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A justificativa de poder dos sofistas
Os sofistas eram homens inteligentes que educavam e influenciavam os jovens da Antiguidade Clássica, com uso da oratória e da retórica, a fazerem uso do discurso para justificar o poder, independentemente de aspectos morais.
Foram combatidos primeiro por Sócrates, só sabemos dele através de Platão, e depois por Platão (428 a.C. – 347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) que defendiam a educação para uma verdadeira cidadania, considerando os sofistas apenas mercenários dos poderosos.
Conforme lemos em Platão, Protágoras foi um destes sofistas, nasceu em 490 a.C. e assim pode ser considerado como primeiro sofista, outro famoso foi Hípias que teria debatido com Sócrates sobre as leis naturais e as convencionais, era versado em astronomia, matemática, pintura e poesia o que lhe dava grande “autoridade”.
Eles tem origem nos pré-socráticos: Protágoras seria discípulo de Demócrito (a frase famosa “o homem é a medida de todas as coisas”), Trasímaco principal figura no início da República de Platão, argumentava que “a justiça seria apenas a vantagem do mais forte”, e Górgias que não é considerado sofista por Sócrates, cria uma polêmica com Parmênides (o ser é e o não ser não é), segundo este “sofista” não se pode comunicar o que não é conhecido.
Duas críticas podem ser consideradas fundamentais aos sofistas, criar verdades relativas e isto tem forte relação com as narrativas modernas, e o fato que consideravam que as virtudes não eram coisas que poderiam ser ensinadas, assim dispensavam os valores morais.
Eles, entretanto, não ignoravam as questões da “alma” (o que o idealismo chama de subjetividade) no discurso de Górgias pode-se ler:
“[E]xiste uma mesma relação entre poder do discurso e disposição da alma, dispositivo das drogas e natureza dos corpos: assim como tal droga faz sair do corpo um tal humor, e que umas fazem cessar a doença, outras a vida, assim também, dentre os discursos, alguns afligem, outros encantam, fazem medo, inflamam os ouvintes, e alguns, por efeito de alguma má persuasão, drogam a alma e a enfeitiçam.”
Os sofistas modernos vão além de desconsiderar a alma, pois fazem elogio as drogas, a embriaguez e aos prazeres temporais, a educação para a cidadania e substituída por um puros ideologismos, hoje pouco pensado e organizado, são promessas vagas de um futuro melhor.
Assim a lógica do poder é invertida, o discurso do “mais forte” de Trasímaco volta a fazer sentido, a inexistência de valores morais razoáveis foi extinta em troca da felicidade momentânea e passageira, e recorre-se a retórica e a oratória para o convencimento de muitos, porém diz o verdadeiro discurso moral: “os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos” (Mt 19,30) porque esta lógica leva só a destruição e a promessas vazias.
Platão. A república. Trad. E notas Maria da Rocha Pereira, 9ª. ed. Fundação Colouste Gulbenkian, Lisboa, s/d.
Foi o iluminismo uma iluminação
Para analisar o iluminismo a luz da filosofia ocidental é preciso ler, claro com um espírito aberto a metafísica ontológica, a partir de Cassirer, sua crítica e análise a partir do apogeu do idealismo no século XVIII, “que se auto intitulou orgulhosamente de ´Século da filosofia’” (CASSIRER, 1992).
Esta filosofia considerava-se que “abriu caminho até aquela ordem mais profunda donde jorra, com o pensamento puro, toda a atividade intelectual do homem, e onde essa atividade deve encontrar seu alicerce, segundo a convicção profunda do iluminismo” (CASSIRER, 1992).
O autor observa que Hegel considerado “o primeiro a enveredar por esse caminho” como filósofo e historiador da filosofia, fez uma esquecida (Cassirer a chama de curiosa) retificação, que diverge do veredicto que “a metafísica do mesmo Hegel proferiu a respeito do Iluminismo” (Cassirer, 1992), reconhecendo seu papel e fazendo uma conciliação com esta (na foto o frontispício da L’Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences).
Tendo como principal influência Kant, Cassirer também sofreu influência de Herman Cohen (grande expoente do neokantismo no início do século 20) e Paul Nartop (um dos fundadores da escola de Marburg) e assim permaneceu preso no idealismo do neokantismo, porém não deixou de haver influencias nos pensamentos de Heidegger, Hans Georg Gadamer e Hartmann.
A questão científica no século XVIII encontrava-se em encontrar “uma fronteira determinada entre o espírito matemático e o espírito filosófico” (Cassirer, 1992, p. 34), começava assim uma dúvida que iria até o princípio do século XX quando David Hilbert numa Conferencia de Matemática anuncia 23 problemas que a matemática deveria resolver para considerar-se completa, entre eles o segundo problema era da consistência dos axiomas da aritmética, ou seja, que a aritmética podia resolver qualquer problema que fosse enumerável.
Foi Kurt Gödel quem demonstrou que este problema da prova finitista da consistência da aritmética é comprovadamente impossível, em seu segundo teorema da Incompletude, o que ficou conhecido como Paradoxo de Gödel, o sistema ou é completo ou finito, nunca os dois.
Para ajudar este desmoronamento do racionalismo cientificista, a física quântica também propôs através de Werner Heisenberg o princípio da incerteza, que anunciava que não se podia afirmar a posição de um átomo ou uma partícula atômica em determinada situação.
O idealismo é uma corrente forte ainda, mesmo nos meios científicos, mas suas bases tanto lógicas, como física e matemáticas já foram desmontadas pela própria ciência, filósofos da Ciência como Karl Popper, Tomas Kuhn e Imre Lakatos já anunciaram novos postulados.
O consenso é que o pensamento humano necessita de uma visão mais ampla, uma cosmovisão que não se limite as chamadas ciências exatas, recupere a importância da linguagem, do estudo do Ser e de uma visão transdisciplinar que libere os limites estreitos de cada área do saber, sem deixar de admitir os mistérios, as crenças e as culturas originárias.
CASSIRER, E. A filosofia do iluminismo. Trad. Álvaro Cabral, Campinas: Editora Unicamp, 1992.
Ser, consciência e clareira
A clareira do Ser foi uma tema importante na retomada ontológica feita por Heidegger, ela é inseparável da metodologia fenomenológica a qual seu professor Husserl foi o principal desenvolvedor moderno, porém fica uma aporia, conforme afirmam na Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, se há de fato uma autodestruição do esclarecimento na modernidade e porque isto se deu.
Não se trata simplesmente então a retomada do Ser, mas como isto pode se dar a partir do método fenomenológico, então duas questão devem ser levantadas: o colocar entre parênteses os nossos pré-conceitos frutos do esclarecimento, o que é chamado por Husserl de epoché fenomenológico, e a questão da intencionalidade da consciência, nela o Ser se desvela, ali residem a maioria de nossos problemas e insatisfações.
A cultura (ou o que restou dela como diz Dalrymple, já postamos aqui) contemporânea vai de contramão neste sentido, aquilo que alguns autores chamam de excesso de positividade, aquela lógica descrita até mesmo como “mistério”, afirmação dos desejos e das necessidades, resumindo a vida vista como utilidade apenas e não como essência ou plenitude.
Assim devemos fazer um “vazio”, um silêncio na alma para que tenhamos a plenitude do ser, afastar os desejos e necessidades imediatistas para poder entender de fato as verdadeiras necessidades e alimentos do Ser que levam a alegria e a plenitude, o simples impulso leva as compulsões temporárias e como tal satisfazem apenas a necessidade imediata, o que é próprio do Ser permanece oculto.
Isto é possível com estas duas medidas: fazer um vazio (epoché) colocando entre parênteses o que é nosso pré-conceitos, reelaborando-os num círculo hermenêutico que permite de fato um novo “conceito”, após a fusão dos horizontes
Por isto, diz a ontologia, que o Ser permanece oculto, está além do que é imediato e aparente, não deve ser buscado “Fora”, mas “dentro”, é preciso verdadeira interioridade, sem manipulações e barreiras, aquilo que muitos pensadores, místicos e espiritualidades atingem, e alcançam uma plenitude, mesmo que temporal, e que é será alimento para uma verdadeira ascese, e esta poderá atingir seu cume.
Para a filosofia e teologia cristã não é possível atingir a verdadeira plenitude sem anunciar e viver seus valores, diz a leitura (Mt 5,14): “Vós sois a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte. Ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim num candeeiro, onde brilha para todos que estão na casa”, porém isto deve ser feito com respeito e fraternidade e nunca com proselitismos e julgamentos.
O ser, a verdade e a consciência
Não é por acaso que ao nos defrontarmos com o maior desenvolvimento técnico da humanidade, o desenvolvimento atual da Inteligência Artificial que ameaça invadir o universo de todas as coisas (a IoT é só um detalhe disto), nos defrontamos também com a pergunta sobre o que é consciência.
Da verdade da antiguidade clássica, a Alethéia (a-létheia) é revelar o que está oculto, passando por inúmeros autores até chegar a Escola de Frankfurt onde Adorno e Horkheimer que fala da aporia do esclarecimento, aquele que no início da modernidade procura obter uma verdade “objetiva” e que oculta o ser.
Nesta questão da verdade, Heidegger que desenvolve a questão do esquecimento do Ser e da ocultação da verdade, a desenvolveu como: “na frase seguinte onde se escreve sobre a ‘verdade‘, fica evidente que se mantém a representação da essência da verdade ditada por algum manual moderno de epistemologia, deixando inalterada e intocada a essência da aletheia” (Heidegger, 1998, p. 115), diz o autor sobre autores que ficam presos apenas a etimologia da palavra.
Já os frankfurtianos assim descrevem a questão do esclarecimento: “A aporia com que defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objecto a investigar: a autodestruição do esclarecimento. Não alimentamos dúvida nenhuma – e nisso reside nossa petitio principii – de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor” (Adorno & Horkeimer, 1947) que reduzem a um pequeno princípio, já que não veem como central a questão do Ser.
Ao questionar o que é consciência, ou o que é senciência na questão da Inteligência Artificial, não estamos questionando outra coisa que não seja o que nos separa das coisas, em última análise o que é o Ser e se de fato ele tem apenas o sentido de “objecto” que nos quis dar o esclarecimento moderno.
Também nos deparamos com os princípios éticos e morais ao “desvelar” (a-lethéia, não-oculto) a questão do Ser, retomá-la não é apenas um exercício de etimologia da palavra verdade ou de exercício filosófico, é antes de tudo fazer uma pergunta essencial, um lato principii: “o que é ser” e o que está oculto.
A possibilidade da clareira não é outra coisa que aquela que nos põe não diante da verdade desenvolvimento logicamente, para onto-logicamente, e a partir dela definir o que é consciência, desenvolvida por Heidegger da seguinte forma: “a consciência é o apelo da preocupação a partir do estranhamento do ser no mundo que desperta o Dasein para o seu poder ser culpado mais próprio” (Heidegger, 2012, p. 791).
Fica a pergunta se é possível para todos os seres, e para o homem moderno atual, uma “tomada de consciência” aquela que revela no seu interior como uma iluminação da consciência, além do ódio, da polarização, da intolerância e das narrativas que escondem a verdade do Ser.
Recorrer a adivinhos, auto-ajuda, não faz a roda da história e da verdade andar para trás, caminhamos no escuro, na ocultação e não na consciência do Ser.
ADORNO, T. W. T. W. & Horkheimer, M. Dialética do Esclarecimento, 1947.
HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
______, Ser e Tempo (edição em alemão e português). Tradução de Fausto Castilho. Campinas: Unicamp; Petrópolis: Rio de Janeiro, 2012.
A crise idealista e a retomada ontológica
A evolução do iluminismo tanto na política como na economia culminou no hegelianismo, após a passagem pela crítica da razão por Kant, é a última grande teoria que procura realizar uma totalidade “integrada”, sujeita a contradições “dialéticas” (é diferente da dialética da antiguidade clássica) e segundo seu modelo a finalizada última seria atingir a plena essência espiritual, que pouco ou nada tem a ver com religiosidade.
Foi assim a ascese materialista dialética que terminou num enorme vazio e no “esquecimento do ser”, termo usado por Heidegger para contradizer as teorias que desde Descartes esvaziaram e criticaram a leitura metafísica da realidade, na etimologia da palavra a meta-physis, neste caso o grega, já que sua origem é de lá, segundo Aristóteles era a primeira ciência, dava conhecimento sólido sobre as coisas, e o estudo se confunde com a ontologia, o “ser enquanto ser”.
Para Kant este estudo se confunde com o de costumes, é um conhecimento não-empírico ou racional, seu estudo sobre a moral e a “subjetividade” vai partir desta relação com os costumes culturais e aqui já há uma forte dose de relativismo, e aprofunda o dualismo entre Sujeito x Objeto, esquecendo o “Ser”.
Assim aquilo que é subjetivo, teórico ou metafísico vai caindo em descrédito e crescem as teorias da objetividade, da praticidade e do realismo empírico, isto não será feito sem contradição, porém a própria definição de dialética idealista é esta, o desenvolvimento deste conceito a partir de si mesmo.
Platão definia a dialética como a arte de pensar, de questionar e de organizar as ideias (eidos grego – imagem, já postamos algo), assim não estão fora de questão nem a teoria (também o idealismo é uma teoria, por sinal pouco prática), nem a metafísica nem o “ser”.
A teo-ontologia do final da idade medida vai estabelecer as relações entre o ente e o ser, segundo Tomás de Aquino ele “é infinito. Por isso, se ele se torna finito, é necessário que seja limitado por alguma coisa, que tenha a capacidade de recebê-lo, isto é, pela essência”, presente em sua tese “O ente e a essência”.
Em meio a crise do pensamento idealista, veja o post anterior, surge uma nova corrente a partir de Franz-Brentano na metade do século XIX, que retoma a fenomenologia e a ontologia trabalhando sobre a intencionalidade da consciência humana, que era um estudo específico em Tomás de Aquino, para tentar descrever, compreender e interpretar os fenômenos como eles se apresentam à percepção.
Brentano foi professor de Husserl, que relê Descartes e Kant, e elabora a fenomenologia com diferente sentido dado pelo seu professor Brentano, procura separar o que é empírico, assim o fenômeno do ato mental não é algo que aparece instantaneamente na mente, mas depende da memória e elabora a partir daí os conceitos de protensão e retensão, a discussão sobre o que é consciência hoje chega aos objetos da Inteligência Artificial.
Heidegger foi aluno de Husserl, e a partir dele pode-se considerar tanto a viragem linguística (nem todos autores concordam) quanto a retomada ontológica.
As luzes do iluminismo
Ainda vivemos sob a égide do iluminismo, o forte movimento da Europa do século XVIII, seus princípios pareciam conduzir a uma sociedade perfeita falando de liberdade e igualdade entre os seres humanos, desejando abolir tanto os poderes da realiza quanto a influência da religiosidade cristã, Voltaire e Diderot foram os pensadores mais radicais, mas não pode deixar de sentir as influências de Immanuel Kant, Adam Smith, David Hume e Montesquieu.
Ernest Cassirer faz um dos importantes tratados sobre o Iluminismo, cita Diderot: “O Autor da natureza, que não me recompensará por ter sido um homem de espírito, tampouco me condenará às penas eternas por ter sido um néscio” (apud Cassirer, p. 224), porém o autor corrige tanto o aspecto da tolerância, é preciso lembrar das guerras entre luteranos e católicos envolvendo diversos reinados e a paz da Vestfália, quanto o aspecto agora de uma religiosidade livre que “deixou de ser dádiva de uma potência sobrenatural, da graça divina; ela deve brotar da própria ação e receber da ação suas determinações essenciais” (Cassirer, p. 225).
A ideia também desenvolvida por Cassirer de um intelectualismo “puro”, por um lado coloca um primado do pensamento sobre a pura especulação teórica e por outro procura fundar um a religião “nos limites puros da simples razão”, claro sem a fé, sem o mistério (que é parte da natureza) não é mais religião.
A insuficiência e o reducionismo cartesiano, um argumento forte de Cassirer ao iluminismo, fizeram vários filósofos buscarem raízes na filosofia oriental, Cassirer lembra Leibniz que já “citara a civilização chinesa” e nas Cartas persas, Montesquieu faz uma comparação entre Oriente e Ocidente, mas serão Schopenhauer (Upanishad) e Nietzsche (Zaratrusta) que sob estas influências orientais romperão com a filosofia iluminista.
Leibniz não é contestado diretamente, mas seu discípulo Wilhelm Wolff que “celebra Confúcio como um profeta de grande pureza moral e coloca-o a par de Cristo” (Cassirer, p.226), será alvo da ironia de Voltaire em seu célebre “Candido, ou o otimismo” (1759), critica a ideia do “melhor dos mundos possíveis”.
No aspecto econômico foi importante para superar a filosofia do mercantilismo e desenvolver a teoria liberal (em especial Ada, m Smith) sobre o conceito da economia das nações, porém o liberalismo se desenvolverá de modo mais amplo com a ideia de capital financeiro de David Ricardo (1772-1823).
A crise civilizatória que apontamos nos posts da semana passada (e anteriores, é claro), tem suas raízes no iluminismo e suas ideias de estado, religião e liberdade, porém como aponta Cassirer importa “rejeitar o sentido literal da Bíblia toda vez que aí se encontra expressa a obrigação de um ato que contradiz os princípios elementares da moral” (pg. 228), porém em seu Tratado sobre a Tolerância (1763), é traçada uma lei do mundo intelectual “que a razão só existe e subsiste se for recriada dia após dia” (pg. 229).
O desenvolvimento de Cassirer entretanto é que “não se pode decidir sobre o seu valor ponto de parte a sua eficácia moral. É esse o significado em Lessing do apólogo do anel: a verdade última e profunda da religião só se prova desde o interior” (pg. 230).
Para estes filósofos somente a objetividade (a relação com o objeto exterior) é conhecimento, e este é alcançado numa “transcendência” do sujeito em relação ao objeto, assim não há sentido nem valor em uma ascese moral, assim para eles religião é a religião natural, embora não tenham boa relação com a natureza.
CASSIRER, Ernest. A filosofia do iluminismo. Trad. Álvaro Cabral. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1992.
As raízes do iluminismo e do dualismo
Karl Popper em “O mundo de Parmênides: ensaios sobre o iluminismo pré-socrático” esclarece dois pontos fundamentais da essência do pensamento contemporâneo em suas raízes gregas: o problema de Parmênides com relação a verdade, onde já há certa dose de relativismo e a negação da ontologia, onde o ser não é visto como tendo relação com o ente, separação originária entre sujeito e objeto.
Popper descreve a origem da doxa, através do poema (fragmentos) de Parmênides, através da revelação da deusa Diké:
“A revelação divide-se em duas partes como deixa claro a deusa. Na primeira parte a deusa revela a verdade – toda a verdade, acerca do que realmente existe: acerca do mundo e das coisas em si mesmas. Na segunda parte, a deusa fala sobre o mundo das aparências, acerca do mundo ilusório do homem mortal” (Popper, 2014, p. 134).
Esclarece Popper esta divisão da revelação: “… habitualmente diferenciadas como a “via da Verdade” e a “Via da Opinião”, cria o primeiro e maior problema não resolvido acerca da obra de Parmênides” (idem), e faz a indagação do porquê a deusa “… contivesse não só uma explicação verdadeira do universo, mas também uma explicação inverídica, como ela diz explicitamente” (idem), é fácil explicar mesmo hoje com o avanço enorme da ciência iluminista, pouco sabemos.
Porém o idealismo inicial de Parmênides, cujo fundamento o ser é e o não ser não é, que não é uma ontologia, é Popper também que defende isto ao contrário de muitos filósofos: “não creio que exista algo como uma ontologia ou teoria do ser ou que se possa atribuir seriamente uma ontologia a Parmênides” (Popper, 2014, p. 137).
A sua tentativa de “provar” um enunciado ontológico é tautológica, dita assim “só que é (existe) é (existe)”, mas não há como a partir de uma teoria tautológica para criar ou derivar uma não-tautológica, assim a teoria do ser aí é vazia, como explica Popper, e eu diria uma visão dualista.
Porém é este tipo de eidos transformado em ideia do ser é ou não é, que chegou ao idealismo, Popper chega a dizer até mesmo que uma verdadeira epistemologia nasceu de Parmênides, e a visão iluminista desenvolvida no livro de Popper como “o iluminismo pré-socrático”.
Isto significa que herdamos de Parmênides, através do iluminismo, o dualismo da “via da verdade” e a ‘via da opinião”, e estas duas vias sempre assombrou os filósofos diz Popper.
Assim convivemos até hoje com os sofismas, em lógicas cada vez mais trabalhadas, afinal o poder dos sofistas sempre estive em sofisticar suas argumentações, porém não saímos desta herança e o iluminismo de fato tem raízes parmenidianas, e o esquecimento do ser ainda é presente hoje.
POPPER, K. O Mundo de Parmênides: Ensaios sobre o iluminismo pré-socrático. trad. Roberto Leal Ferreira. 1ª. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014.