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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Coração puro e superação

13 fev

Somente aqueles que conseguem manter um coração puro, um desejo de sempre avançar, é preciso que ir além do mundo cheio de mágoas, rancores e ódios, da valorização do “eu” e não do Outro, a superação é possível se não olharmos para o que passa e não tem grande valor.

Os desafios, as dores e dificuldades fazem parte da vida, são vencedores os que vão além destas contingencias e mais que isto são solidários aos que passam ao seu lado, sempre que temos alguém para partilhar e para seguir em frente, a vida pode ser diferente do mero viver.

O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han escreveu: “Assim, cada crítica da sociedade tem de levar a cabo uma hermenêutica da dor. Caso se deixe a dor apenas a cargo da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo” (Han, 2021), pois não sabemos superar a dor e nem somos solidários com quem sofre.

No seu livro A sociedade paliativa: a dor hoje, escreveu: “A arte de sofrer a dor se perdeu inteiramente para nós … A dor é agora, um mal sem sentido, que deve ser combatido com analgésicos. Como mera aflição corporal, ela cai inteiramente fora da ordem simbólica” (Han, 2021, p. 41), os destaques são do autor.

A sociedade tem dificuldade de viver a empatia, a felicidade e a afetividade, ela está condenada a calar-se, e “a sociedade paliativa não permite avivar, verbalizar a dor em uma paixão” (Han 2021, p. 14), grifo do autor, assim a paixão parece perder sentido ou ser “uma fraqueza”, quando na verdade é dela que tiramos o desejo de persistir e ir avante.

Assim podemos transformar a dor em amor, melhor que isto podemos entender melhor o que é paixão e o que com-paixão, sentimentos cada vez menos colocados na ordem do dia, o desejo de diminuir o outro, como fazem os haters, os memes e a negação do Outro, torna a sociedade mais agressiva, valoriza-se não a dor, mas o ódio, o escárnio e a humilhação.

Acreditar e persistir na crença de valores fundamentais para um verdadeiro humanismo é fonte essencial de civilidade, que pode contribuir com um processo civilizatório positivo e no qual aquilo que tem de mais humano pode ser valorizado, é preciso acreditar e persistir.

Na foto acima, System of Pain/Networks/Networks of Resilience, curadoria de Cecilia Vargas, no Dickson Center at Waubonsee Comunity College, Junho 7 a 10 Julho, 2018,

HAN, B.-C. A sociedade paliativa: a dor hoje: Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

 

A lógica do “hater”

12 fev

A palavra está no centro de discussões acaloradas, manifestações de cólera e de pouca empatia, a lógica do “eu” primeiro entrou em todos círculos, do familiar ao político.

A tradução para o português seria “odiador”, mas pelo pouco uso desta palavra no português creio que hater acabará nacionalizado, e por falar nisto, muita gente não gosta do uso de palavra como meeting (encontros), coaching (treinamento) e open house ou home-office, que muita gente usa, mas temos exemplos do passado: abajur (do francês), software  (do inglês), chucrute (alemão) e schoppen (do alemão, que virou chope) e que não tem nada a ver com shopping (do inglês, compras).

É preciso evitar o “hater”, o “bullying” (intimidação) eles levam a um tipo de assédio moral, também o meme, que se usada em sua origem (vem do grego mimeses) seria uma unidade básica de transmissão cultural, que significa imitação, mas que foi transformada em uma analogia maldosa, por exemplo, determinada figura pública como um animal.

Na raiz de toda esta perversão cultural estão não a introdução de novas palavras na língua falada, que em si não é um mal, mas feito de maneira maldosa torna-se algum tipo de intimidação cultural, que leva ao preconceito e daí a violência.

Não é apenas a falta de empatia, é o respeito ao diferente, é o desejo de inclusão do Outro, diversos autores escreveram sobre isto (Paul Ricoeur, Emmanuel Lévinas, Habermas, Todorov, Martin Buber, etc.) nenhuma filosofia contemporânea digna do nome deve deixar de abordar este tema, ao final de tudo é um “ente” de um mundo em comum, assim o Ser-no-mundo se torna um “ser-com-os-outros” num mundo compartilhado (mitwelt).

Esta mudança de comportamento começa no coração e na alma do “dasein”, onde a clareira de Heidegger pode se abrir em meio a uma floresta densa e obscura.

Sem olhar o Outro com sua dignidade (Ricoeur escreveu “outramente”, Buber escreveu “o eu sagrado”) é diferente do eu-isso que boa parte da filosofia também explora.

O coração purificado aceita empaticamente o Outro, como uma forma do seu Ser.

 

Guerra mitigada e paz distante

10 fev

Tanto na faixa de Gaza quanto na Ucrânia estão sendo mitigadas, as duas principais guerras e as mais ameaçadoras de uma guerra total, a espera de uma paz a partir do governo Trump não se concretizou, o que ele quer é uma pax romana, ou seja, o domínio dos vencidos.

O governo atual dos EUA negocia terras raras com a Ucrânia, em troca de equipamentos, estas terras têm custo alto e são usadas tanto em lentes de câmeras e telescópios, para maior precisão visual, como em refinamento de petróleo, num processo chamado craqueamento.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou sexta-feira (7/02) que está disposto a este acordo em troca de apoio à guerra, a região próxima ao rio Dnipro é rica neste minério, e revela os verdadeiros interesses da guerra, além da forte produção de grãos da Ucrânia.

Na faixa de Gaza houve nova troca de prisioneiros, no sábado (9/02) três sequestrados pelo Hamas foram trocados por 183 prisioneiros palestinos, a volta dos israelenses não encerrou o drama, porque ao chegarem descobriram que os familiares foram mortos no ataque do dia 7 de outubro que iniciou o conflito.

O plano de Trump para Israel, porém é o domínio da região da faixa de Gaza, onde os palestinos consideram como seu território, foi saldado por Netanyahu como “revolucionário”, já para os palestinos significa a continuidade do conflito e a constante ameaça dentro de suas fronteiras.

No domingo (09/02) foi anunciada a retirada completa das tropas israelenses do chamado corredor de Netzarim, que dividia a Faixa de Gaza em duas permitindo o deslocamento do sul para o norte (foto).

Trump segue uma política de taxação, uma autentica guerra de comércio, diz que vai anunciar no dia de hoje tarifas de 25% sobre alumínio e aços importados pelo país, a decisão atinge o Brasil, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) afirmou que não vai se pronunciar.

Também a retirada dos EUA da OMS (organização Mundial da Saúde) foi anunciada, e foi seguida pela Argentina, Trump acusa a Organização de desvio de verbas para outras finalidades e uso político destas verbas, contrárias aos interesses americanos.

Também o comércio com a China e Rússia está abalados, os países bálticos Estônia, Letônia e Lituânia completaram ontem a migração da rede elétrica da Rússia para o sistema da União europeia, encerrando os laços da era soviética e em busca de maior segurança para os países.

O cenário é de mitigação da guerra, podendo a qualquer momento ocorrer uma escalada maior, porém a esperança em construir uma paz sustentável não foi abandonada, ainda forças do mundo árabe e da Europa procuram soluções diplomáticas para estas guerras brutais.

São os interesses econômicos que estão em jogo, acima do político, os ânimos estão fora de controle não só nos países em guerra, mas em toda parte há um posicionamento polarizado.

A volta a serenidade, a consciência que na guerra todos perdem, e os mais fracos são sempre os mais explorados e sacrificados, deve ser base para conversas mais humanísticas e menos econômicas e ideológicas, a paz deve se sobrepor aos interesses dos ditadores.

Um clima de liberdade, paz e justiça é o único caminho para uma paz sustentável.

Urgente: conforme nossa análise ao final do dia o grupo islamista acusou Israel de violar cessar-fogo ao atacar civis que tentam retornar ao norte da Faixa de Gaza e Israel colocou as suas forças em alerta máximo.

 

O mal e a verdade

07 fev

Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) ao romper com o maniqueísmo (a divisão entre o bem e o mal) torna-se cristão e para resolver o seu principal problema, vê que o mal é a ausência do bem e assim é a ausência da Verdade.

A partir do modelo de Agostinho, o mal para Leibniz estabeleceu os alicerces pelos quais um mundo com o mal traz mais bem e, portanto, é melhor um mundo sem o mal, em sua Monadologia estabeleceu: “uma imperfeição na parte pode ser necessária para uma perfeição no todo” e por isso as partes dependem do todo para a verdade (racional) como a concebia.

Leibniz (1646-1716) foi influenciado por Agostinho, e teorizou que a verdade está relacionada a razão: “Entendo por razão, não a faculdade de raciocinar, que pode ser bem ou mal utilizada, mas o encadeamento das verdades que só pode produzir verdades, e uma verdade não pode ser contrária a outra”, assim de uma meia-verdade não pode surgir uma verdade, eis o problema das narrativas contemporâneas.

Aqui é o central para estabelecer as virtudes, estas sim capazes de exercitar o bem moral, e dele decorre o bem público, o problema social atual não é decorrente apenas da procura do bem comum, é necessário para que ele seja crescente e sustentável que hajam virtudes morais.

Assim não há como justificar o roubo, pequenos desvios, diz a sabedoria bíblica: “quem não é fiel no pouco também não é fiel no muito” (Lucas 17:10-11), e uma sociedade permissiva não pode dar frutos para a construção do bem comum e de mais distribuição de bens.

O problema da verdade, é estabelecido pelo método na Fenomenologia, o filósofo alemão Husserl (1859-1938) vai dizer que a verdade se dá através dos fenômenos que são observáveis, perceptíveis e sensíveis: “chamamos a isso de fenomenologia”, assim a verdade tem um método que pode ser observado em tudo que ocorre a nossa volta.

relativismo moral faz com que verdade seja algo vinculado à moral daquele grupo, no post anterior lembramos que ele é primeiro tratado no livro Teeteto de Platão, cuja preocupação central era combater os sofistas e criar uma verdadeira cidadania, de um modo geral o livro é uma rejeição das teses que manifestam alguma forma de mistura entre razão e sensação. Precisamos defender e nos posicionar fortemente ao lado do bem moral e para isto é necessário um Amor fraterno, porém não pode estar separado das virtudes cardeais que lhe dão base: Justiça, Prudência, Fortaleza e Temperança.

 

 

Sabedoria e mudança de rota

06 fev

Entre as virtudes está a sabedoria, em tempos de narrativas desconexas e pouco conhecimento, surgem inúmeros sábios de meias-verdades, profetas de mãos e vidas impuras, e há um público para aplaudi-los.

Assim é necessário desprezar a sabedoria, a pouca leitura, banalizar o que é bom e belo, infringir até mesmo o mais simples raciocínio sobre a preservação da vida, a justiça e a dignidade que possui todo ser humano, não por acaso a palavra de 2024 foi “brainrot” (cérebro estragado).

Não apenas porque bombardeamos nosso cérebro com alimento estragado, mas principalmente porque abandonamos a boa leitura, a boa cultura e a boa fé de quem fez realmente uma mudança de rota.

A figura bíblica que fez esta mudança radical de rota, e era um sábio grande conhecedor do judaísmo e da cultura grega é Saulo de Tarso, nascido nesta cidade da Cilícia no ano 5 d.C. e foi inicialmente grande perseguidor dos cristãos, sendo apontado como responsável pela morte de Estevão, primeiro mártir cristão.

Teve uma visão mística de Jesus que pergunta “porque o persegue” e fica cego a caminho de Damasco (foto), se isto é uma metáfora ou não, não é o mais importante, lhe é indicado para ir ao encontro do cristão Ananias onde tem a vista restaurada.

A cegueira o fez ultrapassar os limites das tradições judaicas, ainda com controvérsias como a discussão com Pedro sobre a circuncisão, porém a própria Bíblia lembra que temos olhos e corações (Dt 10,16) que são incircuncisos e isto explica a cegueira de Saulo, agora transformado em Paulo.

Ele será importante para a mudança de mentalidade que sai dos domínios judaicos e vai até os gregos e romanos, sem ele talvez o cristianismo ficasse como uma seita judaica, e sua sabedoria influenciou profundamente Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, pensadores importantes para o pensamento cristão e não há como negar a necessidade de sabedoria.

A religião dos preceitos, que exclui a muitos e que não permite que muitas pessoas mudem de rota está em franca decadência, e isto serve para a cultura de um modo geral, com uma necessidade urgente de uma espiritualidade que favoreça uma ascese verdadeira.

Não são as emoções, os discursos bem feitos e até elaborados que provocam uma “mudança de rota”, mas a consciência clara das necessidades humanas e espirituais de nosso tempo.

Não raros aqueles que se propõe a estes discursos, apelam para a exclusão, para a ruptura social e veem nisto um “profetismo” que não pode ser alcançado por mãos impuras.

Aquilo que é divino é transparente e límpido, vem com uma linguagem serena e clara, com atitudes que provam a mudança de rota, sem o exemplo qualquer discurso é vazio ainda que empolgue e provoque emoções.

 

A linguagem e o mal

31 jan

A linguagem humana é tão complexa quanto o próprio homem, assim sem uma visão do Ser em sua complexidade (ela é onto-lógica) e sem uma exata compreensão das funções linguísticas (ver post anterior) corremos no erro de entender que a lógica proveniente de mídias e dispositivos se sobrepõe a lógica humana e pode ela “controlar” o real.

Wittgenstein seu Tractatus Logico-Philosophicus, reforça a ideia que: “a linguagem é um traje que disfarça o pensamento. E na verdade, de um modo tal que não se pode inferir, da forma exterior da veste, a forma do pensamento vestido por ela, porque a forma exterior do traje foi constituída segundo fins inteiramente diferentes de tornar reconhecível a forma do corpo” (Wittgenstein, proposição 4002, 2023).

Isto é válido também para a metalinguagem, onde a veste é a mídia digital (não é a rede, pois está é de relações), veste-se dela para omitir os fins para os quais muitos a utilizam, entretanto, o problema não é só sócio-político, ele é também moral e ético.

Esta omissão na linguagem permite que a despeito da “liberdade” se possa fazer atos linguísticos com absoluta imoralidade, é muito mais que uma simples expressão na “veste” é uma forma de corromper e destruir valores centrais do processo civilizatório.

Assim separar o que é bom do que é mal a partir da veste é também uma atitude complicada, não se pode incorrer em equívocos bastante comuns: impedir a livre expressão, discernir as intenções escondidas na “veste” e principalmente defender os “alicerces” da verdade.

A verdade é ontológica e não segue a lógica comum, ela visa o respeito ao ser, a sua dignidade como pessoa, o direito as liberdades básicas e principalmente o direito a vida, hoje sob uma “veste” bastante confusão de direitos a morte, onde a guerra e a exclusão são os principais.

A própria linguagem enquanto expressão cotidiana de comunicação sofre abusos e formas de deterioração a cada dia mais preocupantes, ao ponto de dificultar até mesmo aquilo que já era conquista de milênios de processo civilizatória, a comunicação entre duas pessoas e em tempo de narrativas isto é mais sério ainda, a verdade e o “bom” que ela comporta estão deterioradas.

Não se pode separar o mal que está sob uma veste de “palavras” e uso linguístico, sem estar atento a verdade estruturais que datam de milênios de processo civilizatório: o direito de Ser (vida), o direito de expressar livremente as próprias ideias e princípios, o direito de ir e vir e o direito de escolha que não fira estes direitos de cada Outro.

Não se tira um bem de um mal, e aquilo que está presente na linguagem deve ser depurado.

Wittgenstein, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus, Brasil, Criciúma, SC: Editora Convivium, 2023. 1ª. edição eletrônica.  

 

A narrativa, a linguagem e a comunicação

29 jan

O que é narrativa e já estamos num pós-narrativa, sentencia o filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han: “Vivemos hoje num tempo pós-narrativo.  Não a narrativa [Erzählung], mas a contagem [Zählung] determina a nossa vida.  (Han, 2023, p. 48).

Para entender melhor esta frase, apenas para didática categorizamos o gênero literário em 3: narrativo ou épico, lírico e dramático, o narrativo está ligado a “contação” (zählung) de uma história e por isto não deve ser confundida com as narrativas atuais (Erzählung, em alemão), veja que elas estão diferenciadas pelo prefixo “Er”, assim a contação devem ter um narrador, uma trama, os personagens no temo e no espaço, isto é, num contexto.

O lírico também é um gênero que se refere a textos com subjetividades e conotações, podem ser em prosa ou verso, porém também são um tipo de contação diferente das narrativas modernas, muitos são os autores que reclamam a falta de poesia, e Heidegger lembrou que esta é uma outra função da linguagem.

O texto dramático é também um gênero onde se apresentam atos, cenas, rubricas e falas, por isto é parte de uma forma teatral ou de a-presentação, no sentido que a presentação é ao mesmo tempo uma contação de uma história e sua negação, uma vez que envolve a ficção.

A disputa entre nominalistas e realistas na baixa idade média (séculos XI a XIV), terminou por negligenciar a importância da linguagem, porém a viragem linguística do final do século XIX fez retornar sua importância em estudos como a gramática, a semiótica, a etimologia e de modo mais amplo a linguística.

O início da modernidade é marcado pela ruptura entre a função metafísica da linguagem e o uso da objetividade como modo de expressão, porém esta é apenas uma das funções da linguagem, o linguista russo Roman Jacobson lembra das funções: fática, poética, conativa e metalinguística, na qual se inserem por exemplos os códigos modernos: morse, digital e quântico, onde “o “código explica o próprio código, ou seja, a linguagem explica a própria linguagem”, e este deve ser o único contexto onde se aplicam os conceitos de emissor/receptor.

A viragem linguística, ocorre em meio a crise do pensamento idealista e positivista na modernidade: Husserl, Heidegger, Hanna Arendt são fundamentais embora sejam mais lembrados: Noam Chomsky, Mikhail Bakhtin, Michel Foucault e Ferdinand de Saussure.

Retomando a citação inicial de Byung-Chul Han: “A narrativa é a capacidade do espírito de superar a contingência do corpo”, esta capacidade de superar a contingência do corpo, está ligada não apenas a lembrança da linguagem poética e conativa, porém aos sentidos e valores espirituais que a modernidade abandonou, sob o pretexto de criar uma visão “objetiva”.

A contação das histórias dos povos, de suas culturas e religiões assim são fatores primordiais para a superação de um momento tão dramático da história da comunicação, onde a própria comunicação fruto de milênios de evolução da cultura humana, parece estar em cheque.

Proclamar as palavras, histórias e crenças é um direito universal, as tentativas de impedir estes direitos não é apenas uma motivação para divisões e ódios, é combustível para as guerras.

 

A Sociedade em bolhas

28 jan

A questão do Outro surgiu na filosofia em decorrência de uma filosofia egocêntrica vinda do racionalismo extremo, que explora o hedonismo exacerbado, o utilitarismo como forma de vida e de economia, em uma sociedade de direitos sem deveres, onde o que vale para mim não vale para o Outro.

Autores da filosofia como Paul Ricoeur (citado até pelo papa), Emmanuel Lévinas e Martin Buber, vindo de uma filosofia judaica, falam deste emergencial existencial que é a relação com o Outro, porém nossos círculos fechados tentam estabelecer meias verdades narrativas que são válidas somente para nossas bolhas.

A pergunta essencial existencial sobre quem é o Outro?, Martin Buber, em  o Eu e o Tu, chega e ver o mais sagrado no Outro e a pergunta está, de certa forma, em Esferas I Peter Sloterdijk, onde diz que as crianças parecem nascer com uma espécie de “instinto de relações”?  que vai desenvolvendo ao longo do livro a ideia que não nascemos sozinhos e, deveríamos então através de trabalho cooperativo e da linguagem, nos socializarmos, e fazer brotar este instinto interior do relacional.

Sloterdijk rejeita o princípio liberal, idealista e de origem cartesiana, onde o indivíduo isolado busca sua razão existencial, ele parte de uma ontologia onde o primitivo é sempre Dois, porém se incluímos o divino que Buber enxergou, somos três.

Mas não é idealista ao ponto de dizer que estes dois estão fundidos, poderíamos dizer usando o conceito de Gadamer, que vê no “círculo hermenêutico”, uma a “fusão de horizontes”, e assim podemos pensar que o indivíduo que sai da placenta e esta ficará morta, sai de sua bolha primordial, e vai se encontrar de certa forma separado da mãe.

O mundo pré-moderno tinha um modelo, para o qual esta separação não fosse total, de permanecer na subjetividade ou na intimidade (não a interioridade que não separa), isto pode ser visto em alguns povos que plantavam a placenta como as árvores, e outros, como os egípcios que faziam travesseiros, e em túmulos dos faraós eram enterradas com eles, como para permanecer na bolha existencial inicial.

Somos vistos assim na autossuficiência do modelo liberal, mas também este modelo é criticado, por exemplo, por Rousseau, que buscou uma vida isolada do não pensar, ver como na experiência do lago, em seu escrito dos Devaneios do caminhante solitário, compatível como seu modelo do homem do “bom selvagem”, em que se inspiram muitas democracias modernas, Rousseau foi o contratualista deste modelo mais liberal.

Também a esperança de reconquistar uma “vontade geral”, num estado mais forte, onde se proclame uma espécie de “religião nacional”, que hoje eclodem nos nacionalismos em todo o planeta, não são senão uma visão contemporânea, de uma autossuficiente das “bolhas” de diversos tipos de fechamento social em “comunidades”, mas com um princípio egoísta dentro, aquilo que Sloterdijk chama de “comunidade insuflada”, as mídias sociais são apenas “meios” onde estas ideias de bolhas se propagam.

Elas estão nos círculos fechados da maioria das organizações sociais de hoje, e para nos abrir para as bolhas é preciso ver o Outro não como um “perigo”, mas como solução.

 

A verdade e a justiça se encontrarão

24 jan

O encontro da verdade e a justiça ainda desafiam grande parte dos pensadores, Hans-Georg Gadamer, em seu livro Verdade e Método assinala os dois pontos que ainda são entraves para esta dicotomia: “A efetiva exemplaridade que teve a nova mecânica e seu triunfo para as ciências do século XVIII, assinalado pela mecânica celeste de Newton, continuava sendo para Helmholtz tão evidente, que bem longe dele estava indagar sobre quais as pré-condições filosóficas haviam possibilitado o surgimento dessa nova ciência no século XVII” (Gadamer, 1997, p. 42), e aponta isto em decorrência da Escola Occamista de Paris.

Wiliam Ockham (1276-1347) foi um monge escocês que estabeleceu o princípio da “Navalha de Ockham” que diz que entre duas explicações deve-se ficar com a mais e isto chegou até os estudos dos séculos XVII e XVIII, e Helmholtz foi aquele que tentou separar as ciências da natureza de sua derivação histórica, porque assim poderia se trabalhar as ciências do espírito.

Gadamer tem o mérito de desvendar (não é o desvelar que seria atingir a Verdade), ao analisar o romantismo histórico de Dilthey: “no que diz respeito a essa independência dos métodos das ciências do espírito, Dilthey continua vinculando-a ao antigo Natura parendo vincitur* “ (Gadamer, 1997, p. 44) e assim continuou prevalecendo princípios newtonianos nas “Ciências do Espírito” e assim as verdadeiras bases destas ciências ficam atreladas ao logicismo.

O significado do termo latino é “A natureza é superada ao dar a luz”, vincula o natural ao sobrenatural, e assim acaba por negá-lo, este era o intuito de Kant (sapere audi, ousar saber) e que ficou consagrado na modernidade por Hegel: “o real é apenas um aspecto do ideal”.

Não há no idealismo o conceito de virtude (areté), e sim de formação como disciplina pessoal, Wilhelm Von Humboldt corrigiu isto: “Quando nós, porém, em nosso idioma dizemos formação, estamos com isso nos referindo a algo ao mesmo tempo mais íntimo, ou seja, à índole que vem do conhecimento e do sentimento do conjunto do empenho espiritual e moral, a se derramar harmonicamente na sensibilidade e no caráter” (Gadamer, 1997, p. 49).

Assim a modernidade aboliu a meta-física, o que está além do physis (desde os gregos significa a natureza) e do sobre-natural (aquilo que está acima da natureza, o superno natura).

Assim num reducionismo da verdade, quando procuramos a justiça pensamos ser correto usar meias-verdades (os meios justificam os fins) e quando dizemos defender a Verdade, achamos correto suprimir condições de justiça humana e divina para defende-la, há um vinculo entre elas a Justiça sem a Verdade está mutilada, a Verdade sem a Justiça é meia-verdade.

GADAMER, H.G. Verdade e método. Trad.de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

 

Por uma verdadeira ascese

23 jan

Peter Sloterdijk mesmo sendo um agnóstico aponta um defeito “espiritual” da sociedade atual, vive uma ascese desespiritulizada, isto, é uma “sociedade de exercícios” que não levam a uma verdadeira “ascensão” interior, vivem agitados, procurando a “eficiência” caem na “Sociedade do cansaço”.

A falta de tempo para a meditação, para o exercício da mente e da alma, está levando ao “brainrot”, palavra do momento segundo a Universidade de Oxford, que a incluiu no dicionário, significa cérebro podre, não se trata apenas do consumo de má informação, o desconhecimento e o pouco exercício de uma “vita contemplativa” como pede Byung Chul Han cria um espaço na mente para este tipo de pensamento crescer.

Criamos uma cultura que não é nem contracultura num sentido de evolução civilizatória, é apenas algo podre, bombardeamos nosso cérebro de fragmentos de pensamentos, de fragmentos espirituais sem que eles se completem e formem dentro de nós uma verdadeira ascese espiritual.

É o ativismo vazio, para preenche-lo precisamos de mais narcóticos e alimentos que preenchem o vazio corporal enquanto a mente permanece vazia, este mesmo vazio que poderia servir para criar uma “vita contemplativa” que desse sustento a uma ascese e a um equilíbrio do círculo virtuoso.

Chul Han lembra também da pintura, citando a obra do francês Paul Cézanne: “Pintar não significa nada mais do que ´soltar a amizade de todas essas coisas ao ar livre’ ” (Han, 2023, p. 49), significa “encontrar a concordância das coisas, ou seja, da verdade” (idem) (na foto a obra Monte Sainte-Victoire de Cézanne), a perda da cultura (ou o que restou dela segundo Antoine Daniels) é isto incapacidade de ver o belo e a verdade.

É claro que uma verdadeira ascese, no sentido espiritual, não pode deixar de se encontrar com o divino, e quantos “exercícios” inúteis que depois de um “banho de espiritualidade” caem no vazio e sem encontrar o ser, como afirma Han: “nas camadas profundas do ser, eles são suspensos” (Han, 2023, p. 49).

Lançar-se sobre o divino, para a espiritualidade cristã lançar-se em Jesus, em sua sabedoria e não apenas em discursos sobre ideologias, consumo, riqueza e todas superficialidades modernas, não é apenas a cultura midiática que faz isto, é a ausência de valores estruturais da virtude e da moral.

“A paisagem da inatividade”, escreve Byung Chul-Han sobre Cézanne, “rompe com a natureza tornada humana e restaura uma ordem não humanizada das coisas, na qual elas podem se encontrar” (Han, pag. 50).

Ainda citando Cézanne: “Ah! Nunca se pintou a paisagem. O ser humano não deve estar aí, mas sim ter encontrado inteiramente na paisagem” (pg. 51), deve-se “fazer silêncio” ao “eu barulhento”.

Quantas pessoas participam da “sociedade de exercício” apenas para rir e se emocionar, sem ter “entrado na paisagem”, sem o menor contato com o divino, precisam do barulho, da comida e da bebida para empanturrar-se do vazio que possuem na alma e não no estomago e nos nervos.

Somente um exercício de verdadeira ascese podem nos conduzir ao Amor, síntese das virtudes, mas sem esquece-las: nos introduz em equilíbrio, coragem, escuta e sincera relação social.

HAN, B. C. Vita Contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. De Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.