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Arquivo para a ‘Mídia Digital’ Categoria

Interioridade, verdade e conflitos

10 out

O abandono de concepções que levam a humanidade elaborar-se interiormente elevando os pensamentos e espiritualidades é apontado em inúmeras leituras contemporâneas, temos aqui postado aqui Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Peter Sloterdijk, Edgan Morin e Byung-Chul Han, entre outros, é claro.

Porém queremos aqui partir da questão do método e retornar a fenomenologia de Husserl, um dos primeiros a questionar “A crise das ciências Europeias e a fenomenologia transcendental – uma Introdução a Filosofia Fenomenológica” (edição brasileira da Forense Universitária, de 2012) que aponta esta questão e que na terceira parte esclarece a questão transcendental e os equívocos da ciência contemporânea.

Assim aponta seus questionamentos dos conceitos de “experiência exterior” e “interior”: “O absurdo principial de querer considerar seriamente homens e animais como realidades duplas, como vínculo entre duas realidades de espécie diversas, equiparáveis quanto ao sentido de realidade, e querer, assim, pesquisar também as mentes pelo método científico-corpóreo, ou seja, de modo natural-causal existindo espaço-temporalmente como corpos – resultou na pretensa obviedade de um método a configurar de modo análogo ao da ciência da natureza” (Husserl, 2012, pgs. 177-178).

Neste sentido vai questionar tanto o dualismo cartesiano como o fundamento de uma ciência que cria um “paralelismo” onde: “a natureza físico-matemática é a natureza objetivamente verdadeira; essa natureza deve ser a que se anuncia nas aparições meramente subjetiva” (pg. 179), e sua questão levantada é porque “não é a natureza do mundo da vida, este mero elemento subjetivo da experiência exterior, mas esta é contraposta à experiência exterior ?

A interioridade na filosofia é um aspecto fundante desde que observemos a questão ontológica do Ser, já presentes em Platão e Aristóteles, e que em Santo Agostinho vai ter um papel central na sua visão de mundo, onde busca um sentido profundo de “beatitude” da alma.

Esta interioridade reduzida a interior e visões imediatas de mundo, separam o homem do mundo, dos outros e passa a se projetar excessivamente sobre os objetos, “as coisas” até o ápice do mundo digital, chamado por Byung-Chul Han de “não coisas”, para falar de algo em alta atualmente, diz o autor: “inteligência artificial não pensa”.

Assim nos movemos mecanicamente para interesses para conflitos externo e que nos levam a posicionamentos cada vez mais litigiosos sobre valores e não-valores que justificam a violência.

O problema que aponta Husserl, é que tudo isto parte de um “método” ou seja o modo particular como olhamos o exterior e exercemos nossa interioridade, contrapostos nas origens por  Brentano e Dilthey: “como em geral no século XIX, no tempo dos esforços apaixonados para produzir uma psicologia rigorosamente científica, apresentável ao lado da ciência da natureza” (pg. 180), mas este psicologismo é superado pela crítica de Husserl a Brentano e depois por Hans-Georg Gadamer a Dilthey, como o vê como um historicismo romântico.

O que é o homem interiormente, porque esvaziou-se na modernidade, qual o retorno a vida ?

HUSSERL, E. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: uma introdução à filosofia fenomenológica. Trad. Diogo Falcão Ferrer. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2012.

 

Desencantamento, narração e dor

07 jun

Chul Han lembra de um hábito muito conhecido em muitas sociedades que é o fato de contar histórias para as crianças dormirem, lembro que é antigo, pois são famosas As fábulas de Esopo (Grécia antiga), os contos dos Irmãos Grimm, as histórias organizadas por Charles Perrault e muitos outros, Han vai escolher uma história pouco conhecida (pelo menos aqui no Brasil) de Paul Maar do jovem Konrad que não sabia narrar e sua irmã Susanne que pede que ele conte uma história para ela dormir.

Os pais por outro lado gostavam de narrar, eram “quase viciados nisto” e quando o pai termina de contar uma história a mãe escreve R de Roland no papel e quando a mãe termina de contar história o pai escreve um O de Olivia, mas os pais percebem que Konrad não consegue narrar história e o mandam para um certa senhorita Muhse, ele chega a uma casa pequena e a senhorita que sabe que ele veio aprender a contar histórias pede que ele suba uma escada e leve um pacotinho para a irmã, mas a escada parece infinita até que encontra uma parede que se abre como uma porta.

Lá dentro está tudo escuro e vê uma coruja com voz e conversas estranhas e percebe que não tem piso e cai num longo encontrando ao final a senhorita Muhse que lhe dá outro pacote e pede que leve ao irmão dela no térreo pois não entregou o primeiro, Konrad fica confuso pois pensava ter caído para o térreo, e ele novamente cai nas “estranhas escuras” da casa e novamente chega a senhorita Muhse, que agora fuma um charuto fino, sabe que ele não entregou o pacote e lhe dá outro novamente, ele diz “não estou aqui para entregar pacotinhos, estou aqui para aprender a narrar”, ela vê que é um caso perdido, abre uma porta na parede e diz: “Boa triagem e tudo de pão” (ela sempre muda os ditados) e desta vez está de volta a casa dos pais (páginas 74 a 77).

Os pais e irmãzinha estão tomando café da manhã e ele diz animado: “tenho que contar para vocês. Vocês não vão acreditar no que vivi …”, o mundo de Konrad agora é outro e agora os pais escrevem K (de Konrad) no papel que eles anotavam suas narrações.

O desencantamento do mundo é quando tudo é reduzido a causalidade, a facticidade (as narrativas de hoje dizem os fatos não mentem, mas sob uma interpretação parcial), Walter Benjamin diz que “as crianças são os últimos habitantes do mundo encantado” (pg. 79), diria não há mais no mundo “adulto”: leveza, empatia e imaginação.

“As crianças de hoje caçam informações como ovos de Páscoa digitais” (pg. 80), hoje a “falta de interioridade narrativa distingue as fotografias das imagens de recordação … as fotografias retratam o dado sem internalizá-lo … não querem dizer nada … “  e é por isto que concluo que dados podem não ser, e quase sempre não são, informações.

Mais difícil ainda é entender o que é conhecimento como vivência: “a narrativa se opõe a facticidade cronológica” (pg. 81), lembra Han lendo Marcel Proust e também Benjamin que a aura é justamente a “distância do olhar que desperta no objeto observado” (pg. 82) e lembrará também Karl Kraus citado em Benjamin: “quanto mais de perto se olha para uma palavra, mais distante ela parece estar” (pg. 83).

A memória desnarrativizada é como uma “loja de sucatas” aqui o autor lembra Paul Virilio (Informação e Apocalipse) sendo o “depósito abarrotado de todo tipo de imagens completamente desordenadas, mal preservadas e de símbolos desgastados” (pg. 84), onde se torna “amontoado de dados ou informações [que] não tem uma história. Ele não é narrativo, mas cumulativo” (pg. 84).

Termina este capítulo de forma muito agradável e sensível, depois de citar trechos das obras de Susan Sontag, Adorno e Gershom Scholem, parafraseando este último escreve: “O fogo mítico na floresta foi esquecido. Não sabemos mais fazer orações. Também não somos capazes de meditações secretas” (pg. 89) e diria aproveitando o tópico Dor do livro “Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade” (veja posts anteriores) não sabemos mais o significado da dor, do afeto e perdemos qualquer noção do “todo”.

Han, B.C. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: Vozes, 2023. 

 

Narração, cultura digital e oralidade

06 jun

Ainda no trecho sobre a Pobreza e experiência, citando Walter Benjamin escreveu Byung-Chul: “Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas um centésimo do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do ´atual’. A crise econômica está diante da porta, atrás dela está uma sombra a próxima guerra” (Han, 2023, pg. 37-38, citando Pobreza e Experiência de Benjamin), era o limiar da 2ª. guerra mundial.

Em que a modernidade resume a felicidade, esclarece o autor “a felicidade não é um acontecimento pontual (pg. 43), hoje “quando tudo nos lança em um frenesi da atualidade, quando estamos no meio da tempestade de contingências, somos infelizes” (pg. 44), relembra Marcel Proust “Em busca do tempo perdido” que entendeu o “resgate do passado como tarefa do narrador” (pg. 45) e a vida moderna como “uma atrofia muscular”.

Discordando de Heidegger para reafirmar sua importância contextual (também para hoje): “Ser e tempo não é uma análise atemporal da existência humana, mas um reflexo da crise temporal da modernidade” (pg. 45), “o ser-si-mesmo de Heidegger é anterior ao contexto narrativo da vida produzido posteriormente. O ser-a-i se assegura de si mesmo antes de narrar a si mesmo uma história coerente referente ao mundo da interioridade” (pg. 47) e isto explica o livro que postamos anteriormente aqui O coração de Heidegger.

Após um discurso de algumas páginas sobre as novas mídias:  Phono sapiens, os selfies, o Facebook, é uma fixação do autor ainda que reconheça Benjamin anterior a isto, ainda que diga de modo correto: “eles são alinhados de forma sindética, sem nenhum nexo narrativo” (pg. 51), reconhece que sempre “A memória humana faz escolhas. Nesse aspecto, ela se diferencia de um banco de dados”, uma precisão técnica fundamental, por há quem confunda e as vezes ele também, com dados sem informação e informação sem conhecimento.

É anterior até mesmo ao surgimento da prensa de Gutenberg e pertence à cultura oral: “a narração autobiográfica pressupõe uma reflexão posterior sobre o que foi vivido, um trabalho de recordação consciente” (pg. 53) enquanto “a qualidade dos dados é melhor quanto menos consciência eles contêm” (idem), porém é preciso lembrar a busca semântica, a ligação dos dados (linked data) e o uso da Inteligência Artificial para a narração (é possivel com ética e supervisão humana) que tornem possível uma consciência além do “consciente libidinal” (idem) sem ética nem moral, sem o esquecimento do ser.

Sem citar a cultura oral, mas o trecho lembra ela: “se tudo o que foi vivenciado estiver presente sem distância, ou seja, estiver disponível, a recordação reaparece” (pg. 56) e acrescenta: “uma reprodução sem falhas da vivência não é uma narrativa, mas um relatório ou registro” (ibidem) e lembra que quem quiser narrar ou recordar “precisa ser capaz de esquecer ou deixar escapar muita coisa” (pg. 57) e não pode estar falando de outra coisa que não seja a cultura escrita, pois a oral é capaz de esquecer detalhes porém vai sempre recordar o que é vivido e através dela lembrar o essencial e lembrar a tradição.

Lembrar os mestres das culturas, seus ensinamentos e vivencias não é outra coisa senão a cultura oral, a cultura escrita é um “banco de dados”, uma memória sem reflexão.

Sem citar a cultura oral, mas o trecho lembra ela: “se tudo o que foi vivenciado estiver presente sem distância, ou seja, estiver disponível, a recordação reaparece” (pg. 56) e acrescenta: “uma reprodução sem falhas da vivência não é uma narrativa, mas um relatório ou registro” (ibidem) e lembra que quem quiser narrar ou recordar “precisa ser capaz de esquecer ou deixar escapar muita coisa” (pg. 57) e não pode estar falando de outra coisa que não seja a cultura escrita, pois a oral é capaz de esquecer detalhes porém vai sempre recordar o que é vivido e através dela lembrar o essencial e lembrar a tradição.

Lembrar os mestres das culturas, seus ensinamentos e vivencias não é outra coisa senão a cultura oral, a cultura escrita é um “banco de dados”, uma memória sem reflexão.

HAN, B.C. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: Vozes, 2023. 

 

Poder em Foucault e Chul-han

16 abr

Michel Foucault rompeu com as concepções clássicas do termo poder e define como uma rede de relações onde todos os indivíduos estão envolvidos, e entendemos a rede aqui com o sentido moderno de rede embora fosse vago no seu tempo, os indivíduos são tanto geradores como destinatários do movimento destas relações, entretanto ele as identifica como biopoder, enquanto Chul-Han vai identificar como psicopoder, e de certa forma agrega as mídias a isto.

A ideologia de Estado, nascida de Hegel é a base de toda história de poder contemporâneo, o autoritarismo e as guerras modernas nasceram de uma nova ideia de imperialismo e colonialismo, na qual estados mais fortes controlam o poder não apenas pelas armas, mas antes pelo biopoder e agora pelo psicopoder.

O biopoder de Foucault, o estado é o primeiro nível de poder (ele chama de setor), o mercado o segundo nível, e, o terceiro é a sociedade civil, a ideia de 4º. poder da imprensa vem daí.

Ele estudou o poder não para desenvolver uma teoria sobre ele, mas para identificar aspectos da subjetividade (na ontologia seria a questão do Ser), ou seja, sujeito sobre os outros sujeitos.

Isto é importante para diferencia-lo de Chul-Han, que parte das relações ontológicas entre os seres e identifica a ação de mídias e estruturas mídias que atuam sobre a psicologia do poder, assim sua ideia de poder (O que é poder) é como uma técnica de dominação que estabiliza e reproduz o sistema dominado por meio de uma programação e de um controle psicológicoc.

Foucault vê o biopoder, como no corpo como uma máquina de adestramento, já que a biopolítica, em meados do século XVIII, estava focada em controles reguladores da população, a ideia que era o aumento populacional que proporcionava a miséria e a fome.

Peter Sloterdijk que orientou a tese de doutorado de Chul-Han sobre Heidegger, defende que este processo de “adestramento” falhou e assim, o processo de controle desenvolve-se para o quarto poder, que Chul-Han focaliza excessivamente nas mídias, esquecendo do 4º. poder da imprensa, TVs e cinema que influenciaram enormemente.

Ele desenvolve patologias de autocentramento (narcisismo), instabilidade emocional (borderline) como respostas às demandas de uma sociedade intoxicada de exigências de eficiência, de aparência e de coerção disciplinar, escreveu o autor):

“É inerente à sociedade pré-moderna da soberania a violência da decapitação; seu medium é o sangue. A sociedade disciplinar moderna é, em grande medida, uma sociedade da negatividade, sendo regida e dominada pela coerção disciplinar, isto é, pela ‘ortopedia social’. Sua forma de violência é a deformação. Mas nem a decapitação e nem a deformação estão em condições de descrever a sociedade de desempenho pós-moderna. Ela é dominada por uma violência da positividade, que confunde liberdade e coerção. Sua manifestação patológica é a depressão” (Han 2018,  pp. 183-184).

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018. 

 

A ascese como elevação humana e espiritual

16 mai

Não é específica de uma religião e também está definida na filosofia, do grego áskesis, “exercício espiritual”, derivado de ἀσκέω, “exercitar”, consiste em uma prática ou mais práticas que propiciam o desenvolvimento espiritual, a simples ideia de renúncia ao prazer ou as necessidades primárias, deve ser vista dentro de contextos ou períodos determinados, portanto não é normal geral e também seu contrário não significa apenas pecar, mas se deteriorar, enfraquecer ao deixar de fazer determinados exercícios.
Peter Sloterdijk, um agnóstico, fala desta ascese despiritualizada, no sentido que somos uma sociedade de exercícios, mas que eles não propiciam nem uma elevação humana nem espiritual, um claro exemplo disto é o número de academias que crescem no país e em muitos lugares do mundo, outro exemplo são as demonstrações de virilidade como uma elevação humana, claro é importante cuidar da saúde, mas algumas vezes excesso de exercícios e remédios fazem o contrário.
Do ponto de vista humano o que experimentamos é uma decadência que vai da moral ao religioso, assuntos tão claros até recentemente, hoje são vistos como tendo controvérsias quase absurdas a ponto do imoral ser considerado “normal” e “humano” e o religioso ser identificado com atrocidades.
A série crise humanitária não poderia deixar de atingir o econômico, não se trata das simples crises de mercados, elas estão no epicentro das guerras e das falácias econômicas, não é preciso ser economista para ver que formulas simplistas não funcionam em nenhum dos extremos: o capitalismo selvagem e o socialismo sem liberdade e sem qualidade humana.
Parece difícil reconhecer o que seria então uma verdadeira espiritualidade, mesmo havendo o princípio da ascese que significa a elevação humana nas relações sociais e na dignidade inerente a todo ser humano, no respeito a natureza e na preservação de seus benefícios, enfim no amor a vida.
Até mesmo para o conceito de paz voltamos na história, a pax romana parece ser o princípio para muitas guerras, qual seja aquela que submetia os territórios “inimigos” para declarar a paz, nem mesmo a paz eterna do idealismo contemporâneo é reivindicada, embora também tenha limitações (na foto, foto do brasileiro Felipe Dana ganhador do prémio Pulitzer).
É prenuncio de grandes tragédias, incluindo a guerra, o que se espera é que de alguma forma forças que ainda tenham um fundo humano e espiritual possam interpor esta realidade contemporânea e reverter o quadro perigoso que todos enfrentamos e poucos trabalham para sua reversão.

 

Visita a Roma, Contraofensiva e Prêmio Pulitzer

15 mai

A semana foi toda protagonizada pela Ucrânia: visita a Roma e ao papa, avanços em Backhmut e fotos da guerra chamaram a atenção ao ganhar o prêmio Pulitzer, as fotos são chocantes e talvez digam mais que palavras, já que hoje há até retóricas incompreensíveis a favor da guerra.
No plano estratégico, não há o analista português Germano Almeida apontou: “aqui no Ocidente não temos ainda conhecimento dos planos, portanto há uma ideia ucraniana de isto é só o começo e ninguém sabe onde é que na verdade essa contraofensiva pode ser feita porque a questão de Bakhmut pode ser uma primeira manobra de diversão [despiste] e o essencial e a ofensiva em massa ser noutro local”, disse Germano.
A visita a Itália, além do apoio já declarado do país, as visitas ao presidente italiano Sérgio Mattarela e com a primeira-ministra Giorgia Meloni, também participou de um talk show da TV italiana, sobre o papa tudo que se sabe é de um acordo humanitário a refugiados.
As imagens que ganharam o prêmio têm também a de um brasileiro na lista: o carioca Felipe Dana que filmou e fotografou cenas de Bucha, a mais cruel e violento massacre feito pela Rússia na ucrânia (primeira foto abaixo), vale lembrar que também a guerra do Vietnã teve prêmios sobre os horrores lá.
Algumas imagens do prémio Pulitzer 2023 (no total foram 30) dada a vários fotógrafos da Associated Press, incluindo o brasileiro, se palavras não comovem talvez as imagens o façam. 

 

 

Inteligência Artificial e planejamento

26 jan

Todos nós desejamos situações ideais e perfeitas, como diz Margaret Boden evidentemente isto não é restrito a IA, o nosso dia a dia, as nossas viagens e o futuro dependem deste planejamento, o simples voluntarismo, ou o simples desejo (está na moda mentalizar desejos) não resolvem nenhum problema e na maioria das vezes provocam ansiedade e frustração.

No caso da computação, “o planejamento possibilita que o programa – e/ou o usuário humano – descubra quais ações já foram realizadas e porquê. O ´por quê´ se refere à hierarquia do objetivo: esta ação foi realizada para satisfazer aquele pré-requisito, para alcançar tais e tais objetivos secundários” (Boden, 2020, p. 44), isto em alguns planejamentos de programas de computação é chamado de “engenharia de requisitos”.

No caso de IA, existe tanto um “encadeamento para a frente” como “encadeamento para trás”, que explicam e ajudam o programa a encontrar soluções, para isto existe também uma hierarquia, também existe uma hierarquia de tarefas e a autora acrescenta que tanto o planejamento como a hierarquia foi rejeitada por “roboticistas” da década de 1980, e hoje foi incorporada a área.

Existem vários condicionantes de IA que não são claramente expostos e que explicam melhor o que é a IA, por exemplo, “existe uma grande quantidade de hipóteses simplificadoras não matemáticas na IA que geralmente não são mencionadas. Uma delas é a hipótese (tácita) de que os problemas podem ser definidos sem levar em conta as emoções” (Boden, 2020, pg. 46) que é tratado no tópico seguinte e cujo assunto é apenas inicializado.

As redes neurais artificiais que auxiliaram muito o desenvolvimento da IA são bem diferentes de redes semânticas, uma vez que esta já são desenvolvidas a partir da experiência e da interação humana e só depois destes tópicos é que Capítulo 6 é que a autora faz a pergunta sobre o que é a Inteligência Artificial de verdade, como as perguntas capitais “Será que teriam egos, postural moral e livre-arbítrio? Seriam conscientes?” (Boden, 2020, p. 165), e esta pergunta não podemos fugir sem apresentar algum insight filosófico, teológico ou antropológico, talvez um síntese aprofundada dos três fosse mais interessante.

A pergunta em tempos de séria crise civilizatória e necessário uma pergunta anterior: a consciência humana o que seria? Como a tratamos? A ditadura do igual, do insensível e da padronização até mesmo do pensamento nos conduz a uma falsa impressão de que a máquina pode nos ultrapassar (o ponto de singularidade).

BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: Ed. UNESP, 2020.

 

Um tapa no Oscar

31 mar

Tinha decidido não comentar os melhores do Oscar este ano,primeiro porque não considero “Ataque de cães” tão bom filme, quanto por exemplo, Duna e Não Olhe para cima, não apenas pelos enredos, mas principalmente pelo conjunto da obra, Duna acabou levando vários prêmios merecidos, mas nenhum dos principais.

O tapa de Will Smith em Chris Rock roubou a cena, mas o comentário da diretora Jane Campion que ganhou melhor direção, em outro evento sobre Serene e Venus Williams: “vocês são maravilhosas, no entanto, não precisam competir com os homens como eu”, também caiu mal e seu prêmio perdeu um pouco do brilho.

Pouco tempo depois do tapa de Will Smith ele receberia o prêmio de melhor ator, é um grande ator, mas seria mais grandioso se esperasse este momento para dizer sobre o papel que fez do pai das Williams em defesa da família e daria um golpe muito mais duro em Rock, por ter feito um comentário infeliz sobre a perda de cabelos de Jada Pinkett, mulher de Will.

Muita gente saiu em defesa de Rock, dizem os jornais que seu show agora bate records de bilheteria, e Will expôs Jada porque agora procuram saber da vida dela e de seus relacionamentos, e assim como sua doença alopecia, enfim na minha opinião, o momento de resposta a Chris Rock poderia ser o momento da estatueta, e neste caso não vou comentar o mérito, porém o papel de Denzel Washington na Tragédia de MacBeth merece destaque.

Outro comentário é o prêmio de melhor atriz, fui ver depois da indicação trechos (não vi o filme todo) Os olhos de Tammy Faye (foto), nem o filme nem a atriz vencedora (Jessica Chastain) me impressionam, eu sei que a Academia seguem alguns clichês: ironia, certo humor e outros tiques.

Fui ver a popularidade, pouco mais de 60% das pessoas gostaram do filme, não estou fora então.

Vi a atuação de Meryl Streep em Não Olhe para cima, e merecia ao menos a indicação, claro já ganhou outros, é uma atriz consagrada (o papel espetacular de Margareth Thatcher na Dama de Ferro, por exemplo), mas mérito é indiscutível e não importa a estatura do ganhador.

O tapa de Will Smith e a bola fora esquecida da vencedora de Melhor Direção chamaram a atenção para um Oscar a meu ver sem brilho e ao gosto da academia, o tapa foi um erro só isto.

 

Não olhe para cima: entre a ficção e o documentário

29 dez

O filme da Netflix é uma ficção, mas o estilo ficou parecido a um documentário, e diferente de outros filmes apocalípticos (“Armageddon” (1998), “Impacto Profundo” (1998) e “Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo” (2012)) o filme “Não olhe para cima” tem um impacto diferente por conta das ondas apocalípticas que encontram público.

O filme fala de um professor, o Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e sua aluna estudante de astronomia Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) fazem a descoberta de um cometa com um tempo curto para colidir com a terra, seis meses, e querem conseguir chamar atenção da mídia que prefere dirigir o público para as mídias de redes sociais e pouco preocupado com suas próprias vidas, qualquer semelhança com a pandemia não é mera coincidência, há uma correlação, em especial, de sentimentos e atitudes.

As coisas começam a mudar quando o Dr. Oglethorpe (Rob Morgan) organiza um tour midiático até o gabinete da presidente Orlean (Meryl Streep) e seu filho Jason (JOnah Hill) e também com ajuda das ondas de rádio do Daily rip, um programa matinal apresentado por Brie (Cate Blanchett)e Jack (Tyler Perry) e começa uma corrida contra o tempo.

Além dos extraordinários atores, o filme prende a atenção, e já é cotado para premiações, o tema, porém é tratado de modo quase como um documentário e isto é preocupante.

As mensagens de final de ano normalmente são animadoras e falam quase sempre de esperança de um ano melhor, depois de dois anos caóticos pela situação pandêmica, o filme de ficção deveria ter um caráter ficcional como tem muitos filmes do chamado “cinema catástrofe”, e as pessoas assistem sempre entendendo que é uma ficção, porém a época e as teorias conspiratórios podem colaborar para um filme que tenha um impacto negativo nas emoções de quem assiste.

Lembro do último que assistir neste estilo que foi o filme norueguês Terremoto (2018), que o Geólogo Kristian (Kristoffer Joner) decide investigar os túneis de Oslo, onde há muitos anos ocorreu um grande terremoto, e encontra Marit (Katherine Thorborg Johansen) que é filha de um geólogo que morreu ao investigar as minas de Oslo.

O problema é sempre como evitar tragédia, claro se for possível, assim não tome a vacina é semelhante a “não olhe para cima”.

Ambos decidem, na iminência de um novo terremoto, salvar o maior número possível de pessoas.

A esperança não deve partir de que uma tragédia não possa acontecer, como um prolongamento ou uma nova pandemia, mas as medidas preventivas que podem salvar, porém “Não olhar para cima” parece mais um desespero que de fato uma tentativa de evitar novas catástrofes, vai dar o que falar.

 

A noite da cultura e o humanismo

19 out

Edgar Morin considera a cultura contemporânea algo mais amplo do que é considerado e foi teorizado como cultura de massa, para ele ela ultrapassa a cultura da mídia, esta sim em plena decadência, apesar de reações do mundo da arte em alguns segmentos, em geral trata a morte, o escuro e o desprezo aos símbolos, valores, mitos e imagens relacionados a vida cotidiana e ao imaginário coletivo, porém as culturas regionais, religiosas e humanistas persistem em ato de resistência.

O processo industrial e o êxito da performance e dos valores produtivistas escondem o que se processa no espírito, algo que Morin chama de “industrialização do espírito”, esta segunda colonização não se processa no sentido horizontal conquistando territórios, mas vertical penetrando na alma humana e obscurecendo-a.

A Industria cultural pôs em movimento uma terceira cultura (além da clássica e do natural, chamaria de originária), porém há uma resistência humana que vem da cultura originária de cada povo e de cada cultura específica, mas a ideia de colonizar está viva.

As realidades multiculturais presentes na cultura de massa não são autônomas, por isto a ideia é demolir (ou apagar) as instituições que podem fazer resistência a esta nova “colonização”, e a resistência só pode surgir a partir das culturas dos povos, de seu desenvolvimento originário cultura e de suas religiões e crenças.

Embora se possa fazer uma crítica da cultura midiática atual, as redes sociais são uma laços entre atores que podem ser feitos através delas, ela não encontra uma sociedade destituída de cultura para ser onipresente, nela estão os valores e símbolos sociais, as crenças e ideologias, e nelas os fatores transcendentais continuam impregnados, não é uma cultura a parte.

Na visão de Morin a cultura de massa integra e se desintegra ao mesmo temo numa realidade policultural, faz conter, controlar, censurar (também em muitos casos pelo estado e pelas igrejas) tendendo a corroer e desagregar as outras culturas.

Trata-se agora de uma cultura cosmopolita e planetária, e ela se constituirá na primeira cultura realmente universal na história da humanidade, enquanto o pensamento conservador considera-a um barbarismo plebeu, a crítica de esquerda a considera como um ópio do povo e mistificação deliberada, e assim a única perspectiva parece ser a autoritária.

Na autoritária o estado deve controlar a produção e distribuição dos “bens culturais”, enquanto no caso democrático os grandes grupos culturais devem ditar a mídia controlando a produção e distribuição de conteúdo, aqui a mídia digital está presente.

Ambas as correntes concordam na crítica à cultura de massa classificando-a como produto cultural pobre, de baixa qualidade estética e sem originalidade (kitsch).

A grande solução apontada por Morin está na estrutura do imaginário: o uso de arquétipos que ordenam os sonhos, sem a padronização de temas míticos e romanescos, a arte é uma grande reação neste campo, a indústria cultural se reduziu a arquétipos e estereótipos, quem está fora destes não tem “inserção” cultural, e a prisão dela são produtos individualizados.

Não se trata de aceitação da diversidade, mas incremento do consumo, assim como fez com a cultura pop dos anos 60, os filmes, programas de rádio ou TV (agora as lives e histories) visam unicamente maximizar o lucro e o público (os likes e fanpages).

Em termos religiosos, o sincretismo é a palavra mais apta para traduzir a tendência de homogeneizar a cultura e ditar valores e a comicidade empregada a estes temas faz o papel de destruição de sua essência e originalidade, tudo fica parecido ou igual.

Conteúdos infantis de cultura são invadidos por temas de consumo de adultos: são apresentados numa simplificação que os toma (aos espectadores adultos também) como crianças.

Até o lazer não é apenas um modo de permitir um equilíbrio da vida, mas é invadido pela cultura de massa, os chamados “resorts”, as praias e locais de lazer são invadidos pela “indústria cultural”, tudo ao alcance da mão, bastando um aplicativo.

Esta crise não é temporária nem passageira, pode emergir dela uma grande crise civilizatória, mas é preciso ter esperança apesar da cegueira pública.

MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX. trad. Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. edição. Rio de Janeiro, Forense, 1997.