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Arquivo para a ‘Real’ Categoria

As estruturas do mal

28 set

Se o mal é ausência do bem, é possível também que em nossas ações individuais por descuido, por intenção ou por maldade mesmo, desejando fazer o bem façamos o mal, como explicou Ricoeur no mal simbólico.

Depois que o mal se estrutura socialmente ele parece dar sentido aquilo que em consciência plena sabemos que não é moral ou socialmente correto, não se trata do politicamente correto aqui, mas aquela estrutura de sentido que se dá através da linguagem simbólica, um exemplo grosseiro, mas que serve aqui, os diversos tipos de preconceito que entram na sociedade.

Pode-se didaticamente dividi-lo em três tópicos, sendo o primeiro dentro da experiência humana, o segundo dentro de vários discursos onde o mal tem uma importância filosófica de aporia, isto entro de um pensar filosófico, e o terceiro como determinação da linguagem que pergunta se o mal existe em si mesmo ou ´uma realidade de denominação sobre coisas e ações em torno da existência.

É assim possível discuti-lo fora do sentido maniqueísta, não são polos que se opõe, mas sim estruturas simbólicas que penetram em nosso cotidiano como experiência, como aporia (dificuldade ou dúvida racional sobre sua existência objetiva) ou elemento simbólico da linguagem.

A simbólica do mal foi profundamente desenvolvida no livro de Paul Ricoeur, está ligada a transcendência humana que de alguma forma determinada a negação dos valores positivos da existência humana: defesa da vida, valorização da solidariedade, proteção dos mais fracos, etc. já a aporia é aquela que pela indefinição clara dela cair na indeterminação do bem.

A aporia não só nega o mal, nega a evolução humana (social, tecnológica, ecológica e moral), desconhece o imaginário, a transcendência e valores morais além dos aparentes, nega o Outro imaginando que assim estarei afirmando seu Ser, que na verdade não o compreende ou não está integrado, prevalecendo assim uma rigidez idealista sobre o que seria a transcendência.

Construir o nosso Ser interior, coloca-lo a serviço da sociedade em todos sentidos, em solidariedade com todos os outros não é só um bem, é condição de evolução civilizatória (por exemplo, cidades ecológicas, imagem).

A civilização evolui não apenas porque constrói novas estruturas, tecnologias e valores humanos, mas porque em algum momento deste processo ele passa por imaginação, transcendência e olhar ao Outro e ao redor.

 

Civilização, crises e raiva

15 set

O processo civilizatório que andou de guerras e guerras, foi também marcado por outras grandes crises, coincidência ou não, simples fato natural ou intervenção divina, a peste negra 1347 a 1353 que matou 50 milhões de pessoas, um número alto para a população da época, antecipa um momento de crise do final da idade média e inicio do renascimento.

Não há hoje uma correte que possa ser chamada de “cínica” pela conotação atual da palavra, porém a Crítica a Razão Cínica de Sloterdijk se aplica bem aos céticos: não creem em nenhuma moral, não creem na civilidade e a todo social levam a ira e o desprezo. 

O evento político é a queda de Constantinopla, em 29 de maio de 1453, que dá início ao Império Otomano, que depois se expandirá para toda Europa, pondo fim ao Império Bizantino, claro junto com um movimento cultural que retomava o ensinamento grego clássico.

Também no início da primeira guerra mundial temos a gripe espanhola, claro uma correlação entre epidemias, crises e guerras não é tão simples e fácil de ser compreendida, porém o fato que períodos de crises civilizatórias levaram a guerras e nascimento de novos impérios é um fato, afinal depois da queda de Constantinopla nasce o Império turco-otomano que foi até a primeira guerra mundial.

A existência do ódio, da intolerância é praticamente inerente as guerras, justificativas de certo tipo de “justiça” não faltam, há diversos argumentos para o ódio, para a paz um único: amor a vida e apreço ao processo civilizatório, talvez seja hora de inverter a lógica a guerra: conquista.

Somente entraremos num processo civilizatório digno da humanidade, se abandonarmos os primitivos métodos de correção de erros e injustiças, quase sempre sujeitos a narrativas, um verdadeiro processo de desenvolvimento humano digno do nome não pode ser feito com a prática de guerras e genocídios com tentativas de eufemismos que suavizem a crueldade.

Diz o livro do Eclesiástico (Eclo 17,33): “O rancor e a raiva são coisas detestáveis, até o pecador procura dominá-las”, e o erro deve sempre dar espaço ao perdão e a reconciliação, quantas vezes? Diz a leitura bíblica: “setenta vezes sete” (Mt 18,21).

O processo em desenvolvimento aponta para a eclosão e uma guerra cujas consequências são muito preocupantes pela potência dos armamentos, as tecnologias e o envolvimento mundial.

Sempre há uma atitude possível contrária, sempre é possível um círculo virtuoso, ele virá?

 

Testemunho e humanismo

09 ago

O humanismo verdadeiro é o que permite a evolução do processo civilizatório preservando aquilo de essencial que todo homem possui que é o seu Ser, isto vai além das condições de sobrevivência econômica, social e política, ele deve incluir o Outro e dar este testemunho.

Testemunhos vão desde casos em que alguém precisa de uma informação e recorre a alguém ou a algum meio epistêmico (organizado do saber) até relatos científicos novos que revelam os mais intrincados mistérios da vida e do universo.

Os epistemólogos estão de acordo quanto a importância do testemunho como fonte de justificação, juto a percepção (cognitiva e além dela), da memória (todos meios de informação e difusão) e do raciocínio (além do lógico, do físico e do metafísico), a divergência estão no modo como crenças falsamente justificadas testemunhais podem surgir de crenças justificadas.

Isto se deve ao fato não apenas de crenças consideradas no aspecto religioso, mas também elas, mas do fato que é possível de crenças testemunhais que envolvem percepção, memória e cognição (acréscimo meu) são confiáveis a partir de crenças previamente justificadas, esta é a corrente chamada de reducionista, porque independente do testemunho, já é justificada.

Anti-reducionistas defendem que a justificação de crenças testemunhais é direta: estamos justificados em acreditar que algo pelo simples fato de alguém testemunhar algo mesmo sem haver razões para não fazê-lo, há diferentes tentativas de respostas a este debate.

Fora deste debate epistêmico, devemos pensar que vivemos num tempo que é difícil o pensar e o organização informações de modo a chegar ao testemunho como fonte de verdade, pode-se defender a paz mesmo fazendo a guerra, pode-se defender a democracia limitando os direitos civis e as ideias divergentes, pode-se definir justiça mudando as regras da lei para dar margem a injustiça, pode-se proclamar uma crença mesmo limitando-se a uma prática parcial.

Assim o que está em jogo não é o testemunho das crenças, mas muitas vezes sua própria negação, e pode-se tratar não apenas de má fé ou má vontade, mas dificuldade de cognição, por isto fiz este acréscimo a percepção e memória, onde o problema é a fonte de informação.

Um verdadeiro humanismo deve ter como pressuposto o testemunho, do contrário não temos um referencial confiável para nossos argumento, diálogos e superação de divergências.  

Só podemos testar nosso modo de viver se vivermos de acordo com o que testemunhamos.

Referência:

Leonard, Nick, “Epistemological Problems of Testimony”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2023 Edition), Edward N. Zalta & Uri Nodelman (eds.), URL = https://plato.stanford.edu/archives/spr2023/entries/testimony-episprob/ , 2021.

 

A decadência social e a confiança

08 ago

A mais grave crise social de nossa sociedade, é que mesmo sendo eleito democraticamente, governantes eleitos como deputados, senadores, prefeitos e os mandatários máximos dos países são pouco dignos de credulidade e respeito e isto as vezes explode fora do que é moral.

Confiança como um conceito epistemológico, que possa dar credibilidade ao termo, é indispensável se pensamos na vida social, familiar ou de círculos de amizade, mas não há um consenso sobre uma definição confiável, não querendo fazer uma redundância.

Se lermos estudiosos vemos que sentiram necessidade de verificar as origens do conceito, na busca por compreender melhor seu uso em áreas do conhecimento onde há um arranjo epistemológico que auxilie este esclarecimento.

Um trabalho pioneiro do assunto, foi desenvolvido por David Hume, que a partir das razões históricas quanto ao papel do testemunho na justificação das crenças, o que acabou sendo conhecido como Epistemologia do Testemunho.

Quem imagina que isto é um assunto superado e pouco ou nada tem a dizer ao pensamento atual, cito o pensamento de Giogio Agamben em entrevista no Il Manifesto, em que afirmou? “Contra essa experiência testemunhal do mito está a concepção do mito da modernidade, a qual (por um lado, na forma da desmitização e da ciência do mito e, por outro, na busca de uma ‘nova mitologia’), na verdade, é apenas a sombra produzida pela razão iluminista” (reproduzido em Flanagens, em 14-06-2021),  afirmou o octagenário filósofo italiano.

Tanto na cultura oral como na escrita o testemunho é importante, mas surge uma questão para os dias de hoje: por que confiamos, senão em todos, pelo menos em muitos testemunhos?

Na história da epistemologia, o testemunho como fonte de crenças verdadeiras foi relegado a um segundo plano ou desautorizado na conduta filosófica, isso porque a tradição atual da epistemologia é fortemente individualista.

O aspecto social da aquisição de conhecimento, portanto, não era parte do problema do conhecimento. Mas não é difícil demonstrar nossa dependência epistêmica de outros para aquisição de crenças verdadeiras.

Não é possível voltar a confiança sem uma verdadeira Epistemologia do Testemunho.

 

Teofania existiu, existe ?

03 ago

Quando temos uma clarificação ou um insight, podemos dizer que há uma re-velação, algo novo desponta, mas não temos ainda uma ideia finalista ou total sobre determinado mistério, então é velado de novo.

Não se pode confundir com sentimentalismo ou mesmo uma fortíssima emoção, ela pode ser re-veladora (no sentido de velar de novo) porém as consequências e o fim último daquela emoção vão depender de outras novas re-velações, pois são só afetos e emoções temporais.

Desvelar é algo bem mais profundo, significa tirar o véu, a própria ciência tem uma evolução ao longo da história, as chamadas “estruturas da revolução científica” do físico e filósofo da ciência Thomas Kuhn, noutra linha, Karl Popper desenvolveu a ideia do método científico da falseabilidade, que é sempre estar atento as limitações das teorias científicas.

Desvelar significa não se restringir aos aspectos materiais, empíricos e quantitativos da realidade, almeja entender racionalmente o ente real como um todo a partir de suas causas últimas, assim as causas e afetos temporais não estão em jogo, ou seja, não é re-velação.

É possível desvelar mistérios por caminhos científicos, as ideias quânticas desde Werner Heisenberg (A parte e o todo. 2008), passando por Einstein (Teoria da Relatividade) e Neils Bohr que escreveu sobre a teoria de correspondência (átomos e radiação): “parece ser possível lançar uma luz nas imensas dificuldades, pela tentativa de traçar uma analogia entre a teoria quântica e a teoria ordinária da radiação, da maneira mais próxima possível”, depois o modelo avançou.

No desvelar da narrativa bíblica ocorre uma Teofania, uma manifestação divina onde nenhuma explicação humana é razoável e há nelas alguma verdade “eterna” que a confirma.

No caminho bíblico-histórico que percorremos do êxodo, há uma passagem da Teofania (Ex 40:34-35):  “Então a nuvem cobriu a Tenda da Reunião e a glória do Senhor encheu o santuário. Moisés não podia entrar na Tenda da Reunião, porque a nuvem permanecia sobre ela, e a glória do Senhor tomava todo o santuário”.

Isto ocorre também hoje, há manifestações e Teofanias? Sim e até mesmo instituições religiosas duvidam, e elas não tem a ver com as falsas profecias com interesses particulares.

Li um livro na juventude de um iogue e guru indiano Paramahansa Yogananda, em que ele descrevia uma pessoa que conheceu na Alemanha que comia apenas uma “hóstia” consagrada e não tinha uma aparência débil ou doentia, também um herói da unificação da Suíça, Nicolau de Flüe (1417- 1487) viveu o final de vida assim, com permissão da família e da esposa.

O fotografo judeu Judah Ruah do noticiário “O século”, de uma família tradicional judaico-portuguesa, publicou uma foto para o jornal Illustração Portugueza, em 29-09-1917, fotos do chamado milagre de Fatima prometido aos 3 pastorinhos videntes, ocorrido em 13 de outubro de 1917 e que foi anunciado anteriormente por eles como prova de que os sinais místicos que recebiam eram verdadeiros, foram para lá quase 100 mil pessoas (foto), as pessoas todas viram o Sol dançar no céu.

Claro que depois houveram várias explicações científicas para o fenômeno, porém é interessante os 3 pastorinhos anteciparem o dia exato em que o fenômeno ocorreu e por isto a multidão presente, numa aldeia que ainda hoje é pequena e distante de grandes centros.

No caso da Teofania portuguesa é importante notar que antecede a 1ª. Guerra mundial e pede orações pelo futuro da humanidade, com o perigo de guerra poderia acontecer hoje também?

BOHR, Neils. O Postulado Quântico e o Recente Desenvolvimento da Teoria Atômica. Trad. Osvaldo Pessoa Jr. In: Fundamentos de Física I – Simpósio David Bohm. Org. O. Pessoa Jr. São Paulo: Livraria da Física, 2000. p. 135-159, 1928.

HEISENBERG, Werner. A Parte e o Todo: Encontros e Conversas sobre Física, Filosofia, Religião e Política. 4. reimpr. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

 

A noosfera e a cultura oral

06 jul

O período da cultura oral predominava antes de 3.000 a.C., embora tenham existido escribas no Egito, a escrita cuneiforme na Mesopotâmica e Babilônia antiga, também havia escrita na China Antiga e também nas civilizações originárias das américas: maias, astecas e incas.

A forma de divulgação da cultura e, portanto, da evolução da noosfera foi através de profetas e oráculos, cuja função principal era a transmissão da cultura oral e precede ao ensino letrado e filosófico, até que temos uma virada mais notadamente na cultura Greco-judaico-romana.

Em termos bíblicos, de acordo com relatos do Gênesis, usando genealogias apresentadas na bíblia podemos dizer que tem no mínimo 6 mil anos, porém se percebemos a narrativa, Abel era pastor e Caim era agricultor, então esta narrativa começa no momento em que o homem se torna mais sedentário e o processo civilizatório torna-se mais claro, o fato de Abel ser pastor é simbólico para a linguagem bíblica.

Se este é um fato sem comprovação histórica e também Noé e o dilúvio ainda sejam uma eterna busca de documentação, porém seus filhos Sem e Cam já podem ser encontrados na história, uma vez que os povos semitas e camitas estão registrados na história, e Jafé que devia habitar nas tendas de Sem.

Os semitas foram o alvorecer das culturas mesopotâmicas com o auge na Babilônia (1792–1000 a.C.) e que depois foram dominados pelos persas.

Os profetas e os oráculos serão fundamentais nas culturas antigas, eles deviam ter certa iluminação “divina” para que a história não se corrompesse e os costumes fossem alterados.

Segundo o Gênesis 11, do Dilúvio até Abraão passaram cerca de 292 anos, e do nascimento de Abraão ao estabelecimento de Jacó no Egito passaram cerca de 290 anos, ´de Abrão até a vinda de Cristo são cerca de 2 mil anos, e então começa uma era da cultura escrita, e assim surgem os evangelhos enquanto na Grécia antiga as escolas Socrática e Platônica, já que sabemos de Sócrates através de Platão e depois a escola Aristotélica, período que as escolas e escritas se fixam.

Não se trata de superar a cultura oral, mas ela aparece junto com a escrita, os livros manuscritos, que depois se tornarão famosos pelos monges copistas, este período é chamado scriptorium.

A cultura oral permanece junto a povos originários, também entre povos africanos, a escrita impressa será uma conquista da modernidade, assim falar de escolaridade é falar de modernidade, e agora estamos em nova transição devido a novas mídias.

 

Verdade entre a lógica e a onto-lógica

30 jun

A verdade na construção ontológica dos gregos, existe algo inexorável ao Ser e isto os levava a crer que de alguma forma isto se configurava no num todo cosmológico, o “sumo bem” de Platão ou o “motor imóvel” de Aristóteles, não era apenas realidades físicas, mas também meta-físicas.

O physis para eles era para os filósofos pré-socráticos algo permanente, primário e fundamental e depois ficou elaborado como natureza, que incluía o “cosmos”,

Plotino, um neo-platonico vai estender esta realidade a Alma, que seria uma forma inteligível que pensa no interior do intelecto, no debate atual sobre a consciência em Inteligência Artifical, diríamos que é a sensiência, claro é preciso retomar no contexto de Plotino, afirma ele na Enéada VI, 4: 

“E nós, o que somos nós? Somos aquele ou somos o que se associou e existe no tempo? Na verdade, antes de acontecer o nascimento, estávamos lá [no inteligível], sendo outros homens e, alguns, também deuses: almas puras e intelectos unidos à totalidade da essência, partes do inteligível, sem separação, sem divisão, mas sendo do todo (e nem mesmo agora estamos separados).”.

Assim o todo permanece, se não há em Plotino o Deus como conhecem as religiões monoteístas, há a ideia do todo que “se revestiu de nós e acrescentou a si mesmo aquele homem”, na continuidade do texto acima.

Santo Agostinho parte desta ideia para afirmar que a alma é “a presença de Deus no homem, e sua ligação com o Criador, a responsável pela semelhança do homem com Deus”, assim como associa a alma ao Uno, uma categoria também usada por Plotino, e nele o Uno é Deus.

É verdade que a modernidade abandona a ideia de Deus e ao dividir o pensamento em objetivo e subjetivo, torna secundário aquilo que se realiza na mente, no pensamento e na alma, em síntese na noosfera, e isto acontece também com o mundo religioso, conforme postamos ontem não basta dizer “senhor, senhor” é preciso uma ação que corresponda a determinada crença.

Mesmo em seu tempo histórico, para os que creem esta epifania continua, Jesus já perguntava aos seus discípulos “quem dizem os homens ser o filho do homem [eu ser]? ” (Mt 16,13), porque sabia que muito do que é como ser divino e atemporal seria confundido com aspectos terrenos e contextuais apenas, em tempos de crueldades e hostilidades é preciso repensar o que pensamos de eterno, de atemporal e que deixaremos de legado para toda humanidade.

 

A verdade entre o pensamento e a ação

29 jun

Toda lógica dos sofistas era uma lógica do poder, a lógica da bajulação, dos interesses ocultos e as vezes até confessos, numa sociedade e num pensamento sem o apreço necessário a verdade são os valores e lógicas do poder, da opressão e da falta de liberdade que funcionam.

Não é falta de quem diga a verdade, mas é sobretudo falta de pensar a fundo, de exercício sincero de escuta e de diálogo, afinal o que o círculo hermenêutico propõe em relação ao texto (fusão dos horizontes) significa reconhecer que todos temos numa etapa anterior os nossos pré-conceitos, nossas crenças, nossa visão política ou social.

Assim é preciso um “método” e ele não pode excluir contra-argumentos, escuta atenta e exame sincero sobre aquilo que temos como “nossa verdade”, quando abrimos espaço ao Outro algo novo quase sempre ocorre, e se não ocorre é porque do outro lado não há a mesma abertura, ainda assim vale a pena ouvir e ponderar.

No campo político a política da polarização é o olho-por-olho, uma procura ironizar e ridicularizar o pensamento oposto, não há possibilidade de fusão de horizontes e nem mesmo um diálogo saudável, o que um cidadão comum vê é o despreparo e a anti-política.

O mesmo vale para o discurso cultural e religioso, posições exacerbadas e fora de controle estão longe de conquistar adeptos, criam mais radicalização e ódio dentro daquilo que pretendem combater, leva-se o processo civilizatório ao limite, e deixa jovens e crianças sem perspectiva de um futuro pleno e pacífico.

No campo religioso é importante lembrar que não é aquele que diz “senhor, senhor” que conquistará a felicidade eterna, mas o que põe em prática aquilo que quase toda religião ou culto propõe, estender a mão ao próximo e não fazer ao Outro aquilo que não quer que faça a si, é uma lógica e uma ética mínima sem a qual nenhuma lei ou culto faz sentido.

Queremos a paz mundial, o respeito aos povos e suas culturas, porém deve-se fazer a lição de casa primeiro.

 

Verdade e Noosfera

28 jun

O conceito de Noosfera vem de Volodymyr Vernadsky (1863-1945) depois adotada e desenvolvida por Teilhard de Chardin (1881-1955), é a ideia de uma terceira camada além da Geosfera (camada inanimada) e da Biosfera (vida biológica) que desenvolve o pensamento humano, não apenas do ponto de vista do conhecimento, mas de tudo aquilo que motiva o Ser, as paixões, culturas e decisões que são tomadas e desenvolvem a maneira como nos relacionamos e convivemos em sociedade.  

Porém desde que nos organizamos em sociedade o desenvolvimento cultural onde as camadas de estruturas e formas de repasse das culturas acontecem e se desenvolvem já formam uma camada de “pensamento” da sociedade.

Teilhard de Chardin, que além de paleontólogo era um padre jesuíta, elaborou que todo o universo está envolto com esta camada de “pensamento” e que ela está em constante evolução, o que valeu durante muito tempo algumas objeções por parte de religiosos.

Com o olhar no Google e também atentos a “inteligência” de mecanismos como o ChatGPT, o Bard da Google, o Bing da Microsoft e outros, leva necessariamente a uma discussão do que é Inteligência Artificial.

Já indicamos o livro de Jean-Gabriel Ganascia “O mito da singularidade” sobre a falsidade de algumas tecnoprofecias sobre a máquina ultrapassar a inteligência humana,  pode-se ver também a recente entrevista de Miguel Nicolelis, um renomado cientista brasileiro, conhecido por suas pesquisas em neurociência.

Assim esta esfera do pensamento vive em constante evolução e as ferramentas e tecnologias são partes subjacentes a esta evolução, entretanto é preciso entender o que de fato elas são e como podem contribuir com a vida no planeta, é a colaboração da noosfera com a biosfera.

A verdade é aquela que se estabelece como realidade diante dos desafios humanos, muitas coisas estão fora do pensamento humano, como cataclismos e eventos em corpos celestes, porém é importante o desenvolvimento saudável desta esfera do pensamento humano.

Para Teilhard de Chardin, também a parte espiritual colabora e participa deste desenvolvimento, para ele todo universo é divino e cristocêntrico, ou seja, uma revelação de amor ao homem e a vida.

Sobre falsas profecias é bom lembrar a passagem de Mt 7,15: “Cuidado com os falsos profetas: Eles vêm até vós vestidos com peles de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes”, mas é fácil de reconhece-los alerta a leitura: árvores más dão maus frutos. 

 

A cultura e mal estar civilizatório

13 jun

Em análise do livro mal estar da civilização, Freud analisa corretamente aquilo que é instintivo de querer dominar sobre o outro, em sua análise psicológica é com o id que prevalece na infância e é possível demonstrar que todo processo civilizatório de alguma forma privou a satisfação dos seres humanos e dos povos de alguma forma.

Esclarece no início de sua obra: “é difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida” (Freud, 210, p. 10), esclarecendo a seguir que deve se evitar a generalização.

Ainda que negue de início um juízo sobre a religião, em um suposto diálogo de cartas com algum interlocutor, ele descreve o que “gostaria de denominar a sensação de ´eternidade’, “um sentimento de algo ilimitado, sem barreiras, como que ‘oceânico’.  Seria um fato puramente subjetivo, não um artigo de fé; não traz qualquer garantia de sobrevida pessoal, mas seria a fonte de energia religiosa de que as diferentes igrejas e sistemas de religião se apoderam, conduzem por determinados canais e também dissipam, sem dúvida” (idem).

O autor faz uma constatação antropológica, sociológica e até certo ponto clínica que demonstra tanto a natureza construtiva como destrutiva do homem em função das pulsões de vida e de morte, escrita no período entre guerras (1918-1939), revela o esforço para evitar que os ímpetos hostis a espécie humana ultrapassassem a barrira do superego da civilização.

Freud expressava assim o medo da guerra em seu tempo: “[…] os seres humanos atingiram um tal controle das forças da natureza, que não lhes [seria] difícil recorrerem a elas para se exterminarem até o último homem” (FREUD, 1930, 2010, p. 79), assim o sistematizador da psicanálise parecida enxergar além de seu tempo, vendo os limites do horror em nossos dias.

De fato, o desejo humanizador civilizacional não é específico desta ou daquela religião, mas quando o cristianismo chama homens e mulheres a serem “Sal da terra e luz do mundo” é para que além do poder, da capacidade destruidora que povos e nações tem, estas forças sejam usadas para o progresso de toda a humanidade e não de determinado grupo ou visão social.

As tecnologias e forças vitais retiradas da natureza não podem servir a outro intuito que não seja o de propiciar o bem-estar ao maior número de pessoas possíveis, este é o sentido da vida e nela se fundamentam o sal que dá gosto ao alimento e a luz que ilumina os povos (na foto o sal do Himalaia).

 

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). In: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos (1930 – 1936). Obras completas volume 18. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.