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Serenidade e luz
Somente há luz quando há serenidade, embora o texto de Heidegger não esteja diretamente ligado ao seu conceito de “clareira”, ele está indiretamente ligado, pois pede a reflexão, o puro pensamento, aquele que “medita” e não apenas age.
Heidegger esclarece que: “o enraizamento (die Bodentändigkeit) do Homem actual está ameaçado na sua mais íntima essência. Mais: a perda do enraizamento não é provocada somente por circunstâncias externas e fatalidades do destino, nem é o efeito da negligência e do modo superficial dos Homens. A perda do enraizamento provém do espírito da época no qual todos nós nascemos” (p. 17), é assim portanto a ausência desta clareira.
A dominação por modelos ideais e que “calculam” levam a um compromisso maior com as engrenagens da razão, do que as engrenagens do ser e da dignidade humana, vão além da ética que é profundamente ligada ao “ethos” do modo de ser e do caráter.
Não se trata de um maniqueísmo puro, porque este também levou e leva ao dualismo social e político, mas aquele que exclui o outro, o diferente e esquece de sua dignidade humana, lembramos o discurso de Eduardo Galeano sobre a guerra e o mal que ela encerra (post).
O puro raciocínio da engrenagem calculista leva a cálculos precisos de negócios, gestões de empresas e até mesmo certa lógica educacional, mas esquecem os fundamentos da ética humana: o respeito a vida, a sociabilidade entre todos e o cuidado com o planeta.
O mal é assim visto como ausência de luz, impossibilidade de uma clareira que dignifique e mostre a verdade aos homens, e isto independe de qualquer lógica racional porque está na difusa lógica humana que une desiguais e iguala os diferentes.
Para os cristãos é fundamental lembra o princípio da luz que apaga toda escuridão, como uma pequena vela acesa num breu, a clareira cristã, assim afasta-se do erro e da discórdia (Jo 3,21): “Mas, quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” e não há nada mais divino que a verdade.
Se o enraizamento de Heidegger refere-se a sua perda no “espírito da época”, o enraizamento mais profundo é aquele que vem da origem humana, seja ela antropológica ou ontológica.
O próximo e o negócio
A policrise que envolve a humanidade, na palavra de Edgar Morin que foi também adotada (em outra perspectiva) por Adam Tooze, professor de História da Universidade de Yale.
No livro Terra Pátria o autor já desenhou um quadro de um nacionalismo renascendo, está escrito no prefácio da edição brasileira feito por Juremir Machado da Silva:
“Terra-Pátria, no qual colaborou Anne-Brigitte Kern, é o livro fundamental para o exame do fenómeno nacionalista na atualidade. Tudo está nele: pátria, nação, universalismo, identidade, ecologia, política, comunidade, etc. Os mecanismos para a compreensão da complexa rede social contemporânea são fornecidos com a limpidez costumeira ao texto de Morin” (MORIN, 2003, 14).
Entretanto a história caminhou no sentido contrário, incapaz de dar um passo a frente, agora guerras, utopias antigas e modelos espirituais fundamentalistas (não confundir com a ortodoxia porque é ela o verdadeiro fundamento das religiões e culturas).
A relação social se deteriora, a culpa seria das técnicas, do individualismo ou mesmo de uma onda de possessões demoníacas, entretanto o que acontece é simplesmente uma falta de um modelo autentico de solidariedade e aqui as utopias e culturas religiosas devem ser analisadas.
As utopias porque retroagiram aos modelos do início do século XX, o nacionalismo de Adam Smith e o bolchevismo de Lenin, as culturas religiosas porque se refugiam no fundamentalismo.
Há pouca coisa fora destas perspectivas, mas elas existem, há esperança onde cada pessoa é tratada com dignidade, a empatia é modelo de convivência e a vida como um todo trata o homem como um todo e é possível reintegrá-lo nos padrões de solidariedade e respeito.
A relação com um próximo não é um negócio, nem pode dissolver-se numa “amizade social” que é apenas uma superfície daquilo que é realmente humano, a relação com o Outro.
Não poucos autores escreveram sobre isto, até mesmo Jürgen Habermas abordou o tema, porém se trata da relação efetiva entre duas pessoas e não a relação social genérica ou cultural, que em geral envolvem interesses e relações com as bolhas de pensamento.
A cantora paraense cristã Aymeê viralizou ao cantar a música “Evangelho dos fariseus” que fala da exploração infantil na ilha de Marajó, das queimadas e do fato que o dízimo importa mais que os corações em muitas igrejas que transformaram a mensagem de amor em negócio.
Houve quem a contestasse, porém, a mensagem é bíblica, a mensagem bíblica (Jo 2, 16) em que Jesus diz: “16 E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” e isto dá muito o que pensar, “de graça recebestes, de graça dareis” (Mt 10,8).
MORIN, E. E KERN, A..B. Terra-Pátria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 2003.
Clareira e a iluminação da consciência
Existem diferentes experiências de consciência diferentes do racional, claro elas não estão livres da autossugestão e de certa forma todas são, porque algum nível de permissão damos a uma experiência que extrapola nossos sentidos, a musical é a cultural mais aceita e comum, a espiritual mais rara e sujeita a falácias e manipulações, mas todas tem algum sentido.
A clareira de que Heidegger fala partindo do mito da caverna de Platão não está presa ao nível racional, já que sua ontologia é a de volta ao Ser, e a experiência mais profunda do ser nunca deixará de ter um toque espiritual e cultural, porém esta clareira está ligada fortemente não há uma ideia coletiva, mas ao Ser interior e profundo de cada homem.
Seria possível uma iluminação da consciência de modo coletivo, aquilo que em termos cristãos se chama de “pentecostes”, avivamento, repouso no espírito e outros nomes, sim e não.
Sim é se de fato é uma tomada de consciência que leva a uma elevação humana e espiritual, não se é apenas autossugestão por técnica emocional e sugestão coletiva, é preciso que não haja uma falsificação da verdadeira consciência e não se confunda com fanatismo.
A crescente tensão mundial política, cultural e bélica pode levar a um estado de fanatismo, ódio e stress social jamais imaginado, porém é possível que as mentes fiquem alertas e uma nova visão cultural e espiritual evolua para um caminho diferente, uma espécie de “socorro”.
Walt Whitman foi um poeta, ensaísta e jornalista do século XIX, mal compreendido é hoje lido e reinterpretado por muitos autores, embora ainda pouco compreendido, diz em suas poesias:
“Como num desmaio, um instante, Outro sol inefável me deslumbra,
E todos os orbes conheci, e orbes mais brilhantes desconhecidos,
Um instante da futura terra, terra do céu.”
Tanto pode ser lido no plano social, uma mudança cultural, no plano espiritual (novos céus e nova terra diz a leitura bíblica) como até no plano político.
Os apóstolos de Jesus tiveram este momento propiciado pelo próprio Mestre, sobem ao monte Tabor e lá o veem iluminado com outras duas figuras (diz a leitura: Elias e Moisés, não seria a Trindade) e o êxtase de consciência é tão elevado que os apóstolos Pedro, Tiago e João querem ficar ali.
Foi o iluminismo uma iluminação
Para analisar o iluminismo a luz da filosofia ocidental é preciso ler, claro com um espírito aberto a metafísica ontológica, a partir de Cassirer, sua crítica e análise a partir do apogeu do idealismo no século XVIII, “que se auto intitulou orgulhosamente de ´Século da filosofia’” (CASSIRER, 1992).
Esta filosofia considerava-se que “abriu caminho até aquela ordem mais profunda donde jorra, com o pensamento puro, toda a atividade intelectual do homem, e onde essa atividade deve encontrar seu alicerce, segundo a convicção profunda do iluminismo” (CASSIRER, 1992).
O autor observa que Hegel considerado “o primeiro a enveredar por esse caminho” como filósofo e historiador da filosofia, fez uma esquecida (Cassirer a chama de curiosa) retificação, que diverge do veredicto que “a metafísica do mesmo Hegel proferiu a respeito do Iluminismo” (Cassirer, 1992), reconhecendo seu papel e fazendo uma conciliação com esta (na foto o frontispício da L’Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences).
Tendo como principal influência Kant, Cassirer também sofreu influência de Herman Cohen (grande expoente do neokantismo no início do século 20) e Paul Nartop (um dos fundadores da escola de Marburg) e assim permaneceu preso no idealismo do neokantismo, porém não deixou de haver influencias nos pensamentos de Heidegger, Hans Georg Gadamer e Hartmann.
A questão científica no século XVIII encontrava-se em encontrar “uma fronteira determinada entre o espírito matemático e o espírito filosófico” (Cassirer, 1992, p. 34), começava assim uma dúvida que iria até o princípio do século XX quando David Hilbert numa Conferencia de Matemática anuncia 23 problemas que a matemática deveria resolver para considerar-se completa, entre eles o segundo problema era da consistência dos axiomas da aritmética, ou seja, que a aritmética podia resolver qualquer problema que fosse enumerável.
Foi Kurt Gödel quem demonstrou que este problema da prova finitista da consistência da aritmética é comprovadamente impossível, em seu segundo teorema da Incompletude, o que ficou conhecido como Paradoxo de Gödel, o sistema ou é completo ou finito, nunca os dois.
Para ajudar este desmoronamento do racionalismo cientificista, a física quântica também propôs através de Werner Heisenberg o princípio da incerteza, que anunciava que não se podia afirmar a posição de um átomo ou uma partícula atômica em determinada situação.
O idealismo é uma corrente forte ainda, mesmo nos meios científicos, mas suas bases tanto lógicas, como física e matemáticas já foram desmontadas pela própria ciência, filósofos da Ciência como Karl Popper, Tomas Kuhn e Imre Lakatos já anunciaram novos postulados.
O consenso é que o pensamento humano necessita de uma visão mais ampla, uma cosmovisão que não se limite as chamadas ciências exatas, recupere a importância da linguagem, do estudo do Ser e de uma visão transdisciplinar que libere os limites estreitos de cada área do saber, sem deixar de admitir os mistérios, as crenças e as culturas originárias.
CASSIRER, E. A filosofia do iluminismo. Trad. Álvaro Cabral, Campinas: Editora Unicamp, 1992.
A cura de mentes e corações
É cada vez mais comum o apelo aos bens materiais, ao fecharmos em si e uma falsa ideia sobre o que é a felicidade, almas e corações feridos que buscam a felicidade onde não está, podem ter uma consolação temporária, mas não é gaudio, felicidade equilibrada e paz.
Outro livro de Sêneca bastante fundamental para seu pensamento é da tranquilidade da alma, o homem moderno vive a exterioridade, erroneamente chamada de objetividade ou materialidade, porque as coisas (os entes) são parte de aspectos ontológicos e devem ser pensados e cultivados adequadamente na interioridade, que não é a subjetividade, mas alma.
Disse o filósofo Romano, que postamos ontem sobre a Ira, agora sobre a alma:
“Se o homem tivesse a oportunidade de olhar para dentro de si próprio, como se torturaria, confessaria a verdade e diria: “Tudo que tenho feito até agora, preferia que não tivesse sido feito; quando penso em tudo o que disse, invejo os mudos; tudo o quanto desejei, a maldição de meus inimigos; tudo o que temi. Ó deuses justos! Melhor não tivesse desejado. Fiz muitas inimizades, e o ódio substituiu a amizade (se é que há amizade entre os maus), e nem sou amigo de mim mesmo.
Embora escrito no início da era cristã, o autor Da tranquilidade da alma, reflete a dificuldade que é para o homem comum e também para o sábio manter a sua serenidade, perante um espetáculo de injustiça e de baixeza (vejam como é antigo isto), do qual é testemunha todos os dias, é justamente o contraponto da Ira, do ódio e do confronto.
O texto começa com uma carta imaginária escrita por Sereno (claro é de propósito o nome): “eu te direi o que está me acontecendo, e tu encontrarás um nome para essa doença”, e ao final afirma: “Às vezes, a minha alma se eleva com a magnitude do pensamento, torna-se ávida por palavras e aspira às alturas. Assim o discurso já não é mais meu [grifo nosso]. Esquecido das normas e dos critérios rigorosos, elevo-me e falo com a boca que não é mais minha”.
A partir de então refletirá sobre a maneira de contornar obstáculos que impedem a paz.
Embora o discurso seja moralista e ético, e não é menos importante por isto, a elevação que Sêneca almejou não pode encontrar outro lugar senão numa ascese espiritual, também está em outras culturas, o budismo é um elevação no caminho das virtudes, Ghandi usou a paz como um exercício política para liderar a Índia, e no caso do cristianismo são as “curas” de Jesus.
Diz o texto Bíblico, ao verem a cura de um surdo-mudo (Mc 7,37): “Ele faz bem todas as coisas. Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”, e também curou leprosos “impuros”.
Sêneca. Da Tranquilidade da Alma (wordpress.com) . trad. Lucia Sá Rebello e Ellen Itanajara Neves Vranas. Porto Alegre, RS: LP&M Pocket. 2009.
Sobre a Ira e a Esperança
O filósofo romano antigo Sêneca (4 a.C.–65 d.C.) fez um belo ensaio Sobre a Ira que embora esteja em três livros, pode ser dividido em duas partes, é dirigido ao seu irmão mais velho Gálio, a primeira parte trata de questão teórica (I-II.17) e fala dos horrores da Ira e suas definições, a segunda parte dá dicas de como acalmar as pessoas, tanto crianças coo adultos, usados casos reais como exemplos.
Embora os textos sejam muito interessantes e inteligentes há uma lacuna essencial que não se pode obter seu uma ascese espiritual, a Esperança que o contexto se modifique por ações que extrapolam o nível pessoal, social ou de grupo, elevar o nível de saúde espiritual de um grupo.
Segundo o filósofo, um grande homem não deve irar-se nunca e, quando não for possível evitar a ira, ele deve tentar se acalmar o mais cedo possível, é famosa sua frase:
“Nenhum homem se torna mais corajoso por meio da ira, exceto alguém que, sem ira, não teria sido corajoso: a ira, portanto, não vem para ajudar a coragem, mas para tomar seu lugar” (I.13).
Porém na vida social existem situações em que homens bons e justos estão sujeitos ao poder de autoritários, presunçosos e arrogantes que humilham, exploram e maltratam humildes.
A isto o estóico rebate com outra frase; “Que nada lhe seja permitido enquanto estiver irado. Por que razão? Porque irá querer que tudo lhe seja permitido.” (III.12), dito de modo atual, se perdemos a calma ao apontar um equívoco podemos perder a razão em reagir ao erro.
A esperança é fundamental quando toda uma situação social, política ou mesmo religiosa se torna difícil e aponta para um caminho que parece sem o da destruição, do erro e do medo, não se trata de estar em conformidade, escrevemos no post anterior sobre a disposição que precede a intenção, mas a intenção de acalmar de propagar a paz e evitar a ira torna tanto a esperança quando a possibilidade de correção de rota viável, a ira não, inicia ou amplia o confronto.
É preciso acreditar que a união de forças que desejam a mudança positiva tem uma luz que é superior ao conjunto das forças humanas, porque podem melhor a “disposição”, o clima a favor de atitudes sensatas e construtivas e elevar o padrão moral num círculo virtuoso.
Mudança de rota e poder
Hoje é dia da cidade de São Paulo, e também é comemorado por boa parte dos cristãos o dia do apóstolo Paulo, não coincidência pois o nome da cidade foi dado devido ao apóstolo, ainda no tempo da colonização portuguesa no Brasil.
Era chamado Saulo de Tarso, cidade da Cilicia onde nasceu ano 5 d.C. e era um judeu muito instruído que combatia o cristianismo como uma seita cristã, sendo um dos responsáveis inclusive pela morte de Estevão, o primeiro mártir cristão.
Aconteceu que no caminho de Damasco (foto) através de um tombo do cavalo, figura usada até hoje para indicar pessoas que mudam de mentalidade e de rota, ele tem uma revelação mística e fica cego, e nesta visão ele é indicado a ir ao encontro de Ananias, e tem a vista restaurada.
A partir daí é chamado de Paulo e será responsável para levar seu apostolado até os gentios, como eram chamados o que não eram judeus, visto que este era o povo escolhido por Deus, então o cristianismo sai de seus limites judaicos e chega até gregos, romanos e outros povos que viviam no Império Romano.
Sua elaboração do pensamento irá então extrapolar os limites dos costumes judaicos, embora com algumas controvérsias como a necessidade de circuncisão, ele será o primeiro e importante teólogo do cristianismo, tendo influenciado pensadores como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, importantes para o cristianismo, mas também para a filosofia.
Paulo entenderá que não se trata de uma luta pelo poder humano e nem um combate contra os domínios do poder temporal, e sim o combate a mentalidade terrena que não alcança valores além do poder, da riqueza e das paixões humanas.
Sem Paulo, provavelmente o cristianismo não teria saído dos domínios judaicos, nem chegaria a Grécia, a Roma e a todo império romano e depois ao mundo todo, apesar da perseguição dos poderes locais ele se expandia no mundo dos povos e se enraizava dentro das culturas.
A rota civilizatória e humana não pode almejar somente a tomada do poder e a submissão aos valores deste poder, sem uma base humana sólida, com valores atemporais, o poder fica confinado a dimensão das armas e da opressão.
A paz, a harmonia entre os povos, o respeito a diversidade cultural não pode estar submetido ao poder das armas e da opressão, da falta de liberdade e ausência de diálogo e respeito.
O tempo da clareira
Se estamos em tempos impróprio para o pensamento e a inteligência, impróprios para valores humanos e morais, significa que também é um tempo de clareira, é um tempo que muitas consciências e homens poderão despertar e enxergar e encontrar a clareira.
É preciso para isto uma metanóia no pensamento filosófico, política, cotidiano e até religioso, lembrem-se que os profetas foram mortos e ignorados justamente por gente “religiosa”.
O limiar de uma crise civilizatória e humanitária sem limites está próximo, mas se olharmos a cultura cotidiana, disto falamos tanto do brasileiríssimo Ariano Suassuna até o inglês Anthony Daniels nos posts anteriores, também a política e o pensamento parece polarizado entre dois estremos que em muitos valores se confundem, e um deles é a guerra e o desejo de poder.
Até mesmo os que invocam a paz escondem interesses de poder, de ganância por maior riqueza e opressão daqueles que julga proteger, é triste um cenário de pouca luz e onde os homens de boa vontade que desejam um olhar menos sombrio para o futuro devem ter.
Olhando a etimologia da palavra clareira na filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, cujo significado além do de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), sua raiz Licht é a palavra para luz, que significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam como desvelar.
Que tempo propício é este, e porque nos aproximamos dele, porque sempre que as palavras proféticas de pensadores e místicos que pedem uma mudança de rumo na humana não foram ouvidas, se aproxima este tempo de escuridão seguido de uma grande clareira.
Na passagem bíblica de Marcos 1,1-19, Jesus esclarece que a morte de João Batista é este sinal da clareira, que Herodes pediu a cabeça numa bandeja para a esposa depois que a filha Herodíade dançou para o rei, a morte do último e maior profeta inicia um novo tempo.
Diz a leitura (Mc 1,15): “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei- vos e crede no Evangelho”, e para os que creem na clareira bíblica, é o tempo da mudança.
Tempo de recuperar e viver verdadeiros valores humanitários, ainda que não sejam cristãos, o desejo de paz, de olhar para o Outro com a dignidade que cada um tem e de viver a justiça.
Globalismo ou Universalismo, um novo período
A atual crise aponta claramente por uma crise civilizatória, as visões eurocêntricas e iluministas já mostravam seu esgotamento em períodos anteriores, por pensadores como Nietzsche e Shopenhauer que foram buscar elementos na filosofia ocidental, porém a física quântica e estudos sobre uma era chamada de “antropoceno” como os estudos transdisciplinares de Anna Tsing, fundadora da AURA (Arhus University Research on the Antropocene) e uma das editoras do Feral Atlas (feralatlas.org) publicado pela Stanford University Press.
Assim as teorias do globalismo e NOM (Nova Ordem Mundial) não passam de teorias conspiratórias, embora as forças políticas em jogo possam ter também influências de diversas organizações políticas que desejam formas novas de imperialismo e controle populacional.
O simples olhar para um universo cada vez mais complexo em que morrem velhos paradigmas copernicanos e newtonianos, de grande influência no pensamento ocidental, mostram uma realidade muito mais complexa, como a teoria das cordas apontada por Michio Kaku como uma das poucas alternativas para explicar o universo como vemos agora por megatelescópios.
Mesmo a ideia de Einstein de entender a mente de Deus é muito distante daquilo que significa realmente uma teoria do Tudo e do Todo, onde é quase impossível não pensar em um Ser com uma inimaginável inteligência que criou tudo, uma simples energia ou acaso é simplista demais e mesmo físicos teóricos como Albert Einstein, Stephen Hawking e Michio Kaku admitiram esta hipótese.
Porém é difícil imaginar uma consciência mega-inteligente diante de raciocínios tão primários que envolvem a maioria dos pensadores cristãos, figuras como Agostinho de Hipona, Thomas de Aquino, Duns Scottus e Boécio, estes dois últimos são considerados santos pelos católicos, parecem estarem ofuscados por um primarismo fundamentalista que ignora o universo complexo que vivemos e que se revela ainda incompreensível para os limites humanos.
Para religiosos sérios bastaria examinar a visita dos reis magos (veja o documentário da Discovery) que vieram adorar o recém-nascido em Belém para tomarem consciência que Deus é universal e não se limita aos ditames e costumes humanos, mas há muita falsa profecia.
O limite de um verdadeiro cristianismo deveria ser como dizia Agostinho de Hipona: “o limite do Amor é amar sem limites”, isto deveria ser essencial a um verdadeiro Deus de Amor.
Os 3 Reis Magos – Documentário Discovery Civilization l Dublado l (youtube.com)
A física e a mente de Deus
A questão originária básica do homem é a linguagem, porém ao buscar a informação o homem foi obrigado a olhar o universo e a tentar entender seus enigmas, o geocentrismo (a terra como centro de tudo), o heliocentrismo (o sol como centro de tudo) dominaram a linguagem e o pensamento humano durante milênios, em todo este tempo o antropocentrismo dominou a concepção humana e com isto a tentativa de dominar toda a natureza cresceu, porém a física quântica mudou tudo.
Porém a natureza é indomável, a modernidade foi uma tentativa de dominar as forças da natureza e afirmar o antropocentrismo sobre ela, porém ela tem sua própria lógica, e ao olhar mais profundamente o universo que tinha uma explicação mitológicas deslocou-se para um foco mais claro de indagação escatológica: de onde viemos e para onde vamos.
O livro do físico teórico Michio Kaku: “A equação de Deus” dá um mergulho nesta questão a partir da física e da cosmologia contemporânea, o físico é o grande teórico da física das cordas (Hiperespaço é um de seus livros), professor de Harvard e apresentador de programas na Discovery Channel.
Em seu livro esclarece a busca de físicos como Stephen Hawking e Albert Einstein sobre a tentativa de explicar todas as forças do cosmos, aquilo que é chamado de teoria do tudo, e que em sua formulação atual é chamado Teoria da Física Padrão, a descoberta das forças quânticas das partículas, entre elas o bóson de Higgs, a visão do fóton com partícula de massa zero, as partículas do magnetismo terrestre ajudaram esta unificação, mas não é tudo.
Muitos físicos falharam, a explicação quântica rompe com a ideia de “coisa” que alguns autores dualistas continuam a ter, o “quantum” é algo além tem um terceiro estado, chamado na física de “terceiro incluído” onde uma partícula está entre o Ser e o Não-Ser e não é dual.
Se este estado da física quântica já é realidade, o que são de fato as partículas ainda é um mistério, e a “candidata mais promissora (e, na minha opinião, a única candidata) é a teoria das cordas, que diz que o universo não é feito de partículas puntiformes, mas sim de minúsculas cordas vibrantes, onde cada modo de vibração corresponde a uma partícula subatômica” (KAKU, 2022).
Precisaríamos de um microscópio poderoso o suficiente para ver elétrons, quarks, neutrinos, etc. são nada mais do que vibrações de laços minúsculos, parecidos com elásticos de borracha. Se colocarmos esses elásticos para vibrar inúmeras vezes e de formas diferentes, eventualmente conseguiremos criar todas as partículas subatômicas do universo, e isto quer dizer que as leis da física se resumem nestes modos de vibração das pequenas cordas.
Diz Kaku na introdução de seu livro: “a química é um conjunto de melodias que podemos tocar com elas. O universo é uma sinfonia. A mente de Deus, a que Einstein eloquentemente se referiu, e uma música cósmica que se espalha pelo espaço-tempo” (KAKU, 2022).
KAKU, Michio. A equação de Deus. Trad. Alexandre Cherman, R.J.: ed. Record, 2022.