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O velamento do conhecimento, noite do pensamento
A Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, escrita pelo físico Nicolescu Barsarabi, o serigrafista português Lima de Freitas e Edgar Morin, aponta o processo (anterior a Web), onde a excessiva especialização e um empobrecimento do Ser criaram um velamento do pensamento, diz a carta:
“ …a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis.” (Arrábida, Portugal, 1994).
O problema então é como criar um saber que une e uma cosmovisão que amplie o espírito humano empobrecido e embrutecido, segundo a receita do próprio Morin: “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une”.
Toda a polarização e barreiras entre pensamentos distintos são a raiz onde o diálogo é ignorado, mesmo que as vezes afirmado, o fechamento semântico do pensamento, seja quais forem os princípios e muitos vezes morais, religiosos e até culturais são importantes, devem ultrapassar os pré-conceitos e ir ao encontro do positivo no Outro.
Diz a Carta de Arrábida no artigo 14: “A Abertura comporta a aceitação do desconhecimento, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às ideias e verdades contrárias as nossas”, este é o sentido de substituir um pensamento “que isola e separa” por outro que “distingue e une”, ter diferença não significa isolar ou mesmo separar.
É a ideia totalitária da verdade única, mesmo que religiosa, pragmática ou científica que muitas vezes isola e não une, em diálogos fundamentados sempre há elementos novos a serem considerados e poucas vezes eles são devidamente ouvidos e respeitados.
O físico Barsarab Nicolescu, um dos signatários da Carta de Arrábida, em seu próprio Manifesto da Transdisciplinaridade, a respeito da física quântica escreveu: “… de onde vem esta cegueira? De onde vem este desejo perpétuo de fazer o novo com o antigo? A novidade irredutível da visão quântica continua pertencendo a uma pequena elite de cientistas de ponta”, embora a realidade física a comprove e surpreenda.
Disse na referida carta sobre a “realidade”, “Em nosso século, Husserl e alguns outros pesquisadores, num esforço de questionamento a respeito dos fundamentos da ciência, descobriram a existência dos diferentes níveis de percepção da Realidade pelo sujeito observador”, mais do que isto o observador é parte do experimento, do todo, e não é neutro.
Toda a nossa lógica e as nossas ações se baseiam em três axiomas: O axioma da identidade: A é A, O axioma da não-contradição: A não é não-A; e o terceiro é chamado axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (T de “terceiro incluído”) que é ao mesmo tempo A e não-A.
O que Nicolescu afirma é o que aconteceria se tornássemos o terceiro incluído, foi o que fez Stefan Lupascu (1900-1988) ao criar a lógica do terceiro incluído (tertium non datur), incluindo o estado-T que não é nem “atual” nem “potencial”, substituem a lógica clássica do “verdadeiro” ou “falso”, e cria um nível mais generalizado que inclui a física, a epistemologia e o que é “consciência”.
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Triom : São Paulo, 1999. PDF
Homenagem a Edgar Morin, 99 anos
Dia 08 de julho de 2020 Edgar Morin completa 99 anos, com uma lucidez impressionante, descreveu recentemente a pandemia atual como: “Temos que aprender a aceitá-las e a viver com elas, enquanto nossa civilização instalou em nós a necessidade de certezas cada vez maiores sobre o futuro, muitas vezes ilusórias, às vezes frívolas”, a mesma frivolidade que afirma Peter Sloterdijk: “Nessa esfera frívola, pensávamos ser capazes de controlar a natureza com tecnologia sofisticada, mas o vírus nos deixou de joelhos. Nossa maneira de estar no mundo mudará?”.
De origem judaica sefardita (judeus que se estabeleceram na península ibérica), com o nome original de Edgar Nahoum, nasceu em 08 de julho de 1921 em Paris, seu pai Vidal Nahoum era comerciante originário da Salônica (a antiga Tessalônica), e sua mãe Luna Beressi, faleceu quando tinha 10 anos, adotou o codinome Morin durante a luta da resistência francesa e permaneceu.
Casou-se em 1978 com Edwige Lannegrace, a quem dedicou o livro Edwige, a Inseparável (2009), após sua morte em 2008, sobre ele, ela dizia uma frase de Montaigne: “Era ele, era eu”.
É atualmente casado com a socióloga marroquina Sabah Abouessalam de 61 anos.
Escreveu 1956, Le Cinéma ou l´Homme Imaginaire, Minuit, Paris. Em português: O Cinema ou o Homem Imaginário. Lisboa: Relógio d’Água Editores, 1997, antes havia escrito Ano Zero da Alemanha (1946) e o Homem e a Morte (1951).
Entre outros livros, o segundo livro de grande impacto é O Paradigma Perdido – para uma nova Antropologia, Zahar, Brasil, 1979. (edição francesa de 1973).
Mas sua grande obra será os seis volumes do Método 1, o primeiro “A natureza da natureza” publicando em 1977, o segundo o Método 2, “A vida da vida” (1980), o Método 3 “O conhecimento do conhecimento” (1986), o Método 4 “As ideias: habitat, vida, costumes e organização” (1991), O Método 5 – a humanidade da humanidade: a identidade humana (2001) e o Método 6: a Ética (2004), os anos adotados são das edições originais francesas.
Publicou no total mais de 30 livros, em 1983 realizou um debate em Lisboa onde colocava “O problema epistemológico da complexidade” que tornou-se livro em 1985 publicado pela editora Europa América portuguesa.
Suas ideias centrais além do problema da complexidade são o retorno ao humano (que chamada de paradigma perdido), o pensamento transdisciplinar presente em quase toda sua obra e foi signatário da Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida pelo pintor serigrafista Lima de Freitas, por ele, o físico Nicolescu Barsarabi, escrito em sintético 15 artigos, onde destaca-se:
“ …a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis.” (Arrábida, Portugal, 1994).
Em 1985 escreveu “O problema epistemológico da complexidade” (Europa America, 1985) que foi pensado a partir de um debate realizado em Lisboa, em dezembro de 1983.
A essência de seu pensamento sobre a complexidade pode ser pensada em três conceitos novos, entre eles: o operador dialógico (entendido diferente do operador dialético), o operador recursivo (que significa entender as consequências dos atos, numa relação causa-efeito contínua porque o efeito produz nova causa) e o operador hologramáticos (a parte está no todo e o todo está na parte, então não separar a parte do todo).
Assim devemos unir coisas separadas, a saber: razão e emoção, sensível e inteligível, real e imaginário, razão e mitos, e, ciência e arte, outra coisa essencial é considerar que somos 100% natureza e 100% cultura, o velho paradigma natureza X cultura que a filosofia pergunta sobre o que somos, desde os contratualistas, passando pelos evolucionistas até os sócio-marxistas (escreveu A minha esquerda), Morin responde de maneira nova (de Pena-Veiga: O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa).
Sobre nosso futuro ele tem muitas indagações, a palestra a seguir explicar este momento dramático, que a pandemia pode demonstrar que é assim que devemos percebê-lo.
https://www.youtube.com/watch?v=V3t7UFTpDHE
Saberes necessários para o futuro
Foi Edgar Morin quem levantou de modo magistral o véu sobre o conhecimento, seus erros e ilusões, para em seguida afirmar o conhecimento em seus princípios, que é ampliado em outro livro que fala dos “saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar” (2008).
“Os sete saberes necessários à educação do futuro” (Morin, 2000) afirma este paradoxo que em busca do conhecimento embarcamos em ilusões e erros, afirma no primeiro capítulo, enquanto no segundo apresenta a lacuna que o conhecimento ensina é “não pertinente” ao aluno, isto é, o fato que ele mostra dentro de um recorte disciplinar aquilo que deveria ser apresentado como o todo.
O terceiro saber é indicar a identidade humana, comentário a parte é curioso que se fale tanto da identidade sem falar do complexo social em que vivemos como uma “espécie” que deve se identificar como tal (daí a identidade), talvez o grande paradigma do humanismo, hoje em questão.
Isto irá desembocar no capítulo 4 que é a Identidade terrena, que reside na importância de compreender que as disciplinas (áreas das especialidades) devem convergir para a condição humana, e ela leva a compreensão humana, uma vez que na escola se deve ensinar como “compreender uns aos outros”.
O quinto saber é refere-se a como lidar com as incertezas, os conhecimentos podem parecer um grande paradoxo quando lidamos com mistérios, uma vez que a instituição escolar se dedica somente a lidar com “certezas” conceituais e científicas, e a vida é sempre uma surpresa.
O sexto capítulo (ou 6º. saber) envolve a compreensão, que vem da condição terrena, o processo de globalização começou a partir da colonização da américa no século XVI e teve consequências complexas (ideológicas, econômicas, sociais, etc.) e isto deve nos levar a condição planetária.
O sétimo capítulo envolve a ética do gênero humano, ele nomeia como uma antropo-ética (Sloterdijk vai além e diz necessária uma antropotécnica, mas foge neste escopo), a importância da cidadania em sociedade (em Terra-pátria vai além e propõe uma cidadania planetária) onde uma consciência social se faz necessária.
Amanhã ele completará 99 anos e pensamos num post especial, a este lúcido educador e pensador.
Os sete saberes necessários à educação do futuro / Edgar Morin ; tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya ; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000. (Disponível em pdf)
O platô da pandemia se mantém
Os dados observados na última semana de mortes pelo corona vírus, que são os dados confiáveis, já que a curva de infectados depende da testagem, que é feita por empresas e ainda é baixa, indicam que o platô se mantém e a pandemia se interioriza no Brasil (veja gráfico), já salientamos a importância de fazer o logaritmo para visualizar melhor a inclinação da curva que é exponencial.
Qual seria a política para este momento é continuar mantendo o isolamento social, higiene e hábitos de distanciamento social, além das precauções em relação as políticas municipais.
Qualquer perspectiva de um pico, aos menos os dados indicam, parece sem sentido, o número de infecções se mantém em torno de mil mortes diárias, e um #lockdown não é mais viável, pois o vírus já se espalhou e um isolamento regional não significa o controle da pandemia.
Vamos navegar por incertezas, já cansados de um longo período de isolamento e com uma política de abre e fecha que não tem muito resultado efetivo, a não ser o de conter um contágio maior, sem significar qualquer resultado efetivo de controle da pandemia no plano nacional.
Os custos econômicos que seriam grandes no caso de um período de #lockdown, agora serão maiores porque tanto o comércio como os serviços que precisam efetivamente de contato presencial não se justificaria mantê-los desativados, e poucos serviços são não essenciais.
O plano é continuar por prazo indeterminado o chamado “isolamento social”, cujo nome mais certo no caso brasileiro já dissemos, é “distanciamento social” que é compatível com alguns serviços abertos.
O essencial é, portanto, manter os cuidados pessoais e torcer para que a curva caia “naturalmente”.
Inocência, ingenuidade e ignorância
Em muitas situações tropeçamos nestes três conceitos como sinônimos ou próximos, não são, uma criança é inocência e desconhece muitos assuntos, mas não é ignorante, por sua ingenuidade deve ser protegida tanto pelos pais quanto por qualquer pessoa de bom caráter.
Também um adulto pode ser inocente em determinada situação porque não fazia parte ou não conhecia determinada situação grave, não é ignorante, mas inocente ainda que algum mal possa ter ocorrido por sua ingenuidade em não perceber a gravidade ou as consequências de um ato.
A ignorância é militante, isto é, mesmo vendo e compreendendo a gravidade de determinada situação, por uma ação voluntária consciente comete ou permite que ato grave seja levado a frente, e algumas ou muitas pessoas ou mesmo situações graves podem ocorrer.
A pandemia expôs estas três realidades e não se pode deixar de perceber uma doença com a gravidade de ceifar vidas e cuja defesa é complexa pelo desconhecimento da ação e do controle do coronavírus implica em tomar decisões em defesa da vida que atenuem o número de mortes.
Assim como se expõe a ingenuidade de muitas pessoas que não tomam cuidados de higiene e prevenção para minimizar o contágio, expondo pessoas inocentes, porém é a ignorância que mais preocupa e pode causar situações ainda mais graves se não for possível interromper o descaso.
A ignorância foi utilizada na história para manipular populações inocentes e muitas vezes conseguiu levar muitas pessoas ingênuas a situações de catástrofes, atingindo inocentes e muitas vezes levando a morte e ao desespero, isto aconteceu em guerras e em pandemias, a gripe espanhola nos anos 1918 e 1919 matou 50 milhões de pessoas, um número absurdo para a população da época.
A revelação bíblica na qual o apóstolo Mateus (Mt 11,25) afirma que foi do agrado do pai revelar-se aos pequenino e esconder as verdades divinas dos “sábios e entendidos”, deve ser entendida no contexto da crença em Deus.
Conhecimento de Deus e não sobre o conhecimento e as verdades temporais, pois o texto seguinte é muito claro (Mt 11,26-27): “Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
Usar este trecho para justificar ou defender a ignorância é má fé, nos dois sentidos, no religioso e no moral.
Se é certo que Deus se manifesta aos humildades, usar da ignorância para manipular a consciência é má fé.
Não é uma crise só do pensamento
A crise pode parecer algo intelectual demais, o pensamento estaria distante da realidade concreta da ciência, e assim da vida comum, porém sua extensão atinge a ciência cotidiana da estatística à medicina, da bibliometria à biologia e isto pode afetar a confiança na ciência e no campo espiritual há uma abertura imensa ao charlatanismo e a manipulação da boa fé.
Essa crítica questionou, por exemplo, a dicotomia fatos-valores, enfatizando a construção social dos fatos, e pode ser rastreada voltando às obras de filósofos como Friedrich Nietzsche e Edmund Husserl, com sua rejeição à ciência como substituto metafísica. Stephen Toulmin foi bastante articulado em sua crítica à ideia cartesiana de racionalidade (2001), enquanto a essência do método científico tem sido objeto de escritos (e disputas) de autores como Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos.
A essência do método científico tem sido objeto de escritos (e disputas) de autores como Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos, o eco destas disputas chegam ao mundo da física como o debate sobre a teorias das cordas e sua realidade física.
Uma literatura interessante sobre a crise atual foi o trabalho de Derek de Solla Price “Little Science, Big Science” de 1963, ele afirma que há um ponto de saturação e senilidade, que foi resultado do próprio crescimento exponencial que experimentou no século XX.
Outro trabalho mais também interessante é o livro de Jerome Ravetz “Conhecimento científico e seus problemas sociais”, que oferece uma crítica aos mitos da objetividade (é nosso principal objeto deste blog), e que se pergunta sobre a solução de problemas práticos, ou seja, sociais.
Em um trabalho recente ele argumentou recentemente Ravetz (2016) que “Aplicar uma metodologia” científica” às tarefas de governança da ciência leva diretamente à corrupção, pois qualquer sistema pode estar em jogo “, em outro artigo, Ravetz (2011) define a questão em termos do “amadurecimento das contradições estruturais da sociedade europeia moderna”.
A pandemia mostrou a ineficiência tanto da área médica onde “especialistas” defendem medicamentos que não tem eficácia comprovado e geram problemas colaterais, como a hidroxicloroquina e outros (segundo o caderno Saúde da veja são testados 69 medicamentos: 18 são anticâncer, 14 imunossupressores, 13 anti-hipertensivos, 12 antiparasitários e 12 anti-inflamatórios) e também o tratamento estatístico escondem os verdadeiros resultados, como são as análises da evolução da pandemia no Brasil.
Referências:
DE SOLLA PRICE, D. J. Little science big science. Columbia University Press, 1963.
RAVETZ, J. R. Scientific knowledge and its social problems. Oxford University Press, 1971.
RAVETZ, J. Faith and reason in the mathematics of the credit crunch. The Oxford Magazine. Eight Week, Michaelmas term 14–16, Disponível em: http://www. pantaneto.co.uk/issue35/ravetz.htm, 2008, Acesso: 2020.
RAVETZ, J. R. Postnormal Science and the maturing of the structural contradictions of modern European science. Futures, 43, 142–148, 2011.
RAVETZ, J. R. How should we treat science’s growing pains? The Guardian 8 June 2016.
TOULMIN, S. Os usos do argumento. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
O desenvolvimento da ciência e a crise epistêmica
Diversas ideias e notícias se espalham entre os povos e se tornam dogmas e lendas desde a origem da humanidade, porém foi a organização do conhecimento que organizou a episteme, o mundo da doxa, a mera opinião continuou.
A primeira grande questão cientifica levantada por Boécio no século VII, era se existem ou não categorias universais ou apenas particulares, esta questão deu origem a uma disputa entre nominalistas como Duns Scotto e William Ockham que defendiam que os “nomes” eram universais, e realistas como Tomás de Aquino, que diziam o real sê=lo.
Roger Bacon (1220-1292) defendeu a experimentação como fonte de conhecimento, e junto a Duns Scotto e William de Ockham criam a base empirista do pensamento, e assim o conhecimento não depende apenas da fé, mas também os nossos sentidos.
Com sua operação filosófica denominada “dúvida metódica”, René Descartes acabou instituindo um paradigma filosófico que foi identificado como pragmatismo conceitual, e John Locke, representante da corrente empirista, e René Descartes, fundador do método cartesiano, convergiam em suas teorias ao afirmarem que o conhecimento válido provém da experiência e dos sentidos, pois são inatos à alma.
O idealismo de Kant vai criar 12 categorias separados em 4 grupos, o da Quantidade (Unidade, Pluralidade e totalidade), a Qualidade (Realidade, Negação e Limitação), a relação (Substância, Causalidade e Comunidade), a Modalidade (Possibilidade, Existência e Necessidade), e nelas os fenômenos preenchem as formas vazias.
Assim os fenômenos só podem ser pensados dentro das categorias, diferentemente da fenomenologia que dirige a consciência a coisa em si, ou seja, retorna-se aos entes, e isto abrirá uma nova possibilidade para a metafísica.
Apesar de fortes sinais de uma crise no pensamento, a matemática se modifica com o surgimento das geometrias não euclidianas, a quarta dimensão, a física com o princípio da incerteza de onde vieram a teoria da relatividade e a física quântica, os paradoxos lógicos apresentados no Círculo de Viena e principalmente uma crise no pensamento humanista, mostraram um início de século XX em crise, mas não evitou-se duas guerras e a guerra fria.
A queda do muro de Berlim um aparente fim da luta ideológica deu origem a novas crises agora no mundo da cultura, a guerra do Irã, do Afeganistão e a permanente em muitos países árabes mostraram agora uma tensão oriente x ocidente.
A pandemia deveria solidarizar os povos, na verdade criou uma polarização ideológica mais grave, o perigo de regimes totalitários emergirem com maior força, é preciso ter esperança e lutar por um mundo mais solidário e um humanismo digno do nome.
Ignoramus et ignorabimus
A frase do fisiologista alemão Emil du Bois-Reymond em sua obra significava que em sua Über die Grenzen des Naturerkennens significando que no conhecimento científico havia ignorância e a tradução do latim é ignoramos e ignoraremos.
A primeira grande reação viria de David Hibert em 1930 quando afirmou: “Nós precisamos saber e nós iremos saber”, dita numa reunião anual da Sociedade dos Cientistas e Médicos alemãos, porém um dia antes, numa mesa redonda numa Conferência sobre Epistemologia, Kurt Gödel anunciou provisoriamente o seu teorema da incompletude, que mostrava que os sistemas axiomáticos elementares são autocontraditórios e contêm proposições lógicas que são impossíveis de provar ou refutar, referindo-se a um dos 23 problemas propostos por Hilbert.
Foi numa Conferência de matemáticos em Paris no ano 1900 havia anunciado os famosos 23 problemas que a matemática deveria resolver, e entre eles o famoso teorema da incompletude que provaria que um sistema matemático ou é completo ou é aberto.
Porém o maior problema foi fechar as questões em torno de teoremas e axiomas matemáticos, e o grande debate subsequente é a diferença entre os sistemas humanos e sociais de um lado, e os sistemas da natureza, físicos ou matemáticos de outro.
Assim se afirmamos que 2 mais 2 é quatro e isto é exato, mas significa que estamos no campo da matemática, assim como figuras geométricas podem ser perfeitas, nenhum sistema “natural” é exatamente perfeito, planetas não são exatamente redondos, a luz e as ondas eletromagnéticas não caminham em linha reta no universo e também nenhuma superfície natural é perfeitamente plana.
O que ignoramos significa que o nosso sistema de interpretação é limitado a determinados modelos e metáforas que não correspondem exatamente a natureza, e no plano social não só o homem é extremamente complexo como a natureza que é onde se realizam o conjunto das relações humanas é ainda mais complexa, já que é a soma das complexidades individuais.
O epitáfio no túmulo de David Hilbert está sua famosa frase:
“Wir müssen wissen.
Wir werden wissen”. (foto acima)
Covid 19 no Brasil e o platô
A análise a partir do número de casos infectados não é factível porque a testagem no Brasil ainda é pequena, feita pelas empresas ou pelos hospitais mas somente nos casos em que há suspeita de necessidade de hospitalização, e a estimativa que 5% das mortes corresponderiam ao número de infectados não é verdadeiro porque as medidas de isolamento são diferentes em várias regiões.
O platô que se iniciou do meio para o final de maio se alongou porque as regiões com maior número de infectados foi se alargando e no caso do Brasil indo para o interior, chamados de epicentro, o nome seria impróprio se houvesse isolamento, assim a contaminação se alastrou.
Além de não haver isolamento das regiões onde os casos de infecções começaram, o que foi feito em muitos países desde a China onde começou e a região de Wuhan foi epicentro, neste caso o nome se justifica, as medidas tanto locais como regiões de isolamento foram duras para conter a propagação.
A segunda questão é a forma de olhar o gráfico e os números, o gráfico que no início era uma exponencial e apesar ser necessário olhar fazendo uma escala logarítmica da curva para ver o grau de inclinação (por exemplo no início dobrava o número a cada dia e depois a cada dois dias, etc.), agora que a curva não tem mais um comportamento exponencial é necessário fazer o logaritmo.
Olhando a escala logarítmica da curva percebe-se claramente o platô (gráfico acima) e que os números estão girando um pouco acima dos mil casos diários de mortes, o grau de infecção como já se disse não é preciso, e assim percebe-se o platô que se prolonga já por um mês.
O motivo foi a análise inicial feita aqui, não havendo isolamento das regiões o vírus se propagou para regiões mais interiores e o novo “epicentro” é o interior do país, e assim deve se prolongar pelo mês de julho seja pela ineficácia das políticas de isolamento, seja pelo período de inverno.
Hermenêutica e espiritualidade
Um ponto fundamental da hermenêutica desde a origem é resolver a questão da relação entre pessoas e com os objetos, sejam eles reais ou imateriais (virtual é outra coisa), e como estas se relacionam com o nosso mundo mental, dito subjetivo pelos idealistas, mas vinculado a eles na origem moderna da questão.
Se originalmente surge a ideia da intersubjetividade, pela diálogo e proximidade com o idealismo, o que a filosofia contemporânea vai recuperar é o ser-para-Outrem, ou a Empatia, e aqui não se trata de relações cordiais ou generosas, mas aquilo que vem da hermenêutica filosófica, como a fusão de horizontes, e nisto a empatia pode ser colocada como tendo algo “espiritual”.
Não por acaso Edith Stein, uma das discipulas de Husserl, que foi inclusive sua secretária, teve como tema principal a empatia, antes de sua vida religiosa (tornou-se uma irmã carmelita, mesmo sendo judia), porém não é difícil fazer um vínculo entre os dois momentos da vida de Stein.
Edith Stein vai refletir que o que chama de “eu puro” (ou o que prefiro o mais profundo do eu) está em consonância como o Outrem, de três modos singulares analisados pela autora: a vivencia no campo da investigação pura, que sempre se reporta aos dois polos da consciência: subjetivo (noesis) e objetivo (noema), na segunda diferencia a abordagem fenomenológica do ato empático de outras abordagens feitas no campo empírico (abordagem genética, psicológica, moral, ética, etc.) e terceiro apesar da capacidade de aprender com a vivência alheia o que é constitutiva do eu.
O “eu” sempre reconhece o fluxo da ipseidade (o que é próprio, correlato a hecceidade, princípio de Duns Scotto) e isto o leva a alteridade (o diferencia do outro). ´porém esta relação se vista dentro da fenomenologia hermenêutica o epoché (colocar entre parêntesis os conceitos) diferencia-se do código cartesiano porque não se trata do ego, pois é possível intuitivamente entender de modo empático a vivência do Outro, mas não de modo originário, e isto significa Identidade.
Teríamos dificuldades de afirmar uma unidade do Eu, de sua individualidade, se as relações que são chamadas de “intersubjetivas” (não gosto do nome pela origem idealista), pois não podemos identificar onde começa e termina a liberdade e responsabilidade de cada indivíduo.
Olhar o outro como consciência (que sempre tem a intenção dirigida a algo) significa tomar consciência de mim naquele aspecto para o qual a consciência é dirigida, diferentemente de encontrar o “meio termo”, “a verdade”, ocorre o que mais tarde Heidegger e Gadamer chamaram de fusão de horizontes, assim o diálogo pressupõe uma hermenêutica filosófica, no sentido de mergulhar no horizonte alheio e reencontrar o próprio, sendo necessário um epoché.
É interessante que nas leituras bíblicas Jesus vai perguntando aos discípulos quem era para eles*, e vão o descobrindo aos poucos e nunca totalmente, também Jesus olha e analisa cada um para ir formando uma comunidade com eles, alguns veem uma relação unilateral, mas é dialogal.
*Mt 16, 13-14: Jesus perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.