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Por uma ontologia política
Diversos autores falam do que é poder, desde os clássicos contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau), passando pelas leituras modernas de Marx, Weber, Tocqueville, Bobbio e Norbert Elias, até Byung-Chul Han (psicopolítica) e Foucault (biopolítica), mas Hannah Arendt foi além ao vislumbrar uma ontologia política e escapa completamente do pensamento hegeliano.
Em seu livro do final dos anos 1960 (e portanto, a maturidade de Arendt), ela critica a “nova esquerda” que pensava em lutar contra um mundo ameaçado pela destruição nuclear e dominado pelas grandes administrações estatais e elas seriam responsáveis pela violência e em última análise a essência de todo poder, escreve sobre as origens deste equívoco:
“Se nos voltarmos para as discussões do fenômeno do poder, rapidamente percebemos existir um consenso entre os teóricos da política, da esquerda à direita, no sentido de que a violência é tão-somente a mais flagrante manifestação do poder. ‘Toda política é uma luta pelo poder; a forma básica do poder é a violência’, disse C. Wright Mills, fazendo eco, por assim dizer, à definição de Max Weber, do Estado como o ‘domínio do homem pelo homem baseado nos meios da violência legítima, quer dizer, supostamente legítima’ “. (Arendt, 2001, p. 31)
Para a autora, seguindo a tradição greco-romana, este conceito fundamenta o poder no consentimento e não na violência, assim numa relação de mando e obediência.
A autora constata que este conceito é “um triste reflexo do atual estado da ciência política” (p. 36) e uma identificação natural da tradicional entre visão de poder e violência, já que “poder, vigor, força, autoridade e violência seriam simples palavras para indicar os meios em função dos quais o homem domina o homem; são tomados por sinônimo porque têm a mesma função” (idem) e não raro se observa esta “virilidade” desde a Grécia até hoje.
Para a autora “o poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’, na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome” (p.36).
Para a autora é preciso rever estes conceitos: poder, vigor, força, autoridade e violência, uma vez que “violência não identificaria qualquer ato coativo, mas apenas aquele que opera, no caso das relações sociais, sobre o corpo físico do oponente, matando-o, violando-o, enfim, parece descrever apenas o uso efetivo dos implementos” (pg. 37) e assim a guerra.
Arendt fala de “isonomia” onde Chul Han fala de “simetria”, conceitos parecidos, e assim o poder é de fato aquele que “emerge onde quer que as pessoas se unam e ajam em concerto, mas sua legitimidade deriva mais do estar junto inicial do que de qualquer ação que então possa seguir-se” (p. 41, com destaque feito no meu texto).
Assim é preciso uma ação de “unidade”, de “serviço” e na melhor das hipóteses como aquele que serve à comunidade e não o que e serve dela, e para isto precisará sempre da violência.
ARENDT, H. Poder e violência Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001.
A diferença do Amor divino
É como no dia-a-dia pela secularização ou por descrença colocar o Amor em um patamar meramente humano, a leitura que Hannah Arendt faz de Santo Agostinho em sua tese de doutorado, permanece entre estas duas interpretações o Amor humano e o Divino.
Para analisar isto, Arendt qualquer interpreta a obra de Agostinho governada por três princípios que aparecem sem aparente contradição, ele aumentou sua rigidez dogmática de Agostinho na medida em que o cristianismo se insere em seu pensamento, esta consiste de sua da passagem do pensamento pré-teológico, filosófico, para o pensamento teológico, conforme a autora.
Assim a primeira parte da tese da autora, intitulada o “Amor como desejo: o futuro antecipado”, ela aborda o amor dentro de uma perspectiva filosófica de continuidade do pensamento helênico, em que o amor é visto como uma disposição sempre movida pela falta, por algo que não se possui, mas que se espera ter, como meio de alcançar a felicidade, assim o desejo é algo ainda não alcançado enquanto o Amor é o desejo obtido, e isto é filosófico.
Estes dois tipos de Amor recebem em Agostinho dois nomes: a caritas e a cupiditas, diferem no amor pelo objeto que amam, “porém, tanto o amor certo quanto o errado (caritas e cupiditas) possuem isto em comum – ânsia desejosa, quer dizer, appetitus”, escreveu a autora.
Caritas é o amor puro, verdadeiro, porque deseja a Deus, a eternidade e o futuro absoluto, enquanto a cupiditas ama o mundo, as coisas do mundo, aqui é pré-teológico, porque a caridade não é apenas um amor passageiro, ou desejo de um bem passageiro, mas do eterno.
Seja religioso ou não, estamos entre o desejo e a posse, depois que obtemos o objeto desejado em geral, e usufruindo do prazer desta posso a cupiditas passa e ficará algo eterno se nela houver a caritas, isto é um Amor Eterno, que dá uma posse eterna e então não passa.
Assim o homem que tem esta busca, deve se recolher em seu interior, e dentro de si, se isolando do mundo, penetra na “quaestio” agostiniana, o fio condutor que Arendt persegue: “pois quanto mais ele se retirava para dentro de si e recolhia a si mesmo na dispersão e da distração do mundo, mais ele se tornava uma ´uma questão para si mesmo´”, escreveu a autora.
Toda filosofia tem uma questão básica, e a de Agostinho se torna teológica: “O que eu amo, quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), ainda que seja “no mundo”.
Assim a segunda parte de sua tese recebe o nome “e “Criatura e Criador: o passado rememorado”, no livro X de Confissões. “A memória, então, abre o caminho para um passado transmundano como a fonte original da própria noção de vida feliz” escreveu a autora sobre Agostinho.
Ao se propor ao relacionamento com Criador, o homem não se perde, e sim se encontra e isto é diferente de todo tipo de apego mundano, o deus do dinheiro, do consumo ou do desejo.
ARENDT, H. O conceito de amor em santo Agostinho. Tradução de Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
Hannah Arendt e o Amor Mundi
Hannah Arendt foi, a nosso ver, instigada pelo seu drama existencial, e dentro dele, a tomar a questão do Amor, desde cedo com uma questão essencial, escreveu Safransky:
“Em começos de 1924 chegara a Marburg uma estudante judia de 18 anos querendo estudar com Bultmann e Heidegger. É Hannah Arendt. Vinha de uma boa família judia assimilada de Könisberg, onde crescera. Aos 14 anos, sua curiosidade já havia despertado. Leu a Crítica da razão pura, de Kant, dominava grego e latim tão bem que aos 16 anos fundou um círculo de estudos e leitura de literatura antiga. Antes mesmo de suas provas finais no liceu de Könisberg, passou uma temporada em Berlim, onde leu Heidegger e tomou aulas com Romano Guardini (especialista em Kierkegaard)”, escreveu Safranski sobre Hannah.
Ainda adolescente, a pensadora que já havia formado um círculo de filosofia ainda adolescente, escreve suas primeiras preocupações, Hannah Arendt redige o poema Consolo (Trost):
“As horas correm, Die Stunden verrinnen / Os dias passam, Die Tage vergehen, / Resta uma graça Es bleibt ein Gewinnen / O simples persistir. Das blosse Bestehen.” (Young-Bruehl, Hannah Arendt, Por amor ao mundo, p. 53).
Numa carta de Heidegger a ela, “E o que podemos fazer além de nos abrirmos, além de deixarmos ser o que é? Deixar ser de tal modo que o amor se torne para nós uma alegria pura/ casta (reine Freude) e a nascente de cada novo dia de vida. Ser elevado ao que somos. De qualquer maneira, seria possível que um de nós ‘dissesse’ e se abrisse ao outro. Só podemos dizer, contudo, que o mundo não é mais meu nem seu, mas nosso”.
Pensar o mundo como “nosso” e não meu é uma necessidade de nosso tempo, um passo essencial para nossos problemas mundiais, ao ler A tese de doutorado de Hannah “O conceito de amor em Santo Agostinho” (ARENDT, 1998), entendemos que houve uma tentativa de ultrapassar o existencial e chegar à essência do amor e a busca do amor mundi.
Ao ler Agostinho de Hipona, objeto de sua tese de doutorado, ela observa a separação entre Amor e gozo: “essa alegria está em amar o amor sem inscrevê-lo em algo particular e passageiro”, e então enfatiza: “O amor espera encontrar com a eternidade a sua própria realização” (Arendt, O conceito de amor em Santo Agostinho, p. 35).
Apesar desta referência à “eternidade” Arendt não chega àquela virtude teologal: amor, que deve ser conjugada de modo “existencial” como fé e esperança, já que na eternidade, para os que creem, a fé e a esperança já estarão em plenitude no Amor.
ARENDT, H. O conceito de amor em santo Agostinho. Tradução de Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
SAFRANSKI, R. Heidegger, um mestre da Alemanha entre o bem e o mal (biografia). Tradução de Lya Luft. Apresentação de Ernildo Stein. São Paulo: Geração Editorial, 2000.
Poder, punir e psicopolítica
Após Vigiar e Punir, Foucault se deu conta que a sociedade disciplinar não era exatamente o que refletia a sociedade moderna, está dito assim no livro sobre Psicopolítica de Byung-Chul Han, “o problema, contudo, foi que permaneceu ligado tanto ao conceito de população quanto ao de biopolítica [citando Foucault] “se depois que soubermos o que era esse regime governamental chamado liberalismo é que poderemos, parece-me apreender o que é biopolítica” (Han, 2020, p. 37).
Byung-Chul descobre que “a técnica disciplinar passa da esfera corpórea àquela mental. O termo inglês industry (indústria) significa também “esforço”. A locução industrial school pode significar casa de correção. Bentham também sugere que seu pan-óptico melhoraria moralmente os internos. Conteúdo, a psique não está no foco do poder disciplinar” (Han, 2020, pg. 35).
O ensaísta coreano-alemão desenvolve todos os pressupostos desenvolvidos por Foucault para realizar a passagem da biopolítica à psicopolítica, a qual tem razão, porem está totalmente vinculada a ideia que é o princípio neoliberal e não o hegeliano que estabelece essa lógica de poder, ainda que tanto no livro O que é poder quanto no livro No enxame, examine outros aspectos que vão da tecnologia ao comportamento humano, por exemplo, no ensaio No enxame, ele afirma que a única forma de poder simétrica é o respeito.
De modo mais analítico não deixa de considerar a filosofia idealista também dentro de um aspecto comportamental:
“Como na relação de conhecimento (Kant), não existe continuidade do Ego, sem o Alter, como ele atesta, ao denotar que, o poder permite ao ego ser no outro por si mesmo. Ele gera uma continuidade do self. O ego realiza no alter suas decisões. É desse modo que o ego continua no alter. O poder proporciona ao ego espaços que são seus, nos quais, apesar da presença do outro, ele pode estar em si mesmo.” (HAN, 2019, p. 11).
Assim é preciso escapar dos conceitos egoístas, exclusivistas para penetrar num nível de alter para realizar plenamente nossos sentimentos e decisões, não é um esforço do self nem do poder egocêntrico que atingimos este estado de paz e felicidade tão desejados.
Assim egos inflamados, senhores que se apossam do poder para dominar os outros não são capazes de criar uma política saudável que contemple toda a sociedade e quiçá toda a sociedade, por que não é possível viver em harmonia sem respeitar a diversidade, a diferença enfim o Outro.
Todos regimes totalitários caminham para a guerra porque precisam eliminar o Outro, o diferente e a voz de quem vê o mundo sob outro prisma.
HAN, Byung-Chul. A psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas do poder, Petrópolis: Vozes, 2020.
HAN, Byung-Chul. O que é Poder? Tradução de Gabriel Salvi Philipson. Petrópolis: Vozes, 2019.
Tensão máxima entre OTAN e Rússia
Acusações de agressões diretas entre o Ocidente e a Rússia chegaram a um limite perigoso.
As tensões em torno da guerra no leste europeu chegaram a um limite máximo, o primeiro-ministro inglês Keir Starmer e o presidente dos EUA Joe Biden estariam conversando sobre a permissão de Kiev utilizar misseis de longo alcance ATACMS americanos e Storm Shadow inglês em alvo interno da Rússia, sendo o governo russo isto já estaria acordado.
Por outro lado China e Rússia realizaram exercícios militares conjuntos que foram chamados de “Joint SEa-2024” que o Japão e países do oriente veem com desconfiança, além de Taiwan e as ilhas que são conflitos entre Japão e Rússia (ilhas Sacalina e Curilas) e China e Filipinas (Ilhas Spratlye e o Atol de Scarborough), porém o principal conflito é de mercados com o Ocidente.
A Rússia tem usado drones do Irã no confronto com a Ucrânia, e isto fortalece o elo com o mundo muçulmano, enquanto o apoio a Israel de França e EUA fortalecem a aliança da OTAN.
O Brasil e a China haviam proposto uma proposta de paz que seria “congelar as fronteiras atuais” num cessar fogo, porém isto se referia a maio, agora o avanço dos ucranianos em território russo muda este cenário, e não fica claro qual é a proposta de fato, porém o presidente da Ucrânia Zelensky já havia rechaçado a proposta, se dizendo não consultado.
O cenário é grave porque o simples ataque a território russo de mísseis de longo alcance será considerado uma agressão da OTAN, uma vez que países do ocidente ofereceram armas e deram um aval, por outro lado as forças da OTAN preparam uma possível retaliação.
Na frente do Oriente Médio, conforme explicando quase com os mesmos aliados e inimigos, também o clima é de hostilidades e um acordo parece estar cada vez mais longe.
Um alto comandante do Hamas, Oussama Hamdane, em entrevista à AFP acusando os Estados Unidos de não exercer pressão suficiente para Israel buscar um acordo de cessar-fogo, e afirma que ao contrário “está a tentar justificar a evasão do lado israelita a qualquer compromisso”, e a força política americana seria capaz de levar o Oriente Médio a uma esperança de paz num conflito que ultrapassou limites humanitários.
Restam esperanças, vozes que apelam para a serenidade e o bom senso, organismos e entidades diversas que procuram honestamente buscar uma paz razoável e duradoura.
Assimetrias, poder e sociabilidade
O ensaísta coreano-alemão Byung-Chul Han, em seu livro No enxame, ressalta que somente o respeito é simétrico, as diversas formas de comunicação e poder são assimétricas, porém isto levado ao limite causam ódios, desprezos e guerras.
Jacques Rancière que escreveu “Ódio a democracia”, ressalta que este tema tomou contornos dramáticos atualmente, mas já existem na literatura: “ O autor ressalta que a rejeição à democracia não é novidade, no entanto apresenta novos contornos:
Seus porta-vozes habitam todos os países que se declaram não apenas Estados democráticos, mas democracia tout court. Nenhum reivindica uma democracia mais real. Ao contrário, todos dizem que ela já é real demais. Nenhum se queixa das instituições que dizem encarnar o poder do povo nem propõe medidas para restringir esse poder.
Relendo a literatura lembra autores que a defendiam: “A mecânica das instituições que encantou os contemporâneos de Montesquieu, Madison, Tocqueville não lhes interessa. É do povo e de seus costumes que eles se queixam, não das instituições do seu poder. Para eles, a democracia não é uma forma de governo corrompido, mas uma crise da civilização que afeta a sociedade e o Estado através dela”, e assim não falamos de “crise civilizatória” ao acaso.
Assim a discussão de mídias e meios influenciando a política existe a séculos, também o fato de difamar adversários através de situações nem sempre verdadeiras ou mesmo descontextualizadas é prática comum para tentar impor uma opinião de modo assimétrico.
O fato atual é que temos um meio mais potente que pode potencializar estas falsidades e as novas mídias não são apenas algoritmos de controle ou mecanismos eficientes de Inteligência Artificial agora novo enfoque tecnológico, o fato que buscar um equilíbrio, uma simetria desde a relação pessoal até o poder.
Não se pode aplicar as leis unilateralmente, ou mesmo, fazê-las ao sabor de situações políticas, elas devem valer para todos e se mudarem devem seguir um rito e as instituições apropriadas para isto, atropelar os poderes, antecipar processos ou fazer ritos sumários são abusos do poder.
Assim começamos com o respeito a opinião, ao diálogo, ao diferente e chegamos ao exercício do poder com moderação e o máximo de equidade, mesmo que forças contrárias enfrentem o discurso contraditório, é preciso fazê-lo no âmbito da legalidade e da legitimidade.
No nível pessoal superar empasses, rusgas e diferenças pessoais com parcimônia e respeito ajudam o equilíbrio das relações sociais, ainda que muitas vezes para um lado beire a ofensa.
Não é uma atitude heroica, é uma defesa do convívio, da tolerância e da paz social.
RANCIÈRE, Jacques. Ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014.
A crise do pensamento e a guerra
O cenário do envolvimento mundial nas guerras é um cenário difícil, é preciso entender o que está por trás, antes tempos um confronto cotidiano entre mentes, almas e interesses econômicos que se digladiam diariamente.
Refletem a crise do pensamento contemporâneo que não é apenas filosófica, religiosa ou política, ela e uma perda de fundamentos do que é o humano, a natureza e a própria ciência.
A visão de Sloterdijk expressa em sua esferologia no volume I Bolhas, ele mostra que o tanto o fenómeno onto como antropológico são mais essenciais que a a relação entre sujeito e objeto, pois precedem a ela a experiência espacial do Ser-em (ainda que não seja exatamente o que Heideger chamou de In-Sein), esta é a principal crítica ao idealismo contemporâneo.
No campo religioso (e pode-se estender ao pensamento), o ensaísta Byung-Chul Han, reflete que o “pathos da ação, bloqueia o acesso à religião. A ação não faz parte da experiência religiosa.” (Vita Contemplativa de Byung Chul Han, pg. 154), assim a religião também está em “guerra” cotidiana que leva no extremo a guerra militar.
O ódio que chegou ao Irã e seus grupos aliados e a Israel estão vinculados a esta ideia, e também o fundamentalismo que é diferente da ortodoxia, levam aos extremos da guerra.
Enquanto a ortodoxia proclama o amor e o vínculo ao próximo, a ação leva a guerra e a destruição do diferente, nada é tolerado que não seja semelhante ao “modelo” do ideal ou da ideologia que dele derivou, as ditaduras e opressores proliferam pelo planeta.
A preparação do Irã e de Israel para uma guerra total sem intermediários, e da Otan com a Rússia estão cada vez mais próximas, claro sempre é possível um bom senso e saber que todos perderão, mas a lógica da guerra é sempre alguém perderá mais, e isto constitui a vitória.
A aproximação da Rússia de Kharkiv e a entrada da Ucrânia em território russo demonstra que a guerra é de conquista e assim reduzem a possibilidade de um acordo de paz.
Sempre é possível a esperança e nela consiste a resistência do espírito e o desejo de paz.
Acirram as guerras e seus crimes
Tanto no leste europeu quanto no oriente médio a violência contra civis aumenta e a guerra toma cada vez mais proporções mundiais com a presença de forças dos EUA e da Europa.
O avanço da Ucrânia sobre a Rússia tem uma reação de múltiplos bombardeiros de regiões civis por parte da Rússia, enquanto a Ucrânia avança em território russo e tenta se consolidar dentro deste território, sofrendo revezes no leste onde as forças russas se aproxima de Kharkiv.
Na fronteira do Líbano e na Cisjordânia, Israel e o Hezbollah trocam fogo através de foguetes, o primeiro- ministro Benjamin Netanyahu foi condenado pelo procurador do Tribunal Internacional Penal Internacional pelos crimes contra a humanidade e crimes de guerra em Gaza, o Hamas por outro lado matou 6 reféns quatro homens e duas mulheres que estavam no festival de música, palco do terrorismo feito pelo Hamas em território israelita.
O clima é de guerra total, Israel se declarou “em guerra”, há evacuação de civis em Gaza, e diversas empresas aéreas cancelaram voos para Israel.
O quadro é bastante preocupante porque cada vez mais é um caminho sem volta, uma guerra total é cada vez mais possível, o ministro das relações exteriores da Rússia falou abertamente do assunto, na terça-feira passada (27/08) disse que “o ocidente está brincando com fogo”.
O ministro e porta voz ameaçou diretamente os EUA afirmando: “os americanos associam inequivocamente as conversas sobre a Terceira Guerra Mundial como algo que – se, Deus nos livre, acontecer – afetará exclusivamente a Europa”, assim assume que a possibilidade existe.
Certamente o aviso é claro, e a situação de tropas ucranianas em uma área de 1.200 km2 dentro da Rússia não é apenas um incomodo, mas mostra ao menos pontualmente, uma fragilidade militar da qual a Rússia sempre se orgulha, o país nunca abandonou a educação bélica, que é ensinada até mesmo nas escolas estatais.
A preocupação mundial é a tensão no oriente médio, infelizmente não há perspectiva de desarme e tanto a condenação de Netanyahu como a morte de reféns pelo Hamas é lenha na fogueira que alimenta o ódio e a guerra, setembro que se inicia traz preocupações mundiais.
Do lado do leste europeu, é possível costurar alguma trégua e um caminho para a paz, se a Europa e o OTAN quiserem, claro e a Rússia admitir a negociação, com as derrotas recém e a preocupação com seu território isto pode acontecer, porém o envolvimento de diversos países é muito preocupante, é preciso uma sinalização clara de respeito a soberania russa.
A paz deve ser desejada e praticada por todos, é preciso desarmar os espíritos, o clima global é tenso.
Justo, a ideia e o pensamento
As três palavras são importantes num momento de grande crise do pensamento (o que é), o que é ideia, e a ideia de justiça ou do justo, explorada por pensadores atuais como Jürgen Habermas (citado em post anteriores sobre a inclusão do Outro) e citamos de passagem os dois volumes de Paul Ricoeur o Justo (o volume dois publicado pela Martins Fontes) embora o próprio autor diga que é um ensaio, ele penetra num aspecto mais profundo, a questão da verdade e da moral.
A leitura do texto a Inclusão do Outro de Habermas, esclarece que em termos filosóficos, que a moral em John Rawls, em termos kantianos tem diferenças entre o liberalismo político original de Kant e o republicano kantiano que é como Rawls o defende, isto bastaria, mas há uma longa análise no Volume 1 de Paul Ricouer sobre a justiça em Rawls.
Para entender o livro 2 de Ricoeur é preciso entender que para os gregos a filosofia primeira é aquela que para eles, e a retomada ontológica tem a ver com isto, a metafísica como questões sobre o Ser, a existência, a causa e o sentido da realidade e a physis (natureza) devem ser colocados de modo precedente à segunda os aspectos ligados à lógica e a ética.
O livro 2 aborda aquilo que parece mais essencial em Ricoeur, embora confesse que se trata de um ensaio, sua meta é “justificar a tese de que a filosofia teorética e a filosofia prática são de níveis iguais; como nenhuma dela é filosofia primeira em relação àquilo que Stanislas Breton caracterizou como função meta- (eu mesmo .. defendia essa reformulação da metafísica nos termos da função meta-, na qual seriam unidos “os gêneros máximos” da dialética dos últimos diálogos de Platão e a especulação aristotélica sobre a pluralidade dos sentido de ser ou do ente) “ (Ricoeur, 2008, p. 63) … mas não falou (inicialmente era escrito de uma conferência) disto e sim das duas filosofia segundas.
Sua análise está fundada “num primeiro momento, pensar a justiça e a verdade uma sem a outra; num segundo momento, pensá-las de modo da pressuposição recíproca ou cruzada” (Ricoeur, 2008, p. 64) e esta empreitada “nada tem de revolucionária, situa-se na linha das especulações sobre os transcendentais …” (idem).
Ao abordar o primeiro estágio da análise: “Pensei na declaração de Rawls no início de Théorie de la justice: “A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, assim como a verdade é a primeira virtude das teorias” (pg. 65) e ali o autor retoma a parte ética de outro texto seu: Soi-même comme um autre, para “garantir o estatuto eminente da justiça”.
A ideia desenvolvida ali é que está tríade leva a “eqüidade”, não é o dualismo entre o Eu e o Outro (o próximo usa também Ricoeur), “a tríade pertence ao eixo horizontal não consiste absolutamente na simples justaposição entre o si, o próximo e o distante; é a mesma dialética do si. O querer viver bem enraíza o projeto moral da vida, no desejo e na carência, como marca a estrutura gramatical do querer … mas sem a mediação dos outros dois termos da tríade, o quer vida boa se perderia na nebulosa das figuras variáveis da felicidade … eu diria que o curto-circuito entre o querer vida boa e a felicidade resultado do desconhecimento da constituição dialética do si” (pg. 66).
O autor formula a ideia da distante nestes termos: “justa distância, meio-termo entre a pouquíssima distância própria a muitos sonhos de fusão emocional e o excesso da distância alimentado pela arrogância, pelo desprezo, pelo ódio ao estranho, desconhecido. Eu veria na virtude da hospitalidade a impressão emblemática mais próxima desta cultura da justa distância” (pg. 66).
A justiça no eixo vertical, aquele do poder e da norma é vista pelo autor assim: “no eixo vertical que leva à preeminência da sabedoria prática e, com ela, da justiça como equidade, pode-se fazer uma primeira observação referente à relação entre bondade e justiça. A relação não é nem de identidade, nem de diferença; a bondade caracteriza a meta do desejo mais profundo e, assim, pertence à gramática do querer. A justiça como justa distância entre o si e o outro, encontrado como distante, é a figura inteiramente desenvolvida da bondade. Sob o signo de justiça, o bem torna-se bem comum” (pg. 67).
Considero a tríade o si, o outro e o distante, se visto também como uma alteridade transcendente, há um outro “desconhecido” e que pode ser divino e portador de mensagens, na teoria das redes por exemplo o “elo fraco” é considerado fundamental, o ensaio de Ricoeur é rico, porém ao retomar a questão do imperativo categórico kantiano, que justifica o idealismo político, creio que Habermas está correto em afirmar que este é o deslise na consistente “Uma Teoria da Justiça” de John Rawls atual e muito influente.
Uma parte da leitura bíblica pode ampliar o conceito deste distante como alteridade transcendente (Mt 5,20): “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus”, que no sentido deontológico poder-se-ia dizer “não entrareis na verdade da justiça”.
Uma parte da leitura bíblica pode ampliar o conceito deste distante como alteridade transcendente (Mt 5,20): “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus”, que no sentido deontológico poder-se-ia dizer “não entrareis na verdade da justiça”.
RICOEUR, P. Justo 2: justiça e verdade e outros estudos. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Os pobres e a demagogia
O discurso fácil, especialmente em época de política, é o apelo aos pobres, os esquecidos, os descriminados, etc. durante algum tempo os populistas até oferecem alguma coisa a população, políticas de distribuição de renda e crédito barato, porém o problema é que não esquecem de abastecer aliados e o próprio bolso, além das contas públicas que explodem.
Isto aconteceu em vários países da américa latina e o resultado é que a conta chega e aí vemos os fantasmas do autoritarismo e da revolta popular saltar para fora, agora se dão conta que também isto pode ocorrer em países da África, o Congresso Nacional Africano (ANC) , partido de Nelson Mandela que libertou a África do Sul do apartheid, perdeu as eleições para prefeito em Nelson Mandela Bay e também na capital Pretória.
O presidente sul-africano Jacob Zuma está envolvido em processos de corrupção e a miséria e a economia não funcionam bem lá, assim a população perde as ilusões com promessas futuras.
O populismo ilude com discursos, mas em muitas partes do planeta aos poucos uma maior divulgação dos fatos vai tornando mais necessárias ações concretas, posturas honestas e ainda mais políticas claras de retirar a população da pobreza, a Argentina foi um exemplo disto.
Em muitos países a população de rua e desempregados aumenta, até mesmo na Europa esta é uma das fontes de xenofobia, como pessoas de países pobres não recusam trabalhos pesados e salários menores, tem-se a impressão que estão “tomando” os empregos dos trabalhadores locais, a análise demagógica de algo está melhorando vai caindo por terra.
A ameaça de guerra pode tornar isto mais grave ainda, porque governos “duros” podem ser pensados como “necessários” neste momento, enfim é preciso um turning point, e não há como fazer isto sem políticas claras, sustentáveis e menos populistas para mudar o cenário.
É preciso eliminar a pobreza de modo radical e sem fronteiras, não bastam políticas públicas assistencialistas e imediatistas, é preciso ter um horizonte claro onde a dignidade de toda pessoa seja garantida, além do socorro imediato da fome, das guerras e de doenças endêmicas.
A eleição de prefeituras e estados regionais é claro, tem um viés mais provinciano, porém não deve deixar de contemplar um cenário global em mudança e uma mentalidade mais ampla, o mundo já é uma aldeia global a algum tempo.