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Ameaças de guerra total
As declarações de Macron e Putin assustam a Europa, embora a neutralidade não seja o termo exato para o envolvimento devido a presença da OTAN em vários países, agora Suécia e Finlândia, fronteiras com a Rússia.
Em entrevista ao jornal Le Parisien, publicada sábado passado (16/03), Macron declarou: “Prepare-se para todos os cenários possíveis” na e acrescentou “talvez em algum momento isso tenha que ser feito”, e “todos assumirão suas responsabilidades”, provocando reações de diversos tipos, umas contra e outras a favor.
Em resposta, Putin disse que, caso algum país do |Ocidente envie tropas à Ucrania, uma guerra entre a Rússia e a Otan seria inevitável, e ameaçou usar armas nucleares “capazes de destruir a civilização”.
Putin tem uma maleta com um comando e controle eletrônico altamente secreta chamada de “Kazbek”, acredita-se que também o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior russo Valery Gerasimov, também tenham estas maletas, elas controlariam mais de 4300 ogivas nucleares.
Também os planos da OTAN para implementar um modelo rotativo de defesa aérea na Lituânia estão tomando forma, de acordo com o ministro da Defesa lituano, Arvydas Anušauskas.
A eleição da Rússia com 87% dos votos para Putin foram criticadas no Ocidente, a Alemanha chamou de “pseudo-eleições”, os jornais franceses de “simulacro”, enfim opositores presos ou mortos e muita repressão a oposição.
Putin afirmou que a Russia consideraria testar uma arma nuclear caso os Estados Unidos o fizessem, em 2023 o presidente russo retirou a Rússia do Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT, em inglês), embora seja noticiado que a Rússia não realizou nenhum teste, recentemente, testou o míssel Bulava (SS-NX-30 na classificação da Otan) pode ser equipado com dez ogivas nucleares.
O tom subiu, mas também a resistência do espírito e da esperança não diminuiu, a paz é possível.
O não-pensamento na atualidade
O texto de Heidegger sobre a Serenidade, feito em 1949 em cerimônia de comemoração do centenário de morte de Conradin Kreutzer, em sua cidade natal Meßkirch,, que por ser também a cidade Natal de Martin Heidegger, este foi chamado a falar no evento, livro é parte desta seu discurso.
O texto da serenidade revela o quanto nós somos induzimos a um pensamento calcula que corre de oportunidade em oportunidade, é fundamental para se entender que isto que é atribuído ao mundo digital, já ocorria muito antes deste, e não está restrito ao universo digital: “este pensamento continua a ser um cálculo, mesmo que não opere com números, nem recorra á máquina de calcular, nem a um dispositivos para grandes cálculos” (pg. 13), mesmo muito anterior ao universo digital, fala dele e diz que não é dele que está falando.
A dinâmica, que muitos atribuem ao universo digital já era a muito presente no homem moderno: “o pensamento que calcula (rechnend Denken) nunca para, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento que medita (ein besinnliches Denken), não é um pensamento que reflecte (nachdenkt), não é o sentido que reina em tudo o que existe” (idem, pg. 13), isto é, do final da década de 40 e anterior aos computadores modernos.
Convém traduzir as palavras alemãs: ein besinnliches Denken (um pensamento contemplativo) e nachdenkt (pensar sobre) e das rechnend Denken (pensamento calculista).
Assim para o filósofo existem duas formas de pensamento: o que calcula e o que medita, e pode-se pensar que o segundo não se apercebe da realidade, “não contribui em nada para levar a cabo a práxis” (pg. 14), pode levar a pura reflexão, a meditação persistente ser “demasiada “elevada” para o entendimento comum” (idem).
O autor diz que a única coisa correta é que a verdade de um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula, ambos requerem esforços.
O fato que o homem contemporâneo está vinculado a uma forma de pensar é porque é esta a forma atual em que o pensamento foi elaborado e treinado, ligado a logos racional e ideal.
Porém pondera que cada um pode seguir os caminhos da reflexão dentro de seus limites e a sua maneira: “Não precisamos, portanto, de modo algum, de nos elevarmos às “regiões superiores” quando refletimos. Basta demorarmo-nos (verweilen) junto do que está perto e meditarmos sobre o que está mais próximo: aquilo que diz respeito a cada um de nós, aqui e agora; aqui, neste pedaço de terra natal; agora, na presente hora universal” (pg. 14).
Claro Heidegger refletia sobre a comemoração em sua cidade Natal, mas isto vale para todos os eventos que vivemos em nossas vidas.
Heidegger, M. Serenidade. Trad. de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.
Rússia acuada e Israel questionado
O panorama das duas principais guerras que preocupam as lideranças mundiais continua tendo lances e episódios tristes no seu desenrolar, na Rússia a morte de um ativista em prisão da Sibéria e em Gaza as dificuldades de ajuda humanitária.
Enquanto vencem no campo de batalha, estas duas superpotências perdem no campo diplomático já que para muitas autoridades a situação é de desumanidade e ameaça a civis.
Na Rússia a morte de Alexei Navalny na prisão levou milhares de pessoas ao seu enterro (foto), o advogado, ativista e blogueiro tinha uma atividade intensa e era respeitado por grande parte da população, segundo fontes russas 67 pessoas foram presas no enterro, e também a entrada da Suécia para a OTAN expõe o enfrentamento a guerra.
Putin ameaça retaliação a Suécia enquanto aumenta o tom com o Ocidente afirmando que uma entrada de tropas ocidentais na guerra da Ucrânia levaria a um caos nuclear, em resposta ao presidente Macron da França que disse que não hesitaria enviar tropas, porém outros países refutaram esta ameaça afirmando que não o fariam.
O envio de apoio humanitário a faixa de Gaza cria polêmica com Israel que diz facilitar, porém a reação internacional pedindo o fim das hostilidades, sem deixar de exigir a liberação de reféns que ainda estão em controle do Hamas, aparece em destaque na imprensa mundial.
Quem subiu o tom com Israel foi o presidente da Turquia, Erdogan que afirmou que Israel comete uma “tentativa de genocídio” com a operação militar na faixa de Gaza.
Inúmeros países já se manifestaram pelo fim da guerra, também o papa já se pronunciou recentemente afirmando “carrego no meu coração todos os dias, com dor, o sofrimento da população na Palestina e em Israel, e pedindo acesso seguro para a ajuda humanitária.
A escalada perigosa destas duas guerras pode levar a uma tragédia civilizatória e é preciso sabedoria e serenidade das lideranças mundiais.
O sócio e o próximo
A relação concreta de amizade social só é efetiva em cada próximo, a ideia de generalização de atitudes sociais pode ser inserida em uma cultura, mas ela somente será efetiva se na relação com cada um com quem relacionamos ela se torne efetiva, senão é discurso e ideologia.
O texto do Paul Ricoeur “O sócio e o próximo”, que faz parte do livro ¨História e Verdade” não só modifica o conceito de verdade histórica como desvela que só há relação social concreta na medida em que inserimos em nossos diversos círculos sociais e a cada relação pessoal concreta.
O contínuo egoísmo, preconceito abre a alma em abismos de separação com o Outro, faz dela um contínuo de separação, exclusão levando a incredulidade no amor e na solidariedade social.
Mudar de atitude, transformar o egoísmo em gestos de bondade e viver em cada relação específica um amor até mesmo sobre humano que dá dignidade e respeito a cada ser que passa ao nosso lado, não é um altruísmo ou uma forma de ignorar os conflitos sociais, é também elevar a alma a um estágio de felicidade com os outros, e espalhar a esperança.
Enquanto a relação de sócio é apenas de um interesse pessoal, a de próximo ultrapassa esses limites e dá uma elevação no nível de confiança, inclusão e aproximação diferente do sócio:
Ao discorrer sobre a diferença entre estas relações, discorre sobre a caridade: “A caridade não precisa estar onde aparece; também está escondida na humilde e abstrata agência dos correios, a previdência social; muitas vezes é a parte oculta do social ”, Paul Ricoeur em Le socius et le Prochain (1954), e está traduzido no livro História e Verdade de 1968.
O texto nos lembra que assim como as instituições podem ter apenas relações de societárias, pode-se passar por elas também relações interpessoais, de afeto e de solidariedade e que tornam elas menos frias e menos burocráticas, onde se vê não um cliente ou um serviço a mais, mas um próximo pelo qual pode-se interessar.
Não por acaso é um capítulo de História e Verdade, porque a verdade só é estabelecida entre amigos verdadeiros e que são próximos, e se são sócios serão apenas para estarem mais próximos, enquanto manter a aparência social, mesmo com espírito de empatia não é ainda a verdadeira relação humana se a pessoal não se realiza de modo concreto.
Assim a amizade social, deve necessariamente passar pelo amor verdadeiro a cada pessoa que passa ao nosso lado.
Ricoeur, P. História e Verdade, trad. F. A. Ribeiro. Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro, 1968.
Procrastinar e fazer bem bem-feito
A procrastinação significa o adiamento de tarefas que são normais do dia a dia e outras excepcionais que são inadiáveis, a mesma Sociedade do cansaço (Byung Chul-Han escreveu um livro) é também a sociedade da procrastinação.
Adiar tarefas é contraprodutivo, quando se quer otimizar o tempo e ter tempo para descansar, fazer o lazer ou meditar é preciso não procrastinar e fazer as tarefas necessárias para que haja o tempo disponíveis para sentir o Aroma do Tempo (outro livro de Byung Chul-Han).
Entretanto podemos estar em atividades desnecessárias, em pequenos e grandes vícios, que além de nos roubar o tempo, roubam também o nosso tempo de parar, descansar e Ser.
É um problema humano de todos os tempos, para aqueles que acreditam que isto acontece por causa das novas mídias e celulares, que podem ser vícios também como outros, já o poeta da antiguidade Hesíodo (800 a.C.) escreveu: “deixar seu trabalho até amanhã e no dia seguinte” é um problema humano.
A pesquisadora de Harvard Caroline Webb em artigo na revista da universidade escreveu: “isso porque é mais fácil para nossos cérebros processarem coisas concretas em vez de abstratas, e o incômodo imediato é muito tangível em comparação com aqueles irreconhecíveis e incertos dos benefícios futuros”, por isto atividades que nos tiram da rotina e nos colocam em uma dimensão social, isto é, com o Outro, movimentam nosso cérebro para regiões “incomodas”.
Acreditar que você deve esperar estar com bom humor para fazer algo é uma armadilha que pode levar à procrastinação. Joseph Ferrari, um professor de psicologia na Universidade DePaul, nos Estados Unidos, descobriu que o pensamento “não estou com humor para cumprir X tarefa” pode levar a um ciclo vicioso.
Realizar pequenas tarefas, aquilo que o professor e pesquisador Tim Pychyl testou e confirmou a eficácia: “uma que os alunos começaram, eles avaliaram as tarefas como menos difíceis e menos estressantes, e ainda mais agradáveis do que pensavam”, assim isto devolve a rotina.
Tarefas como arrumar a cama, preparar o café da manhã, retirar as louças e lavá-las, e outras podem também trazer uma recompensa, tiram do stress e devolvem harmonia ao seu redor.
Se feita para fazer um bem, e sendo bem-feitas trazem também uma recompensa espiritual e não raro sentem um alívio “inexplicável” que é resultado de fazer um bem de modo bem feito.
Referência:
Webb, Caroline. How to beat procrastinantion, Harvard Business Review, 2016 Acesso em: fevereiro 2024, Disponível em: https://hbr.org/2016/07/how-to-beat-procrastination
Fragilidade humana diante do Infinito
Uma das obras importantes para entender a viragem linguística do ponto de vista da ontologia é a obra de Emmanuel Levinas, destacando aqui uma obra que toda a questão da impossibilidade de objetivação do Outro e da limitação humana diante de debilidades como os vícios, as dificuldades éticas e a guerra.
Levinas tira parte de sua experiência do que viveu na segunda guerra mundial, onde foi mantido preso pelo regime nazista, além de ter seus pais e irmãos executados, viu as atrocidades da então dita “razão esclarecida” que se mostrou violenta e totalitária, estas experiências estão em tensão em seu pensamento, e são importantes num contexto de ameaça de uma nova guerra mundial.
A ontologia tem seu papel dentro da metafísica segundo o autor, mas não seu primado como o de filosofia primeira, a transcendência do âmbito do “si” e do “ser”, uma vez que este movimento desvelou-se (as categorias de re-velar é um novo velamento) retornando o movimento ao si mesmo, ao idêntico, ao ser e e sua preservação, não ao reconhecimento do Outro.
Em contraposição a Heidegger, para quem a relação do ser com outrem é subordinada a uma relação com o ser em geral e nada interfere no surgimento do eu, Levinas entende que o eu não se deve ao Ser, mas ao Outro, e assim esta relação é fundamental como em Paul Ricoeur.
O autor propõe em Totalidade e Infinito uma nova escolha para a compreensão do ser em que a exterioridade não seja sacrificada, assim a relação com o Outro e com o “mundo” exterior é reflexo e caminho para a interioridade, nela encontra uma relação com o todo e infinito.
Esta relação do eu com o rosto do Outro que apresenta uma resistência ética, para o autor, é pela sua epifania, pela sua “aparição” (categoria fundamental na fenomenologia), que a exterioridade do ser infinito pode se manifestar como resistência.
O seu pensamento é mais complexo, mas podemos entender que a debilidade e limitação do eu, se mantida em tensão com a exterioridade e com o Outro, desvela o infinito e nossa relação com ele, que não pode ser outra que o reconhecimento de sua “transcendência”.
Levinas, E. Totalidade e infinito. Lisboa : 70, 1988.
Ontologia e Poder
Não os aspectos externos que evidenciam que tipo de poder alimentamos e defendemos no dia a dia, mas aqueles que concretamente colocamos no interior do nosso Ser e praticamos como consequência daquilo que temos dentro.
Assim como os vícios, as virtudes também podem ter um círculo virtuoso, podem se tornar hábitos, e diante de cada fenômeno ou coisa, tomamos uma atitude que tem uma intenção boa ou má.
O poder é força, capacidade e, ao mesmo tempo, autoridade, mas existe a autoridade do testemunho e do reconhecimento público, que é um poder que se impõe pelo respeito, a única relação que pode dar-lhe simetria (igualdade diante do Outro), e existe o poder da força, aquele que leva a opressão e em última análise, as guerras.
Encontramos isto na filosofia do Idealismo, que levou a uma concepção de Absoluto e de Estado, cujo auge foi o idealismo hegeliano, e podemos encontra-la no dia-a-dia em teorias de autoestima, de autovalorização em detrimento do Outro e literatura que enfatizam o “Eu”.
A ontologia que é o estudo mais profundo do Ser e do Ente, ao contrário vai em busca das raízes mais profundas deste Ser e da realização individual sem esquecer a relação com o Outro e com as coisas, se há uma ênfase nas “coisas” hoje (ver Não-coisas de Byung Chul Han), as relações concretas com a natureza, com os alimentos e com o dinheiro diz algo do que somos.
Nesta filosofia a essência é tratada como elemento característico do ser em alguém, como a racionalidade, que faz o homem, para santo Tomás de Aquino, esta essência é “quididade” (a coisa em-si) ou a “natureza” que abrange tudo que está expresso na definição da coisa, tanto na sua forma com a sua matéria.
Não há conceitos em Ontologia e sim uma conceitualização que é relação com Ser nas linguagens, hoje a chamada virada linguística vê o conceito assim.
Esta filosofia embora metafísica é considerada realismo, em oposição ao nominalismo onde o dar nome as coisas e conceitua-la é mais forte que a essência daquilo que é, observamos isto em todos campos da filosofia e da vida humana, somos um “rótulo” e não aquilo que somos interiormente e essencialmente.
A autoridade de quem expulsa aquilo que é mau para a essência da vida humana, do processo civilizatório deve ser analisada a luz destas categorias e não apenas na perspectiva do poder.
A essência da autoridade de Cristo, que dá base a sua “cultura” era um tipo de Autoridade em essência, diz a leitura: “Todos ficavam admirados com seu ensinamento, pois ensinava com quem tem autoridade, não como os mestres da Lei” (Mc 1,22) e até expulsava “demônios”.
O sofisma moderno
Além da crise do pensamento, da crise social que não conseguimos resolver em mais de um século de um espetacular desenvolvimento das forças e tecnologias que interferem na natureza e deveriam ajudar o homem e não destruir a natureza, talvez a crise civilizatória mais comum esteja na política, uso talvez porque o pensamento que dá base a ela se perdeu.
O modelo da sociedade moderna começou na Grécia antiga e Platão se refere a este modelo principalmente em sua obra “A república”, porém o embate inicial é contra aquilo que era usado como forma de poder de seu tempo: o pensamento sofista.
É preciso definir o sofista para que ele não seja confundido com o filósofo ou com o político, Platão parte do pressuposto de que a nenhum homem é dado o poder de conhecer todas as coisas, o que o tornaria um deus, e na propaganda enganosa do sofista, ele poderia ensinar tão somente uma aparência de ciência universal, e aqui se encontrar a dificuldade de estabelecer o que é a falsidade e a verdade de um discurso enganador, assim está presente em qualquer discurso.
Esta dificuldade entre a verdade e a falsidade é aquela que fomenta uma discussão ontológica, se estabelece assim uma arte da ilusão, faz-se necessário investigar quais são os parâmetros que assim a delimitam e o que propicia esse poder de ilusão, além de determinar qual o seu objeto e sua relação com o que é imitado, assim o sofista não é um leigo, ele possui sim uma arte que deve ser justificada como ilusória e prejudicial quando se pretende formular uma crítica e estabelecer o princípio ou norma ideal para se educar.
Este é o sofisma moderno, o que é educar, agora não se tratam apenas de correntes de Piaget, Skinner, Construtivista, Vygotsky ou qualquer uma das “modernas” teorias da aprendizagem, e sim o problema da fragmentação e vulgarização do conhecimento, onde até questões básicas de matemática, geografia ou literatura, por exemplo, são completamente ignoradas no ensino.
Dois sofismas modernos, só para dar um exemplo, de argumentos aparentemente lógicas que levam a conclusões equivocadas: “Quem não trabalha tem muito tempo livre”, a ideia de usar a força do conhecimento da multidão levou muitas pessoas a investirem o “tempo ocioso” em atividades de mídias sociais, jogos virtuais que são caça níqueis etc., outra espiritual é aquela que imagina um Deus ou uma energia criadora de fortunas e resolução automáticas de coisas complexas da vida, a lógica é “Se Deus é amor e eu amo a Deus minha vida está resolvida”, o esforço, a dedicação e o trabalho pessoal deve vir junto a esta atitude e isto sim significa ter atitudes compatíveis com uma vida digna religiosa: honestidade, fraternidade com os que dependem de nós e resiliência em momentos de dificuldades, que são normais na vida.
Platão ao elaborar a República não esqueceu as virtudes do homem público e toda filosofia trabalhou neste sentido, porém os equívocos no pensamento (filosofia) e na sociedade (ou na política) são decorrentes do desenvolvimento do pensamento antigo em uma direção sempre verdadeira, apesar de lógica, pois a lógica instrumentalizada pode ser um sofisma em certos contextos.
O idealismo e a vivência real
A grande descoberta da vida real (ou redescoberta se tomamos como base a ontologia clássica e medieval) é uma crítica radical ao idealismo, que separa o sujeito da vida com o mundo real, o que é prometido na vida projetada sobre as coisas e as não-coisas (nossos posts da semana passada) é a catástrofe da vida real que não se traduz em valores reais e concretos.
A fenomenologia retoma a vida real através do Lebenswelt (mundo da vida) que foi retomado pelo filósofo Husserl e que é tocado e citado por Habermas, sem desenvolvê-lo realmente.
O objetivo desta filosofia é mostrar que deve ser o ser humano o centro do processo de conhecimento, a consciência humana é doadora de significado ao mundo das coisas, ou dos fenômenos deste mundo, de onde vem o nome fenomenologia, não-coisas também podem readquirir sentido se penetrarmos nesta razão humana (que o idealismo chama subjetividade).
Com isto a consciência humana readquire significado e sentido aos fenômenos e coisas do mundo, direciona ao que é cada coisa em essência, num caminho sempre intencional e com isto doador de sentido.
Husserl na sua obra “Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia transcendental”, é onde este conceito aparece de forma clara e aprofundada, porque estabelece uma relação entre a epistemologia (a sistematização do conhecimento) e a filosofia e redescobre a ascese.
Assim, uma verdadeira ascese não separa o mundo das coisas e não-coisas apenas mostrando que haveria uma irrealidade em um destes mundos, como ele não está separado da vida, é lá que se verifica que nos deslocamos do mundo concreto da vida para um caminho cujo evolução destrói a base do humano e do real, as guerras e as decadências pessoais são isto.
Em Habermas o mundo da vida é trabalhado como algo que está imediatamente disponível para os atores sociais sob a forma de significado e/ou representações disponíveis a todos, já para Husserl a fundamentação fenomenológica remete a uma ética para a ciência e a técnica do mundo, dado que a ciência não conseguiu alcançar este patamar como discurso sobre a ação na qual é ausência a vida da reflexão, e dentro da ciência, o que faz o criticismo de Kant.
Sloterdijk desenvolveu algo próximo a este conceito como uma ascese desespiritualizada, ou seja, apesar de trabalhar o conceito de “fenomenologia do espírito” eles ficam no campo abstrato e sua real atualização no mundo da vida não acontece, porque não é claro que tipo de exercício é este.
Assim realizamos uma série de “exercícios”, somos a sociedade dos exercícios físicos e mentais, mas sua tradução no mundo da vida não leva a atos sociais e morais concretos.
HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
O terceiro incluído da física e o pensamento
O fato que estamos presos ao dualismo, A e não-A, o Ser é e o Não Ser não é, e agora transformado em pensamento político como se a natureza e a sociedade houvesse apenas sempre duas opções em conflito não havendo uma terceira (ou mesmo quarta e quinta opções) é um pensamento desatualizado se olhamos o paradoxo lógico desenvolvido pelo físico Barsarab Nicolescu que encontra paralelo não só na física quântica (foto), mas também no pensamento social e ontológico: a terceira opção (figura).
Tanto que isto é verdade que o próprio texto de Barsarab que pede uma reforma da Educação e do Pensamento (Barsarab, 1999) indica que pode-se ver nesta mudança uma saída do centro de uma crise maior que as questões físicas ou lógicas, afirma Barsarab: “Uma coisa é certa: uma grande defasagem entre a mentalidade dos atores e as necessidades internas de desenvolvimento de um tipo de sociedade acompanha invariavelmente a queda de uma civilização”, ou dita de outra forma, mais ontológica, ente o Ser e o não-Ser há um estado Não-Ser-sendo que rompe dualismos e paradoxos.
Tanto a carta de Barsarab que pede uma reforma da educação, como outros pensadores como Edgar Morin e outros perceberam uma crise na modernidade com raiz no pensamento e na educação, o teórico do Terceiro Incluído T, dá uma sentença preocupante: “O risco é enorme, porque a contínua expansão da civilização ocidental, em escala mundial, faria com que a queda dessa civilização fosse equivalente ao incêndio de todo o planeta, em nada comparável às duas primeiras guerras mundiais”.
Existe ainda um pensamento linear e monodirecional onde a intencionalidade é sempre polarizada e criar um caminho “único” e monocromático, com o eterno perigo de autoritarismo e desvios de poder, para distensionar será necessário um mundo mais aberto e onde todos fossem incluídos e não apenas o que é conveniente ao poder.
A educação deve caminhar e auxiliar este contexto, Barsarab diz em sua carta: “A harmonia entre mentalidades e saberes pressupõe que tais saberes sejam inteligíveis, compreensíveis. Mas será que essa compreensão pode ainda existir, na era do big bang disciplinar e da extrema especialização?”
A dura realidade da pandemia mostra que oscilamos entre uma verdadeira solidariedade e uma distensão para enfrentar a crise, e a polarização oportunista que quer tirar vantagem sobre as mortes e os desvios de uma crise sanitária mal gerenciada, em alguns países mais, mas em quase todos.
A sentença de Barsarab que parece dura não o é: “Existe alguma coisa entre e através das disciplinas e além de toda e qualquer disciplina? Do ponto de vista do pensamento clássico não existe nada, absolutamente nada. O espaço em questão é vazio, completamente vazio, como o vácuo da física clássica”, neste epoché (a visão grega do vazio) pode florescer uma verdadeira filosofia, também ela quando não é (a suspensão de juízo, os novos horizontes além dos pré-conceitos, etc.) é que ela é.
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Trion, 1999.