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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Empatia: da água para o vinho

14 jan

Esclarecidas situações patológicas, onde a empatia é apenas uma  instrumentalização ou um disfarce para ações que não contemplam o Sofrimento do Outro podemos afirmar situações em que ela realmente é eficaz e pode modificar a situação praticamente como um milagre, não só no sentido extraordinário como também com alta probabilidade.

Já dissemos que fora dos condicionantes ideológicos, culturais e sociais a natureza humana destina a viver em situação coletiva tende a empatia para bom convívio social, basta observar as crianças quando ainda não estão contaminadas por ambientes agressivos ou tóxicos, para usar um termo bem atual.

Também situações sociais: ambientes de trabalho, vizinhança, pequenas comunidades há sempre uma tendência onde reina a empatia (ou o Amor num sentido hoje esquecido) a tendência maior é que a frônese (no sentido que hoje chamam de inteligência emocional) e a empatia, e isto não é novo, apenas é necessária uma atualização.

Muitos ambientes podem mudar da água para o vinho se forem totalmente enriquecidos e purificados pela empatia, há sempre uma tendência maior a solidariedade e a tolerância do que ao conflito e ao egoísmo pessoal ou de grupo, em ambientes que ela não é enriquecida por uma espiritualidade também se enfraquece e tende a não prosperar, porque há uma pressão social vinda de fora aonde o ambiente é de conflito e polarização.

O sofrimento pandêmico foi uma grande oportunidade para reconhecer o Sofrimento alheio, a dor do Outro, ou apenas a face do Outro e suas inclinações e conceitos, o que se observa contextualmente é que recrudesceram os conflitos e a oportunidade não foi devidamente agarrada, mas não invalidade esforços conjuntos em regiões e situações.

Há exemplos destes esforços em muitos locais, agora mesmo a situação de enchentes na Bahia é nova oportunidade em que muitas comunidades se uniram ao flagelo da região, doações e socorros vieram de vários locais do Brasil, embora as autoridades centrais tenham tido certa negligência.

São opções que fazemos de ações, hábitos e que se tornam um “caráter social” se mudamos da água para o vinho, é possível, como naquela passagem bíblica onde na festa ia faltar o vinho, e Jesus estando presente recebe o pedido da mãe para que intervenha e seu primeiro milagre publico acontece apenas para dar vinho e melhorar a alegria daquela festa, manda encher três toneis de 100 litros cada de vinho e então pede que levem ao mestre da festa para provar (Jo 2,7), e ele diz o vinho melhor ficou para o fim.

Assim não é o fim que estamos vivendo, mas o início de uma nova realidade, mesmo a empatia não tendo chegado após tanto sofrimento ela virá e uma nova clareira se abrirá, como aquela da passagem do paralitico pelo teto que chega até Jesus para curá-lo, antes Ele o cura dos pecados (Mc 1,5) para que tenha uma alma mais “empática”.

 

Empatia e espiritualidade

13 jan

Conforme apontamos no post anterior frônese não é uma virtude moral, mas intelectual na teoria de Aristóteles, então a empatia pode ser conforme elaborado ali, um componente de sentimento da frônese, o melhor exemplo para explicar isto é o da acrácia (em grego akrasia, ἀκρασία), ou do sentimento e frônese de um psicopata.

Embora acrásia possa ser traduzida ao pé da letra por “não ter comando sobre si mesmo”, está descrito no discurso de Platão em Protágoras, na verdade é uma situação de psicopatia onde o mesmo tem conhecimento de determinada ação, mas não tem exatamente o mesmo sentimento de uma pessoa normal perante algum sofrimento.

O que está errado neste contra-argumento para explicar a frônese é que o desejo de aliviar a dor do outro perante algum sofrimento deve estar de alguma maneira bloqueada, no entanto não impede que o psicopata cultive algum sentimento da situação da outra pessoa e o faz de tal modo sofisticado no que define a respeito de como e porque a pessoa em questão tem tal Sofrimento, e não se trata só de atitudes morais, no caso de um psicopata o que torna seus sentimentos e ações moralmente defeituosos podem ter raízes em seus hábitos (já dissemos que isto vem dos pensamentos tornados ações), se incluirmos as pessoas que tem compaixão ou misericórdia pelo Sofrimento alheio, então pode-se explicar.

Não é, portanto, apenas uma atitude moral ou ética, embora o seja também, mas alguma virtude espiritual praticada com insistência de tornar-se um hábito que o Sofrimento do outro, o exercício desta compaixão onde a ação torna-se hábito guiado para a disposição de agir de uma maneira boa que pode ser fornecida pelas outras atitudes morais que fornecem os meios para discernir sobre o sofrimento junto com a Empatia, assim tem-se que necessariamente expandir a lista das atitudes morais fornecidas por Aristóteles.

A frônese não pode ser exercida sem virtudes morais básicas e assim não pode ser iniciada sem a empatia, pode-se admitir que um psicopata tenha até mesmo empatia, muitos são carismáticos e podem influir muitas pessoas, mas lhe faltará uma virtude moral básica que complemente a sua ação, e isto é impossível sem alguma um exercício para tornar-se hábito a atitude empática completa de sentir o Sofrimento alheio, este exercício que torna-se um hábito é chamado aqui de Espiritualidade.

Enquanto não é hábito pode ser um exercício de ascese, uma simulação ou simplesmente um disfarce que em algum momento será desvelado.

É bom ressaltar que pode haver ascese (elevação do espírito parcialmente) sem uma verdadeira espiritualidade, chamo-a usando um termo de Peter Sloterdijk de “ascese desespiritualizada”, ou seja, sem uma raiz profunda que leve ao conhecimento amplo do que é a dor do Outro, se quisermos dar um nome uma frônese empatizada.

A espiritualidade é, portanto, um exercício que leva a uma ascese, porém o que é ascese não depende só da crença de cada um, mas aquilo que durante a vida torna-se hábito e caráter, quem não o tem pode praticá-lo por alguns dias, ou até mesmo alguns anos, mas sem raiz profunda logo a abandonará, como emagrecer, fazer dietas e outras tentativas de hábitos que nem sempre se mantém, para torna-los vida eles devem integrar o nosso caráter, a nossa personalidade.

 

Empatia e a convivência social

12 jan

Embora em algumas áreas como a administração e a saúde já existam trabalhos sobre a empatia como melhoria do relacionamento social, está longe de ficar claro que não se trata de uma atitude apenas de simpatia, contágio emocional ou um relacionamento carinhoso (Pedersen, 2010), não se trata, portanto, de uma “tática” de construir relacionamentos.

Já delineamos o raciocínio que vai do pensamento até o caráter (a frase de Meryl Streep no filme “A dama de ferro”) e deve ser, portanto, um exercício de caráter ético.

O conceito de frônese (phronesis) traduzido como “sabedoria prática” ou “prudência” é desenvolvido em Aristóteles, no livro VI da “Ética a Nicomaco”, será que esta compreensão do ser empático e sábio em Aristóteles está correta ? E se assim o for isto significa ser sábio em questões práticas significa entender melhor o fenômeno da empatia?

Junto com a fronese na Ética a Nicômaco estão outras virtudes com a aretê (a excelência ou virtude suprema) e Aristóteles vai associar a cinco formas diferentes quando se trata de atividades humanas, poderíamos dizer sociais: a episteme (conhecimento científico organizado), a techne (conhecimento técnico), a frônese (sabedoria prática) e a sophia (conhecimento filosófico) e nous (“sacadas” intelectuais), claro todos estes conceitos devem ser contextualizados no mundo contemporâneo.

A sabedoria prática como Aristóteles a caracteriza é uma espécie de conhecimento de como agir em situações práticas (lembrem-se as palavras se tornam ações e as ações se tornam hábitos e vão definindo um caráter), mas ele também fala de perícia técnica, caso em que o objetivo da atividade deve ter de antemão algum conhecimento para realizá-lo, a ideia que basta a intuição ou a inspiração (nous) sem conhecimento técnico é inútil.

A empatia é desta forma um tipo de discernimento, uma maneira de ver o que está acontecendo no mundo a nossa volta com os outros seres humanos, neste sentido é preciso uma sabedoria (sophia) e atentar para diversos intérpretes que estejam de forma mais profunda tematizando-se, talvez a palavra filosofia esteja desgastada, então apenas sophia.

A filosofia contemporânea Martha Nussbaum mostrou como a noção aristotélica de sabedoria repousa na compreensão das emoções como contendo conhecimento sobre o mundo que compartilhamos com outras pessoas, e frônese não é desprovida de sentimento, ao contrário ela ajuda o “sábio” e entender e julgar a pessoa em dada situação.

Por causa do contexto ético, somos levados a colocar empatia no contexto da filosofia moral aristotélica, o que é um erro, como frônese é mais adequado, entretanto pode acontecer outro equívoco de considerar apenas como virtude “intelectual” e desconsiderar aspectos subjetivos (espirituais inclusive) que a empatia deve ser colocada.

A empatia é então um componente de “sentimento” relacionada a frônese, entretanto é fato que alguns filósofos negam que empatia seja essencialmente um sentimento (Coplan, Goldie, 2011), relembramos novamente que pensamento se tornam palavras, estas ações e depois hábitos e quando inseridos no caráter já fazem parte dos “sentimentos”.

Resolvemos esta querela, não é tão simples é verdade, entendendo que enquanto não são hábitos necessitam de exercício e depois inseridas no caráter, são sentimentos ou subjetividades (próprias do sujeito), porém fica claro que ela não é uma atitude natural, embora a empatia o seja, é preciso “treino”.

Assim detectamos em Aristóteles uma lacuna entre a sabedoria prática e a sophia, diríamos uma saudável espiritualidade ou uma capacidade de interiorização.

Referências:

Coplan, A., and P. Goldie. 2011. Introduction. In Empathy: Philosophical and psychological perspectives, ed. A. Coplan, and P. Goldie. Oxford: Oxford University Press.

Pedersen, R. 2010. Empathy in medicine: A philosophical hermeneutic reflection. Oslo: University of Oslo, Faculty of Medicine.

 

 

A empatia e a frônese

11 jan

Frônese (phrónesis, do grego antigo: φρόνησις), na obra Ética a Nicómaco de Aristóteles, livro IV, distingue-se tanto de teoria como da prática por constituir-se de uma virtude da sabedoria do pensamento prático, entretanto uma adaptação moderna de Hans-Georg Gadamer situa-se entre o logos e o ethos, esta relação pode-se assim aproximar o amor “teórico” de uma ação prática empática.

Assim a frônese insere-se nas ações humanas como fenômenos mediante um exame hermenêutico de opiniões, não apenas para revelar os princípios imutáveis das causas dessa ação, mas sobretudo para entender que a partir da mera opinião (a doxa) do Outro, é possível auxiliá-lo mediante a empatia a chegar ao conhecimento (episteme).

Funciona como uma verdadeira ação de atração que leve o Outro a refletir. dentro do círculo hermenêutico trata-se de permitir uma leitura dos pré-conceitos do Outro e atentar para os próprios, assim as ações que decorrem daí poderão ser mais empáticas, explicando de maneira fronética (prática): ler o que o Outro de fato quer e pensa.

Esse conhecimento leva a uma nova episteme (concepção teórica dos novos horizontes) no qual é possível pensar em uma ação conjunta ou ao menos convergente, como já dissemos anteriormente, a empatia é uma relação originariamente natural, enquanto a desempatia (é diferente da antipatia que é oposto a simpatia) é o rechaço do Outro, sim algo que se tornou naturalizado, devido a ideologias e pré-conceitos herméticos impossíveis de fazer uma releitura.

A verdadeira lei de atração é a empatia, uma vez que ela pode reforçar ações positivas, colaborativas e socialmente coletivas, enquanto a simples oposição leva a repulsão do Outro e a criação de polos de opinião (doxa) e de conhecimento (episteme) não convergentes e não humanos, não se trata de lógica simples, mas de onto-lógica, lógica do Ser.

Porque isto tornou-se tão difundido e alargado é simples, um forte sistema de pensamento não humanista se desenvolveu com objetivo de poder e enriquecimento, não apenas colonizador e xenofóbico, mas sobretudo não ontológico, impróprio do ser.

A ideia do simples rechaço pode parecer natural, entretanto ela pode levar a outro sistema de dominação polarizado e estruturalmente autoritário e assim não empático e não fronético, novamente simples teorias que na prática se mostram desastrosas.

 

Caos pandêmico e negacionismo estrutural

10 jan

As medidas de restrições deveriam ter continuado, mas o que se observa é uma liberação de aglomerações e ausência de protocolos claros, em todo mundo há um aumento de caos, aproximando-se dos 3 milhões diários, no Reino Unidos há uma explosão de casos (ver gráfico), estudos da França revelaram 46 variantes, a ômicron ainda é predominante, porém há o risco de novas mutações se a pandemia não for contida e a única arma disponível é a vacinação, entretanto, medidas sanitárias rigorosas já deveriam ter sido tomadas, aos poucos: voos, restaurantes e aglomerações voltam a ser proibidas (lá), mas sem a força necessária das autoridades públicas.

Não é diferente no Brasil, onde chegou-se a mais de 56 mil internações só na cidade de São Paulo, porém o discurso público é que são apenas pessoas que não tomaram vacina ou que os casos não são tão graves, porém a própria OMS alerta para a gravidade da ômicron, sendo o primeiro efeito imediato colocar o sistema de saúde em colapso, em São Paulo a ABLOS (Associação Brasileira de Lojistas Satélites) pedirá aos shoppings redução de horário de funcionamento pela falta de funcionários devido a covid.

Estudo da Universidade de Washington indica que o Brasil poderá chegar a um milhão de casos diários, em curto prazo, até o final do mês de janeiro, a influenza H3N2 avança, no entanto, a maioria dos casos ainda é da covid 19 com a variante ômicron.  A China estoca alimentos não está declarado que seja apenas pela questão da ômicron ou há algo mais.

O líder indígena Ailton Krenak, do povo da região devastada do rio Doce, disse em entrevista no programa Bom para Todos da TVT que falar em novo normal é muito próximo ao negacionismo, aquilo que precisa ser mudado e não é significa que achamos bom o estado anterior de despreocupação com a vida e com a natureza, é a própria natureza que nos impele a uma mudança de hábitos, a um novo modo de viver, e se não aprendermos rápido ficaremos presos a novas pandemias e crises cíclicas.

É assim mesmo, não tem como mudar, diz o discurso conformista, ou pior aquele que deseja devastando vidas voltar a uma normalidade ainda impossível não apenas devido a pandemia, mas agora também por uma realidade social sofrida e com apagões e dificuldades de reestruturação, como alerta Krenak não há novo normal é preciso lidar com a realidade por mais dura que ela seja.

Mesmo com a ausência de dados claros, desde o final de dezembro o Ministério da Saúde vive um apagão de dados, causado por hackers, porém não conseguiu se reestruturar, também a testagem e controle em atividades coletivas foram suavizadas, basta ir a qualquer evento social, a restaurantes ou igrejas, já não há medida de temperaturas e as necessárias observações de distanciamento, é o que chamamos aqui de negacionismo estrutural.

Espera-se alguma medida, mas de cima para baixo, parece uma política intencional, há um descontrole em ações e uma relativização da gravidade pandêmica.

 

Empatia e a Verdade

07 jan

A construção do conceito de verdade pode, grosso modo, dividir em três etapas como tendo uma elaboração ou uma narrativa, excluo o período de evolução natural do homem porque considero o início da linguagem oral elaborada por oráculos/profetas/mestres um marco importante, antes o que havia era o homem natural e sua “busca”, as três etapas então são: a mítica, a oralidade mista (retórica e escrita) e a linguagem escrita a partir da imprensa de Gutenberg.

Estamos numa quarta etapa que é chamada de pós-verdade, portanto não sua superação, mas sua crise, o iluminismo combinou experiência e lógica cartesiana (a kantiana é apenas a que mostra os limites da razão pura) e agora entendemos, é uma das possibilidades apenas, a fenomenologia filosófica, última etapa após Husserl, Heidegger e Gadamer.

O círculo hermenêutico pressupõe aquilo que argumentamos nos posts desta semana, uma relação com o Outro, propõe que há sempre pré-conceitos, ou seja, há verdades que até podem ter convenções, e reconhece-los ainda que diferentes, sendo possível após estas visões uma fusão de horizontes, é importante e não secundário que Gadamer e Heidegger pressupõe a existência do texto, isto é, uma linguagem escrita a qual seja referencia para a etapa seguinte que é ouvir o Texto, na oralidade entretanto, seria ouvir o Outro.

O que chamamos então de pós-verdade é o simples fechamento em uma verdade egóica, o ego transcendental, como desenvolvido no tópico V das Meditações Cartesianas de Husserl, e que sumarizamos no post anterior, assim é impossível a fusão de horizontes, prevalece a lógica dualista e/ou a ideia da experiência para se estabelecer um fato.

Também a filosofia antiga tinha estas ideias embrionárias, Sócrates afirmou (segundo Platão): “A verdade não está com os homens, mas entre os homens” e Aristóteles afirmou que a verdade é elaborada na relação da coisa com suas causas: Causa material: de que a coisa é feita? por exemplo uma casa construída. Causa eficiente: o que fez a coisa? A construção com materiais. Causa formal: o que lhe dá a forma? A própria casa. Causa final: o que lhe deu a forma? ou a intenção inicial do construtor ou arquiteto.

A diferença entre o princípio fenomenológico de dirigir-se a “coisa” e Aristóteles é que sua lógica é dual: só existe A ou não A, e de A para B é preciso passar por C intermediário, na fusão de origem é possível um T (a teoria do terceiro incluído e a física quântica também admitem isto) que não é A e nem não A, e pode-se ir diretamente de A para B.

A cosmovisão cristã estabelece como verdade a existência de uma realidade sobrenatural, acima dos dogmas e mistérios da ciência (eles mesmo descobertos são verdades provisórias) e há um critério ontológico para a verdade, uma pessoa, que é o Deus-terreno sua manifestação (epifania), o homem-Deus: Jesus.

João Batista, o último e o maior dos profetas, não há profetas hoje a menos de uma revelação direta do próprio Deus (assim todos os profetas atuais são falsos) e João Batista quando questionado em seu tempo afirmou (Lc 3,16): “Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo” ” e esta é a verdade na cosmovisão cristã.

 

Empatia vista pela filosofia

06 jan

Discípula de Edmund Husserl, foi Edith Stein quem trabalhou mais profundamente o tema da empatia, entretanto o mestre tratou do tema em suas famosas Conferências de Paris ou Meditações Cartesianas no qual passa por revisão o método cartesiano, pode-se dizer que parte desta revisão é a descoberta da empatia, ou da relação como o Outro.

Como em toda filosofia deve haver uma questão fundamental a ser investigada e neste caso é a pergunta: “como de pode esclarecer isto, se permanece intocável o princípio de que tudo o que é para mim só na vida intencional pode adquirir sentido e confirmação intencional?”, é na solução desta questão que aparece o tema empatia, dito desta forma:

“Carecemos aqui de uma autêntica explicitação fenomenológica da operatividade transcendental da intropatia e, para tal, porquanto ela esteja em questão, de pôr-fora-de-validade abstrativo dos outros e de todos os estratos de sentido do meu mundo circundante que para mim crescem a partir da validade da experiência dos outros” (HUSSERL, 2013, p. 33).

Intencionalidade é uma categoria fundamental do método fenomenológico, é muito ampla por ser uma característica da consciência, significa o aspecto de ser consciência de alguma coisa.

O termo intropatia é uma primeira incursão fora do ego, significa introjetar um sentido ou sentimento que o outro possa gostar, neste sentido rompe com o sentido do ego transcendental cartesiano, validando a experiência do outro, assim dito por Husserl:

“Precisamente por isso se separa no domínio do ego transcendental, isto é, no seu domínio de consciência, juntamente o seu ser egológico especificamente provada, a minha peculiaridade concreta, como aquela a partir da qual, a partir das motivações do meu ego, capto o meu análogo na intropatia” (Husserl, 2013, p. 34).

Assim pode-se dizer que este termo ainda está entre as vivências intersubjetivas, ou seja, a valorização das vivências e relações subjetivas dos sujeitos em vida social ou comunitária, mas a empatia é um passo além, neste sentido é importante compreender o epoché fenomenológico, que coloca os nossos sentidos, nossos conhecimentos “entre parênteses”:

“Se eu, o eu que medita, me vejo reduzido pela epoché ao meu ego absoluto e ao que aí se constitui, não me tornei então no solus ipse, e não será assim toda esta filosofia de autorreflexão um solipsismo puro, se bem que fenomenológico-transcendental?” (Husserl, 2013, p. 34) então não é um solipsismo cartesiano e sim um refletir com a intencionalidade.

Como isto se clarifica, pois, permanece “inapreensível que tudo o que é para mim só possa obter sentido e comprovação na minha vida intencional?” (Husserl, 2013, p. 35) aqui esclarece o filósofo é necessária uma compreensão fenomenológica da empatia e penetrar na vivência do Outro, fora do seu âmbito egóico.

Assim essa superação da subjetividade transcendental alargada em intersubjetividade ela só “é co-experimentada em mim mesmo, portanto indiciada, num sentido secundário, no modo de uma peculiar apercepção de semelhança, comprovando-se aí de um modo consensual” (Husserl, 2013, idem) e é curioso que ali Husserl fala de “espelhamento do alter ego” (idem) muito antes da descoberta do neurônio-espelho (ver post anterior).

A ligação de Stein com Husserl na tradição fenomenologia é enorme, tendo sido inclusive sua assistente, ao apresentar sua tese com o tema: “O problema da Empatia” dá a entender que esta era uma lacuna na abordagem fenomenológica, escreveu Stein:

“No seu curso sobre a natureza e o espírito, Husserl havia falado de que um mundo objetivo exterior só podia ser experimentado intersubjetivamente, isto é, por uma pluralidade de indivíduos cognoscentes, que estejam situados em uma posição de intercâmbios cognoscitivo. … esta peculiar experiência, Husserl, seguindo os trabalhos de Theodor Lipps, chamava de “empatia” (Einfühlung); sem embargo, não tinha precisado em que consistia” (STEIN, 2017, p. 360, trad. livre).

O trabalho de Stein foi enorme, ela extrapolou com discussões sobre cultura, estética, arte, religião, psicologia e até mesmo ética para desenvolver seus estudos e seu trabalho ainda não é suficientemente lido, o fato de ser judia, depois ter se tornado freira e depois ser declarada Santa pela igreja católica, por preconceito, pode explicar algumas das razões de sua pouca leitura.

STEIN, E. Zum Problem der Einfühlung. Dissertation zur Erlanugng der Doktorowürde. Breslau: Bruchdruckercides Waisenhaauses, 2017.

HUSSERL, E. Meditações Cartesianas e Conferências de Paris. Ed. por Stephan Strasser, trad. Pedro M. S. Alves, Rio de Janeiro: Forense, 2013.

 

Desempatia ou destreino

05 jan

Claro o termo não existe, criei para dizer que não é nem antipatia nem desamor, é um sentimento tão grande quanto a empatia que domina os pensamentos, a cultura e os hábitos de um determinado tempo, oposto a empatia, para desenvolver o tema tomo uma frase de Margareth Thatcher citado no filme A Dama de Ferro (direção Phyllida Lloyd, 2011).

No filme Margareth Thatcher, interpretada por Meryl Streep (Oscar merecido de melhor atriz) afirma: “Cuidado com seus pensamentos eles tornam-se palavras. Cuidado com as elas podem se tornar ações, pois elas se tornam hábitos. Cuidados com os hábitos porque eles se tornam seu caráter”, isto para entender como é possível destreinar os neurônios para que eles não sejam empáticos e tornem-se antipáticos e destrutivos, infelizmente estamos treinando o lado oposto ao nosso lado natural empático.

Assim como dissemos no post anterior é possível treinar a empatia, é possível destreiná-la (outro neologismo, algo natural que se corrompe por um hábito oposto ao instintivo) e induzir um sentimento de repulsa e ódio, mesmo que dissimulado ou velado e até mesmo disfarçado em uma forma de “amor” que corrige o outro, devemos corrigir tudo aquilo que não é ágape ou empatia, isto sim, os outros são hábitos ou cultura.

Vamos seguir o percurso proposto por Thatcher segundo o filme que pretende uma biografia (não é, isso foi a principal crítica), então as coisas começam com o pensamento, algo já deve ser corrigido de cara nas teorias e ideologias contemporâneas que dizem que tudo começaria pelo “meio”, lembre-se o discurso dos contratualistas, Thomas Hobbes do Leviatã (1651) indica que o homem é lobo o homem, ou seja é anti-empático, já John Locke (Ensaio sobre o entendimento humano, 1690) defendeu que o individuo deve renunciar ao estado da natureza e fazer um contrato (que o Estado regula) e assim defende sua liberdade, é famosa sua frase: “onde não há lei, não há liberdade” pai do liberalismo e de certa forma do empirismo (penso que nasceu embrionariamente antes com a visão de Francis Bacon).  

Somente Rousseau abandonou em parte estes conceitos criando o “bom selvagem”, o homem é bom a sociedade o corrompe, é um princípio do destreino, mas também ele foi favorável ao contrato, assim faz parecer que entregar a liberdade nas mãos do Estado é condição “natural”.

Assim não apenas pelo contratualismo, mas por todo percurso histórico nosso pensamento está vinculado as suas raízes contemporâneas e é claro ao que está dentro de cada cultura, religião ou grupo ideológico, somente através da leitura pode-se desvincular do pensamento corrente, e o exercício de interiorizar leva a segunda etapa: as palavras.

As palavras assim são discursos ou como se diz atualmente narrativas, que em grande parte são permeadas na cultura contemporânea, somente os que leem não ficam vinculados ao sabor desta cultura em sua atual polarização, lembremos que o primeiro ato mental é o da imitação (a neurociência fala do neurônio-espelho), e ele pode ser destreinado, isso é, pode tanto ser levado de volta ao seu curso natural da empatia ou ao oposto que chamei de desempatia.

São a partir delas que desencadeamos nossas ações, muito já se falou da reflexão ou da vitta activa como a chamou Hannah Arendt, e foi retomada por Byung Chull Han em seu livro A sociedade do cansaço, ali defende que devemos ter também uma vida interior, reflexiva e assim podemos retornar ao nosso curso inicial da empatia (conclusão minha).

Por fim as ações transformam-se em hábitos, boa parte da linguística e semiótica começa a análise a partir daí, sim é fato que fala também da secundidade (algo que existe) e terceiridade (aquilo que é), categorias de Pierce, mas o tema é longe e requer uma maior profundidade que humildemente digo não possuir.

Chegamos do hábito ao caráter, da etimologia da palavra deriva do grego “charaktér, éros”, ou do latim “character, eris”, com o sentido de “gravado”, portanto é aquilo que vai sendo esculpido, e é possível tornar-se uma desempatia, isto é, o rompimento com o caráter original empático, no discurso corrente ausência de Subjetividade (próprio do sujeito), individualismo (não olhar o Outro) e uma série de subcategorias que são rupturas com a empatia.

 

Empatia: o que realmente é

04 jan

Em minha modesta opinião, porque não vi nenhuma nas leituras que fiz algum autor afirmar isto, a palavra empatia está em ascensão porque a palavra Amor, no seu significado amplo: eros (no sentido que Byung Chul Han usa em “A agonia do eros”), filia (no sentido da decadência de relações familiares e amizades) e principalmente no sentido do ágape já que toda a instrumentalização feita pelo amor romântico moderno, leia-se A comédia humana de Balzac, transformou-se em utilitário, proselitista ou de puro interesse.

Empatia em uma simplificação didática é a capacidade de entender o Outro como ele sente, assim é inseparável do conceito de alteridade no sentido mais lato da palavra.

Empatia escapou destas armadilhas, da psicologia a filosofia, Husserl a estudou e Edith Stein a aprofundou, a neurociência passou a utilizá-la, em seu artigo da Revista The Atlantic, intitulado “Uma curta história da empatia”, Susan Lanzoni afirma que a palavra existe (no sentido atual é claro, ela tem origem grega) há apenas um século.

Na psicologia a Empatia foi definida como tendo 3 tipos: a cognitiva é a mais intuitiva refere-se a compreender como o outro é e sente, a emocional e a compassiva, não é preciso dizer que a emocional é também explorada como inteligência emocional, a compassiva mais difícil de intuir é aquela que vai além de compreender e sentir as sensações da outra pessoa, passando a mobilizar-se para ajudá-la, mas cuidado, também a ajuda tem que ser empática, ou seja, aquela que realmente o outro precisa e não suposições quaisquer.

O comportamento empático é conhecido como natural não apenas em humanos, mas em muitos mamíferos e algumas aves também, e isto de fato é mais próximo do natural.

Mais próximo porque há um natural totalmente induzido, o consumo, diversos tipos de filosofias, teorias ou mesmo religiões que pouco ou nada tem com a natureza humana, e por extensão, como a natureza como um todo, somos um ser cósmico, mais amplo do que pensamos, ainda que sejamos uma centelha num universo tão amplo e misterioso.

Toda crença contemporânea, que ver das ideias da modernidade é que a empatia é uma nova utopia, as realidades que vem do pensamento moderno induziram a ideia que é preciso um estado autoritário, mesmo os que o negam sonham com ele e dizem será “de outro tipo”, essencialmente a imposição de um modelo de pensamento é uma afirmação do ego, é a inexistência da empatia, é a antipatia colocada em movimento, basta ver a polarização este conceito fica claro.

A neurociência e a própria ciência mostra que desde o nascimento a relação materna e paterna como o bebe tem uma relação empática, para viver em sociedade é preciso uma relação empática, para nos defender da pandemia é preciso uma relação empática, sem ela há um negacionismo “estrutural”, isto é, o outro pode morrer eu não.

A teoria da simulação da neurociência, através da descoberta de neurônios-espelho (Rizzolatti e Graighero, 2004), um tipo de neurônio que dispara quando um animal age quando outro animal observa e realiza a mesma ação observada, assim este neurônio “espelha” o comportamento do outro, como se o próprio observador estivesse agindo, isto é observado também em alguns primatas e pássaros, lembro-me de quando era permitido fumar em sala de aula que ao acender um cigarro vários alunos acenderam também.

Esta teoria não só fez avançar a neurociência como tem ajudado o estudo de alguns fenômenos da natureza e alguns tipos de autismo (Distein, Behrmann, 2008).

Além de ser inata, a empatia pode ser treinada, isto pela característica mais fantástica do nosso cérebro que é sua plasticidade, por isto estamos sujeitos a auto-sugestão mas também a alter-sugestão, assim poder-se-ia revolucionar toda teoria da autoajuda para uma alter-ajuda numa sociedade voltada a empatia, foi preciso vários séculos de treinos (eu diria destreino) para que o ódio, a vingança e a ideia que só a guerra resolve destruísse (em parte) a nossa capacidade empática, já que amor-ágape está em descredito quer seja por excesso de rotulação sem conteúdo, quer seja, pela formulação de palavras sem ação correspondente.

Rizzolatti, Giacomo; Craighero, Laila (2004). “The mirror-neuron system” (PDF). Annual Review of Neuroscience27 (1): 169–192.O comportamento empático é conhecido como natural não somente nos seres humanos, mas em outros mamíferos e em algumas aves também.

Dinstein I, Thomas C, Behrmann M, Heeger DJ (2008). “A mirror up to nature”. Curr Biol. 18 (1): R13–8.

 

Os inocentes e a epistasia

28 dez

Muito se comentou em tom irônico sobre possíveis variações genéticas por causa da pandemia, o fenômeno existe, embora raro ele ocorre quando há a interação de genes para influenciar alguma característica da espécie, o caso clássico foi estudo por Bateson e Punnett, que estudaram um tipo de crista que aparece em galinhas, e é determinado por dois genes independentes (que equivale a dois pares de alelos), claro não é o caso das vacinas, apenas para esclarecer a questão científica.

A inocência reside em entender a mutação do vírus como capaz de induzir ou influenciar uma mutação genética humana, claro o nosso sistema imunológico é afetado, como estudos que tentam correlacionar HIV com a variante ômicron, mas isto não significa até o momento nenhuma mutação genética humana.

Entretanto a epistasia tem sido importante para estudar a variante ômicron, neste caso o vírus e não a vacina, segundo reportagem da BBC News, o professor Ed Feill, professor de evolução microbiana da Universidade de Bath, na Inglaterra: “Se a variantes tem mais mutações, isso não significa que seja mais perigosa, mais transmissível ou que tenha maior capacidade de evadir o efeito das vacinas”, e muitas conclusões prematuras sobre esta variante não tem uma base científica sólida.

A confusão é que o vírus sofre variações, mas não tem fundamento imaginar que estas mutações afetem o código genético humano, diz o professor: “na medida que um vírus evolui, ele pode acumular um grupo de mutações que, por sua vez, podem criar uma variante”, “… e para detectar as novas variantes: “os cientistas rastreiam a sequência genômica do vírus”, e neste caso os estudos de epistasia são fundamentais para detectar variantes.

O biólogo evolucionista americano Jesse Bloom, em artigo recente no jornal americano The New York Times, chamada a atenção para a variante alpha que tem uma mutação chamada de N501Y, que está associada a capacidade de infecção.

É importante compreender que a variante ômicron não está completamente decifrada, justamente por causa do seu número de mutações em sua epistasia mais difícil de detectar e entender: “isso abre mais espaço evolutivo para isso”, afirmou Feil na reportagem, e assim a pesquisa tem que observar combinação que não foram vistas antes.

Nem inocência de afirmar que há alguma mutação genética humana, nem inocência de afirmar que a variável ômicron está controlada porque oferece “menos perigo”.

A OMS tem uma classificação de variantes em “preocupação” e “interesse” conforme o quadro acima.