a ciência não está a parte desta questão.
Um humanismo verdadeiro deve olhar para o infinito, não apenas aquele que agora é visível pelo megatelescópio James Webb (que traz muitas questões também), não pode deixar de ignorar o infinito, o mistério e o fenômeno religioso.
Para os cristãos, esta verdade foi revelada humana e visivelmente em Jesus, na semana passada lembramos os discípulos dizendo “mostra-nos o Pai” (Jo 14,8), agora noutra a frente Jesus se revela mais plenamente aos que o seguem (Jo 14, 16-17): “e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê nem o conhece”.
Não se trata de uma Verdade arrogante, ela pode e deve dialogar com as culturas de nosso tempo.
GADAMER, H.G. Verdade e método. tradução de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
A questão fundamental do método
Não poderia faltar a questão histórica, aliás antes do livro “A verdade e método”, foi uma palestra de Gadamer que deu início a esta obra, chamada de “A questão da consciência histórica”, o livro foi corrigido e traduzido para o inglês depois da publicação da obra magna, e desta versão veio a versão para o português.
Assim afirma o autor: “Pois, somente com o fracasso do historicismo ingênuo do século histórico, torna-se evidente que a contraposição que há entre a-histórico-dogmático e histórico, entre tradição e ciência histórica, entre antigo e moderno, não é absoluta.” (GADAMER, 1997, p.22).
Assim é diante desta finitude do conhecimento que se deve partir: “A finitude do próprio compreender é o modo como e onde a realidade, a resistência, o absurdo, e incompreensível alcança validez. Quem leva a sério essa finitude tem de levar a sério também a realidade da história” (Gadamer, 1997, p.24), e a partir daí retoma e reorganiza o círculo hermenêutico.
Assim o que chama de história efeitual parte da compreensão do “que torna tão decisiva a experiência do tu para toda autocompreensão” (idem), será a partir daí que vai elaborar sua hermenêutica filosófica, que parece paradoxal afirma: “justamente a crítica de Heidegger ao questionamento transcendental e seu pensamento da “virada” (Kehre) serve de fundamento ao desenvolvimento do problema hermenêutico universal, que eu empreendo” (Gadamer, 1997, p.25), e assim para ele “a linguagem não surge na consciência de quem fala” e não tem nada a ver com a subjetividade, pois a experiência do sujeito não tem nada de “místico” ou de “mistificador”.
Esclarece que sua metodologia está além de uma visão puramente metafísica, e diz sobre o método do idealismo: “acho que a Crítica da razão pura, de Kant, é vinculante, e que as proposições que nada mais fazem do que acrescentar, pelo pensamento, e de modo dialético, o infinito ao finito, o ente em si ao que é experimentado humanamente, o eterno ao temporal, considero-as como meras determinações extremas, das quais, pela força da filosofia, não se poderá desenvolver nenhum conhecimento próprio.” (GADAMER, 1997, p.26).
Com relação a metafísica, esclarece que mesmo a tradição hegeliana, que não abandona a ideia do infinito, tem: “a tradição da metafísica e especialmente a sua última grande formulação, a dialética especulativa de Hegel, contém uma proximidade constante.” (idem).
E retoma a questão heideggeriana do esquecimento do ser: “O que significa o fim da metafísica, enquanto ciência? O que significa seu finalizar em ciência? Se a ciência se elevar à tecnocracia total, e com isso cobrir o céu com a “noite do mundo” do “esquecimento do ser”, o nihilismo predito por Nietzsche, pode-se então ficar olhando atrás do último rebrilho do sol que se pôs […]” (GADAMER, 1997, p.27).
A abertura ao Outro, abre uma perspectiva de fusão dos horizonte de encontro do Ser, que aplica novo sentido ao texto (ou discurso) e permite interrogar-se sobre a verdade e alcança-la, eis o círculo hermenêutico.
GADAMER, H.G. Verdade e método. tradução de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
A verdade e a hermenêutica
Foi Hans-Georg Gadamer que desenvolveu e fundamentou um critério mais profundo para fazer uma correta interpretação de método e verdade (o nome do seu livro em dois volumes) nas ciências humanas, e não se trata de opor as ciências naturais , mas dar às ciências sociais uma alma e um “espírito”, mesmo aquele compreendido estritamente no pensamento não religioso, porém que busque de fato a verdade e não o silogismo, a pura lógica ou até mesmo o sofisma.
Esclarece Gadamer logo no início de sua obra magna: “O fato de eu ter-me servido da expressão “hermenêutica”, pesando-lhe às costas uma velha tradição, conduziu certamente a mal-entendidos” (GADAMER, 1997, p. 14).
Para retornar a questão das ciências naturais, esclarece o autor o mal-entendido “a famosa distinção kantiana da questio júris e da questio facti” (Gadamer, 1997, . 16), não se tratava de um tribunal da razão e sim “.Ele colocou uma questão filosófica, quer dizer, ele perguntou pelas condições de nosso conhecimento, através das quais torna-se possível a ciência moderna, e qual o alcance da ciência” (idem).
Assim seu comportamento filosófico em resposta a questão: “o que é conhecimento” foi desenvolvendo a análise temporal da existência: “que Heidegger desenvolveu, penso eu, mostrou de maneira convincente que a compreensão não é um modo de ser, entre outros modos de comportamento do sujeito, mas o modo de ser da própria pré-sença (Dasein)” (ibidem).
Antes de entrar na questão da história, ele vai buscar suas origens ao afirmar: “Porém, onde separa-se propriamente mundo e mundo posterior? Como a significância vital do originário passa para a experiência reflexiva da significância da formação?” (GADAMER, 1997, p. 17).
Não seara o humanismo do fenômeno religioso: “Dever-se-ia reconhecer e admitir que uma antiga imagem de deuses, por exemplo, que não foi representada no templo como obra de arte para um desfrute estético da reflexão, e que hoje tem a sua representação no museu moderno, contém em si o universo da experiência religiosa.” (GADAMER, 1997, p. 18)
Assim antes de refletir sobre a história, Gadamer refletirá sobre a arte, e não cai no dualismo do subjetivismo, expõe sua convicção que: “Assim, ninguém convencer-me-á, objetando-me que a reprodução de uma obra de arte musical é interpretação em um sentido diferente do que, por exemplo, a realização da compreensão na leitura de uma poesia ou na observação de uma imagem.” (GADAMER, 1997, p. 19).
A experiência artística em seu “método” e “verdade” não é exclusiva, porém é a que permite maior amplitude em sua concepção do que realmente nos leva ao “método” que encaminhe a “verdade”.
GADAMER, H.G. Verdade e método. tradução de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
Entender, ver e crer
Não podendo ter uma categoria para-si que contemple o Todo, além do universo e seus mistérios, o Ser que antecede a tudo e a todos, a categoria de Hegel para-si volta a ser a que Sartre vê com a volta ao ser-em-si puramente humano e encontra o nada, ao invés de tudo.
Sim é mistério, como o próprio universo se revela, mesmo penetrando no mais profundo do nosso Ser só encontraremos tanto o próprio ser-em-si revelado como designo (no sentido de designer divino) se encontrarmos verdadeiramente o para-si, e neste caso como há um infinito mistério é preciso crer.
Mas não é um crer cego, ou puro fanatismo, nem mesmo um ato de altruísmo elevado, deve ser um encontro com o nosso próprio Ser, ali nos sentamos em uma confortável poltrona e entendemos que nascemos para edificar, crescer e amar, sem estas premissas, o inverso será perigo e quando levado a toda sociedade impera o ódio, a intolerância e ao final: a guerra.
Não é ameaça de um Ser divino que nos criou para a perfeição, é a ameaça daqueles que negam mais do que a necessidade de um Ser e um Saber supremo (Platão chamou de Sumo Bem), que não pode ser realizar senão na plenitude um puro Ser que é Ser-em, Ser-para-Si e ser-de-cima que se volta a humanidade.
Hegel passou perto de um conceito trinitário, mas o idealismo o impediu, já que há nele um dualismo intrínseco, que divide a objetividade (do ser-em-si) da subjetividade (do ser-para-si)
Esta dificuldade era marcante em Tomé que quis ver e tocar as marcas do corpo de Jesus Ressuscitado, também noutra passagem (um pouco esquecida) Felipe pede a Jesus que “mostre o pai”*, ao qual Jesus responde: quem me vê, vê o Pai.
O Jesus histórico não pode ser negado, não é um mito, nem um fato simbólico, ali estava um homem em-si, um Deus-para-si e um homem/Deus-de-si em relação com a humanidade.
*O trecho específico da Bíblia estão em João 14, 8-9: Disse Felipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces, Felipe? Quem me viu, viu o Pai.”
Ser imanente e transcendente
Estes conceitos da filosofia são difíceis de entender se não o colocamos no dia a dia, de modo bastante supercial pensemos assim: o que temos interiormente e nos define como seu “eu” é interno e imanente a mim, o que tenho externo e define como o além de mim é “transcendente”, o Outro e ara aqueles que tem alguma crença o Divino.
Claro que não é bem assim estes conceitos, o imanente é aqui que está inseparavelmente presente em um ser ou objeto na natureza, é inseparável dele e não pode o ser não pode ser pensando sem ele, para o kantismo, diz respeito a conceito e preceitos de teor cognitivo.
Já o transcendente, é aquilo que transcende a natureza física do ser e das coisas, corroborando com o imanente do kantismo, esta corrente o define como aquilo que é presente no objeto e fora do sujeito, algo que lhe é externo e só pode ser conhecido pela “transcendência”, veja o aspecto cognitivo novamente presente.
Retomando o post anterior, as categorias em-si, de-si e para-si podem e estão presentes neste tipo de imanência/transcendência com base idealista (Kant e posteriormente Hegel), que afirma “de início, a consciência-de-si é puro para-si”, assim ela é independência absoluta, afirma que sua transcendência em relação a tudo o que é para-Outro, assim o ser fica preso a este binário Sem-em-si e para-si, conforme vai detectar Sartre em sua obra “O ser e o nada”.
Assim não há um alter, não há o Outro puramente fora e além do ser-em-si, este para no sentido do grego pará (como paramédico, parâmetro, etc.) mas um retorno ao em-si, assim a consciência de si está ligada ao ego e não a nenhuma possibilidade cosmológica ou divina.
Afirma Hegel: “A consciência-de-si é em si e para si quando e porque é em si e para si para uma Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido. (…)” (HEGEL, 1992, p. 126)
Entretanto é possível definir uma relação entre imanência e transcendência sem dualismos, assim o ser-em-si aquele que se define internamente e com suas propriedades, pode ter uma relação com tudo que está fora, os objetos e o Outro (que é em sentido plural).
Há uma transcendência fora, que está além o conhecimento, que se pode ter através do uso da linguagem, das relações humanas e da intuição contemplativa, é o Ser-para-si que completa e define o ser-em-si (dá a ele uma identidade transcendente), estabelece uma relação de-si com a natureza e com o Outro e encontra na contemplação divina um Ser para-si que é um origem de tudo e além da ex-sistencia (ex – fora, sistencia – forte, eterno), que é essência ara as definições anteriores, pois é puro Ser.
HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1992.
O Ser, o Nada e o Outro
Completam 80 anos, em 2023, a publicação de o Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica (1943) de Jean Paul Sartre (1905-1980), sob forte influencia de O Ser e o Tempo de Martin Heidegger, vai trilhar um caminho diferente de outros existencialistas que veem no Outro um significado especial que Sartre não vê.
Não por acaso dizia “O inferno são os outros!”, Sartre via diante da consciência humana uma “condenação” à liberdade, assim vê na consciência uma definição autocêntrica: “O homem não é nada além do que faz de si mesmo”.
É de tal forma autocentrado que seu romance com Simone de Beauvoir (1908-1986), após o falecimento de Sartre ela escreveu “A Cerimônia do Adeus”, em 1981, e quando morreu foi enterrada no mesmo túmulo de Sartre, no Cemitério de Montparnasse, jamais viveram-na mesma casa, ela que no seu tem o já bradava temas feministas (O segundo sexo, de 1949) e ele na sua concepção autocêntrica.
Eles sempre liam os trabalhos um do outro, e a influencia existencialista é clara em O Ser e o Nada, de Sartre, e A Convidada, de De Beauvoir, porém estudiosos recentes mostram que a escritora tem outras influências além de Sartre, como Hegel e Leibniz.
É importante nas categorias tratadas também por Sartre, analisar o em-si, de-si e para-si de Hegel.
A análise De Beauvoir sobre o Outro, vem desta influência de Hegel, onde a construção social da mulher como uma quintessência de “Outro”, indica que o “O” maiúsculo de Outros indica “todos os outros”, e isto indica tanto as mulheres, como Outro em outras religiões, culturas e etnias.
Em função desta posição distinta sobre o Outro (o seu inferno), e um agnóstico por excelência, Sartre vai dizer que no caso humano (e só no caso humano) a existência precede a essência, assim o homem primeiro existe e depois se define, assim se não há predefinição humana, não há Deus.
Ao menos um Outro sempre esteve presente na sua vida, a companheira e também filósofa Simone de Beauvoir, que não por acaso, não deixou de tratar diretamente o tema.
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de aulo Perdigão. 13ª. Edição. Petrópolis: Vozes, 2005.