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Arquivo para a ‘Cognição’ Categoria

Caminho e método

22 jun

Todo percurso exige um caminho, um caminho traçado e dirigido a um objeto científico é um método, há definições mais complexas, mas em geral já estão vinculadas a uma metodologia.

Uma definição amplamente utilizada é “método científico refere-se a um aglomerado de regras básicas dos procedimentos que produzem o conhecimento científico, quer um novo conhecimento, quer uma correção ou um aumento na área determinada”

Este tipo de regra geral pode cair tanto no positivismo lógico, um determinismo sobre as ciências como num reducionismo empirista que vê o objeto sobre determinados parâmetros.

Tanto Karl Popper como Thomas Kuhn argumentariam contra esta visão de método, Popper a vê como um conhecimento provisório, com sucessivos falseamentos, já Thomas Kuhn elaborou a ideia de paradigmas em mudança que chama de revoluções científicas, seja por um por outro a ciência deve ter teorias que evoluam de acordo com o tempo.

Assim como o próprio percurso pode levar a falseamentos ou novas descobertas preferimos o termo caminho, mas para não cair em sofismas (teorias que negam uma episteme) é necessário tanto o foco no objeto investigado como a abertura para o novo, assim como na filosofia não deve começar por uma hipótese, mas por uma questão que se procura resolver.

Olhar para um objeto imaginando parecido a Outro ajuda, mas não resolve o problema, é preciso investigar suas variantes e suas armadilhas, enfim questionar sempre.

Tanto a ontologia como a fenomenologia, ambas estão interligadas filosoficamente, e ambas admitem a metafísica, tem esta referência em relação ao método e seu objeto, assim como rejeitam qualquer dogmatismo metodológico e teórico sobre o objeto investigado.

Também o caminho histórico não é determinista, a este respeito Hans Georg Gadamer escreveu questionando o historicismo romântico de Wilhem Dilthey e refazendo o círculo hermenêutico de Heidegger, mudaram assim a hermenêutica metodológica de Dilthey para o qual a hermenêutica leva a interpretação de mudanças culturais dentro de um contexto histórico,

Tanto Gadamer, como Antony Giddens e Boaventura de Souza Santos são teóricos preocupados são preocupados em desenvolver uma abordagem metodológica que verifiquem as condições fundamentais pelas quais ocorrem mudanças de paradigmas

Para isto deve-se observar o “caminho”, entender o percurso e estar aberto a um novo horizonte.

GADAMER, H-G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

GIDDENS, Anthony. Structuration theory, empirical research and social critique. In: _____. The constitution of society. Cambridge: Polity Press, 1984.

SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

 

O Ser e a contemplação

16 jun

O pensador Byung-Chul Han desenvolveu os temas de Hannah Arendt Vita Activa e Vita Contemplativa em seu livro “A sociedade do Cansaço”, onde revela que “a perda da capacidade contemplativa está em correspondência com a absolutização da vita activa – que leva em grande medida à histeria e ao nervosismo da sociedade moderna da acção” (Han, 2015), e esta leva ao cansaço, a depressão, a auto-exploração e ao esgotamento.

Segundo o pensador coreano-alemão, a vida atual levou ao “imperativo do trabalho, que degrada a pessoa em animal laborans”, que lhe faz perder o “mundo” e o “tempo”, para revitalizar uma nova contemplação é necessário que acolha de novo “a vita contemplativa em seu seio” e “volte a pôr-se ao seu serviço” (O Aroma do tempo. Um ensaio filosófico sobre a arte da demora, 2009).

Apesar desta perda há na civilização ocidental um renovado interesse pela espiritualidade, porém não considera mais importante as religiões tradicionais, que ocorre na esfera de um fenômeno chamado de “mindfulness”, ligado as neurociências e nos cuidados da saúde, educação e negócios.

Não há nesta relação um significado mais profundo que alcance o divino, o sobre-humano ou o além-do-humano, se volta para aquilo que Peter Sloterdijk chama de “a sociedade de exercícios”, sem a possibilidade de uma verdadeira espiritualidade, ou uma ascese desespiritualizada.

Hannah Arendt havia tocado levemente o problema, deve-se lembrar que sua tese foi sobre “O amor em Santo Agostinho”, já Byung-Chul Han, como seria próprio, vai por um caminho mais oriental, porém a elevação “da alma”, que sem a ajuda do divino o faz sem sucesso, fica oculta.

“Com o título Vita contemplativa não deveria ser reconjurado aquele mundo no qual esta estava alocada originariamente. Ela está ligada com aquela experiencia de ser, segundo a qual o belo e o perfeito e Imutavel e Imperecivel e se retrai a todo e qualquer lançar mão humano” (HAN, p. 35), embora para o autor a capacidade contemplativa não está necessariamente ligada ao Ser imperecível.” (HAN, pg. 36).

O conceito do que é alma foi tratado por São Justino, no século II da era cristã, antes de tornar-se cristão ele se aproximara dos estoicos, mas estes não consideravam importante conhecer a Deus, depois aproximou-se dos Pitagóricos e devia se dedicar aos números e a música, e finalmente foi aos discípulos de Platão que pensavam tanto nas coisas corpóreas como nas ideias, mas o problema chave que o distanciou foi a questão da “alma” e está no seu “Diálogo com Trifão”.

Para os cristãos mais antigos (católicos, ortodoxos e orientais) a Adoração Eucarística é a maior contemplação, porque Deus se faz um pedaço de pão, uma hóstia consagrada.

Han, Byung-Chul Sociedade do cansaço. tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

 

A ascensão humana e divina

27 mai

Muitos são os exercícios e as formas que prometem ascese, formas de manter as energias físicas e mentais são úteis e importantes, porém a ascensão espiritual que é fonte de uma ascese verdadeira requer um treino moral, ético, pessoal e coletivo que nos coloque em um círculo virtuoso.

Ao criticar a sociedade moderna, como sociedade do cansaço, Byung-Chul Han lembra que a vida ativa deve ser complementada com uma vida contemplativa, que não significa ficar olhando para o infinito ou para o céu, é a meditação e o exercício coletivo de incluir o Outro, saber escutar a partir de um vazio interior, ou como pensa a filosofia um epoché fenomenológico.

Introduz a contemplação como: “Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo” (HAN,2015) e depois a define como: ”A dúvida moderna cartesiana dissolve o espanto. A capacidade contemplativa não está necessariamente ligada ao ser imperecível. Justamente o oscilante, o inaparente ou o fugidio só se abrem a uma atenção profunda, contemplativa” (idem), portanto não é um exercício racional, mas um “espanto”.

Dizemos que é fenomenológico pelo que segue a definição: “No estado contemplativo, de certo modo, saímos de nós mesmos, mergulhando nas coisas”, isso lembra Husserl “volta as coisas mesmas” sem predefinições ou pré-conceitos, um verdadeiro epoché.

Depois do espanto o repouso: “Sem esse recolhimento contemplativo, o olhar perambula inquieto de cá para lá e não traz nada a se manifestar. Mas a arte é uma “ação expressiva” (Ibidem), e sem ele nossa civilização, afirma citando Nietzsche: “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto”.

Esta inquietação prova as guerras, as disputas políticas mais atrozes, a zombaria em vez do diálogo e a análise atenta das propostas e necessidades sociais, não há “repouso” para que isto seja feito.

A ascensão divina, depois da ascese cristã que chega a paixão e morte, nossa civilização parece passar por isto como um todo, aparecem anjos que perguntam aos discípulos que ficam olhando para o céu (Atos 1, 10-11): “… continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: “Homens da Galileia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”, pararam um instante antes do “espanto” e do “repouso”.

A barbárie da pandemia, da guerra e uma escassez de alimentos que se anuncia exige “espanto”, aceitar que o mistério existe e o universo teve uma origem.

HAN, B.-C. A Sociedade do Cansaço (Burnout Society). Brazil, Petrópolis: Vozes, 2015. (pdf)

 

Diversas reações ao pensamento dominante

03 fev

Em países que foram colônias da Europa, emergiu o termo decolonização que se diferencia de descolonização porque penetra justamente no pensamento e na epistemologia dominante (alguns autores chamarão por isto de epistemicídio) que não é a simples liberação de dominação, mas também o ressurgimento de culturas subalternas.

Assim apareceram autores na África (como Achiles Mbembe), na América Latina (Aníbal Quijano e Rendón Rojas y Morán Reyes), além de autores de cultura originária como os indígenas (Davi Kopenawa e Airton Krenak), porém é possível um diálogo com autores europeus abertos a esta perspectiva como Peter Sloterdijk (fala da Europa como Império do Centro) e Boaventura Santos (fala do epistemícidio e também alguns conceitos de decolonização), há muitos outros claro.

Deve-se destacar nestas culturas também a cultura cristã, vista por muitos autores como colaboradora do colonialismo, não se pode negar a perspectiva histórica e também de doutrina que é a libertação dos povos e uma cultura de fraternidade e solidariedade, ela é também minoritária hoje na Europa e perseguida em muitos casos.

Entre os europeus que defendem um novo humanismo, ou um humanismo de fato já que o iluminismo e as teorias materialistas não conseguiram contemplar a alma humana como um todo, e são por isto um humanismo de uma perna só, entre os europeus destaco Peter Sloterdijk e Edgar Morin, o primeiro que defende o conceito de comunidade como um “escudo protetor” capaz de salvar nossa espécie, e o segundo, um humanismo planetário, onde o homem seja cidadão do mundo e as diversidades sejam respeitadas.

Ambos consideram as propostas populistas, é bom saber que elas existem a esquerda e a direita, devem perder com a crise atual e o consumismo global depende de uma atmosfera de “frivolidade” ou de superficialidade que a humanidade será obrigada a repensar, não voltaremos aquilo que consideramos estável, os próprios escritores originários, como Davi Krenak destaca em várias entrevistas, o que queremos voltar não era bom, não havia uma felicidade e bem estar real naquilo que era considerado normal.

Como aspecto de construção do pensamento, em Sloterdijk destaco a antropotécnica, para ele a modernidade foi uma desverticalização da existência e uma desespiritualização da ascese, enquanto o conhecimento e a sabedoria proposta na antiguidade sair do empírico e do enganoso para ir em direção do eterno e do verdadeiro, como para ele não existe a religião, seria um movimento de sabedoria e conhecimento, e não apenas uma ascese de exercícios, onde a alma imortal foi trocada pelo corpo.

Já na perspectiva de Edgar Morin é o hologramático que pode dar ao homem uma visão do todo agora fragmentada pela especialização e pela particularidade de cada ramo da ciência, paradoxo do complexo sistema no qual o homem é uma parte que deve se integrar ao todo, onde “não somente a parte está no todo, mas em que o todo está inscrito na parte”, a pandemia nos ensinou isto, mas a lição ainda foi mal aprendida, em plena crise pandêmica resolveu-se que está tudo liberado e não há protocolo de proteção de todos em cada um (cada parte), e não há co-imunidade.

 

Empatia e espiritualidade

13 jan

Conforme apontamos no post anterior frônese não é uma virtude moral, mas intelectual na teoria de Aristóteles, então a empatia pode ser conforme elaborado ali, um componente de sentimento da frônese, o melhor exemplo para explicar isto é o da acrácia (em grego akrasia, ἀκρασία), ou do sentimento e frônese de um psicopata.

Embora acrásia possa ser traduzida ao pé da letra por “não ter comando sobre si mesmo”, está descrito no discurso de Platão em Protágoras, na verdade é uma situação de psicopatia onde o mesmo tem conhecimento de determinada ação, mas não tem exatamente o mesmo sentimento de uma pessoa normal perante algum sofrimento.

O que está errado neste contra-argumento para explicar a frônese é que o desejo de aliviar a dor do outro perante algum sofrimento deve estar de alguma maneira bloqueada, no entanto não impede que o psicopata cultive algum sentimento da situação da outra pessoa e o faz de tal modo sofisticado no que define a respeito de como e porque a pessoa em questão tem tal Sofrimento, e não se trata só de atitudes morais, no caso de um psicopata o que torna seus sentimentos e ações moralmente defeituosos podem ter raízes em seus hábitos (já dissemos que isto vem dos pensamentos tornados ações), se incluirmos as pessoas que tem compaixão ou misericórdia pelo Sofrimento alheio, então pode-se explicar.

Não é, portanto, apenas uma atitude moral ou ética, embora o seja também, mas alguma virtude espiritual praticada com insistência de tornar-se um hábito que o Sofrimento do outro, o exercício desta compaixão onde a ação torna-se hábito guiado para a disposição de agir de uma maneira boa que pode ser fornecida pelas outras atitudes morais que fornecem os meios para discernir sobre o sofrimento junto com a Empatia, assim tem-se que necessariamente expandir a lista das atitudes morais fornecidas por Aristóteles.

A frônese não pode ser exercida sem virtudes morais básicas e assim não pode ser iniciada sem a empatia, pode-se admitir que um psicopata tenha até mesmo empatia, muitos são carismáticos e podem influir muitas pessoas, mas lhe faltará uma virtude moral básica que complemente a sua ação, e isto é impossível sem alguma um exercício para tornar-se hábito a atitude empática completa de sentir o Sofrimento alheio, este exercício que torna-se um hábito é chamado aqui de Espiritualidade.

Enquanto não é hábito pode ser um exercício de ascese, uma simulação ou simplesmente um disfarce que em algum momento será desvelado.

É bom ressaltar que pode haver ascese (elevação do espírito parcialmente) sem uma verdadeira espiritualidade, chamo-a usando um termo de Peter Sloterdijk de “ascese desespiritualizada”, ou seja, sem uma raiz profunda que leve ao conhecimento amplo do que é a dor do Outro, se quisermos dar um nome uma frônese empatizada.

A espiritualidade é, portanto, um exercício que leva a uma ascese, porém o que é ascese não depende só da crença de cada um, mas aquilo que durante a vida torna-se hábito e caráter, quem não o tem pode praticá-lo por alguns dias, ou até mesmo alguns anos, mas sem raiz profunda logo a abandonará, como emagrecer, fazer dietas e outras tentativas de hábitos que nem sempre se mantém, para torna-los vida eles devem integrar o nosso caráter, a nossa personalidade.

 

Empatia e a convivência social

12 jan

Embora em algumas áreas como a administração e a saúde já existam trabalhos sobre a empatia como melhoria do relacionamento social, está longe de ficar claro que não se trata de uma atitude apenas de simpatia, contágio emocional ou um relacionamento carinhoso (Pedersen, 2010), não se trata, portanto, de uma “tática” de construir relacionamentos.

Já delineamos o raciocínio que vai do pensamento até o caráter (a frase de Meryl Streep no filme “A dama de ferro”) e deve ser, portanto, um exercício de caráter ético.

O conceito de frônese (phronesis) traduzido como “sabedoria prática” ou “prudência” é desenvolvido em Aristóteles, no livro VI da “Ética a Nicomaco”, será que esta compreensão do ser empático e sábio em Aristóteles está correta ? E se assim o for isto significa ser sábio em questões práticas significa entender melhor o fenômeno da empatia?

Junto com a fronese na Ética a Nicômaco estão outras virtudes com a aretê (a excelência ou virtude suprema) e Aristóteles vai associar a cinco formas diferentes quando se trata de atividades humanas, poderíamos dizer sociais: a episteme (conhecimento científico organizado), a techne (conhecimento técnico), a frônese (sabedoria prática) e a sophia (conhecimento filosófico) e nous (“sacadas” intelectuais), claro todos estes conceitos devem ser contextualizados no mundo contemporâneo.

A sabedoria prática como Aristóteles a caracteriza é uma espécie de conhecimento de como agir em situações práticas (lembrem-se as palavras se tornam ações e as ações se tornam hábitos e vão definindo um caráter), mas ele também fala de perícia técnica, caso em que o objetivo da atividade deve ter de antemão algum conhecimento para realizá-lo, a ideia que basta a intuição ou a inspiração (nous) sem conhecimento técnico é inútil.

A empatia é desta forma um tipo de discernimento, uma maneira de ver o que está acontecendo no mundo a nossa volta com os outros seres humanos, neste sentido é preciso uma sabedoria (sophia) e atentar para diversos intérpretes que estejam de forma mais profunda tematizando-se, talvez a palavra filosofia esteja desgastada, então apenas sophia.

A filosofia contemporânea Martha Nussbaum mostrou como a noção aristotélica de sabedoria repousa na compreensão das emoções como contendo conhecimento sobre o mundo que compartilhamos com outras pessoas, e frônese não é desprovida de sentimento, ao contrário ela ajuda o “sábio” e entender e julgar a pessoa em dada situação.

Por causa do contexto ético, somos levados a colocar empatia no contexto da filosofia moral aristotélica, o que é um erro, como frônese é mais adequado, entretanto pode acontecer outro equívoco de considerar apenas como virtude “intelectual” e desconsiderar aspectos subjetivos (espirituais inclusive) que a empatia deve ser colocada.

A empatia é então um componente de “sentimento” relacionada a frônese, entretanto é fato que alguns filósofos negam que empatia seja essencialmente um sentimento (Coplan, Goldie, 2011), relembramos novamente que pensamento se tornam palavras, estas ações e depois hábitos e quando inseridos no caráter já fazem parte dos “sentimentos”.

Resolvemos esta querela, não é tão simples é verdade, entendendo que enquanto não são hábitos necessitam de exercício e depois inseridas no caráter, são sentimentos ou subjetividades (próprias do sujeito), porém fica claro que ela não é uma atitude natural, embora a empatia o seja, é preciso “treino”.

Assim detectamos em Aristóteles uma lacuna entre a sabedoria prática e a sophia, diríamos uma saudável espiritualidade ou uma capacidade de interiorização.

Referências:

Coplan, A., and P. Goldie. 2011. Introduction. In Empathy: Philosophical and psychological perspectives, ed. A. Coplan, and P. Goldie. Oxford: Oxford University Press.

Pedersen, R. 2010. Empathy in medicine: A philosophical hermeneutic reflection. Oslo: University of Oslo, Faculty of Medicine.

 

 

Desempatia ou destreino

05 jan

Claro o termo não existe, criei para dizer que não é nem antipatia nem desamor, é um sentimento tão grande quanto a empatia que domina os pensamentos, a cultura e os hábitos de um determinado tempo, oposto a empatia, para desenvolver o tema tomo uma frase de Margareth Thatcher citado no filme A Dama de Ferro (direção Phyllida Lloyd, 2011).

No filme Margareth Thatcher, interpretada por Meryl Streep (Oscar merecido de melhor atriz) afirma: “Cuidado com seus pensamentos eles tornam-se palavras. Cuidado com as elas podem se tornar ações, pois elas se tornam hábitos. Cuidados com os hábitos porque eles se tornam seu caráter”, isto para entender como é possível destreinar os neurônios para que eles não sejam empáticos e tornem-se antipáticos e destrutivos, infelizmente estamos treinando o lado oposto ao nosso lado natural empático.

Assim como dissemos no post anterior é possível treinar a empatia, é possível destreiná-la (outro neologismo, algo natural que se corrompe por um hábito oposto ao instintivo) e induzir um sentimento de repulsa e ódio, mesmo que dissimulado ou velado e até mesmo disfarçado em uma forma de “amor” que corrige o outro, devemos corrigir tudo aquilo que não é ágape ou empatia, isto sim, os outros são hábitos ou cultura.

Vamos seguir o percurso proposto por Thatcher segundo o filme que pretende uma biografia (não é, isso foi a principal crítica), então as coisas começam com o pensamento, algo já deve ser corrigido de cara nas teorias e ideologias contemporâneas que dizem que tudo começaria pelo “meio”, lembre-se o discurso dos contratualistas, Thomas Hobbes do Leviatã (1651) indica que o homem é lobo o homem, ou seja é anti-empático, já John Locke (Ensaio sobre o entendimento humano, 1690) defendeu que o individuo deve renunciar ao estado da natureza e fazer um contrato (que o Estado regula) e assim defende sua liberdade, é famosa sua frase: “onde não há lei, não há liberdade” pai do liberalismo e de certa forma do empirismo (penso que nasceu embrionariamente antes com a visão de Francis Bacon).  

Somente Rousseau abandonou em parte estes conceitos criando o “bom selvagem”, o homem é bom a sociedade o corrompe, é um princípio do destreino, mas também ele foi favorável ao contrato, assim faz parecer que entregar a liberdade nas mãos do Estado é condição “natural”.

Assim não apenas pelo contratualismo, mas por todo percurso histórico nosso pensamento está vinculado as suas raízes contemporâneas e é claro ao que está dentro de cada cultura, religião ou grupo ideológico, somente através da leitura pode-se desvincular do pensamento corrente, e o exercício de interiorizar leva a segunda etapa: as palavras.

As palavras assim são discursos ou como se diz atualmente narrativas, que em grande parte são permeadas na cultura contemporânea, somente os que leem não ficam vinculados ao sabor desta cultura em sua atual polarização, lembremos que o primeiro ato mental é o da imitação (a neurociência fala do neurônio-espelho), e ele pode ser destreinado, isso é, pode tanto ser levado de volta ao seu curso natural da empatia ou ao oposto que chamei de desempatia.

São a partir delas que desencadeamos nossas ações, muito já se falou da reflexão ou da vitta activa como a chamou Hannah Arendt, e foi retomada por Byung Chull Han em seu livro A sociedade do cansaço, ali defende que devemos ter também uma vida interior, reflexiva e assim podemos retornar ao nosso curso inicial da empatia (conclusão minha).

Por fim as ações transformam-se em hábitos, boa parte da linguística e semiótica começa a análise a partir daí, sim é fato que fala também da secundidade (algo que existe) e terceiridade (aquilo que é), categorias de Pierce, mas o tema é longe e requer uma maior profundidade que humildemente digo não possuir.

Chegamos do hábito ao caráter, da etimologia da palavra deriva do grego “charaktér, éros”, ou do latim “character, eris”, com o sentido de “gravado”, portanto é aquilo que vai sendo esculpido, e é possível tornar-se uma desempatia, isto é, o rompimento com o caráter original empático, no discurso corrente ausência de Subjetividade (próprio do sujeito), individualismo (não olhar o Outro) e uma série de subcategorias que são rupturas com a empatia.

 

Empatia: o que realmente é

04 jan

Em minha modesta opinião, porque não vi nenhuma nas leituras que fiz algum autor afirmar isto, a palavra empatia está em ascensão porque a palavra Amor, no seu significado amplo: eros (no sentido que Byung Chul Han usa em “A agonia do eros”), filia (no sentido da decadência de relações familiares e amizades) e principalmente no sentido do ágape já que toda a instrumentalização feita pelo amor romântico moderno, leia-se A comédia humana de Balzac, transformou-se em utilitário, proselitista ou de puro interesse.

Empatia em uma simplificação didática é a capacidade de entender o Outro como ele sente, assim é inseparável do conceito de alteridade no sentido mais lato da palavra.

Empatia escapou destas armadilhas, da psicologia a filosofia, Husserl a estudou e Edith Stein a aprofundou, a neurociência passou a utilizá-la, em seu artigo da Revista The Atlantic, intitulado “Uma curta história da empatia”, Susan Lanzoni afirma que a palavra existe (no sentido atual é claro, ela tem origem grega) há apenas um século.

Na psicologia a Empatia foi definida como tendo 3 tipos: a cognitiva é a mais intuitiva refere-se a compreender como o outro é e sente, a emocional e a compassiva, não é preciso dizer que a emocional é também explorada como inteligência emocional, a compassiva mais difícil de intuir é aquela que vai além de compreender e sentir as sensações da outra pessoa, passando a mobilizar-se para ajudá-la, mas cuidado, também a ajuda tem que ser empática, ou seja, aquela que realmente o outro precisa e não suposições quaisquer.

O comportamento empático é conhecido como natural não apenas em humanos, mas em muitos mamíferos e algumas aves também, e isto de fato é mais próximo do natural.

Mais próximo porque há um natural totalmente induzido, o consumo, diversos tipos de filosofias, teorias ou mesmo religiões que pouco ou nada tem com a natureza humana, e por extensão, como a natureza como um todo, somos um ser cósmico, mais amplo do que pensamos, ainda que sejamos uma centelha num universo tão amplo e misterioso.

Toda crença contemporânea, que ver das ideias da modernidade é que a empatia é uma nova utopia, as realidades que vem do pensamento moderno induziram a ideia que é preciso um estado autoritário, mesmo os que o negam sonham com ele e dizem será “de outro tipo”, essencialmente a imposição de um modelo de pensamento é uma afirmação do ego, é a inexistência da empatia, é a antipatia colocada em movimento, basta ver a polarização este conceito fica claro.

A neurociência e a própria ciência mostra que desde o nascimento a relação materna e paterna como o bebe tem uma relação empática, para viver em sociedade é preciso uma relação empática, para nos defender da pandemia é preciso uma relação empática, sem ela há um negacionismo “estrutural”, isto é, o outro pode morrer eu não.

A teoria da simulação da neurociência, através da descoberta de neurônios-espelho (Rizzolatti e Graighero, 2004), um tipo de neurônio que dispara quando um animal age quando outro animal observa e realiza a mesma ação observada, assim este neurônio “espelha” o comportamento do outro, como se o próprio observador estivesse agindo, isto é observado também em alguns primatas e pássaros, lembro-me de quando era permitido fumar em sala de aula que ao acender um cigarro vários alunos acenderam também.

Esta teoria não só fez avançar a neurociência como tem ajudado o estudo de alguns fenômenos da natureza e alguns tipos de autismo (Distein, Behrmann, 2008).

Além de ser inata, a empatia pode ser treinada, isto pela característica mais fantástica do nosso cérebro que é sua plasticidade, por isto estamos sujeitos a auto-sugestão mas também a alter-sugestão, assim poder-se-ia revolucionar toda teoria da autoajuda para uma alter-ajuda numa sociedade voltada a empatia, foi preciso vários séculos de treinos (eu diria destreino) para que o ódio, a vingança e a ideia que só a guerra resolve destruísse (em parte) a nossa capacidade empática, já que amor-ágape está em descredito quer seja por excesso de rotulação sem conteúdo, quer seja, pela formulação de palavras sem ação correspondente.

Rizzolatti, Giacomo; Craighero, Laila (2004). “The mirror-neuron system” (PDF). Annual Review of Neuroscience27 (1): 169–192.O comportamento empático é conhecido como natural não somente nos seres humanos, mas em outros mamíferos e em algumas aves também.

Dinstein I, Thomas C, Behrmann M, Heeger DJ (2008). “A mirror up to nature”. Curr Biol. 18 (1): R13–8.

 

Forma e ato

16 nov

Informação é uma palavra forte neste momento da história, porém o conceito de forma de in-formar parece estar separado do conceito de matéria, hylé para os gregos e se torna dados apenas.

A filosofia moderna separou a forma do conteúdo, assim como se separa um rótulo do ingrediente que existe num frasco, mas isto vem da compreensão reduzida do que é a matéria, o hylé dos gregos, cujo pensamento na terminologia aristotélica interliga-os no hilemorfismo (ὕλη, hýle = “matéria”; μορφή, morphé = “forma”).

Para que isto tenha um alcance antropológico, necessário ao discurso da diversidade cultural, é preciso ligar ato e potência, como o fez Tomás de Aquino, onde matéria não é aquilo que hoje designamos assim (como a substância por exemplo), mas sim aquilo que é como possibilidade ou em potência, escrito assim por Tomás: “matéria est id quod est in potentia” (matéria é aquilo que é em potência) (TOMÁS, ST I q.3 a.2 c), em termos atuais, enquanto se não é ato, é apenas um dado.

Assim o ato é a existência de fato, ou a atuação em si, ou seja, “forma est actus (forma é ato) (ST I q.50, a.2, obi.3).

Assim a articulação dos binômios potência x ato e matéria x forma deste modo, “matéria não é senão potência, já a forma é aquilo pelo qual algo é, pois é o ato” (TOMÁS, ScG II, c.43), estas categorias dão uma distinção da metafísica fundamental, e antropologicamente significam que uma coisa é a possibilidade de existir ou atuar: potência ou matéria, outra coisa é de fato existir ou atuar: ato ou forma.

Algumas teologias modernas querem separar corpo e alma, isto é sem fundamento escatológico e bíblico, senão a figura humana de Jesus seria dividida em duas: a divina e a humana, que estariam em oposição e lutariam uma contra a outra, e por isto que a antropologia cristã deve ser rigorosamente unitária, como o é em Tomás de Aquino.

A existência de um corpo na condição humana é a união entre a potência e o ato, entre a matéria e a forma (vista neste novo aspecto ligada ao conteúdo e essência), sem a sua existência de fato (forma) o corpo nem sequer existia, mas só a possibilidade de existir (em potência) o faz existir em ato, esta unidade é radical, já que a condição necessária para sua existência é o corpo. isto é fundamental para compreender a antropologia cristã escrita de forma clara por Tomás: “O ser humano não é apenas alma, mas algo composto de alma e corpo” (TOMÁS, ST I q. 75 a 4c), se por um lado todo materialismo (que não é hilemorfismo) nega a existência da alma, muita má teologia procura negar a existência do corpo, é a relação dualista moderna, cristalizada em objetividade e subjetividade, no qual ambas saem mutiladas.

Segundo Tomás de Aquino, os corpos vivos humanos e a existência de fato (forma, chamada também por ele de alma intelectiva) é imortal, ao contrário dos demais corpos vivos não humanos, cuja existência tem início e fim, não o fim escatológico, mas o fim finalista de uma interrupção, pois todos os humanos morrem, e para ele a morte é explicada como uma deficiência provisória pela qual passamos apara uma existência imortal e ultrapassamos a deficiência radical do corpo vivo através da morte.

Dito de maneira mais clara: “Que a alma permanece após o corpo, isto acontece por uma deficiência do corpo [per defectum corporis] que é a morte.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica São Paulo: Loyola, 2001-2006. 8 v.