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A crise civilizatória
Não é apenas uma ideia dos apocalípticos, dos pessimistas e dos gostam de tragédias, espíritos sombrios que não refletem realmente sobre a realidade, são aqueles que pensam o humanismo, que olham para uma vida polarizada, fragilizada e impotente diante de uma pandemia (veja a Europa no post anterior) é a crise da fragilidade que não se vê frágil.
Arrogantes, pseudossábios, e pseudoprofetas estão de plantão, porém mesmo um otimista como Edgar Morin se dobra ao perceber um sistema que não consegue lidar com seus problemas fundamentais, ele se desintegra, assim começou sua recente palestra sobre a metamorfose da humanidade, disse no evento: “ele se torna ainda mais bárbaro”, mas lembra que esta não é a primeira e provavelmente não é a última metamorfose da humanidade, fomos na origem (ele disse por mais de 100 mil anos) caçadores e coletores.
Não tinha exército, nem estado e nem classes, mas aos poucos alguns grupos queriam dominar os outros, isto aconteceu na Índia, na China e no Oriente Médio, nos Andes onde se organizou um Império Inca e no México (onde fez a palestra).
Estas sociedades se metamorfosearam para melhor ou pior, ele não fez uma afirmação sobre isto, porém pensa que uma metamorfose sobre os nossos Estados-nações é possível.
Afirma que é preciso ter esperança, mas esperança não é certeza, a esperança que no passado era uma crença agora, porém se a esperança existe ela é o fermento necessário para grandes transformações, e fica subentendido que é neste momento que estamos vivendo esta realidade, num mundo pós-moderno ou pós-pós-moderno, há uma transformação.
Resta-nos saber qual nos leva a destruição, e qual é verdadeiramente portadora da esperança, não dá grandes dicas, mas façamos um exercício.
A primeira grande destruição é a guerra, com o arsenal de armas ultra potentes, até mesmo interplanetárias, há vários objetos em torno do planeta, é preciso defender a paz com a mesma força que defendemos a justiça, uma guerra agora seria uma catástrofe.
A segunda grande destruição é o desiquilíbrio social, a insegurança e a falta de um plano sustentável para o uso dos recursos naturais, os grandes encontros discutem apenas a questão da poluição e o desmatamento em algumas regiões do planeta, quando deveriam discutir o planeta como um todo, a natureza dá sinais de esgotamento e é previsível um maior desiquilíbrio nas forças naturais, de proporções planetárias.
Como afirma Edgar Morin é preciso ter esperança, já passamos outras etapas do processo civilizatório por situações parecidas, claro que a proporção agora é planetária.
Edgar Morin – Do esgotamento à metamorfose dos sistemas – YouTube
A verdade entre os homens
Gadamer estabelece a necessidade da correferência para a construção da verdade entre os homens, também o filósofo Sócrates dizia que a verdade não está com os homens, mas entre os homens, assim todo discurso autorreferencial, mesmo aquele apropriado por um grupo deixa de Ser uma verdade crescente (a eterna só pela fé ou crença) e se torna apenas uma retórica.
Emmanuel Lévinas (1906-1995) desenvolveu o aspecto da finitude humana, como aquela que dá ao uma totalidade provisória, em seu livro Totalidade e Infinito onde discorre sobre o tema da alteridade, com uma questão central que é de não se poder objetivar o Outro, e não se trata de subjetividade, mas a possibilidade de pensarmos o Outro na sua Alteridade absoluta, dito de outra forma, como um totalmente outro.
Seu livro não pode ser compreendido sem uma análise concentrada em Husserl e Heidegger por causa de sua opção fenomenológica na qual é afiliado, assim desenvolve neste primeiro capítulo a categoria da alternidade, enquanto o segundo tratará da interioridade, ali aparecem noções de categorias como: gozo, economia, casa, posse, trabalho e feminino um tema tão atual na questão do gênero e reflete as relações do Eu com o real, possibilitando a edificação de um ser ao mesmo tempo separado e aberto ao exterior.
Assim o terceiro capítulo relaciona-se a exterioridade que fundamenta uma ética proposto por Lévinas, como se dá ou se constrói, no Ser, uma abertura através da análise das categorias do Infinito, Rosto e Exterioridade, elas são fundamentais para a compreensão do universo levinasiano.
O problema da finitude humana no aspecto da verdade pode remeter a uma transcendência diferente da proposta idealista, onde o imperativo categoria está ligado ao conceito de subjetividade: “age de tal forma que seja modelo para os outros”, assim é possível desenvolver num universo pessoal uma ética, enquanto para Lévinas, como é também para Gadamer e era para Sócrates, só pode existir a verdade num processo de dialogia com o Outro e com o exterior, todo fechamento é autorreferencial.
Assim o “Outrem permanece infinitamente transcendente, infinitamente estranho, mas o seu rosto, onde se dá a sua epifania e que apela a mim, rompe com o mundo que nos pode ser comum e cujas virtualidades se inscrevem na nossa natureza e que desenvolvemos também na nossa existência” (Lévinas, 2008), aqui uma epifania só humana.
Aproximamos das festas do Natal, na liturgia cristã é a festa da epifania divina, a manifestação divina aos povos, para muitos apenas na festa dos reis magos ou no batismo de Jesus, mas para aqueles que pensam que a verdade está “entre os homens”, a presença do Deus Conosco (o Emanuel) acontece desde o nascimento do menino-Deus.
No texto bíblico (Jo 18, 37) ao ser indagado por Pilatos se Jesus era o rei dos Judeus, responde: “Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”, assim esta verdade entre os homens também é estabelecida para a cultura cristã como o verbo encarnado.
Verdade e finitude humana
Não apenas Hans Georg Gadamer escreveram sobre a verdade em relação a finitude Humana, também Emmanuel Lévinas desenvolveu o tema.
Em Gadamer a conclusão sobre a verdade da experiência humana é a consciência de sua finitude, ou seja, é conhecer seus próprios limites, saber que não é senhor do tempo e do futuro, em dias atuais que não é senhor da natureza e de seu comportamento, o grande ideal iluminista, e assim tem seus limites e seus planos são inseguros.
Assim, em Gadamer, a questão da retórica e do discurso não são propriamente uma questão e a indagação não é verdadeiramente posta em causa, para estar apto a interrogar é preciso querer realmente saber a verdade e ela pode estar fora dos limites de quem pergunta, diz em seu texto:
“Para perguntar, é preciso querer saber, isto é, saber que não se sabe. E no intercâmbio de perguntas e respostas, de saber e não saber, descrito por Platão ao modo de comédia, acaba-se reconhecendo que para todo conhecimento e discurso em que se queira conhecer o conteúdo das coisas a pergunta toma a dianteira. Uma conversa que queira chegar a explicar alguma coisa precisa romper essas coisas através de uma pergunta” (GADAMER, 2008, P. 474).
Assim ela estará inscrita para além dos preconceitos, e na constituição de novos horizontes, assim compreender o texto ou um fragmento do passado, para Gadamer é entende-lo a partir da questão que deve ser vista como um processo de contínua fusão ou alargamento de horizontes pelo qual o interprete participa com os outros no longo e árduo caminho do sentido, vai além do ponto de vista iluminista romântico e histórico que é inaceitável: a linguagem simbólica e plural, própria da narratividade das coisas.
Porém o que isto significa? o que isto significa para a hermenêutica filosófica que reconhece a finitude humana, não existe de imediato a possibilidade de uma coincidência com o real, pois toda compreensão humana é linguísticamente mediada como toda linguagem é, na visão aristotélica, uma hermeneia (intérprete) originária do real e isto pode ser ampliado para as culturas, para os povos e em especial para os povos originários fontes primárias do discurso e de sua linguagem própria.
Como o homem é finito, só na linguagem seu poder dialógico fundamental pode alcançar o que a filosofia ocidental chama de objetividade (idealidade própria), mas deve ultrapassar o ponto de vista do sujeito transcendental anônimo (a subjetividade idealista) para atingir a dimensão de co-referência dos homens concretos, dos outros.
A concretude é assim a palavra que descentra e interpela, coloca na alteridade o que é dito, e a sua perspectiva em traçar uma fusão de novos horizontes não acabam.
GADAMER, H.G. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
A verdade e o método
Hans Georg Gadamer é o herdeiro da hermenêutica ontológica de Heidegger, e desenvolveu a hermenêutica filosófica através de sua obra prima Verdade e Método, publicada pela primeira vez em 1960.
Para desenvolvê-la precisou revolucionar a hermenêutica ocidental moderna, através da crítica da estética, a teoria da compreensão histórica e o desenvolvimento da ontologia da linguagem, para complementar o método heideggeriano do círculo hermenêutico.
A publicação de Verdade e Método significa ainda nos dias de hoje, um estudo novo na ciência da interpretação e que entra numa importante fase denominada hermenêutica filosófica, que deve auxiliar as disciplinas humanas a buscar a partir da experiência a compreensão do próprio ser, constituindo uma nova tentativa filosófica de avaliar a própria compreensão como um processo de conhecimento do estatuto ontológico do homem, fundando assim uma nova antropologia.
Enquanto filosofia da linguagem, estamos em pleno processo da viragem linguística, não se constituem apenas o acesso à coisa e não a verdade, pois também a correspondência entre palavra e coisa só ocorre quando se conhece a coisa, dessa forma o aprendizado (ensino, busca, pergunta, resposta e a própria informação) só é feito pelo pensar que conduz as coisas ao mundo das ideias, e assim as palavras não passam de representação de signos ao qual se atribuem sentido. e começa seu estudo por Humboldt.
Foi Wilhelm von Humboldt que utilizou a teoria da “força do espírito” humano como fonte produtora de línguas, a tese dele aborda uma “filosofia idealista que destaca a participação do sujeito na apreensão do mundo, mas também a metafísica da individualidade, desenvolvida pela primeira vez por Leibniz” (GADAMER, 2008, P. 568).
Como forma de questionar a história desenvolvida de modo idealista, Gadamer ao fazer a crítica de Dilthey parte do pré-conceitos, onde o historiador “submete a alteridade do objeto aos próprios conceitos prévios” (Gadamer, 2008, 513), e está assim ilustrado em seu texto: “apesar de toda metodologia científica, ele se comporta da mesma maneira que todo aquele que, filho de seu tempo, é dominado acriticamente pelos conceitos prévios e pelos preconceitos do seu próprio tempo” (Idem).
Para uma nova compreensão, como ponto de partida para uma nova antropologia, interpretar não é um meio de se chegar a compreender, mas entrar no próprio conteúdo do que se quer atribuir um sentido de forma unitária ou unilateral, mas que a “Coisa de que fala o texto vem à fala” (GADAMER, 2008, p. 515).
O texto no final questiona a própria linguística que afirma que cada língua realiza isso à sua maneira, porém o autor ressaltar outro foco procurando uma unidade entre o pensar e falar, isto se infere ao fato que qualquer tradição escrita só pode ser compreendida, apesar da grande multiplicidade das maneiras de falar, identificando uma unidade existente entre a linguagem e pensamento, pensamento e fala, e neste caso qual é a conceitualidade de toda compreensão? A interpretação conceitual é o modo como se realiza a própria experiência hermenêutica.
Como toda compreensão é uma aplicação da linguagem, o intérprete está sempre em um desenvolvimento contínuo de conceitos, a linguagem se mantém viva tanto no falar como no compreender todo o processo de compreensão, interpretação e pensamento.
GADAMER, H.G. Verdade e Método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2008
A pandemia ainda não acabou
É triste e angustiante a constatação, mas a pandemia ainda não acabou, a Europa vive grande preocupação com a covid-19 e no Brasil onde os números ainda não baixaram da casa de 260 óbitos diários, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) registrou um aumento em crianças nos casos do vírus sincicial respiratório (VRS) com registros superiores a Covid 19.
Embora o aumento de casos em países como a Alemanha, Rússia, Hungria, Eslováquia e República Checa, a Rússia bateu novo recorde de infecção e mortes na semana passada (Ela tem apenas 34% da população vacinada), a preocupação é crescente com a chegada do inverno, e na Áustria o governo decretou lockdown para pessoas não vacinadas.
Na Rússia a medida tomada foi um recesso nacional de 30 de outubro a 7 de novembro, na Alemanha o diretor da virologia do hospital Charite, de Berlim enfatizou: “Temos uma emergência real agora”, pois o país registrou quase 40 mil casos da covid, o maior desde o início da pandemia, e fez uma previsão alarmante, 100 mil pessoas podem morrer.
No Brasil, embora ande em ritmo menos acelerado do que no período anterior de vacinação da vacina, o número aumenta e em muitos lugares há uma procura pelas pessoas que não vieram para a segunda dose. perto de 59% da população brasileira está totalmente imunizada e quase 80% já receberam a primeira dose, os dados são do consórcio de veículos de imprensa e foram divulgados as 20h deste domingo (14/11).
Sete estados brasileiros estão em alta após uma forte queda no mês anterior: Santa Catarina, Pará, Roraima, Rondônia, Bahia, Ceará e Piauí, um caso que chamou a atenção foi o de Serrana onde o governo paulista fez uma vacinação em massa tentando tornar a cidade modelo de vacinação, houve 563 casos no último mês e o número tão alto (a cidade tem 45.644 habitantes) não teve uma explicação clara (veja a foto, dados oficiais da secretaria do município).
As festas de fim de ano se aproximam e a preocupação é com a vigilância que inexiste em espaços públicos (shows, shoppings, supermercados, etc.) e um repique da doença traria não só um agravamento sanitário, mas alargaria a crise social que já atinge níveis insuportáveis, não há medidas em torno deste agravamento, a alta de preços está aí.
Outro fator preocupante é agora a saúde psicológica da população submetida a um stress alto e a uma constante pressão de preocupação com a doença sem políticas claras, já é possível observar muitas pessoas com alterações: angústia, tensão, depressão e atitudes antissociais, a superação da crise exigirá muitos esforços públicos.
É fácil observar nos mercados e no consumo diário um aumento do alcoolismo e uso de medicamentos, as festas de fim de ano poderiam melhorar este aspecto, mas a crise social não ajuda, as festas deverão ser modestas ou em festas não natalinas onde o exagero e as bebidas permitem que se estravassem as energias contidas na pandemia.
A mansidão e o poder
A mansidão é uma virtude fundamental para resolver conflitos, estabelecer novos espaços de diálogos onde ele se encerrou e abrir novos horizontes onde eles parecem impossíveis.
João Calvino tem uma frase muito nobre: “Será inútil ensinar a mansidão, a menos que tenhamos iniciado com a humildade”, de fato a grande razão para parecer que alguns estão certos e que outros não tem razão nenhuma parte muitas vezes da soberba de um dos lados (o oposto a humildade) e nestes parâmetros nenhuma dialogia será possível, ou aquilo que preferimos nenhum “novo horizonte” será traçado que estabeleça um ponto futuro onde pontos conflitantes poderão entrar em um processo de convergência.
A polarização é inevitável pode ser os argumentos de alguns, sim se chegando a determinado ponto de conflito isto é válido, mas devemos saber que a saída de fato de um conflito terá que ter em algum momento a bandeira de paz e ela não pode ser a bandeira da submissão dos vencidos, a pax romana, depois que Roma conquista seus territórios, ela é a submissão a conceito autoritário e que em determinado ponto retornará a guerra.
É verdade que o poder é sempre assimétrico, mas ele exercido com mansidão leva ao diálogo.
A polarização é lógica pode ser o argumento para justificá-la, lembro, porém, que a lógica difusa, a lógica paraconsistente e outras lógicas não são binárias, sim ou não, e que nunca há somente dois lados, esta é uma posição idealista que induz a dualidade, pode haver múltiplos lados, por isto a lógica realmente justa admite uma terceira hipótese.
Estes nunca serão vencedores e estarão sempre a beira do caminho pode ser outro pensamento, por mais paradoxal que possa parecer o ensinamento divino, em muitas religiões, é que a mansidão e a humildade levam as pessoas para o alto, uma das bem-aventuranças bíblicas diz (Mt 5, 5): “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra” e então onde está o poder deles, na conquista através de valores perenes só pode levar a plenitude e a própria perenidade, o problema é ceder a valores ardilosos e injustos.
A construção de uma realidade perene, um tempo de paz e justiça, no momento que começamos a sair de uma pandemia é fundamental, ainda que pareça distante.
Ato, potência e ágape
Aquilo que Aristóteles definiu como potência estava condicionada ao ato, assim ato é uma manifestação atual, no exemplo da figura ao lado a semente), enquanto potência é aquilo que poderia ser (virtualmente, enquanto virtú) a semente em potência é uma árvore poderia sua manifestação como ser produzir frutos e novas sementes, enquanto virtual, no sentido de virtude, é transformá-la em uma mesa ou mesmo uma casa.
A atualização do potencial em real não é apenas a semente que se torna árvore e esta dá frutos, a principal fonte de mudança deve ser completamente real e não corresponder apenas a potencialidade natural, mas aquela que completa o resto, e esta dependia em Aristóteles do primeiro motor que a tudo dava sentido, e que Tomás e Aquino afirma ser Deus, entra a questão da consciência.
Aqui entra o Logos ou o Pathos, já que a consciência é sempre um ditame da razão e da vontade, então para Tomás de Aquino o Ethos depende essencialmente da vontade humana e da consciência, enquanto o Logos nos encaminha para uma razão mais primordial do Ser, o Pathos caminha para as paixões e pulsões desordenadas, já o Logos deve nos levar ao ágape e ao equilíbrio.
A potência é assim característica do Ser e o Pathos a sua distorção, o poder visto como Pathos é autoritário e passional, enquanto o poder como Ethos é ético e agápico, no sentido de serviço feito por amor gratuito aos que lhes são subordinados, assim pode até haver assimetria, mas ela será apenas diversidade e nunca autoridade no sentido de poder absoluto pois é unida ao Logos.
Não por acaso Aristóteles foi tutor de Alexandre, o Grande, e sua forma de poder espalhou-se pelos povos, assim descreve Plutarco em seu texto “Alexandre (in Vidas Paralelas”, séc. I: “Depois desta batalha de Issus … macedônios começaram a tomar o gosto pelo outro, pela prata e pelas mulheres, e do modo de viver dos asiáticos, afeiçoando-se de tal maneira a isso que, como se fossem cães, saíram no rastro em busca e perseguição da opulência dos Persas”, é provável que influenciou também os Romanos e ao seu Império.
Assim chegamos até a segunda guerra e os perigos da pós-modernidade, será que sairemos da infância civilizatória e poderemos um dia conviver com povos com culturas e cosmogonias diversas, parecemos caminhar na direção contrária: a polarização.
Também não era diferente para os judeus e cristãos, na comunidade nascente muitos queriam ter “poder” ao lado de Jesus, na leitura de Marcos (Mc 10:36-37) os apóstolos Tiago e João fazem um pedido especial a Jesus: “Ele perguntou: ´O que quereis que eu vos faça ´ Eles responderam: ´Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tu glória”, e o mestre diz a eles que não sabem o que estão pedindo.
Ai pergunta se eles poderão beber do cálice que Ele beberá (referindo-se a seu tipo de morte), eles continuam dizendo que sim, então os repreende e diz a forma de poder que existe na civilização (Mc 10: 42-43): “Jesus os chamou e disse: ´Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso serviço e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.
Assim aqueles que governam fiéis da mesma forma que o poder temporal não entenderam ainda a potência do Logos agápico.
Vontade de poder e infância civilizatória
Um conceito conhecido de Nietzsche é a vontade de poder, como uma força motriz “natural” do homem, já desenvolvemos que o natural é diferente do cultural, sendo esta uma das dicotomias infernais como dizia Bruno Latour, a outra é a objetividade x subjetividade vindo do racionalismo/idealismo da modernidade.
De fato isto levou os povos a se expandirem desde o mundo primitivo, diria na idade infantil civilizatória, as guerras e impérios de Alexandre o Grande, do qual Aristóteles foi tutor e depois o Império Romano, e os impérios da modernidade: o português, o francês, o russo e o americano e as duas guerras mundiais são de fato a grande crise da modernidade, não fomos capazes de superar a infância civilizatória.
Houve outros grandes impérios pouco citados na história: a grande dinastia manchu Qing, do norte da China invadiu e derrotou a dinastia Ming, era de uma etnia minoritária mas dominou toda a China e teve inclusive uma breve restauração em 1917 e o grande Império Mongol foi um dos maiores em extensão de área, chegando a Europa, nos séculos XIII e XIV.
Pode-se pensar potência como uma forma de crescimento para superar a infantilidade tanto individual como civilizatória, assim existe ato e potência, teorizou Tomás de Aquino, mas o próprio Nietzsche alerta para este outro sentido: “a vontade de poder não é nem um ser, nem um devir, é um páthos”, então analisemos a tríade da antiguidade clássica: ethos, páthos e logos.
Pathos é no racionalismo moderno aquele também usado por Descartes, em sentido diferente de Nietzsche de ondem vem a ideia de patologia, o que se move na imperfeição, usando a própria idéia de Nietzsche não é ontológico, nega o ser pois não nem o ethos e nem o logos da tríade clássica.
Na retórica aristotélica, o Ethos é um dos modos de persuasão ou componentes de um argumento, e este sim dá sentido ao ser, sendo ele o elo com o Logos que dá sentido ao Ser, dando credibilidade e estabelecendo uma verdade que não é realidade, porque é ela de onde o Logos tira a consistência do Ser para se contrapor ao Pathos-lógico.
O Pathos vive na pura emoção, na irracionalidade, na imaginação enganosa, ele é o responsável pelas desordens do Ser, sendo de certa forma sua negação.
A Patologia de duas guerras mundiais mostrou que a humanidade não saiu de sua infância civilizatória, ainda é vítima de si própria incapaz de conceito o Ser como Ethos.
O pensamento entre o simplismo e a simplicidade
O pensamento ingênuo ignora a complexidade, o relevo e a profundidade das coisas as veem na superficialidade de sua aparência, enquanto a simplicidade inicia um processo fenomenológico que começa na aparição de quem vê e depois desenvolve uma percepção maior, no dizer da filosofia o noema, que complementa a fase inicial da habilidade de sentir, a noesis.
Ao definir o pensamento complexo como tendo três princípios: o recursivo, o dialógico e o hologramático, Edgar Morin assim explica este terceiro que é indissociável dos outros dois:
“o holograma é uma imagem física, concebida por Gabor que, diferentemente das imagens fotográficas e fílmicas comuns, é projetado ao espaço em três dimensões, produzindo uma assombrosa sensação de relevo e cor. O objeto holografado encontra-se restituído, em sua imagem, com uma fidelidade notável. Esse holograma é constituído a partir de uma luz coerente (laser) e de um dispositivo que faz com que cada ponto que constitui essa imagem contenha uma mostra do sistema de linhas de interferência emitido pelos pontos do objeto holografado” (MORIN, 2003, p. 34).
Para explicar e dar clareza a determinados fenômenos é preciso usar recursos didáticos que os simplifica, no entanto, esta tarefa pedagógica não pode mutilar a explicação nem absolutizá-la.
Nada mais complexo do que reduzi-lo ao simples, como afirmava Bachelard não existe o simples, só há o simplificado, o que na maioria das vezes mutila e deforma o fenômeno, induzindo o pensamento a uma liquidez obscura.
Fenômenos da natureza não são facilmente simplificados, muitas vezes a pretensão de dominá-la mesmo nos casos científicos revelou uma face perversa, isto aconteceu desde a física atômica até as modernas tecnologias de comunicação atuais, é preciso prever e investigar os efeitos adversos.
Porém a simplicidade de ver os fenômenos não depende apenas da cultura, que é diversa sempre, e sim da capacidade de fazer uma redução da ideia (a redução eidética proposta por Husserl), onde vamos da simples aparência até a experiência de consciência sobre aquilo que é informado pelos sentidos e como a mente os recebe, interpretando aquilo que é informado.
Simplificar exige sempre uma analogia ou uma metáfora, já abordamos aqui, e isto sim é preciso ser simples para receber uma informação “nova” com a disposição de uma criança, com uma epoché diria a filosofia, com uma suspensão de juízos diria o pensamento cartesiano.
MORIN, Edgar et al. Educar para a era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo: Editora Cortez, 2003.
Ciência com consciência
Um minúsculo vírus nos desafiou e nos colocou diante de uma grave Pandemia, um vulcão que entra em erupção e cujo fim mesmo vulcanólogos e geólogos ainda veem como imprevisível.
A grande marca da ciência contemporânea é o fim das certezas, o princípio da incerteza anunciado primeiro por Heisenberg e depois certificado pelas pesquisas da física das partículas e pela astrofísica, Karl Popper desenvolveu o princípio da falseabilidade para a ciência e o Paradoxo de Gödel diz que nenhum sistema axiológico pode ser completo e consistente ao mesmo tempo.
Isto deveria nos devolver a humildade, o iluminismo não significa que a ciência triunfou e sim que ela descobriu seus limites e que deve dar espaço a ética e a um humanismo que complete o homem para além de sua racionalidade.
Edgar Morin escreveu “Ciência com consciência”, apresenta um duplo desafio: aponta os problemas ético e morais que a ciência contemporânea tem, cujos múltiplos e prodigiosos poderes de manipulação impõe aos cientistas e aos cidadãos, e de certa forma a humanidade inteira o problema do controle político e privado das descobertas.
Segundo Morin, os conceitos de progresso e conhecimento que se apresentam relacionados, devem ser reordenados, assim o progresso não se reduz à organização do desenvolvimento da economia, e o conhecimento não se restringe ao fornecimento de informações, mas também a superação de estruturas sociais teóricas que condicionam sua configuração a uma forma de pensamento.
Esclarece nas páginas 9 e 10 que “o dogma clássico de separação entre ciência e filosofias, as ciências a destes séculos todas encontram questões filosóficas fundamentais: “que é o mundo? a natureza? a vida? o homem? a realidade?) e que os maiores cientistas desde Einstein, Bohr e Heisenberg se transformaram em filósofos selvagens”. (MORIN, 2005).
Lembra no prefácio também o preceito de Rebelais: “Ciência sem consciência é apenas ruína da alma.” (p. 9).
MORIN, E. Ciência sem consciência. Edição revisada e modificada pelo autor. (Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória). 9ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2005.