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Arquivo para a ‘Redes Sociais’ Categoria

Pluralidade, polifonia e tonalidade

08 mai

Embora Byung Chul Han em sua leitura de Heidegger e sua tonalidade afetiva, descreva apenas de passagem a democracia plural, ao comentar a “polifonia” que Derrida opondo-se à “totalidade não exclui a tonalidade. A justaposição de notas seria equivalente à monotonia de um coração perturbado, que certamente seria distinto do coração atonal” (Han, 2023, pg. 16).

Para desenvolver melhor a questão do estado e de sua pluralidade, aproxima Heidegger da “arte de viver … limitada onde o mundo começa a se povoar com os corações dos outros, onde não nos encontramos mais na proximidade do estético” (pag. 17).

Vai explorar o conflito dos corações de Hegel que pretendia resolver dialeticamente e não aparece em Heidegger (pg. 18), sua “poética” não se identifica “à política do coração” (idem).

Após o fracasso do sujeito do prazer faustiano (Hegel cita Fausto de Goethe), Hegel ao opor o particular com o universal não se reencontra na “ordem universal”, esta abertura imediata do coração para o universal, a universalização do coração faz que a autoconsciência “enlouqueça” e causa uma colisão frontal entre o universal e o particular que fende a consciência (pg. 18).

Gerar esta “singularidade da consciência, que quer imediatamente universal” resultam em esquizofrenia (pgs. 18-19), é um trecho fundamental de Byung-Chul Han capaz de explicar até mesmo as grandes guerras e o momento bélico mundial.

Ela mostra o que acontece com os corações com o “pulsar do coração” para o universal, que se transforma em “fúria de uma presunção desvairada”, postula “o desvario da ordem mundial” (pg. 19), o coração efetivado é repressivo, se efetiva ao reprimir outros corações.

A circuncisão do coração do particular por parte do “espirito” (reivindicado por Hegel), suprassume o particular em favor do universal, “saber a lei do coração como lei de todos corações, e a consciência do Si como a ordem universal reconhecida” (Han citando Hegel, pg. 20).

Heidegger opõe a lei da casa (oikos), do fogo doméstico para além da economia dialética, ela “não deve pisar no palco dos discursos” (Han, pg. 21), esta “disputa sem guerra” (na visão de Hegel) não tem nenhuma semelhança familiar com o conflito dos discursos (pg. 21).

“O coração de Hegel, que na terceira parte da Enciclopédia se torna a sede das sensações, carece de toda objetividade e universalidade” (Han, pg. 22), nela o “coração cego de Hegel só sabe expressar algo “singularizado, contingente, unilateralmente subjetivo” … “é uma reação meramente subjetiva a sensação externa” (pg. 22), e Han dá o antídoto, chamando-o de dom.

O Ser com dom é o “singular por excelência, que, na sua singularidade, é unicamente o uno unicamente unificador, antes de todo o número”, a impossibilidade do número anula a economia da troca (pg. 25).

O que deve ser retomado deve ser dado como um dom, é preciso manter este dom afastado da economia da troca, soltá-lo do circulo econômico da troca”, isto é princípio do afetivo.

Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023

 

Tragédia natural no sul do Brasil

06 mai

Acompanhamos, geralmente nas segundas feiras a grave crise civilizatória que nada mais é que uma guerra mitigada entre as grandes potências, sempre com um risco de tornarem-se uma guerra total, três grandes impérios estão ali em conflito: o americano, o Chinês e o Russo.

Porém a tragédia natural com intensas chuvas no sul do Brasil nos lança um alerta solidário.

Os dados até a tarde do dia de ontem (05/05) são tristes e alarmantes: 334 municípios afetados, 16609 pessoas em abrigos, quase 90 mil desalojados, 780.725 pessoas afetadas, 155 feridos, 103 desaparecidos e 75 mortos confirmados (mais 6 investigados se sob ação das chuvas), além disto em 839 mil imóveis não há água e 421 mil residências estão sem luz, há 113 bloqueios em estradas.

Empresários, diversas organizações humanitárias, e a maioria dos órgãos de comunicação estão em campanhas de fundos e socorro aquela população, também o governador, os prefeitos e políticos do governo federal estão empenhados em mobilizar fundos para o socorro, houve quem comparasse esta ajuda emergencial como típica de uma guerra.

Os eventos sociais e esportivos foram adiados, embora tenha havido shows milionários no país onde sequer tiveram a sensibilidade de referir-se ao desastre natural (não darei publicidade), mas o povo brasileiro é solidário, se comove, chora junto com os gaúchos e se mobiliza.

Ainda há chuva nestes dias e os rios continuam subindo, a tragédia pode ser ainda maior, e depois o processo de reconstrução não será simples, temos uma chance de sermos mais unidos e solidários e não viver uma eterna polarização de ódios e incompreensões.

Felizmente os órgãos do país estão solidários e espero que permaneçam, seria bom também talvez uma nota de setores do judiciário, por exemplo, a OAB ou tribunais estaduais.

Despertar o espírito solidário neste momento pode representar uma boa tomada de consciência sobre as nossas dívidas com a sociedade e com o povo que está sempre em dificuldades, quem vive perto da população humilde percebe um momento grave.

Todo apoio humanitário ao povo gaúcho, serão confortados se sentirem todo nosso apoio.

 

O homem-mundo e o provinciano

03 mai

É possível que alguém tenha um sentimento capaz de abraçar a humanidade em suas diferenças e contradições, se for capaz de abraçar as enfermidades e feridas do outro.

Aquele que é capaz de entender o mundo como um todo, entendendo a complexidade das culturas, dos sentimentos e dos sistemas culturais diferentes, é capaz de abraçar e se solidarizar com as dores da humanidade, este é um homem-mundo.

O provinciano não é capaz de ver além de sua aldeia, pode-se até elogiar o espírito de aparente paz e deleite daquele que vive em um mundo pequeno, ou numa bolha, porém é dali que partem os piores preconceitos, as piores xenofobias e a incapacidade de ver além.

Se Honoré de Balzac dizia: na província se vive em público, agora na aldeia global todos vivemos em público, cada cidadão é portador de uma câmera que pode registrar tudo.

Para ser no mundo um sinal de esperança, em um tempo cada vez mais conflituoso é preciso ir além dos próprios conceitos (que são pré-conceitos) e entender que a lógica da vida social vai se mudando desde que passamos a viver numa aldeia global, a cultura entre pela TV, pelo rádio e pelas mídias sociais, e não há como retroceder, vieram para ficar.

Os pecados e incompreensões que elas deram vazão não são novos, apenas deu-se agora uma visibilidade maior e nos chocamos com uma sociedade com dificuldades de ver o outro com respeito e compreensão.

Aqueles que querem liberdade, apressam em limitá-las, aqueles que proclamam o amor, não querem o mesmo amor fora de suas bolhas, não resolvemos as nossas dificuldades e feridas e ao mesmo tempo aumentamos o clima de incompreensão na humanidade.

Os grandes impérios contemporâneos trabalham culturalmente estas dificuldades, ódio ao diferente, intolerância a cultua do outro, e assim alimentamos no microcosmo a política de um belicismo crescente e que ameaça tomar toda humanidade.

Nunca foi tão urgente o amai-vos uns aos outros, há até os que o proclamam, mas para sua pequena aldeia ou sua bolha provinciana.  

 

Os impérios medievais e o ocaso

02 mai

A civilização romana já existia, porém como império inicia-se em 27 a.C. quando o Senado e o Povo de Roma proclamaram Otaviano príncipe, que no significado original é “primeiro cidadão”, e como tal deveria ser venerado e iniciam-se a conquista de diversos territórios.

O Império Romano foi até o ano de 476 a.C., quando Rômulo Augusto foi destronado pelos hérulos que são os germânicos, porém vindos de mais ao norte, segundo alguns historiadores, teriam origem na Escandinávia.  

Um dado histórico pouco conhecido é que foi após a morte e crucificação que Roma finalmente domina e submete o povo judaico, as tropas do general Tito tomam a cidade de Jerusalém em 8 de setembro de 70, o Templo que havia sido construído por Salomão (970 a.C.) é incendiado e os habitantes deportados como escravos.

Nos subterrâneos do império romano viviam diversos povos que apesar de submetidos mantinham sua cultura e seu ânimo, e entre estes povos estavam os cristãos que cresciam em número e os apóstolos eram estimados por toda comunidade.

O que ligam os povos e das suas culturas que são próprias, eram a solidariedade e o espírito de amor que existiam entre eles, diferente do que acontece nos dias de hoje que há divisão entre os próprios povos, a unidade entre as comunidades eram fortes, e também crescia a ideia de estados a partir da visão republicana de Platão e Aristóteles, porém a visão imperial e as guerras permaneceram.

Se estes impérios e guerras podem ser pensadas realmente como um tempo obscuro, nos mosteiros e nas pequenas comunidades agrárias onde a vida continuou a florescer tanto o processo civilizatório como a preservação de suas culturas originárias, é também do final deste período o império turco-otomano, além de extenso um dos mais longos da história, de 1299 a 1923, período que tiveram outros impérios na Europa como o Carolíngio de 800 a 888.

Todos tiveram o ocaso por suas contradições internas, o espirito sempre opressor e bélico que pode parecer o motor da história, mas é justamente o contrário, a culturas sobreviveram apesar destes desejos de submissão e opressão de povos diferentes.

Há sempre esperança e vida para aqueles que permanecem no sentido de civilização humana.

 

Impérios modernos e o trabalho

01 mai

O início da modernidade marcou por uma ruptura entre o mundo prática, objetivo da razão, chamado pelo idealismo de objetivo, e um mundo sensível, do amor, da esperança e da vida equilibrada, onde a natureza humana pode se expressar e se desenvolver, chamado de modo incorreto de subjetividade (o que seria próprio do sujeito).

Não foram poucos autores que a partir do início do século XX passaram a questionar esta divisão do homem em vita activa e vita contemplativa, Hannah Arendt e atualmente Byung Chul Han são os mais lembrados, porém a ideia da contemplação vem da antiguidade, de estóicos e de alguns místicos estudados na Patrística, como Gregório de Nazianzo, (329-390) um dos mestres da contemplação sendo citado por Chul Han.

A palavra trabalho vem de tripalhium, surge de torturas medievais que fazem alusão a tirar as “tripas” ao esforço contínuo sem descanso que vai mercar o início da revolução industrial até a conquista do limite de horas de trabalho e algumas leis mínimas de respeito a vida humana.

Na idade média, é nos mosteiros que nascem os primeiros ofícios, as técnicas de culinária (como os embutidos feitos para preservar a carne), e também as bibliotecas e os copistas que iniciam uma do trabalho humano contemplativo (não é subjetivo), como o lema entre monges beneditinos: ora et labora (medita e trabalha).

É bom lembrar que o trabalho pesado até o surgimento dos mosteiros eram feito por homens “livres” e que muitos monges tinham origens nobres e iam para o mosteiro aprender a trabalhar e também a ler e escrever porque grande parte da humanidade daquele tempo era analfabeta, e também deve-se lembrar o impedimento da miopia e hipermetropia, já que os óculos e as lentes são do final da idade média.

Depois da concepção da moderna indústria e do estado, que também é patrão de empresas estatais, monopólios em países socialistas, que não diferente em exigir eficiência e esforço máximo encarcerando o homem na “vita activa” sem espaço para serem e elaborarem sua vida plena, com espaço para a meditação e o lazer.

Já na revolução industrial inglesa, o Gin (que é a pinga lá) movimentava a capacidade máxima dos modernos escravos industriais privados da vida doméstica, do lazer e da cultura.

O que será a sociedade pós-industrial, pós-modernista ainda é uma incógnita, por hora, os impérios querem o monopólio das forças produtivas para garantir o poder sobre a força de trabalho e não dar liberdade para o pleno desenvolvimento humano, a vida plena é adiada.

O grande dom divino que é a vida e vive-la em abundancia dependerá de grandes mudanças, os impérios lutam para garantir que isto não acontecem, embora digam que é pela liberdade.

 

Os grandes impérios na antiguidade

30 abr

Há sempre uma narrativa histórica e outra bíblica, as datas coincidem, mas as batalhas não.

Um dos grandes impérios da antiguidade foi a Assíria, do século VII a.C. (aproximadamente 721 a.C. até o século 630 a.C. o início de sua queda, eles dominaram grande parte da arábia, conquistando as terras babilônicas, que dominavam o povo hebreu e os caldeus, o Egito, os medos e elamitas.

A narrativa bíblica concentra-se principalmente no período de Sargão e Senaquerib (745-661 a.C.) é desta época que o profeta Isaías narra as palavras de Senaquerib para Ezequias: “eis o que direis a Ezequias: Assim fala o grande rei, o rei da Assíria de onde te vem tanta Confiança , o rei ironiza-o pela aliança que possuía com o Egito e conquistará também aquele povo.

Em Isaías 37, há a seguinte narrativa sobre os anos de sofrimento, seguido da vitória, “este ano se comem restolhos; o ano que vem, aquilo que nascer sozinho; no terceiro ano porém, plantarei e colhereis; plantareis vinhas e comereis seus frutos” e depois mais a frente narra uma batalha na qual “o anjo do Senhor apareceu nos campo dos assírios e feriu centro e oitenta e cinco mil homens”, mesmo para os dias de hoje um número bastante alto.

O certo é que no ano de 630 a.C. os assírios se retiram do Egito e depois da Babilônia, que dominará também as terras hebraicas em Isaías 39, inicialmente o rei da Babilônia, Merodac-Baladã, envia ao rei Ezequias que estava doente mensagens e presentes, mas depois alerta o profeta Isaías ao rei Ezequias: “Escuta a palavra do Senhor dos Exércitos! Aproxima-se o tempo em que se levará para a Babilônia tudo aquilo que há em teu palácio, tudo o que se acumularam os teus pais até este dia”, e assim aconteceu nos 50 anos do exílio da Babilônia.]

Quem libertou os judeus. Foi o rei Dario, que governou o Império Persa e que era inimigo da Babilônia, através do profeta Daniel a quem venerou por suas profecias, concede ao povo judeu reconstruir seu templo e retornar a sua terra.

O império Persa durou até o ano 330 a.C. sendo bastante conhecido pela historiografia oficial por causa das guerras “médicas” entre os gregos e os persas, mas veja que historicamente os medos eram um povo ao leste da Assíria, enquanto os gregos a oeste e já no continente europeu, acontece que foram simultâneas no período de 500 a 448 a.C. mais de 50 anos.

Entre guerras e desafios, oráculos e profetas auxiliaram o povo a caminhar nestes períodos.

A lição histórica possível é grandes impérios ruíram por sua soberba e opressão, a lição espiritual é não se intimide o vosso coração, o mal morre por sua própria maldade.

 

O grande e o pequeno

29 abr

Na política, na filosofia e até mesmo na religião a ideia de Grande é sempre vista como poder.

Pode parecer estranho o uso do termo Grande de Sloterdijk ao se referir a grandes teorias políticas, econômicas e imperialistas, mas ele é mais adequado para aquilo que era finalidade dele falar no seu livro “Se a Europa despertar”, pouco lido inclusive na Europa, apesar dele ser reconhecimento como um dos maiores pensadores vivos.

Diria que ser pensador já é Grande, usando seu próprio termo para a filosofia, já que como ele afirma: “não é um tempo próprio para pensar”, temos que escolher entre ditadores e narrativas, ao invés de tomarmos o fio da história para uma civilização equilibrada e feliz.

Até mesmo no mundo religioso isto é confundido, Jesus não proclamou nem insistiu em qualquer corrente política de seu tempo, apesar de ter o grupo rebelde ao seu lado, Simão o zelote e Judas Iscariotes eram zelotes, grupo que era rebelde ao império romano.

Grandes impérios sucumbiram e desapareceram, um que até é esquecido e pouco analisado pelos historiadores são os mongóis, dos séculos XIII e XIX (veja no globo acima) sendo um dos maiores em extensão e hoje reduzido a um pequeno país dividido e dominado pela China.

A Europa não despertou, Makron disse em tom dramático a semana passada na Sorbonne: “A nossa Europa, hoje, é mortal. Ela pode morrer, e isso depende unicamente das nossas escolhas!”, o discurso está certo, mas a intenção errada, porque pouco depois fala de suas armas nucleares.

O Grande na espiritualidade, em tempos de religiões desespiritualizadas, são de narrativas em torno da religiosidade que pouco ou nada fala deste Grande “megalopata”, como chama-o Sloterdijk, e sim da capacidade de solidariedade, de amor verdadeiro levado a prática, de acolher e buscar os pequenos e sofredores que vivem a margem da sociedade desumana.

Francisco de Assis, era filho de Pedro Bernardone, rico e prospero comerciante que o filho o rejeitou, Catarina de Sena era analfabeta e seus seguidores escreviam por ela obras sábias e santas, teve influência na volta do papa Gregório XI de Avignon para Roma, sendo embaixadora de Florença, uma cidade em guerra com o papa e que ela pacificou.

O ocidente vivia um grande cisma, e ela foi junto ao papa até Roma, enviando numerosas cartas a príncipes e cardeais, para promover obediência ao Papa Urbano VI (sucessor).

Os pequenos homens e pequenos reinos fizeram a história, veja a Grécia antiga, os gauleses durante o império romano, o Grande quase sempre imperial, belicista e cego apesar de uma imposição brutal temporária, sempre sucumbiu ao desejo legítimos de povos e nações.

SLOTERDIJK, P. Se a Europa despertar. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. 

 

Um sentido para o grande e o novo

26 abr

Apresentar algo Grande e Novo digno da ideia não significa criar uma novidade e formar com ela uma bolha, significa algum sinal mínimo de originalidade, note-se que o termo não dispensa a origem, e significa algo que de fato traga uma transformação positiva.  

O continente da Velha Europa está em crise, e custa a admitir isto, e a guerra não representa o novo e sim a velha conquista imperial, o saque de povos vizinhos e as narrativas mentirosas que esconde imperialismos.

Sloterdijk estabelece algumas exigências para um político da atualidade: “Profissão: político. Residência principal: opacidade. Programa: pertencer- se. Moral: pequenos trabalhos de desafios. Paixão: ter uma relação com a ausência de relação. Evolução: autorrecrutamento a partir de conhecimento, que se torna iniciativa” (Sloterdijk, 1999, p. 65).

Talvez seja clara a opacidade, ausência de transparência e discursos difusos e até contraditórios conforme a ocasião, o programa é claro, afirmação de sua personalidade e o recrutamento de iguais, a moral não é qualquer coisa que exija desafio, e a boa moral não é outra coisa, muitas vezes a capacidade de sofrer e doar-se pelos outros e de fato, pelo povo.

Em 1999 Sloterdijk sentenciava: “é evidente que numa época que a forma do grande é mudada, patologias de filiação de todo tipo tornam-se epidêmicas … já o atletismo de Estado mais antigo muitas teve de lidar com as fronteiras de seu poder de generalização …” (pag. 66).

No livro “A nova ciência dos networks” Laszlo Barabasi escreve um exemplo muito importante, sem o perseguidor de cristãos Saulo, que ao ter uma experiência mística sai da bolha judaica e vai para o mundo grego e depois o romano, o cristianismo seria ainda hoje uma seita, e hoje parece retornar a ela por falta de um espírito aberto.

Saulo, agora Paulo não vai combater em fronts do império e sim levar um novo espírito ao reino imperial romano e será perseguido por este espírito e não por usar qualquer tipo de arma, e anunciar o reino da paz.

Em atos dos apóstolos 9,31, após uma reapresentação de Paulo para a comunidade cristã que o temia é dito: “A Igreja, porém, vivia em paz em toda a Judeia, Galileia e Samaria”, e finalmente Paulo exerce o bom combate: sem guerras, acusações ou intolerâncias.

 

A volta às nações e ausência do Todo

24 abr

Em tempo de hipercomunicação, a mídia social faz sentir a ausência do Todo, que Peter Sloterdijk chama do Grande: “a forma do grande no mundo industrial insiste no conhecido estresse megalopata em dimensões ampliadas – mas então devem preocupar-se as pessoas da rua, que antes teriam apoiado um Ministro das Relações Exteriores” (Sloterdijk, 1999, p. 61), o que ele não imaginava era que isto teria uma reação contrária: a volta do patriotismo.

Porém somente forças inesperadas perceberam este efeito, enquanto a sociedade atual: “sofrendo crises de náusea frente a sua classe política, no momento não pode fazer mais do que conceder uma pausa de reflexão para questões fundamentais” (p. 62).

O autor percebe a falta de “alguma coisa”, o destaque é dele, mas prefere “interpretá-lo como o espírito da era agrária” e dos grandes impérios (pg. 60), e em sua visão agnóstica, “para ela chegou o momento crítico com a “morte de Deus” “ (idem), novamente o destaque é do autor.

Assim na ausência de uma figura escatológica, num mundo que rejeita a ideia do sagrado, do divino e de um Deus humano-divino dos cristãos, “a forma do Grande é mudada, patologias de filiação de todo tipo tornam-se epidêmicas” (pg. 66), não só na política, mas também religiosas, todos acreditam terem encontrado um “grande” e o colocam hereticamente no lugar de Deus, até mesmo nas religiões um deus imaginários da riqueza, do ócio e até da luxúria, por mais contraditório que possa parecer.

O livro do final do milênio passado, entende o problema certo mas no lugar errado, sob o tema de “revolução conservadora” (novo destaque do autor) experimenta-se a “duas ou três gerações nos movimentos catolizantes da resistência na Europa central e do sul, provavelmente pela frente uma grande carreira intercultural – sob estandarte religioso, culturalista, regionalista” (pg. 67).

Volta a uma análise correta: “no Grande moderno – as identidades estado-nacionais quase religiosas que desde o século XIX marcaram formas políticas de vida na Europa e mais tarde no mundo inteiro” (idem), lembre-se o nazismo e agora em várias formas de guerras “nacionais”.

O fenômeno moderno deste Grande, da grande pátria seja em Israel ou na Rússia, na China ou nos EUA, não é outra coisa senão a ausência de um Grande Maior, o divino que leve os homens a quebrar fronteiras, a conviver com o diferente e a entender a necessidade de uma nova civilização que veja o planeta como Terra-Pátria.

Para o grande religioso, pode-se perguntar onde está Deus, mas a figura divina-histórica de Jesus e sua visão além-abraamica que ultrapassa a destes povos em conflito, proclamava um lema universal: “Quem me vê, vê aquele que me enviou” (Jo 12,45).

 

Hiperpolítica e a guerra

22 abr

Quando Peter Sloterdijk escreveu “Todos no mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica” estávamos no limiar do terceiro milênio, Manuel Castells escrevia a Sociedade em Rede e Edgar Morin escrevia sobre Cabeça Bem feita, repensar a reforma, reformar o pensamento, eram tentativas de acordar e fazer a humanidade caminhar para um futuro menos sombrio.

Sloterdijk escreveu ainda “Se a Europa despertar”, chama-a de Império do Centro e atenta para seu passado colonialista e a necessidade de um novo futuro e repensa a guerra, um tema tão deligado no país que deflagrou a II Guerra Mundial.

São todos pensamentos que tentavam redirecionar um futuro sombrio da possibilidade de uma nova guerra, em Todos no Mesmo Barco, Peter Sloterdijk revisita o projeto político que nasceu na antiguidade clássica, a tentativa de organizar o Estado, e diz: “Como podem “falar” a tão grandes números de pessoas e convencê-las a se sentirem participantes daquilo que é “grande” – até chegar à disposição de ir ao encontro da morte em exercícios de milhões contra forças de igual ordem de grandeza, a fim de assegurar aos “próprios” sucessores aquilo que os ideólogos chamam de futuro” (Sloterdijk, 1999, p. 31).

Ao contrário do otimismo de Castells e Morin, não apenas justificável, mas desejável, de um futuro mais civilizado e humano, Sloterdijk alerta que essa hiperesfera conectada, vejam que as mídias sociais eram apenas nascentes para estes três grandes pensadores, era para o alemão, um futuro perigoso da hiperpolítica.

“Os primeiros gestos desse holismo instintivo são tentativas de descrever o cosmo como casa maior e os povos como famílias maiores” (Slotertijk, p. 32), e acrescenta que de fato, “o homo politicus e o homo methaphysicus se pertencem historicamente; propectores do Estado e prospectores de Deus são gêmeos evolucionários” (Sloterijk, p. 33), claro não é a visão de todos e muito menos dos homens do poder, os grandes estadistas que pensam nesse holismo já não existem e agora é império da força e do pensamento monolítico, autoritário e de ódio.

O projeto político dos gregos para ele pode ser chamado de “metalomaníaco”, mas alerta que este é o homem que “imiscui em grandes questões maiores para ter algo que correrá com os olhos e logo abandonará. Mas deverão chamar aqueles que, uma vez apreendidas as grandes coisas, não mais as abandonarão?  Proponho megalopatas” (pag. 34).

Também grandes impérios: o persa, o romano, os mongóis que chegaram a dominar meia europa, o turco-otomano e mais recentemente napoleão e as “esquecidas” colônias da Africa que nada mais eram do que extensão do Império do Centro, como Sloterdijk chama a Europa.

“Humanismo de Estado é desde então a busca por um centro justo – e desde a recepção romana dessa ideia grega essa busca carrega o seu nome até hoje conhecido: a Humanidade” (pags. 35-36).

Sloterdijk questiona esse modelo do homo politicus, o “pontifex maximus”, “como nos tornamos rajá? Como nos tornamos César? Como nos tornamos cônsul, senador, imperador? Como deve viver alguém para entrar nos livros de história como Metternich, lord Morlborough ou Bismark? (pag. 37).

A ideia da política como metanóia, este era o intuito inicial da Paideia por exemplo, não é mais verdade na guerra, Sloterdijk cita Goethe: “não se educa o homem que não sofre flagelos”.