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Pós-modernidade, uma volta ao início e a atual
O autor (Anthony Giddens) que estamos lendo, faz exatamente no capítulo da “confiança” uma abordagem ao nihilismo fazendo uma crítica em bloco a Nietszche e Heidegger, com a qual não estamos de acordo, mas não deixa de ressaltar a importância de ambos, o primeiro por ter feito uma ruptura com o iluminismo, e o segundo (ainda que não diga diretamente) que a “nova perspectiva” (qual a do iluminismo??) superava a “tradição do dogma” (pg. 89).
Diz o autor que “o pós-modernismo tem sido associado não apenas com o fim da aceitação de fundamentos como o ´fim da história’” (pg. 60) o que é verdade, mas deve-se fazer uma breve distinção entre pós-modernidade e pos-modernismo, o primeiro é o fenômeno o qual desde de Nietszche é apontando, mas desenvolvido com Husserl, Heidegger e Gadamer, já o segundo é a ideia que a próprio fenômeno já seja uma nova etapa da humanidade.
Chama ao exercício de tentar aproximar a questão da consciência história (nome que considero mais correto para a historicidade, veja-se Verdade e Método de Gadamer) de “futurologia” e vai chamar de “desencaixe” esta ideia que após mapear o passado possa se pressupor “uma orientação futura deste tipo” (pag. 61), então retoma a “elucidação do pensamento moderno”, mas não deixa de fazer o discurso convencional; “este processo como um processo de globalização, um termo que deve ter uma posição-chave no léxico das ciências sociais” (p. 62), o que não deixa de ser um discurso que faz um “desencaixe” com a tradição, para usar o argumento do próprio autor, deve-se rever o iluminismo sem apelar para ele.
O discurso e aqui encontramos contradições no seu modelo de confiança, a “apropriação reflexiva do conhecimento” que tenta negar o progresso do período iluminista ao afirmar: “deslocado a vida social da fixidez da tradição”, o que chama de “fixas simbólicas e sistemas perigos” que de fato envolvem confiança é colocado num modelo sistêmico, pois a vê como distintas do modelo de “crença baseada em conhecimento indutivo fraco”, o também é uma crença, o problema é justamente coloca-la em diálogo com a tradição para emergir o novo.
Vê o conhecimento com um “poder diferencial” com alguns indivíduos ou grupos mais aptos para adquiri-los, mas o processo de mundialização do conhecimento não é o inverso ?
Estamos de acordo com o poder dos valores e o impacto das consequências não pretendidas, conforme seu conceito que “à vida social transcende as intenções daqueles que o aplicam para fins transformativos”, não seria justamente isto a questão da consciência histórica ?
Sua hermenêutica dupla, que a vê como “a circulação do conhecimento social” que deve ser aplicado “reflexivamente” alteraria as circunstâncias originais, é puro romantismo.
Vai fazer alusões ao sua categoria-chave que é a globalização, com alguns enfoques diferentes de outros autores, mas dentro da visão fechado dos que seguem o modelo de sistema, não por acaso começa com considerações sobre McLuhann.
sem considerar o paradoxo do neo-positivista Kurt Gödel que afirmava que o sistema já tem suas contradições internas e só pode ser provado como verdadeiro por uma asserção externa, no caso da pós-modernidade que já é a externa, devemos dialogar com a tradição para que seus conceitos-chave: liberalismo, capitalismo, estado, lógica, legalidade, entre muitos outros, sejam feitos não apenas em uma dupla hermenêutica, mas numa hermenêutica aberta onde os pré-conceitos de qualquer hermenêutica “fechada” possa ser superada.
O vazio e a transfiguração: espiritual ou existencial
A transcendência de Kant e de todo idealismo não é senão a negação existencial do objeto, ou diríamos no raciocínio de Husserl o objeto-no-mundo, sua mundialidade, mas o que acontece nessa variação entre minha percepção e o mundo ?
Segundo Husserl, os objetos do mundo se apresentam sob vá-rias perspectivas (Abschattungen), assim uma cadeira diante de mim pode ser apreendida sob diversas variações de perfil (Abschattung).
Para apreender conforme a epoché, o objeto deve ser submetido às diversas variações possíveis de perfil no intuito de se apreender a essência desse mesmo objeto, isto é, aquilo que permanece inalterado no mesmo, e isto é sua redução fenomenológica (epoché) ou um depurar do fenômeno a fim de se alcançar o objeto com total evidência, a essência do fenômeno, ou seja seu eidos (de onde veio a ideia moderna), mas esta variação é objetiva e subjetiva ao mesmo tempo, a isto chamou de variação “eidética”.
Chegamos então a epoché, o fazer um vazio completo usando a redução transcendental, onde mergulhamos num estado que pode parecer uma perda da consciência do mundo real, mas ao contrário de tornar o fenômeno mais problemática, ao re-apresentar o fenômeno de maneira transcendente, ele é mais consciente, mais evidente.
Na passagem bíblica da transfiguração, onde Jesus aparece “transfigurado”, os apóstolos queriam ficar ali pois o mundo “eidético” (ao lado apresentamos o belo quadro de Giovanni Bellini que representa a figura, vemos a Trindade tendo Jesus ao centro e duas figuras mais velhas ao lado, porque a razão idealista é incapaz de tornar-se verdadeiramente eidética, isto é, ver a mesma pessoa em três perfis, e mais grave, uma humana, uma sumamente divina e feliz a terceira não é nem uma pomba nem um fogo, mas outra figura humana, o renascentista Bellini não era ainda um idealista (veja ao fundo um camponês em sua vida normal), mas ainda havia nele o dualismo céu e terra, os apóstolos queriam permanecer ali, mas Jesus quer descer do monte Tabor e volta a terra:
O evangelho de Mateus diz que Pedro pensava tratarem-se de três pessoas bíblicas, ao afirmar: “Pedro tomou a palavra e disse: ‘Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias. Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra … saiu uma voz que dizia: Este é meu filho amado … “, humano e transcendente, precisaram de concílios para estabelecerem a natureza divina e humana de Jesus, mas a Trindade é ainda `oculta´ para os que apenas só divinizam ou humanizam Deus, os sujeitos e objetos, então o “mundo relacional” continua complicado, eis a crise cultural e espiritual do mundo moderno, mas relação com o objetivo e subjetivo.
O vazio e a epoché em Husserl
Se há alguma semelhança entre a epoché husserliana e a dúvida metódica de Descartes, é simples aparência, pois o epoché (colocar entre parêntesis) serviu para Husserl adentrar ao âmago das aparições das coisas à consciência.
Assim esta suposta semelhança entre os dois filósofos não autoriza quer dizer que a epoché, ao pôr o mundo de lado, ponha em dúvida a existência das coisas, e esta dúvida conduzirá o idealismo, com a Crítica da Razão “Pura”de Kant e outros que virão depois um dualismo entre o mundo objetivo e o subjetivo.
Com a epoché de Husserl não se pretende propriamente duvidar da existência do mundo e de seus objetos, nem muito menos ainda rejeitar a intuição que temos de conhece-lo, reduzindo a consciência a alguma espécie de transcendência.
O mundo ancorar-se-á apenas sob o aspecto como se apresenta na consciência “reduzido à consciência”, como já defendemos aqui, o método fenomenológico de Husserl promove uma revisão no cogito cartesiano.
O método husserliano da redução fenomenológica traz consigo ainda outras noções que devem ser aqui apresentadas: o transcendente e o transcendental, sendo o transcendente, a consciência como a vê Husserl, é a percepção cotidiana e habitual que temos das coisas do mundo, não uma cadeira mas esta cadeira, esta árvore, este livro, assim o transcendental “é a percepção que a consciência tem de si mesma” (ABBAGNANO, 2000, p. 973).
Pode-se então dizer que “o transcendente é o mundo exterior” enquanto o transcendental “é o mundo interior” da consciência (HUSSERL, 2008, p. 18), foi assim que redefiniu as noções de noema e noese, pois existiam na antiguidade.
Este vazio para apreender o objeto, uma vez que acontece na ‘consciência pura’ ou ‘transcendental’, são as vivências perdem inteiramente o seu caráter psicológico e existencial para conservarem apenas a relação pura do sujeito plenamente purificado ao objeto enquanto consciente, e isto é o desocultar, o conhecer.
Há uma distinção entre o objeto percebido e o noema: “o noema é distinto do próprio objeto, que é a coisa; p. ex., o objeto da percepção da árvore é a árvore, mas o noema dessa percepção é o complexo dos predicados e dos modos de ser dados pela experiência.” (ABBAGNANO, 2000, p. 724).
Em que medida esta experiência pode ser “transcendental” é a questão final.
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre; EDIPUCRS, 2008.
Aspectos da fenomenologia
Tanto as ciências chamadas “puras” como outras ciências experimentais, partem dos dados empíricos ou hipóteses “práticas” para daí desenvolver seus postulados, Husserl advertia que a instabilidade dos dados empíricos assim como boa parte dos postulados teóricos não fornecem o rigor necessário no que concerne à investigação filosófica.
Nos aspectos essenciais a ciência positivista ou estringe seu campo de análise ao experimental, ou considera como “fenômeno” regiões que estão veladas por algum rigor metodológico limitando uma análise geral mais compreensiva e não explicativa de determinados fenômenos.
O que Husserl entendia por “análise compreensiva” é aquela que se referência a consciência e esta por sua vez está fundada em vivências (Erlebnis) do mundo se dão na e pela consciência, de onde vez seu postulado “toda consciência é consciência de algo”.
É nesta perspectiva que Husserl toma de seu mestre Franz Brentano sua categoria mais essencial a intencionalidade, assim a intenção é uma característica geral desta consciência.
Eis o primeiro ponto na análise do fenômeno, então diferente do cogito cartesiano que ganha um significado novo a partir da intencionalidade (a consciência de algo) que ao contrário de ser “clara e distinta” como queria Descartes, é dirigida (tem intenção) de algo.
Além da intencionalidade Husserl considera a intuição e a evidência apodítica, sendo a intenção de um objeto (o exemplo é um livro sobre a mesa), havendo o “conteúdo significativo” (Bedeutungsintention) de algo, então “significamos intencionalmente” (meinen) algum objeto, sem considerar ainda a sua presença,
A intuição é então o preenchimento duma intenção, então pode considerar a “evidência” é a consciência da intenção, portanto é intuitiva, mas na medida que existe uma “consciência do fenômeno”, e neste sentido é apodítica, ou seja, é evidente por si, não há necessidade de provas.
Um último aspecto é o hylé, a “matéria subjetiva” que compõe uma percepção qualquer, embora hajam os “dados hiléticos” que seriam “dados constituídos pelos conteúdos sensíveis, que compreendem, além das sensações denominadas externas, também os sentimentos, impulsos, etc.” (dicionário ABBAGNANO, 2000, p. 499) . não são apenas a “matéria” sobre a qual a consciência se dá, e não são empíricos.
Aparece então o epoché husserliano, que é o colocar em parêntesis, exploraremos depois.
A importância da fenomenologia
A importância da fenomenologia de Husserl, é que realizou de uma só vez a crítica ao psicologismo, através de seu posto mais avançado de seu mestre Franz Brentano, ao relativismo característico de nosso tempo e da modernidade e ao historicismo, em um trabalho pouco conhecido de J.F. Lyotard) ele frisou: “a esperança cartesiana de uma Mathesis universalis renasce em Husserl” (1957, p. 6), ainda que Lyotard mais tarde o critique.
O tema da epoché não é retornar a um retorno ao tema clássico da antiguidade, mas aquilo que chamou de “tese de um pressuposto: o homem está mergulhado em uma espécie de ´tese geral, isto é, uma compreensão implícita do mundo; o mundo é então essencialmente familiar ao homem, e, é dentro desta naturalidade que pretende-se dizer o que é conhecer o real:
“Eu tenho consciência de um mundo que se estende sem fim no espaço, que tem um desenvolvimento sem fim no tempo … descubro [o mundo] por uma intuição imediata, tenho experiência dele.” (1991, p. 37)
Ele entende por atitude natural, aquela que não cessa “de realizar o mundo como ontologicamente válido … Minha vida em todos os seus atos é de parte a parte orientada ao ente que pertence a tal mundo, … são interesses por coisas do mundo, realizando-se em atos que concernem a essas coisas, enquanto elas são correlato de minha intenção.” (1989, p. 519).
Então é sobre esse “ser no mundo” (Husserl foi aluno de Heidegger e sua expressão é anterior), é um Selbstverständlichkeit, e isto não pode ser posto em dúvida, então como se realiza seu epoché ? é tornar-se cético e como isto como a abstenção ante a inconstância no “espetáculo do mundo”, ou o que Husserl definiu como “distância em relação às validações naturais ingênuas” (Husserl, 1989, 154), mas esclarece que não é a “crítica ao conhecimento”.
A consciência do meio natural como uma “realidade existente” (daseiende: talvez daí Heidegger tirou seu dasein), mas ele questiona a duração dessa atitude: “É algo que persiste tanto quanto dura a atitude, isto é, tanto quanto a vida da consciência vigilante segue seu curso natural” (Husserl, 1991, p. 96).
O importante e isto está em seu opúsculo Meditações Cartesianas, não se trata de estabelecer uma “dúvida universal” pois não põe o ser em dúvida, mas somente os seus atributos, assim assume tensões universalistas, e agora é a fenomenologia que pode, com propriedade, ser concebida como transcendental, uma vez que permite por epoché uma “alteração total da atitude natural da vida” (Husserl, 1989, p. 168), colocando em cheque a objetividade como tal.
A epoché é então “uma certa suspensão do ulgamento que se compõe com uma persuasão da verdade que permanece inabalada” (Husserl, 1991, p. 100)
Ao operarmos esta epoché original, já o estudo de Lyotard sobre fenomenologia me 1956 também apontava isto, mostra a insuficiência que o procedimento radical de Descartes como dúvida tinha limitações, dito por Husserl assim:
“sendo dado que toda tese ou todo julgamento pode ser modificado com plena liberdade, e que todo objeto sobre o qual refere-se o julgamento pode ser posto entre parênteses, não permaneceria margem para julgamentos não modificados, ainda menos para uma ciência.” (Husserl, 1989, p. 102).
HUSSERL, E. La crise des sciences européennes et la phénoménologie transcedentale. Trad. G. Grande. Paris: Gallimard, 1989.
HUSSERL, E. Idées directrices pour une phénoménologie. Trad. Paul Ricoeur. Paris> Gallimard, 1991.
O que falta na 4ª. Revolução industrial
Li o livro do criador do Fórum Mundial de Economia, Klaus Schwab, é impressionante o cenário que descreve, passando pelo mundo digital chama o sistema de contabilidade de dinheiro digital, o blockchain, de “livro-caixa distribuído” (mal traduzido como livro-razão), afirmando que “cria confiança, permitindo que pessoas que não conheçam (e, portanto, não têm nenhuma base subjacente de confiança), colaborem sem ter de passar por uma autoridade central neutra – ou seja, um depositário ou livro contábil central.” (Schwab, 2016, p. 27), indo da categoria física ao mundo biológico, mas talvez falte algo: uma “alma” para isto tudo.
Os céticos e fundamentalistas vão continuar a bradar: injusto! poder da tecnociência ! uma autêntica desumanização ! sim pode ser, mas simplesmente protestar ou torcer o nariz não vai fazer o avanço rápido e vertiginoso da tecnologia recuar, nem mesmo o apelo ecológico, mais tecnologia é muitas vezes mais ecologia, vejam os LEDs, a energia solar e o controle agora possível por dispositivos sensores em plantas, florestas e até mesmo micro-organismos.
Talvez um problema que mereça questionamento sério é a desigualdade, mas Schwab não fugiu do assunto, ao explicar nas páginas 94 e 95 a emergência de” ecossistemas orientados para a inovação, oferecendo novas ideias, modelos de negócios, produtos e ser viços, e não aquelas pessoas que podem apenas oferecer trabalho menos qualificados ou capital comum” (Schwab, 2016, p. 94), e conclui “o mundo atual é muito desigual” (p. 95).
O fenômeno da desigualdade é sem dúvida o mais preocupante, mesmo em países que pode- se pensar menos desiguais, o índice Gini por exemplo na China, aponta o autor, subiu de 30 na década de 1980 para 45 em 2010.
Aponta mais ainda que os níveis de desigualdade: “aumentam a segregação e reduzem os resultados educacionais de crianças e jovens adultos.” (idem, p. 95), isto mudou por exemplo o padrão da chamada “classe média”, que nos EUA e Reino Unido tem o preço de “um bem de luxo”, afirma o autor.
Ao contrário do que se possa pensar, o Global Risks Report do Fórum Mundial de 2016, fala de “des-empoderamento” do cidadão, embora haja campanhas como “get-out-the-vote” (sai para votar), já que em muitos países o voto não é obrigatório, mas os conteúdos que nós consumimos online são miseráveis, carecem de verdade e de fatos, e eles influenciam.
Não falta ao autor os conceitos de identidade, moralidade e ética, expressos no capítulo da página 100, fala da OpenAI, iniciativa presidida por Sam Altman, presidente da Y Cominator e Elon Musk e CEO da revolucionária Tesla Motors, que acredita que a melhor maneira de desenvolver a AI é torna-la gratuita para todos e fazer que ela seja emponderada para melhorar os seres humanos, mas seu programa é abstrato e pouco realístico, ainda que o apresente no quadro H o limite ético.
È preciso descobrir nas fissuras do avanço tecnológico aspectos de desenvolvimento da sensibilidade humana, do apreço pelo Outro, onde ambientes colaborativos e de coworking favorecem isto, mas o que se ouve é ainda uma gritaria fundamentalista contra a tecnologia.
Diferendos, diálogos e tesouro
Encontrar tesouros e insights em nossas vidas é algo raro, diríamos quase impossíveis, mas com olhos atentos e a mente totalmente limpa é possível que alguém o encontre, e conforme diz a passagem Bíblica, vende tudo o que tem para comprar um tesouro (Mateus 13,44), mas onde está o tesouro, estamos em disputas ou está disponível a todos.
Devemos lembrar de outras passagens ainda que Jesus vai de encontro aos fariseus, não se trata de uma disputa apenas, mas de encontrar seus “diferendos” aqueles que na verdade deveriam estar mais próximos, pois eram os religiosos da época, mas na verdade encontravam-se distantes.
Sim é possível estar apenas apegado a uma “disputa”, assim como torcedores de certames esportivos nos quais a polarização é necessária, mas não se trata aqui disto, mas sim um tesouro disponível a todos, e isto depende de entender de fato que tesouro está se falando, não apenas nosso bem mas o de todos, sem exceção.
Ir ao encontro daqueles que poderiam representar os “piores inimigos” é uma atitude proativa com os diferendos, além de sabedoria pois ali estão o principal polo de conflito, é também um caminho para esclarecimentos que podem levar ao encontro de descobertas e de verdadeiros tesouros, mas a “disputa” diríamos como rivais em esportes onde apenas um ganha é pura ignorância, pois não se trata da vitória de apenas um como é no esporte, mas do esclarecimento a partir da Palavra, ou da frase como queria Lyotard.
Explorando o que chama de viragem linguageira, uma expressão irônica com a viragem linguística, um das três grandes viragens de nosso tempo, as outras duas são a viragem ontológica e a revanche do sagrado, como chamam algum autores.
Quem encontra um tesouro, ao contrário da acumulação de riquezas comum em nosso tempo, deve pensar que a verdadeira riqueza está disponível a todos e não só “aos eleitos”, é para ser oferecida a todos.
Pós-modernidade e ontologia
A possível conclusão do Lyotard da Condição Pós-moderna (1979) é que a pragmática das regras que governam o jogo de linguagem da ciência redefiniu os seus objetivos, métodos e suas funções (Lyotard, 1979, pags. 47 e 104), onde parceiros sociais são chamados a participar diretamente das metarregras que ordem a vida social, profissional e privada.
Entretanto desde as primeiras páginas de seu livro Le différend (1983) tomou uma posição muito mais radical que a inspiração anterior, reconhecendo os méritos da libertação das práticas e gramáticas “diferentes” (este é o tema central do novo Lyotard), as práticas linguísticas do idealismo: platônico, logicista, especulativo e mesmo o hermenêutico (Gadamer também redefiniu este último), considerou o risco do “sujeito antropomórfico” que transcendental que se pretendeu dono e usuário da linguagem.
O sujeito não é o “usuário virtual” o destinador da linguagem, ele deve ser definido em três outras instâncias: destinatário, sentido e referência; existe um “acontecer” e um “apresentar”.
O que dá este poder de abertura da linguagem é a frase, “poder de abertura e de fechamento do universo”, instância temporal doadora do Ser, acontecimento ontológico que apresenta um universo surgido do silêncio e do Nada que separa cada frase de qualquer outra frase.
A linguagem opera uma “retirada” que reduz o ser singular e contingente apresentado pela frase a um estado ôntico dominado por encadeamentos “quase necessários” que encobrem o Nada e o silêncio consubstanciais a cada frase.
Assim “destinador, destinatário, sentido e referência” são as instâncias que constituem o universo aberto, por uma frase, as instâncias que toa frase apresenta no momento de sua ocorrência, no momento de seu acontecimento imprevisível e contingente.
Há diversas referências do dito acima, como a função de destinador de Lyotard no cap. 1, páginas 30 e 31, e também notas sobre Frege no Capítulo 2, em especial a nota 3.
Não é tão simples, mas há nesta obra uma passagem do “pragmático” ao “ontológico”.
Lyotard, J. La Condition postmoderne. Paris: Minuit, 1979.
Lyotard, J. Le différend, Paris: Minuit, 1983.
Pós-modernidade e política
As ligações de Jean-François Lyotard (1924-1998) com a análise da pós-modernidade é imediata, mas menos imediatas são as manifestações de 1968 nos EUA e Europa, o próprio Lyotard foi militante do grupo “Socialismo ou Barbárie” na França, e menos imediata ainda são as rupturas com o modelo idealista dos filósofos Nietzsche, Schopenhauer e Kierkgaard a mais de um século atrás.
Em 1979 Lyotard lançou o clássico livro: “A condição pós-moderna”, onde já propunha a crise política, chamando-a de sofista no sentido que reformula o problema da democracia da seguinte forma: a política do discurso a moda dos sofistas fundada na opinião democrática, e política de dimensão universalista de Kant, consagrada no modelo de Estado hegeliano e no contrato social.
O ponto de discórdia com Habermas é que Lyotard considera insatisfatória e frágil a articulação entre o que é de direto e de fato, a articulação que a torna por um lado abstrata demais e, por outro, factual demais, nem o consenso do contrato que é frágil, e nem aquilo que poderia se considerar a praticidade dos “fatos” com utopia ausente.
Digo assim por Lyotard: “O consenso tornou-se um valor ultrapassado, e suspeito. A justiça, porém não o é. É preciso, pois, chegar a uma ideia e a uma pratica de justiça que não estejam ligadas à do consenso.” (Lyotard, 1979, p. 106)
Mas a crítica de Lyotard não para aí, funda-a num jogo de linguagem chamado de dupla analogia, entre o “prático-político” e outro “cognitivo” da ciência que seria “de fato”.
Assim a primeira parte funda-se em fazer uma crítica ao critério sistêmico de comunicação proposto por Luhmann, mas não deixa de fazer referências as teorias da relatividade e quântica, os “sistemas abertos”, as teorias das catástrofes e do caos, entre outras.
A segunda parte da solução lyotardiana vem da legitimação de um caminho do direito, visando criticar os fundamentos metodológicos da teoria do consenso, vindas de Bachelard, Kuhn, Feyerabend e Serres, que são tentativas de revitalização do caminho “científico” de trabalhar os fatos tendo como consequência dois tipos de pragmatismos complementares.
Ainda que discorde da pragmática, aquilo que chama de “a legitimação pela paralogia” que é a participação de “comunidades sociais”, há o equívoco entre combinar a ciência e a política, há um aspecto positivo de fazer a crítica no qual o poder do Ocidente não pode se considerar superior ao jogo de linguagem narrativo, que encontramos nas culturas primitivas, uma vez que uma metanarrativa que foi emprestada desde Platão à filosofia (Lyotard, 1979, p. 51).
O universo do discurso pós-verdade é portanto uma paralogia, inventado pela razão cínica dos tempos atuais, não há senão aquilo que Lyotard chama em outro livro Le différend, os diferendos, que são os diferentes em uma lógica de conflito, com discursos feitos em diferentes lógicas.
Lyotard, J.F. Le Condition postmoderne. Paris: Minuit, 1979.
Metáfora, parábola e tragédia
Em tempos de crise cultura e de valores, a coisa mais comum é o julgamento apressado sobre certo comportamento ou pessoa, mas nem tudo que parecer ser é o mesmo, é o caso, por exemplo, de combate a um preconceito que cai em outro tipo de julgamento.
Ao se determinar que determinada forma de comportamento ou relacionamento é mais politicamente correto, pode-se eliminar o convencional ou o tradicional, na história da humanidade sempre o relacionamento entre tradição e as novas “modas” populares sempre foi importante, é por este discernimento que não caímos em puro modismo ou em desastres.
Vivemos ainda os efeitos de um pós-guerra mundial, e de muitas guerras com foco religioso, cultural e aos poucos retornam também as ideológicas, de fato é uma crise de modelos.
Realiza-se hoje o que estava escrito nos tempos bíblicos sobre a profecia de “:Havereis de ouvir, sem nada entender. Havereis de olhar, sem nada ver. 15Porque o coração deste povo se tornou insensível”, que é citado pelo evangelista Mateus 13,14-15, ao explicar por que Jesus falava em parábolas, mas qual a insensibilidade de hoje, é olhar o Outro sem preconceito, permitir que a diversidade possa estar presente na sociedade e respeitá-la.
Não se trata apenas pelo fato que temos problemas de imigração, mas que o mundo pelas TVs e pela Web se vê e tomamos contato com todo tipo de cultura e religiosidade do planeta, mas o respeito que devemos ter por todos ainda é diminuto, então só se pode falar em metáforas.
O livro de Paul Ricouer a metáfora viva parte da leitura da Poética de Aristóteles, livro que restou apenas uma parte do original, para dizer que sua construção é a base da literatura ocidental, onde podemos destacar a mímesis, o mito e a catarse como base, e como forma a tragédia, a catarse e a mímesis, talvez esta última a mais desconhecida.
Tanto nas tragédias de Sófocles, como nas epopéias de Homero, as artes miméticas se aproximam, a considerar que ambas representam seres superiores aos comuns. Aristófanes, autor de comédias, também imita pessoas agindo, fazendo o drama, podemos dizer assim que as parábolas bíblicas são também mímesis em trechos como: “o semeador saiu a semear”, “o administrador confiou os talentos a seus empregados”, e muitos outros.
Tanto como a parábola, e algumas formas de metáforas, a tragédia se identifica com a mímesis de qualidade superior à comédia assim pensava Aristóteles e mais tarde Nietszche, e tem como objeto, ações de caráter elevado (modelo ético); como meio, linguagem ornamentada; como modo o diálogo e o espetáculo cênico; e inclui a catarse.
A tragédia de nossos dias, pode-se dizer é a incompreensão da tragédia como parte da mudança e da solução, apenas revoltar-se ou indignar-se não resolve, apenas paralisa.
RICOEUR, Paul. A metáfora viva. Trad. Dion Davi Macedo.São Paulo; Loyola, 2000.