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O desencantamento do mundo e a esperança
A guerra é o ápice do desencantamento, mas ela se reproduz nas narrativas, nas intolerâncias e pequenas guerras do dia a dia que provocam a expulsão do Outro, principalmente quando há interpretações e visões diferentes do que são os “fatos”, mas se valem de pequenas guerras ocultas em suas narrativas e num contexto restrito onde ela é válida.
O desencantamento do mundo, agora retomado pela crise da narração de Byung-Chul Han, já foi tema de Max Weber que referiu-se ao fenômeno como um processo no qual o sujeito moderno passou a se despir de costumes e crenças baseados em tradições herdadas ou aprendidas sob os pilares fixos das religiões ou da “magia”, nada mais convergente com Han, porém é importante entender como isto penetrou na linguagem.
Para ser coerente com o tema, o capítulo final da Crise da narração (há outro em sei que é o Storyselling, mas opto pela resistência do espírito), o qual postamos anotações a semana passada, começa com a narração de Peter Nadás, de uma aldeia que se reunia ao redor de uma grande pereira selvagem, e ali contam história uns aos outros, ela forma uma comunidade narrativa “que carregam valores e normas, vinculam intimamente valores e normas” (Han, 2023, p. 121), nela a aldeia se entrega a “contemplação ritual”.
Nadás fala ao final de seu ensaio: “anda me lembro como, nas noites quentes de verão, a aldeia costumava cantar baixinho […] sob a grande pereira selvagem […] Hoje não há mais dessas árvores, e o canto da aldeia emudeceu” (Há, 2023, p. 122 citando Nadás), e “essa comunidade sem comunicação dá lugar à comunicação sem comunidade”.
Ele imagina como outros autores, cita até a Pax Eterna de Kant, porém também sua filosofia construiu a narrativa moderna, e diz como sonhou Edgar Morin e imagina um universalismo radical “uma família mundial” para além da nação e da identidade (pg. 125) e diz “a poesia eleva cada indivíduo por meio de uma conexão peculiar com todo o resto” citando Schriften Novalis, e esta comunidade narrativa rejeita a excludente narrativa da identidade.
“A ação política em sentido enfático pressupõe uma narrativa” (pg. 126) e pressupõe uma coerência narrativa, relembra Hannah Arendt “pois a ação e o discurso, cuja estreita interrelação na concepção grega de política já discutimos [neste blog também], são de fato as duas atividades que, em última instância, sempre resultam em um história, ou seja, em um processo que, por mais arbitrário e por acaso que seja em seus eventos e causas individuais, ainda assim tem coerência suficiente para poder ser narrado” (Han, 2023, p. 127), lembro em posts anteriores a ideia de Arendt também utilizada por Byung-Chul de vita activa e vita comtemplativa.
Do capítulo final aproveito o seu “Viver é narrar. Os seres humanos, como animal narrans, diferem dos animais por serem capazes de realizar novas formas de vida por meio da narração. A narração tem o poder de um novo começo” (pg. 132) que é um sinal de esperança para a humanidade em uma crise crescente.
Han, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.
A Ucrânia pode ser apenas um passo na guerra
Crescem temores que o avanço russo no norte da Ucrânia consiga chegar e capturar a cidade de Kharkiv, a segunda maior da Ucrânia e de importância industrial e militar indiscutível, o cenário pode ser mais grave do que se pensa.
Não há conexão ideológica, mas uma análise tática da segunda guerra, a Alemanha antes de invadir a Polônia, anexou a Austria, país de muitas tradições comuns e com uma estrutura linguística muito próxima, o evento conhecido como Anschluss (conexão ou anexação) ocorreu de 11 a 13 de maio de 1938, a invasão da Polônia ocorreu em 1º. de E
A base dos conflitos é sempre esta: determinada cultura, etnia ou povo se considera no direito de dominar outros povos devido sua “superioridade” por critérios quaisquer.
Os sinais que a Rússia não pararia aí, estão em vários discursos do Kremlin, recentemente Putin disse que a OTAN “está mexendo com fogo”, e também reivindica a posse das ilhas Svalbart atualmente da Noruega já foi desafiado por Putin que declarou: “O direito da Rússia sobre Svalbard não pode ser desafiado!”.
Do lado da OTAN, a França já havia declarado a possibilidade de um confronto direto da OTAN, as ajudas financeiras continuam sendo enviadas, recentemente a Estônia declarou que poderá enviar tropas de “retaguarda” para auxiliar a Ucrânia, porém o Ministro da Defesa do país, Hanno Pevkur, disse no dia 14 de maio ao meio de comunicação europeu ERR que tais conversações “não chegaram a lado nenhum” em Tallin, e que a Estônia não tomaria uma decisão sozinha, porém isto revela que houve “conversações”.
Os EUA continuam enviando ajudas milionárias a Ucrânia, porém com a proximidade das eleições isto enfraquece o governo Biden, as eleições acontecerão no início de novembro.
Outra notícia preocupante destes dias é que um helicóptero que transportava o presidente do Irã Ebrahim Raisi e o ministro das Relaçõe Exteriores do país, caiu neste domingo (19) enquanto atravessava uma área montanhosa sob forte neblina ao voltar de uma visita à fronteira do Azerbaijão, a informação teve origem na autoridade iraniana.
Aparentemente o acidente foi devido a neblina, Raisi desde que foi eleito em 2021 é conhecido por repressão violenta a protestos antigovernistas e pressionou as negociações nucleares com as potências mundiais, o Irã é também uma peça importante por sua oposição aos ataques israelenses na região de Gaza, agora num último reduto, que é a região de Rafah.
Sempre há esperança quando as pessoas de solidarizam com o sofrimento, as enchentes no sul despertou o povo brasileiro, porém não podemos parar aí há graves índices de enfermidades além do zika vírus que toma conta do país, sendo a CNN Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) vem alertado para o surto.
A um fio de um desastre civilizatório
Apesar dos imensos estragos já causados pelas guerras, destacamos aquelas que envolvem diretamente as potencias imperialistas, mas não deixamos de olhar “guerras menores”, o tom do discurso das forças envolvidas, em especial, da Otan e da Rússia, aumentou na semana passada.
A Rússia se diz pronta para um confronto direto com a OTAN, acusando-a de já estar presente na Ucrânia, o que praticamente foi confirmado pelo primeiro ministro da Polônia Donald Tusk, ao declarar: “A Otan hoje está ajudando o tanto quanto pode. Sem a ajuda da Otan, a Ucrânia não seria capaz de se defender por tanto tempo”, e acrescentou aos jornalistas: “Bem, e há algumas tropas lá [na Ucrânia], quero dizer, soldados. Existem alguns soldados lá, observadores, engenheiros. Eles estão ajudando-os”, o que é uma confirmação.
A Rússia realizou recentemente exercícios militares com armas nucleares, Rússia e EUA possuem juntas mais de 10.600 das ogivas nucleares do mundo, das 12.100 existentes, seguidos por China, França e Reino Unido, uma provocação deste tamanho é perigosa.
No Oriente Médio, Israel ameaça invadir Rafah (na foto acima), última fronteira dos refugiados palestinos, com mais de 1 milhão de pessoas ali e pode-se dizer que agora metade da população de Gaza está lá, diversas forças políticas e diplomáticas tentam dissuadir Israel de realizar a invasão.
As conversas diplomáticas para um cessar fogo acontecem a meses sem nenhum resultado, Egito e os EUA estão à frente de forçar um acordo, ainda que tropas americanas apoiem Israel, o desastre humanitário seria imenso uma vez que atinge em cheio os refugiados.
Há diálogos, pronunciamentos de forças pela paz, entretanto aquelas que se posicionam de modo unilateral devem entender que aumentam a força do conflito e não há neutralidade, sim não há neutralidade no sentido humanitário (sempre defender a vida), mas a política é polarizadora.
Edgar Morin fala em resistência do espírito, outros autores falam de trégua, postamos na semana passada sobre a “tonalidade do afeto”, aquele que não é nem plural, nem polifônica.
O grande e o pequeno
Na política, na filosofia e até mesmo na religião a ideia de Grande é sempre vista como poder.
Pode parecer estranho o uso do termo Grande de Sloterdijk ao se referir a grandes teorias políticas, econômicas e imperialistas, mas ele é mais adequado para aquilo que era finalidade dele falar no seu livro “Se a Europa despertar”, pouco lido inclusive na Europa, apesar dele ser reconhecimento como um dos maiores pensadores vivos.
Diria que ser pensador já é Grande, usando seu próprio termo para a filosofia, já que como ele afirma: “não é um tempo próprio para pensar”, temos que escolher entre ditadores e narrativas, ao invés de tomarmos o fio da história para uma civilização equilibrada e feliz.
Até mesmo no mundo religioso isto é confundido, Jesus não proclamou nem insistiu em qualquer corrente política de seu tempo, apesar de ter o grupo rebelde ao seu lado, Simão o zelote e Judas Iscariotes eram zelotes, grupo que era rebelde ao império romano.
Grandes impérios sucumbiram e desapareceram, um que até é esquecido e pouco analisado pelos historiadores são os mongóis, dos séculos XIII e XIX (veja no globo acima) sendo um dos maiores em extensão e hoje reduzido a um pequeno país dividido e dominado pela China.
A Europa não despertou, Makron disse em tom dramático a semana passada na Sorbonne: “A nossa Europa, hoje, é mortal. Ela pode morrer, e isso depende unicamente das nossas escolhas!”, o discurso está certo, mas a intenção errada, porque pouco depois fala de suas armas nucleares.
O Grande na espiritualidade, em tempos de religiões desespiritualizadas, são de narrativas em torno da religiosidade que pouco ou nada fala deste Grande “megalopata”, como chama-o Sloterdijk, e sim da capacidade de solidariedade, de amor verdadeiro levado a prática, de acolher e buscar os pequenos e sofredores que vivem a margem da sociedade desumana.
Francisco de Assis, era filho de Pedro Bernardone, rico e prospero comerciante que o filho o rejeitou, Catarina de Sena era analfabeta e seus seguidores escreviam por ela obras sábias e santas, teve influência na volta do papa Gregório XI de Avignon para Roma, sendo embaixadora de Florença, uma cidade em guerra com o papa e que ela pacificou.
O ocidente vivia um grande cisma, e ela foi junto ao papa até Roma, enviando numerosas cartas a príncipes e cardeais, para promover obediência ao Papa Urbano VI (sucessor).
Os pequenos homens e pequenos reinos fizeram a história, veja a Grécia antiga, os gauleses durante o império romano, o Grande quase sempre imperial, belicista e cego apesar de uma imposição brutal temporária, sempre sucumbiu ao desejo legítimos de povos e nações.
SLOTERDIJK, P. Se a Europa despertar. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
O animal político e o ser ontológico
Imaginamos pela maioria das narrativas que a política grega é um grande modelo para a sociedade contemporânea, mas a correção de Sloterdijk é a mais acertada possível: “A verdade sobre a forma de mundo imaginada por Platão e Aristóteles é certamente a de que cidade e império são figuras da era agrária” (Sloterdijk, 1999, p. 43).
É difícil acreditar porém “se Platão definiu o saber do político como arte pastoril em referência a bípedes sem penas, então fica claro coo motivos agro-ontológicos avançaram até na definição fundamental da essência do poder nas cidades – agricultura e a criação de animais são os reservatórios de contemplação, dos quais discursos politológicos devem extrair sua plausibilidade, mesmo se o olhar passe do jardim da academia para a ágora” (pg. 44).
A importância escapa até mesmo de Sloterdijk, já que na sociedade moderna industrializada europeia a “experiência camponesa” que culpa até mesmo Heidegger o seja, e os “motivos extra-agrários” saíram “das oficinas dos artesãos, a saber dos ferreiros, para avançar na consciência do mundo político-filosófica, e dos portos, de um o comandante, em grego kybernetes, pôde tornar-se uma sugestiva figura de poder” (pag. 44).
Também a convivência com a natureza é retomada em Sloterdijk e seu discípulo Chul-Han: “desde sempre constituiu um risco para a cidade o fato de ela usar mais do que criar o homem; mais do que isso, ela o impele aos últimos florescimentos como reproduções simples demais; tanto no sentido biológico quanto no cultural, ela é mais estufa do que campo e jardim” (pag. 45).
Antes do desenvolvimento do psicopolítico de Chul-Han já pode-se encontra-lo em Sloterdijk: “dominadores, políticos e chefes são, segundo essa lógica, sobretudo detonadores de uma crueldade funcional – que obviamente fazem bem em ciar para si, sob nomes como razão de Estado, bem comum, justiça, planejamento, entre outros, um rosto aceitável, se possível sincero” (pag. 47).
Sloterdijk desenvolve aqui o conceito verdadeiro de “humanidade” “se rompe aqui em grupos que se intensificam através de tensões, e grupos que ficam estagnados no sofrimento, a dor, na grande civilização, adquire um terrível rosto duplo; ela age em alguns como estimuladora, em outros como obstruidora; para a minoria, a carência tem efeito educador; para a maioria, age como destruidora de almas” (pag. 48), vale esclarecer que Sloterdijk não é religioso.
Para concluir este post, ela detecta doença contemporânea: “liga-as agora a estranheza íntima de senhor e servo” (pag. 48) e “o paradoxo da inclusividade exclusiva cobra então o seu preço; pessoas começam a caçar pessoas, matam-nas em grandes números, exterminam hordas e tribos inteiras, vendem-nas e compram-nas … “ (pag. 49).
Pouco ainda caminhamos na saída do zoom, as exclusividades e não-inclusividades estão ai.
SLOTERDIJK, Peter. No mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. Trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
Hiperpolítica e a guerra
Quando Peter Sloterdijk escreveu “Todos no mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica” estávamos no limiar do terceiro milênio, Manuel Castells escrevia a Sociedade em Rede e Edgar Morin escrevia sobre Cabeça Bem feita, repensar a reforma, reformar o pensamento, eram tentativas de acordar e fazer a humanidade caminhar para um futuro menos sombrio.
Sloterdijk escreveu ainda “Se a Europa despertar”, chama-a de Império do Centro e atenta para seu passado colonialista e a necessidade de um novo futuro e repensa a guerra, um tema tão deligado no país que deflagrou a II Guerra Mundial.
São todos pensamentos que tentavam redirecionar um futuro sombrio da possibilidade de uma nova guerra, em Todos no Mesmo Barco, Peter Sloterdijk revisita o projeto político que nasceu na antiguidade clássica, a tentativa de organizar o Estado, e diz: “Como podem “falar” a tão grandes números de pessoas e convencê-las a se sentirem participantes daquilo que é “grande” – até chegar à disposição de ir ao encontro da morte em exercícios de milhões contra forças de igual ordem de grandeza, a fim de assegurar aos “próprios” sucessores aquilo que os ideólogos chamam de futuro” (Sloterdijk, 1999, p. 31).
Ao contrário do otimismo de Castells e Morin, não apenas justificável, mas desejável, de um futuro mais civilizado e humano, Sloterdijk alerta que essa hiperesfera conectada, vejam que as mídias sociais eram apenas nascentes para estes três grandes pensadores, era para o alemão, um futuro perigoso da hiperpolítica.
“Os primeiros gestos desse holismo instintivo são tentativas de descrever o cosmo como casa maior e os povos como famílias maiores” (Slotertijk, p. 32), e acrescenta que de fato, “o homo politicus e o homo methaphysicus se pertencem historicamente; propectores do Estado e prospectores de Deus são gêmeos evolucionários” (Sloterijk, p. 33), claro não é a visão de todos e muito menos dos homens do poder, os grandes estadistas que pensam nesse holismo já não existem e agora é império da força e do pensamento monolítico, autoritário e de ódio.
O projeto político dos gregos para ele pode ser chamado de “metalomaníaco”, mas alerta que este é o homem que “imiscui em grandes questões maiores para ter algo que correrá com os olhos e logo abandonará. Mas deverão chamar aqueles que, uma vez apreendidas as grandes coisas, não mais as abandonarão? Proponho megalopatas” (pag. 34).
Também grandes impérios: o persa, o romano, os mongóis que chegaram a dominar meia europa, o turco-otomano e mais recentemente napoleão e as “esquecidas” colônias da Africa que nada mais eram do que extensão do Império do Centro, como Sloterdijk chama a Europa.
“Humanismo de Estado é desde então a busca por um centro justo – e desde a recepção romana dessa ideia grega essa busca carrega o seu nome até hoje conhecido: a Humanidade” (pags. 35-36).
Sloterdijk questiona esse modelo do homo politicus, o “pontifex maximus”, “como nos tornamos rajá? Como nos tornamos César? Como nos tornamos cônsul, senador, imperador? Como deve viver alguém para entrar nos livros de história como Metternich, lord Morlborough ou Bismark? (pag. 37).
A ideia da política como metanóia, este era o intuito inicial da Paideia por exemplo, não é mais verdade na guerra, Sloterdijk cita Goethe: “não se educa o homem que não sofre flagelos”.
Perigo de guerra eminente e esperança de paz
Um ataque de drones feito a usina de Zaporizhzhia na semana passada, ligou um alerta da Rússia que denunciou prontamente o perigo e as consequências de um desastre nuclear seria terrível.
Não ficou claro qual foi exatamente a arma usada contra a Usina nuclear (foto), apenas que eram drones e que um havia sido detonado no local, a Agencia Internacional de Energia Atômica (AIEA), que tem especialistas no local, disse apenas que as informações eram “consistentes” com as observações da entidade, ou seja, algum drone havia explodido próximo a Usina.
Analistas internacional ainda veem como improvável o conflito devido ao risco catastrófico devido a possibilidade de uso de armas nucleares, além de combates convencionais, uso de ataques cibernéticos e híbridos seriam colocados em movimento, inicialmente no Leste Europeu, mas com risco de expandir-se para a Europa e outros continentes.
A OTAN ainda que detenha vantagem significativa tanto na geopolítica, Finlândia e Suécia aderiram a OTAN e a Hungria que buscava uma posição de neutralidade, agora se fortalece com um acordo de tecnologia militar feito com a Suécia, que facilitou sua entrada na OTAN.
A Rússia porem possui capacidade militares agregadas a recursos econômicos e modernização de seu aparato militar, além de um acordo de apoio com a China e a Coréia do Norte, assim a manutenção da paz e prevenção de conflitos devem ser feito por um diálogo constante, mas a diplomacia russa segue jogando duro e diz que o diálogo com a OTAN é “zero”.
Tanto o ministro do Exterior russo Sergey Lavrov como o porta-voz do Kremlin, Dimitry Peskov dão declarações que dão a entender que o conflito com a OTAN já está em curso, estratégia diplomática ou pura retórica, o fato que os níveis de tensões se elevam.
A OTAN responde com exercícios militares e movimentação de tropas nas fronteiras, em janeiro um exercício envolveu 90 mil soldados, um novo treinamento foi anunciado pelo general comandante da OTAN, Christopher Cavoli, a operação chamada de Defensor Firme 24 (Steadfast Defender 24) já havia sido realizada em outros anos, porém agora acontece em meio a uma intensificação dos bombardeios contra Kiev.
A esperança é que o equilíbrio é frágil e os dois lados sabem disto, e o risco de uma guerra seria catastrófico, ainda que analistas evitem dizer que haveriam limites de ações.
Policrise e esperança
Rumores de confronto Rússia e Otan se agravaram nas últimas horas, entretanto, a esperança de paz e a resistência do Espírito, como protagonizava Edgar Morin, permanecem de pé.
Além da policrise de Morin (assim como poli é múltiplo e também é polis de cidade, Krisis tem também o significa de poder de decisão) o professor Adam Tooze (artigo do Financial Times), de história da Universidade de Yale (EUA) ampliou e atualizou: pandemias, secas, inundações, mega tempestades, incêndios florestais, guerra na Ucrânia (e agora na faixa de Gaza0, preços de energia e alimentos, etc.
No seu raciocínio, sem apontar diretamente o professor “descobre” a complexidade e uma nova visão transdisciplinar do “todo”: “Um problema se torna uma crise quando desafia nossa capacidade de lidar e, assim, ameaça nossa identidade. Numa multiplicidade de crises, os choques são diferenciados, mas interagem de modo que o todo é mais ambíguo do que a soma das partes”, afirma no artigo (na imagem o quadro de Tsherin Sherpa (Nepal), Espíritos Perdidos, 2014.).
Assim sentenciava Morin: “Ligado ao domínio do cálculo num mundo cada vez mais tecnocrático, o progresso dos conhecimentos é incapaz de conceber a complexidade da realidade e em particular das realidades humanas. O resultado é um retorno aos dogmatismos e aos fanatismos, e uma crise da moral enquanto se espalham os ódios e as idolatrias” (Jornal La Repubblica, entrevista), entretanto além da policrise há sinais de esperança.
Enquanto a Resistência do Espírito invoca uma compreensão da gravidade e das questões que envolvem a crise atual, a Esperança (aqui maiúscula) significa este Espírito colocado em ação e assim a obtenção de uma espiritualidade contracorrente que invoque valores de mudança.
Aqueles que mergulham de diversas formas nesta Esperança, estão sempre dispostos a abraçar os problemas que todos fogem, a abraçar os fragmentos de um mundo polarizado, e a lembrar o que une ao contrário daquilo que desune e polariza, felizmente há estes espíritos e chamaria de Espíritos da Resistência através da Esperança.
Ide pelo Mundo e Levai a Boa Nova, não pode ser só uma chave bíblica, é a Esperança Viva.
Pré-guerra e esperança de paz
A Rússia declarou estado de guerra com a Ucrânia, o que muda são os métodos e um aumento dos limites de violência, a tática é bombardear todo o país e principalmente as instalações que fornecem energia, claro exceto as Usinas Atômicas, mas não está livre de um “acidente” que seria um golpe duro em toda Europa.
A Ucrânia em resposta tem feito incursões dentro da Rússia principalmente para atingir as usinas e depósitos petrolíferos, por isso o ataque a Criméia tem sido estratégico, e também por isso a Rússia avisou que não vai atacar as forças da OTAN, exceto os caças F-16.
Além de Macron que declarou que não descarta, se necessário, enviar tropas a Ucrânia, o primeiro-ministro da Polônia Donald Tusk, também alertou que a Europa está em uma “pré-guerra” embora tenha acrescentado que há um “longo caminho a percorrer antes de enfrentar a “ameaça” representada pela Rússia.
O primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, alertou que a Europa está em uma “era pré-guerra”, mas ainda tem um “longo caminho a percorrer” antes de estar pronta para enfrentar a ameaça representada pela Rússia.
O reconhecimento de boa parte dos governos europeus que uma guerra com a Rússia não seria simples é um freio nas ameaças belicistas e abre um caminho para a paz, já há articulações ainda pouco visíveis na grande imprensa de tentativas de acordos, são vistas como “secretas”, mas não é a verdade, os interesses políticos e econômicos agem também nesta área.
A situação de calamidade humanitária e guerra permanece entre Israel e forças antissemitas vizinhas, há um perigo que este sentimento se normalize onde somente o lado palestino seja enfatizado, claro o povo nunca tem culpa da guerra dos poderosos, também o povo russo e ucraniano é vítima, porém ações bélicas extremas devem ser cobradas e punidas.
A resistência do espírito, palavra cunhada por Edgar Morin, deve estar presente em nossas mentes e atitudes, por todo o mundo a polarização ideológica e cultural (o ato terrorista na Rússia tem conotações culturais ao que tudo indica), não deve alimentar nosso espírito.
Esperamos sempre a serenidade, o reconhecimento que todos perdem em uma guerra, em especial os inocentes e civis, mas ela alimenta uma poderosa indústria de guerra que serve a uma perversa econômica e endurece os espíritos.
Para os cristãos a Páscoa é a vitória sobre a morte, sobre o ódio, é uma vitória da paz.
Silêncio e a resistência do espirito
A guerra é ruidosa não só nas armas e bombas, mas principalmente no falatório que ela desperta no qual é impossível ter serenidade, pensar e dialogar; faz parte fundamental da insanidade que ela representa o aspecto ruidoso.
A resistência do espírito, estamos seguindo a linha de Edgar Morin, é a “arma” possível neste momento e quiçá em futuros ainda piores, ela significa, em muitos momentos se calar, fazer um silêncio tão profundo que indague o Outro que não desiste de argumentar suas razões para a guerra.
Na filosofia Plotino, que influenciou profundamente Santo Agostinho, embora sejam pensadores diferentes um cristão e o outro apenas estoico, o silêncio é um estágio de profundo conhecimento da realidade, do uno, unidade que tudo abarca sem sair de si.
Para ele quando um aspirante à verdade (o que é a verdade de fato, não a lógica racional), ele tem que ter a experiência da unidade, essa experiência é total e silenciosa.
O filósofo brasileiro Giacóia Junior busca na citação de Espinoza a reflexão sobre esta perspectiva de relação entre o barulho e o silêncio quando afirma que “certamente que a sorte da humanidade seria mais feliz se estivesse igualmente na potência do homem tanto falar como calar-se. Mas a experiência ensina suficiente e superabundantemente que nada está menos em poder dos homens que sua língua (…) (cf. GIACOIA JUNIOR, 2014, P. 79).
Estar diante do silêncio é estar diante da verdade, e se a linguagem é morada do ser, vale a pena lembrar que o Verbo se fez carne (João 1,1) se não for aceito no sentido bíblico, pode ser pensado como sentido ontogênico ou filogênico, como afirma Barthes em seu livro O Rumor da língua, afirma que: “é a linguagem que ensina a definição do homem” e que não pode ser considerada “um simples instrumento, utilitário ou decorativo, do pensamento. O homem não preexiste à linguagem, nem filogeneticamente nem ontogeneticamente” (BARTHES, 1988, p.185).
Assim a verdade é um Ser, a linguagem é morada do Ser e o silêncio é seu ápice.
BARTHES, R. O Rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.
GIACOIA JUNIOR, O. “Por horas mais silenciosas” in: NOVAES, Mutações. São Paulo: Ed. SESC SP, 2014.