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Por uma filosofia do olhar
Ela já existe, até procurei as raízes e não encontrei e é aí que está o problema, dialogar com o que está presente na cultura, na filosofia e na arte sobre o que é o olhar e como é possível a partir daí desenvolvê-la de modo a dialogar com a cultura contemporânea.
Por exemplo, uma boa leitura de Schiller já citamos esta semana a sua “Educação estética do homem”, na arte não citei Gustav Klimt de propósito, ele tem elementos do simbolismo e toda literatura da arte reconhece, mas sua “arte nouveaux” traz algo de novo (foto sua obra o abraço).
Edgar Morin ao analisar “Cultura de massas do século XX” enfatiza os múltiplos sentidos do homem moderno:”a linguagem adaptada a esse anthropos é a audiovisual, linguagem de quatro instrumentos: imagem, som musical, palavra, escrita. Linguagem tanto mais acessível na medida em que é o envolvimento politônico de todas as linguagens” (pag. 45) e assim este olhar tanto pode se dispersar com se integrar dando a esta nova linguagem um olhar novo.
Ela não é mais específica de uma única mídia (som, imagem e objetos existem como arte desde sempre), para Morin isto é “do jogo que sobre o tecido da vida prática” (idem) e este simbolismo em Klimt é de fato uma visão integrada, mas não é específico dele, vejo-o também em Kandinsky suas obras parecem ter também música e poesia, mesmo sendo apenas quadros.
No cinema o diretor japonês Akira Kurosawa num dos quadros do filme Viver, faz a integração de pintura e cinema ao dar movimento aos quadros de Van Gogh, assim mais do que multimídia este movimentos artísticos podem ser chamados de transmídias, pelo fato de integrar aspectos da arte.
Isto reeduca e estimula o olhar, porém há o aspecto da possibilidade de dispersar o olhar, porém nada fazer mais isto do que as monomídias horizontais modernas e os “mídias” sociais não estão fora disto, assim a reeducação do olhar passa pelo estímulo de outros sentidos e do espiritual que não é aquele idealista (ver post anterior) que estão separados.
Assim apesar de ser um simbolista é justo pensar Klimt como integrante da “arte nouveaux”, já que ele ajudou a criar o Movimento de Secessão em Viena, cujo objetivo era romper as tradições conservadoras que se enraizaram na história e criar uma visão internacionalista e abrangente de gêneros artísticos contemporâneos e atemporais.
A integração em novas mídias desta visão é a apresentação no histórico Atelie des Lumiéres, em Paris de uma animação transmidiática de Vang Gogh (foto), que inaugurou uma série em 2018 justamente com a obra de Gustav Klimt também animada.
Por isto não é uma síntese de contrários, mas a fusão de horizontes artísticos em movimento, a crise atual é a visão dualista de mundo, da arte e dos valores que são atemporais.
MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX. trad. Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. edição. Rio de Janeiro, Forense, 1997.
O que é belo para o idealismo
Contradizemos no post anterior a visão de visão e de belo do sentido idealista, mas o próprio Schiller é descendente desta visão, ainda que tenha tentado reconstruir “a unidade da natureza humana”, nisto ele tem razão, pensou em reconstruir no modo idealista moderno.
Para Hegel a estética, e por conseguinte o Belo, é a ciência que se ocupa do belo artístico e não o belo natural, para ele o belo natural é produto do espírito (Geist), e, por ser produto do espírito, é partícipe da verdade e do que existe na natureza, veja que o espírito assim como a “transcendência” idealista é ligada a natureza e ao humano, é distante do espiritual místico.
Para um revolução interna ao idealismo, três correntes da arte estão imersas nele: o simbolismo, o classicismo e o romantismo, para muitos autores modernos, cito Byung Chul Han, permaneceu a cultura do liso, do plano e do “transparente” (vidros, plásticos, etc.).
Esta pseudo-revolução que se deu no interior da arte idealista é chamada de autossuperação, uma espécie do que foi chamado no idealismo alemão de novos hegelianos, porém faz uma divisão ainda mais profunda na arte: a pintura, a música e a poesia.
A escultura é considerada uma arte “nobre”, afirma Hegel: “A escultura introduz o próprio Deus na objetividade do mundo exterior; graças a ela, a individualidade manifesta-se exteriormente pelo seu lado espiritual” (Hegel, 1996, p. 113), novamente o exterior é objetivo, uma escultura e não um Ser, o outro e com ele toda sua subjetividade.
Já o simbolismo foi a que “procura realizar a união entre a significação interna e a forma exterior, que a arte clássica realizou essa união na representação da individualidade substancial que se dirige à nossa sensibilidade, e que a arte romântica, espiritual por essência, a ultrapassou” (Hegel, 1996, p. 340).
Ao ver as consequências deste pensamento “romântico” Hans-Georg Gadamer vai criticar a visão romântica de consciência de Dilthey, com graves consequências no historicismo moderno quase todo ele idealista e distante da realidade, assim trata-se de criar o modelo “ideal” para a consciência e para o belo e não o transformar como pensam fazê-lo os idealistas.
A arte nouveau, principalmente de Antoni Gaudí (na foto a Casa Batlló, em Barcelona) considero a expressão mais fiel porque recupera os elementos naturais (luz, cor, ar e natureza) sem “afetações” e resquícios do simbolismo e do romantismo, como por exemplo, presente no “Style Tiffany” nos Estados Unidos ou o “Style Glasgow” no Reino Unido que tem elementos, ao meu ver, do simbolismo, embora também chamada de “art nouveau”.
Retomando o post anterior há uma confusão visão de ética porque está separada da estética.
As bibliotecas e as guerras
Na década de 50, logo depois da Segunda guerra Mundial, a revista brasileira de documentação traduziu e publicou um artigo de Carl Hastings Milan sobre as Guerras e as perdas de documentos e de bibliotecas.
Ele havia sido diretor da Biblioteca Pública de Birmingham, onde abriu o primeiro ramo de serviços para autores e leitores afro-americanos, o artigo está disponível online e mostra uma face da guerra para as bibliotecas em alusão ao post anterior que fizemos neste blog.
As transcrições para o português foram feitas por Sylvio do Valle Amaral e o artigo original é logo em sequência da guerra em setembro de 1944, publicado no The Annals of The American Academy of Political and Social Science da Filadelfia.
O artigo começa indicando a interrupção e descontinuidade de revistas e publicações em períodos de guerra, além da perda material e a falta de intercâmbio de muitos documentos.
O autor enfatiza esta perda onde: “os editores e livreiros de Londres perderam milhões de volumes, em 1940-41. Várias famosas bibliotecas britânicas de erudição e dezenas das públicas, foram danificadas ou destruídas. Diversos países europeus, a Rússia, a China, além das Filipinas, sofreram ou estão agora experimentando destino semelhante, porém, o mais triste está para vir” (MILAN, 1950, p. 50).
Antecipadamente muitas obras foram tiradas ou escondidas das bibliotecas alemãs, mas a destruição e os saques representam um ataque cultural segundo o autor “infamante” que foi creditado a Hitler, é importante olhar isto para a história para que ela não se repita agora.
Entre as denúncias do autor está que também na derrota: “Os jornais, recentemente, noticiaram a queima de livros em Nápoles, antes da retirada do exército nazista” (idem, p. 50), e assim uma parte da história é apagada, independente do que aqueles documentos representam, eles são importante testemunho cultural de um tempo, que por ser ultrapassado está sujeito a crítica, mas não há o direito de apagá-lo, são documentos culturais.
Restabelece o papel das bibliotecas, agora também em crise em função de uma visão deformada da tecnologia digital que aqui também postamos, porém diz o autor para aquela época: “Básica ao restabelecimento da atividade intelectual em todo o universo, é a reorganização das bibliotecas” e ignorar isto é um crime contra a preservação cultural e da memória dos povos.
Depois de enfatizar a cooperação e apoio às bibliotecas da américa latina e de outros, países discorre sobre a formação de bibliotecários:
“A despeito de comum reconhecimento,- nos Estados Unidos e no exterior, das imperfeições de nossos métodos no preparo de rapazes e moças para o trabalho nas bibliotecas, número surpreendentemente grande de estudantes do exterior vem a êste país em épocas normais a fim de obter o que as-escolas dessa especialidade podem oferece” (MILAN, 1950, p. 53)
MILAN, C. H. As bibliotecas, os intelectuais e a Guerra, trad. Sylvio do Valle Amaral. Rio de Janeiro: REVISTA DO SERVIÇO PÚBLICO, AGOSTO DE 1950.
Guerra e paz
Li um comentário recente sobre Leon Tolstói (1828-1910) que outro escritor russo Ivan Turguêniev afirmou que conhecer e ler Tolstói é melhor que do que se lêssemos centenas de obras de etnografia e de história” para conhecer o caráter e temperamento do povo russo, conservadores como a Alexander Soljenitsin (1918-2008) que chegou a ser considerado seu sucessor, e Vladimir Lenin líder da revolução soviética que o considerava um dos maiores escritores russos.
Muitos de seus livros foram para o cinema, recentemente (2012) Anna Karenina foi reescrito para o cinema, sob a direção de Joe Wright, e concorreu ao Oscar e ganhou o de melhor figurino, porém uma obra prima de Tolstoi é o livro Guerra e Paz.
De Guerra e Paz lembro impressões e algumas frases soltas, e do contexto do livro que fala das guerras czaristas de seu contexto e tempo, porém que é revelador do pensamento russo sobre a guerra, e que não se ignoram os seus flagelos.
O livro trata da vida de 5 famílias aristocráticas, no período que vai de 1805 a 1820, em meio a marcha de tropas napoleônicas e seu impacto brutal sobre a vida de centenas de personagens.
Ali destacam-se figuras como os irmãos Natacha e Nikolai Rostóv, do príncipe Andrei Bolkónski e de Pierre Bezúkhov, filho ilegítivo de um conde cuja busca espiritual serve como uma espécie de fio condutor do romance e transforma-o num personagem complexo e intrigante do século XIX, e cuja busca será um complemento para a paz em meio a guerra.
Uma espécie de refúgio parecido ao da Menina que rouba livros, que neste caso é no contexto da Alemanha nazista e ela vai encontrar nos livros um refúgio para o ambiente sombrio da ascensão do nazismo na Alemanha.
Vejo um traço comum nestes dois livros que é este “refúgio”, algo entre o espiritual e o de leitor, porém ambos conseguem criar num ambiente sufocantemente odioso, lacunas e espaços de paz e de elevação espiritual.
Se a guerra vier, qual será nosso refúgio, em que patamar de vida espiritual e de conhecimento desejamos colocar nossas vidas que estarão em risco, creio que são leituras contemporâneas.
TOLSTÓI, L. Guerra e Paz, trad.Rubens Figueiredo, São Paulo: Cia das Letras, 2017. (Vol 2 pdf)
Povos que resistiram a impérios
O grande império persa se expandiu a partir de Ciro, o Grande, no ano de 558 a.C., e dominou os medos e tomou toda a Mesopotâmia, Ciro respeitava a cultura e costumes dos seus inimigos, mas expandiu até o Egito seu império, e avançou sobre os gregos, mas foi derrotado por Atenas.
Depois de Dario I, Xerxes I e seu filho Artaxerxes também tentaram conquistar a Grécia e não conseguiram, no ano de 332 a.C. Alexandre imperador da Macedônia, o Grande, organizou um exército invencível e acabou tomando a Grécia e acabou vencendo os persas, estabelecendo um novo império, o Macedônico.
A morte de Alexandre por febre tifoide ou malária (a hipótese de envenenamento não é aceita pelos historiadores) a disputa entre generais acabou enfraquecendo o império e iniciou uma decadência.
O período estabelecido entre o ponto inicial da Era Clássica é apontado com o primeiro registro da poesia do grego Homero, nos séculos VII-VIII a.C. e vai se estender até o período de 300 a 600 d.C. que é chamada de Antiguidade Tardia, momento que se inicia a Idade média.
Neste interregno entre o Império Macedónico e o Império Romano/Bizantino se desenvolveu a cultura grega na antiguidade clássica que é profundamente influente até os dias de hoje com a denominada cultura ocidental.
A cultura e língua grega eram para aquele tempo o que hoje é a língua inglesa, grandes desenvolvimentos foram feitos a partir de Sócrates, Platão e Aristóteles, nomes em diversas áreas do conhecimento se destacaram: Hipócrates na medicina, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes no teatro, Apeles na pintura, Fídias na escultura, Arquimedes na matemática, Aristarco, Erastótenes e Hiparco na astronomia, são alguns nomes importantes que influenciam até hoje a nossa cultura.
Esta pequena nação foi grande fundadora de conceitos e pensamentos que chegaram aos nossos dias: o Organon e a Ética de Aristóteles, a Geometria de Euclides e Tales de Mileto e Pitágoras na matemática.
Venceram batalhas unindo as cidades-estado, porém eram um pequeno povo com uma cultura forte e com valores humanísticos que são lembrados até hoje, ainda que possam ser modificados e atualizados.O grande império persa se expandiu a partir de Ciro, o Grande, no ano de 558 a.C., e dominou os medos e tomou toda a Mesopotâmia, Ciro respeitava a cultura e costumes dos seus inimigos, mas expandiu até o Egito seu império, e avançou sobre os gregos, mas foi derrotado por Atenas.
Depois de Dario I, Xerxes I e seu filho Artaxerxes também tentaram conquistar a Grécia e não conseguiram, no ano de 332 a.C. Alexandre imperador da Macedônia, o Grande, organizou um exército invencível e acabou tomando a Grécia e acabou vencendo os persas, estabelecendo um novo império, o Macedônico.
A morte de Alexandre por febre tifoide ou malária (a hipótese de envenenamento não é aceita pelos historiadores) a disputa entre generais acabou enfraquecendo o império e iniciou uma decadência.
O período estabelecido entre o ponto inicial da Era Clássica é apontado com o primeiro registro da poesia do grego Homero, nos séculos VII-VIII a.C. e vai se estender até o período de 300 a 600 d.C. que é chamada de Antiguidade Tardia, momento que se inicia a Idade média.
Neste interregno entre o Império Macedónico e o Império Romano/Bizantino se desenvolveu a cultura grega na antiguidade clássica que é profundamente influente até os dias de hoje com a denominada cultura ocidental.
A cultura e língua grega eram para aquele tempo o que hoje é a língua inglesa, grandes desenvolvimentos foram feitos a partir de Sócrates, Platão e Aristóteles, nomes em diversas áreas do conhecimento se destacaram: Hipócrates na medicina, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes no teatro, Apeles na pintura, Fídias na escultura, Arquimedes na matemática, Aristarco, Erastótenes e Hiparco na astronomia, são alguns nomes importantes que influenciam até hoje a nossa cultura.
Esta pequena nação foi grande fundadora de conceitos e pensamentos que chegaram aos nossos dias: o Organon e a Ética de Aristóteles, a Geometria de Euclides e Tales de Mileto e Pitágoras na matemática.
Venceram batalhas unindo as cidades-estado, porém eram um pequeno povo com uma cultura forte e com valores humanísticos que são lembrados até hoje, ainda que possam ser modificados e atualizados.
A peste, a guerra e a fome
Este circulo vicioso parece perpetuar-se na história, e os dados e provocações recentes da guerra na Europa não apenas assustam, mas causam um medo justificável quando se observa que por todo o mundo há “torcidas” de ambos os lados, e não é jogo, mas um grande genocídio como qualquer outra guerra, porém de proporções maiores porque pode envolver as maiores potencias mundiais.
A geração que assistiu os horrores das duas primeiras guerras já não a tem em mem[oria, contando a partir da data de início, o assassinato do Duque Francisco Ferdinand em 1914, por um nacionalista sérvio e que é considerado o estopim da primeira guerra.
O que a precedeu foi um período da política européia de 871 a 1914 chamada de “Paz Armada”, onde há um acirramento de disputas de mercados, territórios coloniais e uma visão do predom[inio na geopolítica européia, onde se destacava o Império Austro-Hungaro do qual Francisco Feerdinad era herdeiro.
Um documentário sobre como se deu a escalada nazista na Alemanha, pode ser visto num documentário feito pelo History Channel, e veremos um cenário parecido: recentimentos de guerras, crise econômica e não citado no documentário: a gripe Espanhola (1918-1919).
O paralelo com o crescente acirramento entre a OTAN e a Russia na guerra atual da Ucrânia é evidente, e por tanto o temor de uma guerra de proporções civilizatórias deve ser temido, inclusive com a inclusão de separatistas sérvios, aos quais a China é acusada de enviar armas.
O cenário futuro é de uma crise de mercados, em especial, de grãos que vão afetar, em especial, os mais pobres, já é um cenário visível para muitos analistas. Relatórios do índice global da fome mostram que conflitos violentos contribuem de modo decisivo para a fome (foto).
As proporções civilizatórias deve-se número n]ao apenas de armas nucleares, mas de mais de 400 usinas nucleares espalhadas por todo o planeta, o documentário sobre o que pensavam os naziNãostas ajuda a refletir sobre nossos pensamentos sobre “mitos” e “fantasias” populares.
Não há uma força vigorosa que lute pela paz, porém pequenas atitudes como gestos de empatia e amizade podem ajudar a superar o crescente clima de ódio e desamor atuais.
A paz também tem protagonistas
Se a guerra faz seus “heróis”, a paz também faz os seus, três casos foram noticiados na semana passada: o jornalista russo e ganhador do prêmio Nobel da Paz Dmitry Muratov que está leiloando sua medalha em prol dos refugiados ucranianos, o ex-capitão da seleção russa de futebol Igor Demisov, meio campista disse que envio um vídeo ao presidente Vladimir Putin em março pedindo que não continuasse com o conflito e o último e mais tocante foi a libertação da enfermeira Yuliia “Taira” Pavievska (foto1), conhecida como Taira, heroína da Ucrânia em Mariupol onde cuidou também de soldados russos.
Taira havia divulgado um vídeo com imagens dos “horrores” em Mariupol, e trabalhava em condições precárias de remédios e equipamentos, mesmo assim atendia também os russos.
Já o prêmio Nobel Dmitry Muratov, disse que há cada vez menos imprensa independente em seu país, mas que ele observa já um descrédito da população crescente em torno da guerra, Dimitry recebeu o Nobel da Paz junto com a jornalista filipino-americana Maria Ressa (foto 2).
Já o futebolista Igor Demisov (foto 3) disse que temia por sua vida após tornar público seu pedido de paz, declarou “Não sei. Pode ser que me prendam ou me matem por essas palavras, mas digo as coisas como são. Eu até disse a ele: estou disposto a me ajoelhar diante de você”, mesmo se dizendo orgulhoso.
A quarta foto é um quadro de Maria Prymachenko (foto 4), cerca de 25 obras podem estar destruídas no antigo e pequeno museu de Ivankiv, nos arredores de Kiev, ela fazia desenhos, pintava quadros (foto 4) e fazia bordados, Pablo Picasso a considerava “brilhante” depois de ver suas obras em Paris.
A lamentável declaração do ex-presidente da Rússia Dmitry Medvedev, que espera que os Estados Unidos implorem por uma discussão de armas nucleares, e não menos lamentável a declaração da OTAN Jens Stoltenberg, que a guerra será longa, nenhum alento para a paz, nenhuma palavra de esperança ou de diálogo.
Os pacíficos não se cansam de pedir a paz, o apelo a razão e ao diálogo, ainda que tardio.
Não violência e ágape
A história contada até nossos dias é uma história de poder, onde a falta de respeito impera e por isso o amor agápe parece algo altruísta e heróico, e o é, porém é mais que isto é a segurança de uma humanidade mais pacífica, mais segura onde as nações e povos podem expressar sua cultura livremente.
Lembra Byung-Chul Han que a primeira palavra da Ilíada de homem é menin (cólera): “a primeira palavra da Ilíada é menin, a saber cólera, [Z o r n] . ´Cantem, deusas, a cólera de Aquiles, filho de Peleus´, assim começa a primeira narrativa da cultura ocidental” (HAN, 2018, p. 22)
Lembra logo de início que somente o respeito é simétrico (recíproco): “O poder é uma relação assimétrica. Ele se fundamenta numa relação hierárquica. O poder de comunicação não é dialógico. Diferentemente do poder, o respeito não é necessariamente uma relação assimétrica.” (Han , 2018, p. 18), assim somente poderá haver ágape, uma reciprocidade de amor sem interesses e sem condicionamentos, se for aprendido o respeito e o amor sem interesses.
De modo análogo o Ulysses de Joyce começa com “Buck” Mulligan e Stephen Dedalus na torre do Martello (foto) ao amanhecer do dia 16 de junho de 1906, o assunto é Haines o hospede de Mulligan e incômodo para Stephen, discutem nas entrelinhas, isto passa desapercebido para muitos interpretes, a filosofia protestante dos unionistas (os que querem a Irlanda unida a Inglaterra) e os católicos que querem a Irlanda independente, que Stephen se alinha.
Mulligan o chama ironicamente de jesuíta, e está logo no início da parte I: “Elevou o vaso (de barbear) e entoou: – Introibo ad altere dei. Parando, prescrutou a escura escada espiral e chamou asperamente: – Suba, Kinch, Suba, jesuíta execrável” (Joyce, 1983, p. 6)
O filósofo Han começa seu livro sobre o que é a cultura de massas de hoje, a cultura do “shitstorm”, um bullying de massas, ou literalmente: “O respeito está ligado aos nomes. Anonimato e respeito se excluem mutuamente. A comunicação anônima que é fornecida pela mídia digital desconstrói enormemente o respeito. Também o Shitstorm é anonimo” (HAN, 2018, p. 14).
Byung-Chul Han acredita que uma sociedade do futuro é possível a partir desta massificação atual onde ainda a ideia da guerra e do ódio estão presentes, mas se modificarão: “A sociedade do futuro terá que contar com um poder, o poder das massas.” (Han , 2018, p. 25).
Um poder das massas deve ser pacífico e solidário, as guerras são disputas de poderes verticais.
Não se trata de definir uma superestrutura de poder e uma lógica de estado e sim um novo e verdadeiro humanismo agápico, aquele que pode ser definido como o amor divino do “novo mandamento cristão (Jo 13, 33-34): “Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. 34Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”.
HAN, Byung-Chul. No Enxame: perspectivas do digital. São Paulo: Trad. Lucas Machado. Ed, Vozes, 2018.
JOYCE, J. Ulysses. Trad. Antonio Houaiss, Portugal: Difel, 1983. pdf
Uma leitura do Ulysses de Joyce
Pode parecer complicado para um leitor desavisado a leitura de Ulysses de James Joyce, primeiro a sua divisão que pretende ter conexões com o Ulysses de Homero, assim por exemplo a Telemaquia (parte 1, capítulos 1 a 3) tem como foco os personagens (Telêmaco era filho de Ulysses) e Odisséia (parte II, capítulos 4 a 15) é o desenvolvimento da ação que se passa toda ela no dia 16 de junho de 1904, como já postamos depois de uma festa de amigos com Joyce tornou-se o Bloomsday.
Na parte I, são oito horas da manhã na torre Martelo, onde Stephen (filho de Bloom) mora com “Buck” Molligan, um inglês Haines amigo de Mulligan está presente, eles discutem a arte, que é o pano de fundo para posições éticas dos dois: a tensão entre os dois é porque Stephen de uma arte integra e que despreza as concessões (sociais) para o reconhecimento, enquanto Mulligan vê uma arte que cede a pressão social apoiado por Haines que pretende estudar o renascimento na Liteatura Irlandesa e admira o folclore, porém revela-se anti-semita, parte da xenofobia que os Blooms sofrem pela origem do pai Leopold Bloom, que é judeu-húngaro migrado.
Stephen vê em Haines o colonizador uma vez que o unionismo de Irlanda e Inglaterra domina o cenário irlandês conservador do início do século, enquanto Stephen defende a independência embora veja o provincianismo irlandês como pequeno e critica também seu catolicismo.
Proteus (deus dos mares e filho de Oceano na mitologia grega) revela a reflexão de Stephen sobre o visível e o invisível, o mundo objetivo como sinais que exigem interpretação (e contextualização), a transformação de tudo no tempo e no espaço, na própria mente. Desenvolve aqui de modo subliminar os temas da mãe, da mulher e da fertilidade, o Amor Filia.
Em Calipso o romance vai para a rua Eccles, n. 7 onde Leopold Bloom toma seu café da manhã e o prepara para si, para a mulher e para o gato, resolve comer rim de porco e vai ao açougue paa comprar, no caminho vê uma mulher que desperta devaneios, volta para casa recolhe a correspondência e vê uma carta da filha Milly, outra de Blazes Boylan endereçada a Molly.
Blazes havia organizado uma turnê de concertos para Molly e desconfia que a mulher o trai com Blazes, come o rim tostado, vai ao banheiro e fora da casa lê um jornal. Este capítulo prepara uma encarnação e Odisseu, pai espiritual de Stephen, o monólogo interior prevalece, mas agora o devaneio vai para os problemas do sionismo e o erotismo, no todo, é um espaço do Amor Eros.
Bloom lê uma carta endereçada a Henry Flower, seu pseudônimo, o nome remete a florescência ao desejo sexual que aflora (a correspondência direta em Homero é com os lotófagos, o povo que come Lótus (figura) e que são uma região de perigo na Odisséia), enfim revela a tensão moral de Bloom.
No final deste tópico está Molly na cama, refletindo sobre o marido, o encontro com Boylan, o passado, as esperanças, também ela suspeita de uma amante do marido, aspira grande futuro, é interrompida duas vezes pelo apito do trem (uma espécie de tempo passando) e outra por um início de menstruação, pensa no médico, nos filhos Stephen e o falecido, lembra o primeiro sexo feito com Bloom.
Há preocupações éticas e estéticas, especialmente com Stephen no livro, que traça o cenário da Irlanda do início do século, porém há uma ausência de o Amor Ágape, exceto na concepção de arte de Stephen, e esta é a ligação que James Joyce tenta fazer entre o seu Ulysses e o de Homero.
JOYCE, J. Ulysses, Trad. António Houaiss. Portugal: Difel, 1983. (pdf)
A sociedade paliativa ou a ausência da dor
A sociedade paliativa explica Byung Chul Han nada tem a ver com a medicina paliativa, pois explica o filósofo coreano-alemão: “Assim, cada crítica da sociedade tem de levar a cabo uma hermenêutica da dor. Caso se deixe a dor apenas a cargo da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo” (Han, 2021).
Lembra um ditado de Ernest Jünger: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, assim não é possível uma crítica sociedade sem uma hermenêutica da dor, a relação com cada sofrimento não só o produzido pela história, mas aquele que está na particularidade de cada Outro.
“A sociedade da sobrevivência perde inteiramente o sentido para a boa vida. Também o desfrute é sacrificado à saúde elevada a um fim em si mesmo” (Han, 2021, p. 34).
Lembra e cita Agamben na sua visão de homo sacer e via nua: “Sem resistência sujeitamo-nos ao o estado de exceção que reduz a vida à vida nua” (Han, 2021, idem).
Na sociedade paliativa “A arte de sofrer a dor se perdeu inteiramente para nós … A dor é agora, um mal sem sentido, que deve ser combatido com analgésicos. Como mera aflição corporal, ela cai inteiramente fora da ordem simbólica” (Han, 2021, p. 41), os grifos são do autor.
Assim hoje remove-se a dor qualquer possibilidade de expressão, ela está condenada a calar-se, e “a sociedade paliativa não permite avivar, verbalizar a dor em uma paixão” (p. 14), grifo do autor.
HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.
VARGAS, Cecília. Systems of Pain/Networks of Resilience project in one gallery. Curated by Cecilia Vargas, Dickson Center at Waubonsee Community College, June 2018 (foto).