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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Assim os últimos serão os primeiros

25 set

Não importa que você demonstre que faz bem as coisas, que mantenha as aparências, que esteja sempre num lugar de destaque, mesmo na política e nos cultos e festas religiosas, a verdadeira consciência é que liga-se a intenção, e a intencionalidade é a consciência dirigida a “algo”, diz a fenomenologia.

Assim é que a nova normalidade, não a da pós-pandemia, mas a da pós crise civilizatória e tudo indica que ela está a caminho, poderá inverter a lógica da perversidade dos poderosos, dos opressores e dos fariseus, somente a verdadeira solidariedade contará, somente ela poderá dar sustento ao novo rumo, que poderá advir não de uma nova normalidade, porque ela já era distante antes da pandemia, basta ler a literatura séria, que não é a dos midiáticos.

Os frágeis e os indefesos ficaram ainda mais frágeis na pandemia, mas a lógica do poder se inverterá por uma fenomenologia aórgica, aquela que vem do inorgânico sobre o orgânico, vem da natureza para o humano, e do cosmos para o planeta, assim como afirma Morin em sua “introdução a complexidade” o todo está na parte, o cosmos e a natureza em cada indivíduo, como a parte está no todo, somos responsáveis por tudo que acontece na Natureza.

Está na cosmologia e não na visão sistêmica, está no holismo aórgico e não no holismo cartesiano, está na mística e não no farisaísmo ou na ideologia atrelada a religião, que é outro tipo de religião sem ascese, a mudança vem de uma longa noite da humanidade, mas poderá concentrar numa noite visível.

O poeta Hörderling afirmava “onde há medo há salvação”, e o momento de apreensão da humanidade a espera de uma vacina deve pensar numa vacina que tire a venda dos olhos da cegueira do pensamento, Edgar Morin preconizou esta noite, e Peter Sloterdijk afirmou que não é um tempo propício ao exercício do pensamento, estamos petrificados em lógica sistêmica e doutrinais que não nos permite perceber um novo ao largo do horizonte.

É por isto que os últimos serão os primeiros, as pessoas simples tem a intuição desta possível mudança, os verdadeiros sábios a desejam, não como o querem os poderosos, mas como sonham os flagelados da pandemia social, do doutrinismo irracional e fechado em suas bolhas.

Os que blasfemam contra as religiões afirmam como dizia o profeta Ezequiel no antigo testamento (Ez. 18,25): “Vós andais dizendo: a conduta do Senhor não é correta. Ouvi, vós da casa de Israel. É a minha conduta que não é correta, ou antes é a vossa conduta que não é correta?“, os humildes entendem.

É assim que os últimos serão os primeiros, e que serão os operários da última hora, como diz a parábola bíblica aqueles que chamados ao fim do dia foram ao trabalho e receberam o mesmo pagamento dos que chegaram no início do dia, e não haviam ido apenas porque não haviam sido chamados (Mt 21,28-32).

 

O inesperado e a ação

23 set

Entre muitos pensamentos que me causaram impacto no quase centenário Edgar Morin, a sua relação com o inesperado é a mais interessante e sábia, disse esta relação “torna-nos prudentes”, e disse isto referindo-se a ciência.

O vírus nos pegou de surpresa, mas a arrogância de muitos senhores midiáticos não deixou de analisar a pré pandemia, a própria pandemia e o pós-pandemia, não há mistérios na vida para eles, porém o que vemos ainda é muito mistério.

Diz Morin, “por mais que se saiba que tudo o que se passou e importante na história mundial ou em nossa vida era totalmente inesperado, continua  agir-se como se nada de inesperado tivesse doravante a acontecer”,  e é muito provável que mais coisas inesperadas aconteçam se conhecemos algumas leis da teoria da complexidade ou do caos.

É verdade indica o pensador, “a complexidade necessita de alguma estratégia”, gostaríamos de ter “segmentos programados para sequencias onde não intervém o aleatório”, mas esta é uma situação que  pilotagem automática não é recomendada, diz o pensador: “o pensamento simples resolve os problemas simples sem pensamento”, não é o caso.

Já o pensamento complexo é “dar a cada um, um memorando, uma marca, que lembre: não esqueça que o novo pode surgir e, de qualquer modo vai surgir”, encontrei o que queria porque minha intuição diz isto, algo novo vai acontecer.

É neste ponto de partida que Morin aponta para “uma ação mais rica, menos mutiladora”, o que seria, diz “quanto menos um pensamento for mutilador, menos mutilará os humanos”, mas muitos não pensam, ignoram o futuro.

Anormal e simplificador seria se depois de um ano absolutamente anormal na história da humanidade, tudo voltasse ao cotidiano ou a “trivialidade” que alguns pensamentos mutiladores insistem em dizer, e o próprio termo “nova normalidade” é também mutilador, pois a questão é se haverá normalidade depois deste ano.

A ação possível e que deve ser pensada por cada um em particular, mas por todos como sociedade é como minimizar as perdas, como reorganizar a vida, como superar as dores ou ao menos suportá-la, e ajudar aqueles que não as suportam.

Será preciso de uma anormal fraternidade, aquela que ainda poucos viveram, e os que as pregam as vivam de verdade.

MORIN, Edgar. Preparar-se para o inesperado. In: MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução de Dulce Matos. Lisboa: Instituto  Piaget, 2008. p.120-122.

 

Pressupostos da intenção

22 set

O filósofo e psicólogo Franz Brentano (1838-1917), professor de

Toda consciência é consciência de algo. Intencionalidade. Objeto é sempre objeto para a consciência. Captar a vivência dos objetos como se apresentam á consciência do homem.

Husserl e Freud em Viena, a partir de uma subcategoria da consciência, a intencionalidade, desenvolveu-a em relação aos atos psicológicos.

Na sua compreensão o fenômeno mental contém uma característica exclusivamente sua que é a de dar aos objetos uma Intentio, ou seja algo do objeto de si mesmo, e exemplificava, o ódio é sempre algo que é odiado, assim como o amor, é algo que é amado, em termos científicos significa, a consciência é iluminada como tendo sentido na relação ao objeto.

Porém será Husserl que vai explicitar esta relação da intencionalidade como sendo algo inerente ao ato de conhecer, situando-a como tendo a característica destes atos de sempre se referirem a algo, implicando um objeto de conhecimento, e assim pode-se redefinir a objetividade idealista:

“Pertence à essência das vivências de conhecimento (Erkentniserlebnisse) ter uma intentio, significar alguma coisa, referir-se a uma objetividade”. (Husserl, 1950, p.55)

Ao conceber a fenomenologia como algo novo na relação com o objeto, reconhece também a existência do Outro ego que existe independente de minha consciência, assim o mundo físico “objetivo” (já dissemos fora da dicotomia sujeito/objeto) está aí, antes de mim e de minha consciência e independente dela, e assim também estará em outro sujeito, o que parece sugerir uma intersubjetividade, porém esta existência diferente da minha também tem como objeto o “algo” que conhece.

Mas só sei do outro, só conheço o outro, a outra consciência, se a reconheço a partir de minha consciência intencional, o Outro aparece através da mediação, como presença imediata, assim como o objeto, é também a consciência intencional que me dá consciência do Outro.

Assim a experiência de um sujeito não deve ser remetida, enquanto condição constituinte, senão de um mundo vivido em comum, compartilhado com outros, porém não era para Husserl a intersubjetividade, o que aparece em seus escritos é a relação com outro, como tendo outro ego, outra intencionalidade.

A experiência vivida, o Lebenswelt que aparece como um dos fundamentos do pensamento de Husserl, é que sugere uma nova solução para a questão, através do que ficou chamada de fenomenologia genética (e não estática) dirigida ao tema da constituição desta experiência vivida, no mundo da vida, fortalecida com a publicação de alguns textos inéditos de Husserl.

Assim a subjetividade passa à esfera da intersubjetividade, através de uma experiência co-constituinte, que pertence a todos e a ninguém em particular, foi o que abriu caminha a vários trabalhos posteriores da fenomenologia, chegando ao círculo hermenêutico de Heidegger e aos “novos horizontes” de Gadamer.

O importante é entender que a experiência e a interpretação do outro do mundo vivido, não o isola em um mundo particular, a consciência como afirmou Merleau-Ponty não nem “externa” nem “estrangeira” ao Outro, assim há um mundo vivido comum a todos e nele é possível um diálogo hermenêutico.

 

Número de casos cresce e as vacinas

14 set

O número de dados voltou a crescer, se olhamos o vale do dia 7 de setembro, feriado nacional no Brasil, vemos o vale de decréscimo com 10 mil casos, nesta avaliação de curto prazo é melhor o número de infectados, porque o número de mortes só será afetado de 7 a 14 dias, que neste período também voltou a crescer.

Foi um escândalo e comentado em todo país a descida dos paulistas para as praias litorâneas, coincidência ou não, é um dado real e científico, o número de casos voltou a crescer e o número de mortes voltou a aproximar das mil diárias.

Enquanto a vacina não vem, teremos que conviver com esta realidade, o período de um possível lockdown passou o vírus está em todo país e o único isolamento que funciona é o social para evitar a infecção entre pessoas próximas, partindo justamente da ideia que todos podem ser portadores do vírus agora e todo cuidado é necessário.

Agora estamos a espera da vacina, e o caso de um efeito colateral de uma mulher em Londres da vacina de Oxford, a que usa o princípio vetor viral, o efeito foi uma mielite transversa que causa um problema neurológico e pressão alta, sendo possível que a causa foi um fator externo a fórmula, a mulher passa bem, há avaliação do caso por um comitê que é independente (vejam o quão complexo e sério devem ser os testes), e a retomada dos testes já foi autorizada, há outras 6 na fase dos testes.

É importante notar que o problema foi o efeito colateral e não a infecção, a vacina da Oxford e do Laboratório Astrazeneca, que tem participação do laboratório da Fiocruz brasileira, não tem possibilidade de infecção, ela não replica o vírus, por isto é considerada segura, mas efeito colateral existem em quaisquer remédios e vacinas e deve-se prescrever os casos, como aqueles que encontramos nas bulas, do tipo, crianças ou adultos não podem tomar, etc.

O caso foi importante para que todos tenhamos consciência da seriedade e da lentidão dos testes, que são necessários.

Outras vacinas sobem na “cotação”, a vacina da Pfizer. que segue o princípio ácido nucleico (RNA), e com boa cotação na área médica, porém esta também está sujeita aos testes e sem a avaliação das “contraindicações” não se deve apressar seu uso, por isto, a demora, é necessária e não se pode dispensar esta fase.

Socialmente o que esperamos, passado um período de ajuda (deve ir até o final do ano, mas que já está ai), é preciso já começar a pensar nas consequências econômicas, sociais e educacionais, elas serão fortes e exigirão o esforço de todos e deve-se pensar não como um peso, mas como uma necessidade social que determinados grupos tenham proteção.

É o caso de idosos, crianças e grupos socialmente marginalizados, se a sociedade e as políticas públicas não abraçarem estas pessoas, as consequências sociais que já são graves, poderão ir para o campo do descontrole e seria uma tragédia.

 

Perdão, utopias e mudança

11 set

Não só pessoalmente, mas principalmente socialmente o perdão pode mover a história no caminho inverso do ódio, da guerra e da opressão, isto não é diferente em muitas religiões, afinal a “regra de ouro”, não faz ao outro aqui que não gostaria que fosse feito a si, está presente nas grandes religiões e culturas contemporâneas.

Há vários textos e discursos sobre o perdão que não estão conexos com a realidade, por exemplo, quem perdoa nem sempre esquece, o perdão deve reparar o dano, porém não significa que isto seja proporcional, muitas vezes não é.

Cada ofensa se repetida não deve ser perdoada, lembremos do ensinamento de Jesus: “setenta vezes sete” (Mt 18, 21), apenas para dizer muitas vezes, e se entendemos que o erro é mais comum do que imaginamos (veja os vários posts desta semana) pode-se entender melhor a oração dada pelo próprio Jesus: “perdoai nossas ofensas, assim como perdoamos o quem nos tenha ofendido”, este é o caminho possível do Amor em muitas dimensões.

Lembro que este trecho vem logo depois da passagem que Jesus pede a unidade das pessoas (não precisam ser cristãos, mas estarem “em seu nome”), “onde estiverem dois ou três em meu nome, aí estou no meio deles” (Mt 18,20), assim não há proprietários desta “presença”, inclusive ela pode não estão entre pessoas que são religiosas.

Karl Jaspers (1883, 1969), que influenciou muitos dos pensadores modernos como Hannah Arendt e Heidegger, em seu livro Introdução ao Pensamento filosófico indagava sobre o caminho que já trilhávamos muitos anos atrás:

“Irritamo-nos mutuamente. A psicologia profunda surge como refúgio que tudo obscurece. A superstição científica leva a recorrer, para busca de salvação, às pseudociências. E nos dizem: quando tiverem desaparecido todas as ficções e ideologias, o homem, até agora doente e alienado (em sentido etimológico), recuperará saúde. E a saúde é a felicidade, o fim supremo” (Jaspers, 1965, p. 30).

É claro que existe ciência verdadeira que não é pseudociência, e que a felicidade que não tem bula nem fórmula, pode e deve ser almejada, porém a recuperação da saúde emocional depende de rever a história e daí caminhar para frente.

JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. SP: Cultrix, 1965.

 

Onde leva a ira e onde leva o perdão

10 set

Pode-se considerar a primeira ideia da ira política ocidental, do século VIII a.C., a Ilíada de Homero aquela que levanta a primeira voz sobre a ira, já na primeira frase: “canta, ó musa (Muse) a ira (mènin) de Aquiles”.

Parece que esta é a voz corrente do Ocidente de Zizek a Sloterdijk todos parecem concordar com isto, menos Edgar Morin e claro alguns pacifistas, mas que ficam envergonhados diante de tamanha desfaçatez dos líderes conservadores.

Mas há bem poucas crónicas que falam do sucesso destes líderes, e parece que a pandemia os ajudou, com medo a ideia de um governo forte que cuida dos fracos é mais forte do que a voz da insurreição e da liquidez, há outras vozes porém.

A ideia de perdão é ironizada e a vingança e a ira parecem potencializadoras de uma mudança, porém o sentimento de compaixão e de perdão é inerente a ética humana, por mais que ela esteja confusa com a ética do estado que dispensa muitas vezes a moral, ela é a única esperança de que o quadro da cólera possa se inverter, é claro com arrependimento dos opressores, mas o discurso corrente é que isto é impossível e que as pessoas jamais mudariam, e com a pandemia!

É claro que perdão sem arrependimento e sem reparação não é aceitável, e não é verdade que basta se confessar e mostrar arrependimento que está “salvo”, há efeitos e punições sociais que podem levar o opressor a sua reparação, mesmo que esta possa ser muito menor que o dano causado, porém não há como mudar de rota, de rumo, sem perdão.

O que é preciso compreender é que as ofensas quando brotam em torno de uma polarização elas podem favorecer aos que raramente não tem defesa, social, política ou ideológica, e isto favorece aos fortes, o medo pune os fracos e nunca os cruéis, acostumados a fazer com ele um jogo de risco e sádico prazer.

Edgar Morin esclarece que: “A compreensão não desculpa nem acusa, pede que se evitar a condenação peremptória, irremediável como se nós mesmo nunca tivéssemos conhecido a fraqueza nem cometido erros. Se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas”, e está no sentido inverso neste momento, o que favorece a líderes autoritários e aos que desejam que o ódio cresça.

Para sermos solidários com o Outro, que não é nosso espelho, tem que “tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum”, a pandemia pode ainda tornar consciente que devemos cuidar do Outro.

O perdão não muda os acontecimentos, mas pode mudar o sentimento em relação a eles, não muda o rumo da história, mas o destino de histórias pessoais e/ou coletivas quando o problema é encarado de frente, superando a ira e o rancor.

Se formos honestos diante do espelho, se formos capazes da autocrítica, como postamos anteriormente, conforme afirma Popper: “A autocrítica é a melhor crítica”, é dela que pode nascer uma crítica com consequências positivas.

 

Erro, cólera e thymós

09 set

Assim como o erro científico é assumido como parte da investigação científica, os erros nas relações humanas e sociais não devem levar a ruptura e o retorno a ligação entre pessoas ou grupos envolverá fatalmente algum tipo de perdão.

Muitas vezes é possível que o erro não seja assumido,  mas subentendido, isto porque, ficamos justificando o caminho que tomamos e fazendo considerações sobre a nossa falta e acabamos por não assumi-la, mas o retorno deve ser sempre tentado, uma vez que o perdão sana e permite o diálogo avançar.

Peter Sloterdijk escreveu sobre a situação “timótica” de nosso tempo, Thymós está na base da teoria de Platão para designar os “órgãos” de onde nascem os impulsos, as excitações, as afecções mais inflamadas, parece algo muito presente em nosso tempo e assim delineou o seu livro Ira e Tempo (Cólera e Tempo, na tradução portuguesa da editora Relógio d´Água).

O assunto preferencial não podia ser outro que não a política, é sem dúvida o polo de catalização de ódios e rancores, onde o perdão e o diálogo parecem ser cada vez mais um ponto distante ao qual jamais se chegará, e o inverso disto é …

Estes impulsos atravessam não só as redes sociais, passam pelo jornalismo política e polarizam entre partidos, pessoas e grupos sociais, o que Sloterdijk faz na forma de “análise” é que existe um estado de proliferação (atenção, não é aquilo que Byung Chul Han vai chamar de psicopolítica, ou a antiga “política de massas”), já chamamos a atenção para Karl Kraus, que em seu tempo entre guerras, chamava a atenção para o discurso da imprensa e dos intelectuais.

Em uma de suas comédias, “A terceira Noite de Walpurgis”, dizia que “sobre Hitler não me vem nada à cabeça”, é lógico que ele não ignorava o perigo daquele discurso, porém alerta os jornalistas e escritores que insistiam em apenas ironizar e dizia que os media pareciam gostar do cidadão indignado, mas impotente, assim tem o efeito inverso do desejado.

Um olhar analítico sobre a psicopolítica que Chul Han faz não é dispensável, ainda que estejamos munidos de pouco saber sobre esta matéria, verificasse que o estado de alta tensão timótica, instaurado pelos meios de comunicação para garantir o sucesso de indivíduos que estejam carregados de “thymós”, nos leva a uma guerra civil sem fim (aparente).

É como se toda ira só encontrasse sua “economia política” naquilo que Sloterdijk chama de cinismo “racional”, uma espécie de “banco mundial da ira” que catalisa não por acaso, lados opostos da polarização atual.

Basta olhar os políticos de diversas tendências para ver o quanto estão agarrados a esta tendência, assim o ressentimento e a legitimação de crimes tornam a indignação popular impotente, reclamar apete e torna-se tábula rasa para qualquer início de conversa, mesmo que venha de um sentimento libertador que deveria apontar para o novo.

A ausência de perdão ou ao menos de tolerância, torna a violência e o falso radicalismo visíveis e esconde a impotência.

SLOTERDIJK, Peter. Ira e Tempo – ensaio político-psicológico. Trad. Marco Casanova. SP: Estação Liberdade, 2012.

 

Sobre o erro e o mundo melhor

08 set

Karl Popper estava preocupado com a ciência, com a natureza mas principalmente com a ética e sobre o erro, e estabeleceu doze princípios para serem observados no seu livro “Em busca de um mundo melhor” (Fragmentos, 1989), comenta-se aqui apenas alguns:

O primeiro é entender que nosso saber é conjectural, ou seja “vai sempre mais além daquilo que um indivíduo consegue dominar, não existem pois autoridade. Isto é igualmente válido no que se refere as especializações”, como alertam autores sobre a Transdisciplinaridade, o saber especializado pode-se se tornar um novo tipo de obscurantismo, afirmam Edgar Morin, Barsarab Nicolescu e Lima de Freitas na Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida.

Um segundo princípio que destacamos é que é ‘impossível evitar todos os erros ou sequer todos erros em si mesmo evitáveis”, o idealismo e perfeccionismo levam as pessoas a decepção porque não consideram este aspecto essencial sobre a natureza humana.

O terceiro princípio estabelece que deve-se tentar evitar os erros, assim mesmo cientistas criativos que seguem a intuição, podem e devem evitar o erro, mas é quase inevitável que o cometam.

Mesmo a teorias mais confirmadas aquelas que podem parecer perfeitas ocultam erros, isto deveria ser pensado para aqueles que vivem em “bolhas”.

Isto deve levar-nos ao que Popper propõe como uma reforma “ético-prática” que leva a uma forma de pensar que é impossível evitar todos os erros, o que muda a antiga noção de que é possível evitar erros por “critérios científicos”.

O sexto princípio é que o “novo princípio básico é o de que para aprendermos a evitar tanto quanto possível os erros, temos que aprender precisamente com eles”.

Assim é mais saudável procurar os erros, e a atitude de autocrítica e sinceridade são consequências deste dever.

Assim aceitar compreender e aceitar os erros, até mesmo agradecer que outros nos alertem sobre eles, Popper lembra que os maiores cientistas cometeram erros, e ter sempre presente que cometemos erros, isto é, não negligenciar a nossa vigilância, propor o autor.

Temos que compreender que precisamos dos outros (e os outros de nós) para conseguir entender nossos erros, em particular daqueles que tenham acrescido com ideias diferentes, mas em ambientes distintos, o que significa ampliar a tolerância.

A autocrítica é a melhor crítica, porém é a crítica através dos outros a mais necessária, segundo Popper, tão útil quanto a autocrítica.

Aqui entra o ponto final crucial da ética-prática popperiana, a crítica racional deve ser sempre específica, deve indicar as razões específicas porque determinadas afirmações, determinadas hipóteses parecem ser falsas e determinados argumentos não podem parecer válidos, a critica racional propicia uma aproximação à verdade objetiva, neste sentido é impessoal, e embora Popper não diga, deve estar acima de crenças e ideologias para ser base de alguma verdade ética.

POPPER, K. Em busca de um mundo melhor. Lisboa: Editorial Fragmentos, 1986.

 

Ódio, desdém e reflexão

07 set

Não é por acaso que a região do cérebro de estruturas como o córtex frontal medial, cuja capacidade de argumentar e portanto de dialogar se encontra ali, tenha como núcleo o putâmen, o córtex pré-motor e o córtex insular, cujas estruturas participam também da percepção do desdém e do nojo, isto é a ativação do ódio está fisicamente no cérebro próximo àquelas áreas associadas ao julgamento e ao raciocínio, assim pode-se tanto ativar um como o outro, há as duas opções.

Os que querem justificar o ódio então estão cheios de argumentos, são capazes de raciocínios até profundos para agir contra o odiado, mas se a premissa for o diálogo o mesmo raciocínio pode ser usado para compreender, cuidar e desviar a violência do outro, como algumas artes marciais ensinam, desviado o “corpo”.

O ódio não desaparecerá esperando que as circunstâncias externas mudem, em geral ela não acontece, não é uma mágica, para curá-lo é necessário que se reconheça a diversidade, sua problemática, como diria Gadamer ter consciência dos pré-conceitos, isto é, dos fundamentos que iniciam uma desavença ou um tipo de crédito, reconhecer o Outro em sua bolha e reconhecer a nossa, ambas como tendo pré-conceitos.

Se de fato ativamos a parte do raciocínio, do pensamento e colocamos as desavenças neste nível, atenuamos um pouco a parte do ódio, mas é essencial perguntar e uma parte de nosso ódio viria abaixo ao refletir dessa forma: “Por que odeio? O que pretendo conseguir com isso? O que ganho e o que perco com meu ódio?”.

Não conheço situação que se resolveu neste caso, em geral levou a um conflito maior, a um ódio mutuo maior, se o objetivo é a guerra provavelmente chegaremos lá, mas creio que para a maioria das pessoas não é, então o que falta é refletir, analisar as origens de tal “mal” em suas bases mais profundas.

O ódio deve ser combatido com a compreensão e principalmente que leve a um novo tipo de ação, o que implica reconhecer em primeiro lugar que ele existe e é fomentando por dois lados e não por um só, nas manifestações das pessoas e em suas propagandas, as denuncias são recorrentes para dizer toda verdade está deste lado e no outro só mentira, é preciso explicar as consequências e que de fato quem se beneficia são aqueles cuja razão de existir e de pensar é mesmo o “ódio”.

Pessoas sábias de diversos matizes como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela ou madre Teresa de Calcutá com sabedoria e inteligência diante de conflitos enormes e absurdos souberam mostrar que a bondade e a generosidade, a criatividade e o respeito ao outro podem levar a buscar um bem coletivo maior e em embora um pouco mais demorado terão frutos mais duradouros, com menos violências e mortes, mas porque mesmo em grupos sérios o ódio persiste, a resposta é muito simples.

Incentivados por líderes e grupos que vivem em bolhas políticas, ideológicas ou religiosas, o principal recurso é a demonização do adversário, identificado com algum aspecto repugnante do mal: morte, corrupção, violência sexual, racial ou de gênero, enfraquecimento de valores ou algo do tipo, e uma vez unidos em grupo o medo desaparece e isso reduz a inibição de quem odeia para agir de outras formas não a da argumentação e exposição dos fatos, mas a violência contra a violência.

Os líderes que incitam este ódio, dizem já não poderem controla-lo, mas no fundo o desejaram, desenvolvem esta parte do raciocínio que dizemos no início perto da parte do cérebro do putâmen, e liberado o ódio será executado pelas pessoas que usam a outra parte com menos raciocínio e mais visceral, assim o ódio “explode”.

O que devemos pensar diante de fatos indignos, e neste momento não deveria haver nenhum maior que a pandemia, é que o sentimento de medo e de exaustão pelo confinamento é explorado não em conseguir modos de relaxamento e anti-stress, mas de liberá-lo em formas violentas, quais as consequências ? e a quem estão favorecendo ? penso que aos odiosos, e não aos amorosos que de fato tem amor pela humanidade e pelo apreço mais frágeis.

Parece um caminho sem volta, em meio a pandemia e com duas eleições tensas se aproximando, a nacional dos Estados Unidos e as municipais no Brasil, vejo pouca ou quase nenhuma discussão sobre a pandemia e sobre os que morrem todos os dias, as famílias enlutadas e a compaixão com estes, nem de um lado nem do outro.

Felizmente os níveis de mortalidade diminuíram, mas o fim de semana prolongado prometem aglomerações, a vila de carros para a praia era enorme, e a pandemia ?

 

A unidade e o terceiro incluído

04 set

A polarização, o dualismo e a ontologia binária (o ser é e o não-ser não é) estão tão presentes nas relações humanas do cotidiano que é difícil pensar numa terceira hipótese, porém a física quântica já a descreveu e mais do que seu efeito fantasmagórico (Einstein, Podolski e Rosen assim o chamaram e este efeito ficou então conhecido como EPR), há um efeito na vida real, os computadores quânticos vem aí, e seria bom que a filosofia acordasse de seu sono racional (que nada tem de líquido nem de sólido), e despertasse para uma nova realidade.

A lógica clássica aristotélica justifica a exclusão de um terceiro termo e ela prevaleceu até recentemente é ela que está na base das filosofias fundamentalistas, racistas e cientificistas, que fundamentam também o princípio do terceiro excluído que separa o “bem” do “mal” (o maniqueísmo) segundo esta lógica:

  1. Axioma da Identidade: “A é A”
  2. Axioma da Não-Contradição: “A não é não-A”
  3. Axioma do Terceiro Excluído: “não existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A”.

A lógica da física e também do cientificismo (não é a verdadeira ciência) estabelece isto, porém a contradição entre identidade  e não-identidade é  observada pela física quântica, sendo chamada de princípio da superposição quântica, cujo efeito foi estudado dentro da física chamado de “tunelamento” observando partículas qu transpõe o estado classicamente proibido.

A lógica do terceiro excluído foi primeiro enunciada pelo filósofo Stéphane Lupascu (1900 –1988), onde existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A, seu formalismo axiomático prevê que coexiste com a dinâmica da heterogeneidade (a qual pertence a matéria viva e o complexo universo), com a da homogeneidade (a qual governa a matéria física macroscópica), e assim existem diferentes “níveis de realidade”, claro toda o cientificismo fica em cheque.

Esta nova lógica (nível Q) não abole a lógica aristotélica do “sim” e do “não” (nível C), uma vez que apenas não se considera a existência de dois termos, mas além destes um terceiro (T) (veja a figura).

O primeiro a estabelecer os diferentes níveis de realidade foi Barsarab Nicolescu (1942-  ), ele descreveu uma mudança de um nível de realidade para outro com leis, novas lógicas e conceitos próprios de cada nível, e assim estabeleceu o conceito da transdisciplinaridade, que também engloba a complexidade.

Esta lógica admite estabelece para a transdisciplinaridade três pilares:

  1. Diferentes Níveis de Realidade
  2. Lógica do Terceiro Termo Incluído
  3. Complexidade

 

Assim deve-se admitir, por exemplo, que entre duas pessoas existe um terceiro nível de realidade no qual nenhuma das lógicas pessoais estão submetidas e podem e devem ter uma abertura suficiente para uma nova realidade, da qual emerge um novo horizonte e uma nova percepção da verdade.

Não se trata de relativismo onde a verdade não existe, mas sim um estado de equilíbrio rigoroso, aceitar que entre os polos de uma contradição, existe uma semi- atualização e uma semi-potencialização igual para os dois pólos, este é o estado T.

Isto muda a lógica científica, alguns como o físico Fritjof Capra desenvolveram teorias científicas e até certo ponto místicas para esta nova compreensão dos “níveis de realidade”,   as verdades da fé não são fundamentadas em princípios científicos, mas estes podem ajudar a que não ocorram desvios fundamentalistas e é possível encontrar processos análogos em leituras bíblicas.

Uma passagem que penso ser fundamental é a de Mateus 18,20: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles”, assim a verdade emerge entre os homens e não na consciência e sabedoria individual de cada homem, em termos bíblicos pode-se dizer que aqueles que de fato reúnem-se em torno da palavra e dos ensinamentos de Jesus podem ter uma iluminação especial com sua presença, a instrumentalização e manipulação do seu nome não é “presença”.

Também Sócrates afirmou que a verdade não está com os homens, mas “entre os homens” isto indica reconhecer a dignidade do Outro e respeitá-lo seja quem for.