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A volta às nações e ausência do Todo
Em tempo de hipercomunicação, a mídia social faz sentir a ausência do Todo, que Peter Sloterdijk chama do Grande: “a forma do grande no mundo industrial insiste no conhecido estresse megalopata em dimensões ampliadas – mas então devem preocupar-se as pessoas da rua, que antes teriam apoiado um Ministro das Relações Exteriores” (Sloterdijk, 1999, p. 61), o que ele não imaginava era que isto teria uma reação contrária: a volta do patriotismo.
Porém somente forças inesperadas perceberam este efeito, enquanto a sociedade atual: “sofrendo crises de náusea frente a sua classe política, no momento não pode fazer mais do que conceder uma pausa de reflexão para questões fundamentais” (p. 62).
O autor percebe a falta de “alguma coisa”, o destaque é dele, mas prefere “interpretá-lo como o espírito da era agrária” e dos grandes impérios (pg. 60), e em sua visão agnóstica, “para ela chegou o momento crítico com a “morte de Deus” “ (idem), novamente o destaque é do autor.
Assim na ausência de uma figura escatológica, num mundo que rejeita a ideia do sagrado, do divino e de um Deus humano-divino dos cristãos, “a forma do Grande é mudada, patologias de filiação de todo tipo tornam-se epidêmicas” (pg. 66), não só na política, mas também religiosas, todos acreditam terem encontrado um “grande” e o colocam hereticamente no lugar de Deus, até mesmo nas religiões um deus imaginários da riqueza, do ócio e até da luxúria, por mais contraditório que possa parecer.
O livro do final do milênio passado, entende o problema certo mas no lugar errado, sob o tema de “revolução conservadora” (novo destaque do autor) experimenta-se a “duas ou três gerações nos movimentos catolizantes da resistência na Europa central e do sul, provavelmente pela frente uma grande carreira intercultural – sob estandarte religioso, culturalista, regionalista” (pg. 67).
Volta a uma análise correta: “no Grande moderno – as identidades estado-nacionais quase religiosas que desde o século XIX marcaram formas políticas de vida na Europa e mais tarde no mundo inteiro” (idem), lembre-se o nazismo e agora em várias formas de guerras “nacionais”.
O fenômeno moderno deste Grande, da grande pátria seja em Israel ou na Rússia, na China ou nos EUA, não é outra coisa senão a ausência de um Grande Maior, o divino que leve os homens a quebrar fronteiras, a conviver com o diferente e a entender a necessidade de uma nova civilização que veja o planeta como Terra-Pátria.
Para o grande religioso, pode-se perguntar onde está Deus, mas a figura divina-histórica de Jesus e sua visão além-abraamica que ultrapassa a destes povos em conflito, proclamava um lema universal: “Quem me vê, vê aquele que me enviou” (Jo 12,45).
Poder arbitrário e socialização
Em seu livro “No enxame: uma perspectiva do digital” Byung Chul-Han esclarece que só uma relação é simétrica (os dois lados têm o mesmo poder ou a mesma potência) o respeito, se o respeito falta há sempre um exercício arbitrário do poder, mas olhemos outras definições.
Uma bastante utilizada é a de Norberto Bobbio: “ … toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistência, seja qual for o fundamento dessa probabilidade (Weber, 1994, p.33), nela há sempre a possibilidade de “manipulação”, uso da recompensa, ameaça da punição e outras formas de assimetria que favorece a força.
Generalizando a diversas formas de poder, e contrárias a de Foucault (veja o post anterior), Lebrun diz que poder e dominação caminham justo, uma pessoa tem podere quando o outro é despossuído deste, coloca no mesmo barco: m Marx, Nietzsche, Weber, Raymond Aron, Wright Mills e outros.
Esta concepção vem da sociologia norte-americana conhecida por “Teoria do Soma Zero”, teoria que vem desde Hobbes, que definia o poder do “soberano” ou do Estado, como sendo “um contra todos” e a “favor de todos ao mesmo tempo”, mas de cima para baixo.
Assim este poder pura e simplesmente aplicado como obrigação ou proibição aos dominados passando por eles e através deles, da mesma forma, os dominados também se utilizam dele e se apoiam nele, mas os dominados possuem subjetividade (na relação ontológica é o dasein), e produzem novos conhecimentos sobre as relações de poder e se empoderam também, neste sentido é importante relacionar poder com potência, ou capacidade de ação.
O conceito de ato e potência em Tomás de Aquino é entretanto mais completo, porque está relacionado também com a verdade, não a temporal, mas a ontológica, presente no Ser:
“[…]algumas coisas podem ser, embora elas não sejam, enquanto outras na verdade são. O que pode ser (illud quod potest esse) se denomina ser em potência; o que já é (illud quod iam est) se denomina ser em ato. Porém, duplo é o ser: o ser essencial ou substancial da coisa, como ser homem, é ser simplesmente; o outro é ser acidental, como o homem ser branco; e isso é ser outro”. (AQUINO, T, 1976, p. 39.)
Assim o poder é visto de outra forma, que é também matéria e ser completo, para o Aquinate todos são componentes básicos da substância, a noção de ser completo é atribuída assim tanto à forma que significa o ato primeiro, a atualidade, que a forma possui por si mesma e não por um mediador, quando este ato primeiro é atribuído à matéria haverá uma atualidade, aquilo que hoje é confundido com virtualidade (a potência ou possibilidade do ser), pois assim todo ser o é em potência, assim todos podem ter poder de forma a realiza sua potência plena.
Isto significa que é preciso potencializar o homem, a sociedade e recuperar os desapoderados, assim sempre é possível a reeducação, a ressocialização e até mesmo dos que são socializados.
O poder se exercido sem arbitrariedade e com a dimensão de todos pode e deve servir ao bem comum, a justiça e a liberdade.
AQUINO, T. De principiis naturae ad fratrem Sylvestrum, [ed. H.F. Dondaine]. Ed. Leon., t.XLIII, Opuscula, vol.IV. Roma [Santa Sabina]: Editori di san Tommaso, 1976,
LEBRUN, G. O que é poder. São Paulo: Brasiliense, 1999.
WEBER, M. Economia e Sociedade. Brasília – DF: Editora da Universidade de Brasília, 1994.
Uma peça perigosa no xadrez da guerra
Desde a queda da monarquia no Irã, na época o xá Reza Pahlavi, que era tradicional aliado dos EUA, a república islâmica do Irã passou a ter hostilidade com os EUA, que impôs sanções por causa do beneficiamento de urânio indispensável para bombas nucleares, fazendo com que o Irã buscasse apoio e fizesse alianças com a Rússia.
Em 1º. de abril deste ano Israel lançou (não assumido) um ataque a Síria matando generais do Irã, que desde então promete uma retaliação e recentemente atacou com drones e mísseis o território de Israel, segundo o contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz militar israelense: “o irá lançou mais de 300 ameaças, e 99% foram interceptadas”, e concluiu: “isso é um sucesso”.
Pouco antes da notícia do lançamento neste sábado (13/04), o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu disse que “os sistemas defensivos” estão funcionando, e que a FDI (Força de Defesa de Israel), em uma represália que já era esperada, os bombardeiros continuaram no dia de ontem (14/04).
Como há conexões fortes com o Hezbollah e os houthis ao sul no Iêmen e o Hezbollah ao norte no Líbano também há notícias de ataques a Israel, tanto o comando militar de Israel, como o G7 e o conselho de segurança da ONU já convocaram uma reunião no dia de ontem.
A Itália e a Alemanha já se manifestaram contra o Irã condenando os ataques, os EUA e a França ajudaram a intercepção dos mísseis (há notícia que a Jordânia também ajudou a defesa), assim o Irã está isolado no Ocidente.
O objetivo no momento é impedir um ataque em escala maior ao Irã, que desencadearia uma escalada de guerra na região, Netanyahu deve atacar alguns pontualmente alvos no Irã.
A Rússia não se manifestou até o momento, mas é tradicional aliada do Irã, inclusive os drones usados no ataque a Israel são do mesmo tipo ao usado na guerra na Ucrânia.
Os ataques russos seguem em escalada na Ucrânia com objetivo principal de esgotar as fontes energéticas do país, a fragilidade progressiva da defesa das forças militares da Ucrânia, tornam a situação do país e de certa forma dos países da Otan, bastante dramática.
A paz sempre é possível, aquilo que as forças éticas chamam de responsabilidade poderá ter um papel decisivo para tomada de decisão, já que as lideranças envolvidas no conflito cada dia mais parecem não entender a gravidade de um conflito em meio a uma crise civilizatória.
Depois da II Guerra Mundial, as forças em conflito entenderam a necessidade de paz, agora o agravamento da crise, por paradoxo que seja, pode fazer os líderes serem chamados a paz.
Felicidade, medo e serenidade
Entre os principais convidados de “Fronteiras do Pensamento” está Luc Ferry, ainda pouco conhecido no Brasil, e já com um certo expoente na Europa ele também falou do medo, um dos nossos temas desta semana.
Defende uma espiritualidade laica, para mim e outros cristãos frágil, porém alguns de seus raciocínios e comentários são importantes, por exemplo sobre felicidade: “… não existe, temos momentos de alegria, mas não existe um estado permanente de satisfação …. podemos almejar é a serenidade, algo completamente diferente. Só se atinge a serenidade vencendo o medo” (entrevista ao Fronteiras do Pensamento).
Classifica o medo em três tipos: a timidez (surge em função do ambiente e da sociedade), a fobia (medo do escuro, de insetos, de ficar presos num elevador), ao nosso ver é o único que realmente se encerra dentro daquilo que o autor trabalha principalmente: a psicologia, e o terceiro é o medo da morte (das pessoas que amamos e de nossa própria morte), ao nosso ver este remete necessariamente a finitude da vida e do homem, só é possível transcender com uma espiritualidade não laica.
Cita um importante autor que é Hans Jonas, e seu livro O princípio da responsabilidade, onde há um capítulo chamado de Heurística do medo, descrito como uma paixão positiva e útil.
Através da leitura deste autor faz uma leitura positiva: “A ecologia inverte essa tradição filosófica ao sustentar que o medo é o começo de uma nova sabedoria e que, graças ao medo, os seres humanos vão tomar consciência dos perigos que existem no planeta. O medo não é mais visto como algo infantilizado, mas como o primeiro passo no caminho da sabedoria”.
Se não tivermos medo da guerra, de uma catástrofe atômica, de um planeta desertificado, da fome já presente em pessoas e países pobres, não teremos responsabilidade social, a maioria de nós (que não vivem estes medos) imagina que jamais serão atingidos, porém não é assim.
Reconhece que a religião também trabalho esta questão, mas sua espiritualidade laica afirma que: “só que as grandes filosofias são doutrinas da salvação sem Deus e sem a fé”, então fica a pergunta como vencer a finitude e a morte, e se a ressurreição de Jesus for verdadeira?.
Claro é uma pergunta a partir da fé, mas os homens daquele tempo viram, presenciaram e deram testemunho, então porque não apostar na fé como propunha Pascal, o que perderia com esta “aposta”, claro que é importante ir além, mas poderia ser um primeiro passo.
O que ganho hoje com esta aposta, é uma resposta simples, mais paz e mais convicção da possibilidade da paz, de não precisar destruir para descobrir que optamos pela morte e pelo medo?.
Luc Ferry – A boa vida – YouTube
Perigo de guerra eminente e esperança de paz
Um ataque de drones feito a usina de Zaporizhzhia na semana passada, ligou um alerta da Rússia que denunciou prontamente o perigo e as consequências de um desastre nuclear seria terrível.
Não ficou claro qual foi exatamente a arma usada contra a Usina nuclear (foto), apenas que eram drones e que um havia sido detonado no local, a Agencia Internacional de Energia Atômica (AIEA), que tem especialistas no local, disse apenas que as informações eram “consistentes” com as observações da entidade, ou seja, algum drone havia explodido próximo a Usina.
Analistas internacional ainda veem como improvável o conflito devido ao risco catastrófico devido a possibilidade de uso de armas nucleares, além de combates convencionais, uso de ataques cibernéticos e híbridos seriam colocados em movimento, inicialmente no Leste Europeu, mas com risco de expandir-se para a Europa e outros continentes.
A OTAN ainda que detenha vantagem significativa tanto na geopolítica, Finlândia e Suécia aderiram a OTAN e a Hungria que buscava uma posição de neutralidade, agora se fortalece com um acordo de tecnologia militar feito com a Suécia, que facilitou sua entrada na OTAN.
A Rússia porem possui capacidade militares agregadas a recursos econômicos e modernização de seu aparato militar, além de um acordo de apoio com a China e a Coréia do Norte, assim a manutenção da paz e prevenção de conflitos devem ser feito por um diálogo constante, mas a diplomacia russa segue jogando duro e diz que o diálogo com a OTAN é “zero”.
Tanto o ministro do Exterior russo Sergey Lavrov como o porta-voz do Kremlin, Dimitry Peskov dão declarações que dão a entender que o conflito com a OTAN já está em curso, estratégia diplomática ou pura retórica, o fato que os níveis de tensões se elevam.
A OTAN responde com exercícios militares e movimentação de tropas nas fronteiras, em janeiro um exercício envolveu 90 mil soldados, um novo treinamento foi anunciado pelo general comandante da OTAN, Christopher Cavoli, a operação chamada de Defensor Firme 24 (Steadfast Defender 24) já havia sido realizada em outros anos, porém agora acontece em meio a uma intensificação dos bombardeios contra Kiev.
A esperança é que o equilíbrio é frágil e os dois lados sabem disto, e o risco de uma guerra seria catastrófico, ainda que analistas evitem dizer que haveriam limites de ações.
A dor e a Sociedade Paliativa
Pela leitura de diversos autores, mas principalmente por compreender justamente as “dores” da modernidade, Byung Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa: a dor Hoje (Han, 2021) em que decreta: “A dor, é agora, um mal sem sentido, que deve ser combatido com analgésicos. Como mera aflição corporal, ela cai inteiramente fora da ordem simbólica.” (HAN, 2021, p. 41).
Entre diversos autores, é a partir de Paul Valéry em seu livro e personagem Monsieur Teste, que encarna o homem moderno e sensível que como sem sentido e pura “aflição corporal”, “Monsieur Teste se cala em vista da dor. A dor lhe rouba a fala” (HAN, 2021, p. 43).
Colocará em contraste com este personagem a mística cristã Teresa D´Ávila, como uma espécie de contrafigura, “nela a dor é extremamente eloquente. Com a dor começa a narrativa. A narrativa cristã verbaliza a dor e transforma também o corpo da mística em um palco … aprofunda a relação com Deus … produz uma intimidade, uma intensidade.” (p. 44).
Também reivindica Freud, “a dor é um sintoma que indica um bloqueio na história de uma pessoa. O paciente, por causa de seu bloqueio, não está em condições de avançar na história” (p. 45).
Sendo uma mera “aflição corporal” a dor se coisificou, perdeu um sentido ontológico e de certa forma “escatológico” (por ela tem uma história com início e fim), “a dor sem sentido é possível apenas em uma vida nua esvaziada de sentido, que não narra mais.” (p. 46).
A negação da cruz do homem moderno, não é apenas o desprezo pelo Outro, é a incompreensão de seu aspecto escatológico, a dor entrou na nossa vida e durará até que possamos entender seu significado de “libertação”, de “purgação” de nossos males que estão na nossa história, que são nossos pecados, a guerra é a incompreensão da dor, elimina-se o Outro com sendo culpado por nossa dor, da qual os culpados somos cada um de nós.
As injustiças têm seus próprios meios regulatórios, porém a marginalidade, a criminalidade, que surgem em meio a pobreza, as dificuldades sociais são dificuldades que lidar com a dor, há sempre um caminho para refazer uma história, para recomeçar uma vida, eliminá-la é o oposto.
A cruz é o significado mais profundo daquilo que aflige o homem, e a partir do qual pode se libertar, esconder ou fugir do problema leva em geral a dores maiores: alcoolismo, drogas, prostituição e aquilo que já é um mal do homem moderno: a corrupção em diversos níveis.
A cruz orgulho dos cristãos e escândalo dos gentios, também é bíblico “aquele que quiser me seguir, tome sua cruz e me siga (Mc 8, 34), metáfora da vitória e não da derrota, esta é a lição de vencedores.
HAN, BYUNG-CHUL. A Sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado, Petrópolis: ed. Vozes, 2021.
A luz e a verdade
Há uma luz única e verdadeira, embora sabemos que a luz pode se desdobrar em várias cores que vemos do vermelho ao violenta, e que não vemos como o infravermelho e o ultravioleta.
Cada vez mais nos aproximamos da ideia que o início do universo havia algo como uma luz, hoje pela Teoria da Física Padrão, o fóton já era teorizado por Einstein como partículas ou pequenos “pacotes” que transportam a energia contida nas radiações eletromagnéticas, os fótons em repousam possuem massa zero.
Assim a luz que emana desde a origem do Universo embora não se confunda como sua intenção (a de irradiar luz) está na origem de toda irradiação eletromagnética do Big Bang.
Os neoplatônicos, como Plotino (205 – 270), acreditavam no monismo e nessa irradiação de luz, existe um uno ou um deus (não era o Deus cristão) de onde emana uma fonte divina que irradia por toda a criação, nesta luz una que Agostinho de Hipona vai se apoiar nesta filosofia para negar o dualismo maniqueísta que acreditara antes e dali se dará sua virada para o cristianismo.
Os textos de Plotino foram compilados por seu discípulo Porfírio e escritos na obra as Seis Enéadas (na verdade nove partes, pois ennéa em grego é 9), nela se destaca a questão da união da alma e do intelecto, é fundamentada nesta ideia que a Verdade habita no homem.
Assim a alma do mundo procede de um poder criador (não do poder, pois ele não o define), contemplando o Nous e multiplicando-se em todos os entes particulares do mundo sensível, sem dividir-se (esta é a interpretação de Fritz-Peter Hager em seu livro de 1962).
A verdade assim habita na alma e no interior de cada homem, é esta interioridade que alguns críticos definem como idealismo ou intimismo dos neoplatônicos, porém já há hoje diversas obras sobre a questão da Vitta Contemplativa, Hannah Arendt e Byung Chul Han a lembram, mas outros autores já passaram a mencionar como O rumor da língua de Barthes citado no post anterior.
Para os cristãos esta manifestação da verdade se dá ontologicamente na Encarnação, Paixão e morte de Jesus, morte porque é parte da vida humana e deveria vive-la como “pascoa” passagem que abre a vida eterna para os homens, sem esta passagem a vida plena não se realiza e perecemos como matéria, também este aspecto é problematizado por Plotino.
Na foto a obra de Peter Paul Rubens sobre o Anti-Mileranismo de Santo Agostinho que não aceitava a leitura literal de Apocalipse 20:1-10.
Plotino, Enéadas, tradução de José Seabra Filho e Juvino Alves Maia Junior, Editora Nova Acrópole (este ano foi publicado o tomo 6 completando a obra), 2021.
Agostinho, Santo. A cidade de Deus, trad. Oscar Paes Leme. Petrópolis, Editora Vozes, 1999.
Silêncio e a resistência do espirito
A guerra é ruidosa não só nas armas e bombas, mas principalmente no falatório que ela desperta no qual é impossível ter serenidade, pensar e dialogar; faz parte fundamental da insanidade que ela representa o aspecto ruidoso.
A resistência do espírito, estamos seguindo a linha de Edgar Morin, é a “arma” possível neste momento e quiçá em futuros ainda piores, ela significa, em muitos momentos se calar, fazer um silêncio tão profundo que indague o Outro que não desiste de argumentar suas razões para a guerra.
Na filosofia Plotino, que influenciou profundamente Santo Agostinho, embora sejam pensadores diferentes um cristão e o outro apenas estoico, o silêncio é um estágio de profundo conhecimento da realidade, do uno, unidade que tudo abarca sem sair de si.
Para ele quando um aspirante à verdade (o que é a verdade de fato, não a lógica racional), ele tem que ter a experiência da unidade, essa experiência é total e silenciosa.
O filósofo brasileiro Giacóia Junior busca na citação de Espinoza a reflexão sobre esta perspectiva de relação entre o barulho e o silêncio quando afirma que “certamente que a sorte da humanidade seria mais feliz se estivesse igualmente na potência do homem tanto falar como calar-se. Mas a experiência ensina suficiente e superabundantemente que nada está menos em poder dos homens que sua língua (…) (cf. GIACOIA JUNIOR, 2014, P. 79).
Estar diante do silêncio é estar diante da verdade, e se a linguagem é morada do ser, vale a pena lembrar que o Verbo se fez carne (João 1,1) se não for aceito no sentido bíblico, pode ser pensado como sentido ontogênico ou filogênico, como afirma Barthes em seu livro O Rumor da língua, afirma que: “é a linguagem que ensina a definição do homem” e que não pode ser considerada “um simples instrumento, utilitário ou decorativo, do pensamento. O homem não preexiste à linguagem, nem filogeneticamente nem ontogeneticamente” (BARTHES, 1988, p.185).
Assim a verdade é um Ser, a linguagem é morada do Ser e o silêncio é seu ápice.
BARTHES, R. O Rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.
GIACOIA JUNIOR, O. “Por horas mais silenciosas” in: NOVAES, Mutações. São Paulo: Ed. SESC SP, 2014.
A verdade e as boas obras
Não há verdade ontológica onde não ocorre o desvelamento do ser, e isto depende de sua realização mais profunda em contato com sua essência e deve produzir frutos para a vida, para o bem-estar pessoal e social e para os que creem para uma eternidade.
Os sofistas na antiguidade criavam verdades que podiam até ser lógicas, mas o objetivo era o do poder e de ter benesses junto aos que detinham fortuna e influencia, e isto não foi eliminado da vida cotidiana até os dias de hoje, grande parte da política é a negociação dos bens públicos, da fraude e para isto usam a não-verdade, e isto não é monopólio de um grupo.
Não há como manter esta lógica sem o autoritarismo, o cerceamento da liberdade e a calar a voz dos que sofrem com a ganância pelo poder e pela riqueza, grande parte da crise atual vem destes valores, ainda que culpem as mídias, elas estão também sob o controle destes poderes.
As mídias seguem a lógica ôntica na diferença ontólogica, desenvolvemos brevemente esta questão do modo como Heidegger e outros seguidores das diversas correntes ontológicas a veem, no âmbito da interpretação e do diálogo a lógica não podem ser ôntica, deve seguir a verdade ontológica que segue da fusão de horizontes no círculo hermenêutico (ver o post anterior).
O dualismo e a polarização seguem a verdade ôntica, culpar as mídias que nada fazem que não tenha sob controle de alguma forma, podendo ser até de algoritmos, o próprio homem, assim a lógica dual ôntica usada é instrumental e de certa forma sofismática porque visa o poder.
No domingo inicia-se para os cristãos a semana santa, a verdade ontológica que foi manifestada como ser na pessoa de Jesus tinha que ser destruída pelo discurso do poder, até mesmo o poder religioso da época que não podia acreditar que a verdade é lógica do Ser e do homem, quando ele manifestava suas boa obras, quase sempre confrontava o poder.
É preciso ser contra a corrente para inverter a lógica da facilidade, do dinheiro fácil através da corrupção, do poder pelo poder e do desserviço a sociedade.
A verdade ontológica
Existe diferença entre a lógica que é fundamentada na razão puramente humana, e a ontológica fundamentada na realidade do Ser e sua existência, assim não é uma verdade final, mas escatológica, isto é, realiza tendo um início e um fim onde a existência se explica.
De modo meramente filosófico, a verdade ôntica e a ontológica sempre se referem de maneira diferente, ao ente em seu ser e ao ser do ente, e a relação entre elas é chamada diferença ontológica, pouco explorada na filosofia está embutida em qualquer teoria que trate do Ser.
A relação de latência entre ser e ente e entre presença e ser torna evidente que o fundamento da diferença ontológica é a presença, segundo Heidegger (pg. 102):
Desvelamento do ser é, porém, sempre verdade do ser do ente, seja este efetivamente real ou não. E vice-versa, no desvelamento do ente já sempre reside um desvelamento de seu ser. Verdade ôntica e verdade ontológica sempre se referem, de maneira diferente, ao ente em seu ser e ao ser do ente. Elas fazem essencialmente parte uma da outra em razão de sua relação com a diferença de ser e ente (diferença ontológica).
Trata-se de desvelamento porque re-velar é tirar uma camada do véu, porém encontrando outra que igualmente cobre a verdade, a razão humana e a própria ciência caminha assim, a princípio da falseabilidade de Karl Popper, ele alega que o fato de uma asserção poder ser mostrada falsa é um dos princípios para o estabelecimento de uma ciência segura.
Há uma relação circular entre verdade ôntica e verdade ontológica decorrente desta facticidade circular da presença [que é uma das traduções do Dasein de Heidegger] e esta relaciona-se com os entes compreendendo o ser, e relaciona-se com o ser compreendendo os entes.
“Com a diferenciação, que é em si mesma clara, entre ôntico e ontológico – verdade ôntica e verdade ontológica, temos efetivamente os elementos diferentes de uma diferença, mas não a própria diferença”, dito de maneira explicita a relação das coisas com os seres, é diferente da relação dos seres entre si, há uma verdade ontológica que deve ser desvelada para a relação.
Assim, como a verdade ontológica e ôntica, assim como a diferença ontológica, contribuem para mostrar o caráter relacional do eu? Conflitos e relacionamentos envolvem este Ser que é relacional, mas sua compreensão vista como instrumental, coisificada ou de interesse nada é.
HEIDEGGER, M. Sobre a essência do fundamento. In: Heidegger: conferências e escritos filosóficos. Trad. de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os Pensadores).