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A um fio de um desastre civilizatório
Apesar dos imensos estragos já causados pelas guerras, destacamos aquelas que envolvem diretamente as potencias imperialistas, mas não deixamos de olhar “guerras menores”, o tom do discurso das forças envolvidas, em especial, da Otan e da Rússia, aumentou na semana passada.
A Rússia se diz pronta para um confronto direto com a OTAN, acusando-a de já estar presente na Ucrânia, o que praticamente foi confirmado pelo primeiro ministro da Polônia Donald Tusk, ao declarar: “A Otan hoje está ajudando o tanto quanto pode. Sem a ajuda da Otan, a Ucrânia não seria capaz de se defender por tanto tempo”, e acrescentou aos jornalistas: “Bem, e há algumas tropas lá [na Ucrânia], quero dizer, soldados. Existem alguns soldados lá, observadores, engenheiros. Eles estão ajudando-os”, o que é uma confirmação.
A Rússia realizou recentemente exercícios militares com armas nucleares, Rússia e EUA possuem juntas mais de 10.600 das ogivas nucleares do mundo, das 12.100 existentes, seguidos por China, França e Reino Unido, uma provocação deste tamanho é perigosa.
No Oriente Médio, Israel ameaça invadir Rafah (na foto acima), última fronteira dos refugiados palestinos, com mais de 1 milhão de pessoas ali e pode-se dizer que agora metade da população de Gaza está lá, diversas forças políticas e diplomáticas tentam dissuadir Israel de realizar a invasão.
As conversas diplomáticas para um cessar fogo acontecem a meses sem nenhum resultado, Egito e os EUA estão à frente de forçar um acordo, ainda que tropas americanas apoiem Israel, o desastre humanitário seria imenso uma vez que atinge em cheio os refugiados.
Há diálogos, pronunciamentos de forças pela paz, entretanto aquelas que se posicionam de modo unilateral devem entender que aumentam a força do conflito e não há neutralidade, sim não há neutralidade no sentido humanitário (sempre defender a vida), mas a política é polarizadora.
Edgar Morin fala em resistência do espírito, outros autores falam de trégua, postamos na semana passada sobre a “tonalidade do afeto”, aquele que não é nem plural, nem polifônica.
A ascensão e a não-presença
A leitura deste livro de Byung-Chul Han, “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva” é diferente dos demais “ensaios” do autor, revela uma primeira incursão no mundo filosófico, longe de ser um tratado, já há conotações de um pensamento original.
Em tempos tão escassos de pensamentos autênticos, estamos sobre o fogo cruzado do novo e velho idealismo Hegeliano, e o autor demonstra isto não pela análise crítica histórica, mas pelo que vai mais no fundo de pensadores como Kant, Hegel, Derridá e seu mestre P. Sloterdijk.
Diria que o ápice, pelo meu víeis de leitura, está na análise de Lévinas, ao citá-lo na página 68: “A ´destruição imaginária de todas as coisas´, a Epoché de Lévinas, não é seguida por uma ausência total do ser” … “contra todos imperativos formais lógicos” (pg. 68), o que lembra o terceiro incluído de Barsarab Nicolescu, em alusão à física quântica, é um novo limiar lógico.
E segue adiante “Não existe mais isto, nem aquilo; não existe ´alguma coisa. Mas a ausência universal é, por sua vez, uma presença, uma presença absolutamente inevitável” (pg. 69 citando novamente Lévinas: “A existência da existência”).
Lévinas chega a sugerir a real experiência deste “Il y a” (ser* em francês, sua língua natal), este nada não indica um substantivo e como tal é um “não algo” (lembra as não coisas de Han), esta presença “fantasmagórica” (Einstein chamou assim o terceiro incluído da física quântica), “o ser permanece como um campo de força … regressando ao seio do mesmo da negação que o afasta, e a todos os graus desta negação” (novamente citando Lévinas, pg. 70).
O potencial sugestivo do “Il y a” é elevado pela dissonância lógica: “A obscuridade – enquanto presença da ausência – não é um conteúdo puramente presente. Não se trata de um ´algo’ que permanece, mas da atmosfera mesma de presença, que certamente pode aparecer muito depois com um conteúdo …” (pg. 70 citando ainda a obra de Lévinas).
A ascensão de Jesus (foto Painel de Azulejos, Portugal), festa mundial nesta semana em muitos países cristãos é até feriado, a luz desta visão ontológica pode revelar uma reformulação teológica, porque na leitura bíblica sua partida e ausência corresponde a vinda de uma terceira pessoa da Trindade: o Espírito Santo.
Assim em João 16,13 se lê: “No entanto, quando o Espírito da verdade vier, Ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos revelará tudo o que está por vir”, e assim desvelará a verdade.
Esta verdade onto-teo-teleo-lógica deve incluir uma lógica trinitária: o Terceiro Incluído.
* ser em gera.
Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
A ontologia e a tonalidade afetiva
Como um bom oriental, embora radicado na Alemanha, Byung-Chul Han parte sua análise não da perspectiva objetivista, materialista e substancialista dos autores clássicos da filosofia ocidental, mas na perspectiva daquilo que vai chamar de “tonalidade afetiva” em Heidegger.
Seu livro, diferente de outros que considero ensaios, analisa “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger” (Ed. Vozes, 2023), com esta análise nova, humana e diria até mesmo espiritual do cerne da filosofia ocidental.
Parte de um conceito caro a civilização judaico-cristã, que é o da circuncisão, porém da circuncisão do coração e não do órgão falido (a pele presa no início do pênis), é preciso lembrar que embora órgão masculino ele é emblema do poder, da autoridade e do desejo, foi culturalmente numa cultura bélica.
A parte de sua visão religiosa, ele tem um sentido espiritual para toda a sociedade, contrário ao que Han vai desenvolver que é a circuncisão do coração, aquela que modula e rege o afeto.
Começa por aquilo que é raiz da cultura eurocêntrica, começando pela hipocondria de Kant que confessa em seu texto “Conflito das faculdades”: “por causa de meio peito chato e estreito, que deixa pouco espaço para o movimento do coração e dos pulmões, eu tenho uma predisposição natural para a hipocondria, que em anos anterior beira o tédio da vida” (Han, 2023, pg. 8), e daí desenvolve o “anseio expande o coração, o faz definir e esgota as forças” (pg. 9).
Este anseio dirá não é também indolor para Heidegger, mas de acordo com este autor (foi tese de doutorado de Han), o anseio é a “dor da proximidade da distância”, o feitiço do “sempre-igual”, porém num movimento de sair do em-si existe uma “Dor da costura” com o Outro.
Assim, dirá Han, a “costureira” (Näherin] de Heidegger, “trabalha na proximidade”, é também uma circuncidadora do coração (pg. 10), desenvolve-se convertendo-o “em tímpano hétero- auditivo” (pg. 10), “o coração do ser-aí” palpita no horizonte transcendental, assim segundo Han no Heidegger tardio, “a constrição penetra mais profundamente” e o ser-aí separa-se do ser do aí: Da-Sein (Han, pg. 11).
Assim, “esta circuncisão liberta o coração da interioridade subjetiva” (Han, Idem), e há uma conclusão preliminar surpreendente em Heidegger: “O coação de Heidegger, por outro lado [confronta com Derridá], escuta uma só voz, segue a tonalidade e gravidade do “uno, o único que unifica”, para ele é um “ouvido do seu coração” porém há algo forte de espiritual nisto.
Espiritualmente há uma voz interior que fala aos nossos corações se estão circuncidados.
Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
A ontologia, Kant e a tonalidade afetiva
Como um bom oriental, embora radicado na Alemanha, Byung-Chul Han parte sua análise não da perspectiva objetivista, materialista e substancialista dos autores clássicos da filosofia ocidental, mas na perspectiva daquilo que vai chamar de “tonalidade afetiva” em Heidegger.
Seu livro, diferente de outros que considero ensaios, analisa “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger” (Ed. Vozes, 2023), com esta análise nova, humana e diria até mesmo espiritual do cerne da filosofia ocidental.
Parte de um conceito caro a civilização judaico-cristã, que é o da circuncisão, porém da circuncisão do coração e não do órgão falido (a pele presa no início do pênis), é preciso lembrar que embora órgão masculino ele é emblema do poder, da autoridade e do desejo, foi culturalmente numa cultura bélica.
A parte de sua visão religiosa, ele tem um sentido espiritual para toda a sociedade, contrário ao que Han vai desenvolver que é a circuncisão do coração, aquela que modula e rege o afeto.
Começa por aquilo que é raiz da cultura eurocêntrica, começando pela hipocondria de Kant que confessa em seu texto “Conflito das faculdades”: “por causa de meio peito chato e estreito, que deixa pouco espaço para o movimento do coração e dos pulmões, eu tenho uma predisposição natural para a hipocondria, que em anos anterior beira o tédio da vida” (Han, 2023, pg. 8), e daí desenvolve o “anseio expande o coração, o faz definir e esgota as forças” (pg. 9).
Este anseio dirá não é também indolor para Heidegger, mas de acordo com este autor (foi tese de doutorado de Han), o anseio é a “dor da proximidade da distância”, o feitiço do “sempre-igual”, porém num movimento de sair do em-si existe uma “Dor da costura” com o Outro.
Assim, dirá Han, a “costureira” (Näherin] de Heidegger, “trabalha na proximidade”, é também uma circuncidadora do coração (pg. 10), desenvolve-se convertendo-o “em tímpano hétero- auditivo” (pg. 10), “o coração do ser-aí” palpita no horizonte transcendental, assim segundo Han no Heidegger tardio, “a constrição penetra mais profundamente” e o ser-aí separa-se do ser do aí: Da-Sein (Han, pg. 11).
Assim, “esta circuncisão liberta o coração da interioridade subjetiva” (Han, Idem), e há uma conclusão preliminar surpreendente em Heidegger: “O coração de Heidegger, por outro lado [confronta com Derridá], escuta uma só voz, segue a tonalidade e gravidade do “uno, o único que unifica”, para ele é um “ouvido do seu coração” porém há algo forte de espiritual nisto.
Espiritualmente há uma voz interior que fala aos nossos corações se estão circuncidados, aqueles que agora se comovem com a tragédia do Sul (foto).
HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
O grande e o pequeno
Na política, na filosofia e até mesmo na religião a ideia de Grande é sempre vista como poder.
Pode parecer estranho o uso do termo Grande de Sloterdijk ao se referir a grandes teorias políticas, econômicas e imperialistas, mas ele é mais adequado para aquilo que era finalidade dele falar no seu livro “Se a Europa despertar”, pouco lido inclusive na Europa, apesar dele ser reconhecimento como um dos maiores pensadores vivos.
Diria que ser pensador já é Grande, usando seu próprio termo para a filosofia, já que como ele afirma: “não é um tempo próprio para pensar”, temos que escolher entre ditadores e narrativas, ao invés de tomarmos o fio da história para uma civilização equilibrada e feliz.
Até mesmo no mundo religioso isto é confundido, Jesus não proclamou nem insistiu em qualquer corrente política de seu tempo, apesar de ter o grupo rebelde ao seu lado, Simão o zelote e Judas Iscariotes eram zelotes, grupo que era rebelde ao império romano.
Grandes impérios sucumbiram e desapareceram, um que até é esquecido e pouco analisado pelos historiadores são os mongóis, dos séculos XIII e XIX (veja no globo acima) sendo um dos maiores em extensão e hoje reduzido a um pequeno país dividido e dominado pela China.
A Europa não despertou, Makron disse em tom dramático a semana passada na Sorbonne: “A nossa Europa, hoje, é mortal. Ela pode morrer, e isso depende unicamente das nossas escolhas!”, o discurso está certo, mas a intenção errada, porque pouco depois fala de suas armas nucleares.
O Grande na espiritualidade, em tempos de religiões desespiritualizadas, são de narrativas em torno da religiosidade que pouco ou nada fala deste Grande “megalopata”, como chama-o Sloterdijk, e sim da capacidade de solidariedade, de amor verdadeiro levado a prática, de acolher e buscar os pequenos e sofredores que vivem a margem da sociedade desumana.
Francisco de Assis, era filho de Pedro Bernardone, rico e prospero comerciante que o filho o rejeitou, Catarina de Sena era analfabeta e seus seguidores escreviam por ela obras sábias e santas, teve influência na volta do papa Gregório XI de Avignon para Roma, sendo embaixadora de Florença, uma cidade em guerra com o papa e que ela pacificou.
O ocidente vivia um grande cisma, e ela foi junto ao papa até Roma, enviando numerosas cartas a príncipes e cardeais, para promover obediência ao Papa Urbano VI (sucessor).
Os pequenos homens e pequenos reinos fizeram a história, veja a Grécia antiga, os gauleses durante o império romano, o Grande quase sempre imperial, belicista e cego apesar de uma imposição brutal temporária, sempre sucumbiu ao desejo legítimos de povos e nações.
SLOTERDIJK, P. Se a Europa despertar. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
Um sentido para o grande e o novo
Apresentar algo Grande e Novo digno da ideia não significa criar uma novidade e formar com ela uma bolha, significa algum sinal mínimo de originalidade, note-se que o termo não dispensa a origem, e significa algo que de fato traga uma transformação positiva.
O continente da Velha Europa está em crise, e custa a admitir isto, e a guerra não representa o novo e sim a velha conquista imperial, o saque de povos vizinhos e as narrativas mentirosas que esconde imperialismos.
Sloterdijk estabelece algumas exigências para um político da atualidade: “Profissão: político. Residência principal: opacidade. Programa: pertencer- se. Moral: pequenos trabalhos de desafios. Paixão: ter uma relação com a ausência de relação. Evolução: autorrecrutamento a partir de conhecimento, que se torna iniciativa” (Sloterdijk, 1999, p. 65).
Talvez seja clara a opacidade, ausência de transparência e discursos difusos e até contraditórios conforme a ocasião, o programa é claro, afirmação de sua personalidade e o recrutamento de iguais, a moral não é qualquer coisa que exija desafio, e a boa moral não é outra coisa, muitas vezes a capacidade de sofrer e doar-se pelos outros e de fato, pelo povo.
Em 1999 Sloterdijk sentenciava: “é evidente que numa época que a forma do grande é mudada, patologias de filiação de todo tipo tornam-se epidêmicas … já o atletismo de Estado mais antigo muitas teve de lidar com as fronteiras de seu poder de generalização …” (pag. 66).
No livro “A nova ciência dos networks” Laszlo Barabasi escreve um exemplo muito importante, sem o perseguidor de cristãos Saulo, que ao ter uma experiência mística sai da bolha judaica e vai para o mundo grego e depois o romano, o cristianismo seria ainda hoje uma seita, e hoje parece retornar a ela por falta de um espírito aberto.
Saulo, agora Paulo não vai combater em fronts do império e sim levar um novo espírito ao reino imperial romano e será perseguido por este espírito e não por usar qualquer tipo de arma, e anunciar o reino da paz.
Em atos dos apóstolos 9,31, após uma reapresentação de Paulo para a comunidade cristã que o temia é dito: “A Igreja, porém, vivia em paz em toda a Judeia, Galileia e Samaria”, e finalmente Paulo exerce o bom combate: sem guerras, acusações ou intolerâncias.
Pré-ocupação e pré-conceitos
Não se trata de jogar com as palavras, elas tem o sentido claro sem o hífen, questões que ocupam nossa mente e se tornam desafiadoras, e os preconceitos quando estimulados social e estruturalmente colocam pessoas, indivíduos, etnias e povos em descrédito.
Porém há outro sentido para aqueles que se preocupam com a saúde mental e a saúde social onde seja possível conviver com a diferença, com o Outro e com o contraditório, trata-se de uma saúde espiritual, no sentido de fazer uma resistência do espírito a um ambiente hostil.
O objetivo de deixar uma pessoa em descrédito através do preconceito, não pode ser confundido com a intolerância e o desamor do pré-conceito presente na estrutura do pensamento dualista: subjeito x objeto, natural x cultural, corpo x mente, nela residem boa parte da resistência ao diálogo e a abertura ao Outro diferente.
Alguns autores consideram que o preconceito como discriminação (Erving Goffman por exemplo), são mais relevantes do que o próprio estereótipo feito sobre determinados indivíduos, porém também estes autores entendem que existem características anti- dogmáticas que podem articular a relação existe entre preconceito, estigma e discriminação (o próprio Goffman faz isto).
A partir da perspectiva que o pré-conceito é interente ao homem e à sua percepção de verdade (Gadamer, 1997) o modo de conceber e entender próprio da realidade acerca de um determinado fenômenos, deve passar primeiro por um pré-entendimento ou pré-conceito deste mesmo fenômeno, ou seja, dificilmente vamos a realidade sem nenhum conceito a respeito dela, para isto é preciso um epoché fenomenológico, diz a boa fenomenologia.
Digo isto antes da pré-ocupação, porque em geral grande parte dos fenômenos naturais e existenciais passam por um filtro preconceituoso, no sentido de pré-entendimento, e assim o nó e o véu sobre a realidade fica estabelecido, é preciso uma atitude para ir a frente, deixando que a ocupação (e não seu pré estabelecimento) adquira o lugar certo no devido tempo.
A esperança (e para quem crê é a fé) entra nesse vácuo entre os dois estágios, a pré-ocupação que pode estar envolta de pré-conceitos da realidade, e a verdade estabelecida pelo fenômeno em si, alguns pensarão o fato, mas o fenômeno ou a coisa em si, é própria e o fato depende sempre de uma narrativa sujeita ao pré-conceito.
Resumindo, não se preocupe antes da hora, deixe que o fenômeno e a realidade fale por si na hora exata de sua “ocupação” ou em termos ontológicos de sua “presença”, seu da-sein.
GADAMER, H.G. Verdade e método. Tradução Flávio Paulo Meurer. 3ª. ed. Petrópolis (RJ): Vozes . 1997.
A volta às nações e ausência do Todo
Em tempo de hipercomunicação, a mídia social faz sentir a ausência do Todo, que Peter Sloterdijk chama do Grande: “a forma do grande no mundo industrial insiste no conhecido estresse megalopata em dimensões ampliadas – mas então devem preocupar-se as pessoas da rua, que antes teriam apoiado um Ministro das Relações Exteriores” (Sloterdijk, 1999, p. 61), o que ele não imaginava era que isto teria uma reação contrária: a volta do patriotismo.
Porém somente forças inesperadas perceberam este efeito, enquanto a sociedade atual: “sofrendo crises de náusea frente a sua classe política, no momento não pode fazer mais do que conceder uma pausa de reflexão para questões fundamentais” (p. 62).
O autor percebe a falta de “alguma coisa”, o destaque é dele, mas prefere “interpretá-lo como o espírito da era agrária” e dos grandes impérios (pg. 60), e em sua visão agnóstica, “para ela chegou o momento crítico com a “morte de Deus” “ (idem), novamente o destaque é do autor.
Assim na ausência de uma figura escatológica, num mundo que rejeita a ideia do sagrado, do divino e de um Deus humano-divino dos cristãos, “a forma do Grande é mudada, patologias de filiação de todo tipo tornam-se epidêmicas” (pg. 66), não só na política, mas também religiosas, todos acreditam terem encontrado um “grande” e o colocam hereticamente no lugar de Deus, até mesmo nas religiões um deus imaginários da riqueza, do ócio e até da luxúria, por mais contraditório que possa parecer.
O livro do final do milênio passado, entende o problema certo mas no lugar errado, sob o tema de “revolução conservadora” (novo destaque do autor) experimenta-se a “duas ou três gerações nos movimentos catolizantes da resistência na Europa central e do sul, provavelmente pela frente uma grande carreira intercultural – sob estandarte religioso, culturalista, regionalista” (pg. 67).
Volta a uma análise correta: “no Grande moderno – as identidades estado-nacionais quase religiosas que desde o século XIX marcaram formas políticas de vida na Europa e mais tarde no mundo inteiro” (idem), lembre-se o nazismo e agora em várias formas de guerras “nacionais”.
O fenômeno moderno deste Grande, da grande pátria seja em Israel ou na Rússia, na China ou nos EUA, não é outra coisa senão a ausência de um Grande Maior, o divino que leve os homens a quebrar fronteiras, a conviver com o diferente e a entender a necessidade de uma nova civilização que veja o planeta como Terra-Pátria.
Para o grande religioso, pode-se perguntar onde está Deus, mas a figura divina-histórica de Jesus e sua visão além-abraamica que ultrapassa a destes povos em conflito, proclamava um lema universal: “Quem me vê, vê aquele que me enviou” (Jo 12,45).
O animal político e o ser ontológico
Imaginamos pela maioria das narrativas que a política grega é um grande modelo para a sociedade contemporânea, mas a correção de Sloterdijk é a mais acertada possível: “A verdade sobre a forma de mundo imaginada por Platão e Aristóteles é certamente a de que cidade e império são figuras da era agrária” (Sloterdijk, 1999, p. 43).
É difícil acreditar porém “se Platão definiu o saber do político como arte pastoril em referência a bípedes sem penas, então fica claro coo motivos agro-ontológicos avançaram até na definição fundamental da essência do poder nas cidades – agricultura e a criação de animais são os reservatórios de contemplação, dos quais discursos politológicos devem extrair sua plausibilidade, mesmo se o olhar passe do jardim da academia para a ágora” (pg. 44).
A importância escapa até mesmo de Sloterdijk, já que na sociedade moderna industrializada europeia a “experiência camponesa” que culpa até mesmo Heidegger o seja, e os “motivos extra-agrários” saíram “das oficinas dos artesãos, a saber dos ferreiros, para avançar na consciência do mundo político-filosófica, e dos portos, de um o comandante, em grego kybernetes, pôde tornar-se uma sugestiva figura de poder” (pag. 44).
Também a convivência com a natureza é retomada em Sloterdijk e seu discípulo Chul-Han: “desde sempre constituiu um risco para a cidade o fato de ela usar mais do que criar o homem; mais do que isso, ela o impele aos últimos florescimentos como reproduções simples demais; tanto no sentido biológico quanto no cultural, ela é mais estufa do que campo e jardim” (pag. 45).
Antes do desenvolvimento do psicopolítico de Chul-Han já pode-se encontra-lo em Sloterdijk: “dominadores, políticos e chefes são, segundo essa lógica, sobretudo detonadores de uma crueldade funcional – que obviamente fazem bem em ciar para si, sob nomes como razão de Estado, bem comum, justiça, planejamento, entre outros, um rosto aceitável, se possível sincero” (pag. 47).
Sloterdijk desenvolve aqui o conceito verdadeiro de “humanidade” “se rompe aqui em grupos que se intensificam através de tensões, e grupos que ficam estagnados no sofrimento, a dor, na grande civilização, adquire um terrível rosto duplo; ela age em alguns como estimuladora, em outros como obstruidora; para a minoria, a carência tem efeito educador; para a maioria, age como destruidora de almas” (pag. 48), vale esclarecer que Sloterdijk não é religioso.
Para concluir este post, ela detecta doença contemporânea: “liga-as agora a estranheza íntima de senhor e servo” (pag. 48) e “o paradoxo da inclusividade exclusiva cobra então o seu preço; pessoas começam a caçar pessoas, matam-nas em grandes números, exterminam hordas e tribos inteiras, vendem-nas e compram-nas … “ (pag. 49).
Pouco ainda caminhamos na saída do zoom, as exclusividades e não-inclusividades estão ai.
SLOTERDIJK, Peter. No mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. Trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
Um poder escondido nos pequenos
Em toda história se ignorou as camadas da sociedade que não tinham participação no poder, não em regimes autoritários onde isto fica evidente, ainda que os ditadores gozem de alguma popularidade devido seu poder de manipulação e uso da força, a maioria da sociedade deve e o processo se torna irreversível com o acesso através das mídias sociais, que podem ser redes.
O poder dos laços fracos, desconhecido pela maioria dos manipuladores e autoritários existe e mesmo que submetidos a um duro regime, nas sombras e nos meios informais ele acaba se manifestando, porém, o poder de propaganda e de massificação na grande mídia era imenso.
É verdade que parte da opinião dita popular também está sujeita a tradições e culturas de opressão e manipulação, já o era antes, e agora pode tornar-se perverso, mas quando usado para promover o bem comum, a igualdade e o respeito, poder ser a única força assimétrica.
A opressão supõe sempre um certo consentimento, por persuasão, por medo ou por alguma conveniência circunstancial ou histórica, porém ao longo do tempo, pode demorar anos, uma verdadeira opinião “pública” prevalecerá e a polarização das forças imperiais em jogo, irão se enfraquecer.
Como reconhecer o lobo e o cordeiro neste jogo, é simples, e a parábola bíblica explica (Jo 10,12):
“O mercenário, que não é pastor
e não é dono das ovelhas,
vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge,
e o lobo as ataca e dispersa”.
O pastor conhece as ovelhas e elas escutam sua voz, diz outro trecho bíblico, e ele não age com o poder, mas como protetor e facilitador do caminho das ovelhas para não se perderem.