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Arquivo para 2019

A redução do meio divino ao humano

28 jun

Pode-se negar a existência de Deus, o argumento da evidência é ingênuo, não sendo nem lógico como queriam alguns racionalistas modernos, nem humano como queriam alguns idealistas alemães e nem ontológico como apresentado por Santo Anselmo.

Há uma verdade que vem de Sócrates que diz que ela não está com os homens, mas entre os homens, isto significa que é ontológica e complexa ao mesmo tempo, e não se pode negar a existência histórica de Jesus, quer seja por seu nascimento histórico num período em que o senso foi obrigatório, por isto nasceu em Belém, e o registro de sua morte e crucificação que é contada por historiadores da época, incluindo Josefo e pela historiografia judaica.

Porém o que Nietzsche, nascido numa família de religiosos luteranos enxergou além do seu tempo, é uma evidencia filosófica e histórica da morte de Deus, através de sua epifania humana através da figura histórica de Jesus, ao menos para a cristandade, enquanto Deus pode ser pensado em inúmeras escatologias presentes em quase todas as culturas para não ser exaustivo, pois mesmo os povos ditos bárbaros, tinham alguma forma de divindade.

Porém o grito do louco de Nietzsche é a constatação da construção da filosofia idealista e positivista que desejou assumir como discurso único sobre a realidade, Tomás de Aquino e outros medievais eram realistas como corrente filosófica, tem agora um ocaso obscuro.

Desta filosofia isolacionista, individualista e separatista do mundo decorrem três formas de heresias coletivas: um Deus meramente humano, um Deus meramente divino e uma total ausência da terceira pessoa divina: o Espírito Santo, para o qual não há perdão.

Este pecado não é a mera negação de Deus, mas sua negação concreta a negação do Outro.

Teilhard Chardin diz sobre a inclusão do Outro que este é o “meio divino”, a mística típica do nosso tempo, que também pode ser expressa como “onde dois ou mais estão em meu nome” (Mt 18:20), que é um texto subsequente a pergunta “e vós, quem dizeis que eu sou” (Mt 16:15), do qual seguem várias passagens da relação com o Mundo e com Deus.

Pode-se dizer que há duas reduções: ao meramente humano e ao meramente divino, porém a principal redução é a ignorância de uma terceira redução que é a da ação do Espírito Santo.

Na redução do divino, Jesus nos milagres quase sempre pedia descrição ou fazia alusão a fé do curado, do agraciado ou apenas da maravilha do contato como o cego Bartimeu, a profetiza Ana, Simeão, os paralíticos, leprosos ou a mulher a quem dirige a palavra.

A verdadeira escatologia não vê apenas princípio ou fim, mas ambos em relação ao cotidiano da vida humana, Teilhard Chardin faz reflexão no livro O meio divino (1957): “a tensão lentamente acumulada entre a Humanidade e Deus atingirá os limites fixados pelas possibilidades do Mundo, e então será o fim … que devemos esperar não como uma catástrofe mas como uma ´saída´ para o mundo para a qual devemos colaborar com todas as nossas forças cristãs sem receio do mundo, porque os seus encantamentos já não poderiam prejudicar aqueles para quem ele se tornou, para além dele mesmo, o Corpo d´Aquele que é o d´Aquele que vem”

Assim como o evangelista Lucas (Lc 9,20), Mateus também repete a pergunta de Jesus aos discípulos Mt 16,15: “E vós, quem dizeis que eu sou?”.

CHARDIN, T. O meio Divino: Ensaio de vida interior. Lisboa: 1957.

 

Deus não morreu, nós o matamos

27 jun

É má leitura de Nietzsche a ideia que Deus morreu, o que acontece na leitura de “A gaia ciência” (Nietszche, 2017), primeiro que fala de ciência, segundo que Gaia no sentido grego refere-se a Mãe-Terra e por fim, o louco “pôs-se a gritar incessantemente: Procuro Deus”.
Vejamos o próprio texto dele, ainda que a tradução possa ter imperfeições:
“homem Louco. – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança?
Disse um outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós os matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo?
Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós os matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos? O mais forte e sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará esse sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele?
Nunca houve ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então!” Nesse momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvintes: também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. “Eu venho cedo demais”, disse então, “não é ainda meu tempo.
Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que a mais longínqua constelação – e no entanto eles cometeram! – Conta-se também no mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas , e em cada uma entoou o seu Réquiem aeternaum deo. Levado para fora e interrogado, limitava-se a responder: “O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?”.
No próximo post sugiro algumas interpretações, inclusive uma cristã, agora façam as suas.
NIETZSCHE, F. A gaia ciência. Aforismo 125, LeBooks, 2017.

 

Até onde pode ir a AI

20 fev

O projeto OpenAI que embora se diga “sem fins lucrativos” e seja realmente aberto, basta entrar no blog do projeto para verificar o andamento e as possibilidades, na verdade assuntou até mesmo os especialistas ao publicar um sistema que escreve notícias/textos, teoricamente de ficções, mas que podem ser classificados como fake, ou como estão sendo chamados: faketextos.
Também o código está aberto e disponível no site GitHub para desenvolvedores.
Os sistemas de processamento de linguagem natural podem fazer tarefas como responder questões, conversão de máquinas, compreensão de leitura e sumarização de textos, o que já são tipicamente abordadas com aprendizado supervisionado em conjuntos de dados específicos de tarefas, porém a pesquisa de textos no GPT2 é mais ampla em quantidade.
O GPT2, sucessor do GPT que era apenas um produtor de textos a partir de textos básicos, agora pode ler até 40 GB de textos existentes na Web, e o que tem produzido assusta um pouco, pela clareza, profundidade e o pior de tudo, pura ficção ou mais claramente: fakes.
Entre suas características sintáticas, é superior a outros do género, escrevendo passagens que fazem sentido com o texto anterior e mantém o estilo, sem se perder em frases longas.
O problema é que poderá gerar fakenews que agora podem ser mais longas, tornando-se faketextos, uma reportagem do The Guardian mostra a novidade e os problemas:

 

 

A gratitude, a questão da ciência e do senso comum

22 jan

Uma pessoa pode ser grata, sem entender os objetivos de sua gratidão, mas não entenderá os objetivos se não conhecer as verdadeiras motivações da gratidão, isto quer dizer, permanecer na gratidão pode ser livre de conhecimento, mas ter gratitude (torná-la um hábito saudável) exige ir além do simples ato gratuito, conhece-lo e cultivá-lo para co-laborar em sociedade.
Assim é preciso separar o senso comum, que é apreciável, do conhecimento objetivo que é dissecar o objeto de conhecimento que pode ser feito tanto de forma indutiva quanto intuitiva, ambos caminhos são válidos, assim não é preciso ciência convencional, mas intencional.
Falar de ciência é preciso falar de Karl Popper, também ele especulou sobre estar coisas, afirmava sobre o senso comum é válido, mas sustentar as verdades deste é algo maior.
Mas o conhecimento objetivo dizia ele, era uma eterna busca de sua vida, em suas palavras: “Os ensaios deste livro rompem com uma tradição que pode ser rastreada até Aristóteles – a tradição dessa teoria do conhecimento, de senso comum. Sou grande admirador do senso comum, que, afirmo, é essencialmente autocrítico”, ou seja, não se trata de negá-lo.
Porém para sustenta-lo como verdade é preciso mais: “… se estou disposto a sustentar até o fim a verdade essencial do realismo do senso comum, considero a teoria do senso comum do conhecimento como uma asneira subjetivista. Essa asneira tem dominado a filosofia ocidental”, entenda-se por sentimentos, paixões e mesmo sustentar questões não objetivas.
E avança: “Tenho tentado erradicá-la e substituí-la por uma teoria objetiva do conhecimento, essencialmente conjectural. Isto pode ser uma pretensão audaciosa, mas não peço desculpas por ela” (Popper, 1975, p. 07).
A divisão em três mundos feitas por Popper mostra uma fragilidade em sua teoria, ao separar o conhecimento em três mundos: P1 o mundo da natureza (ou físico, no sentido da physis), o mundo das mentes (Mundo 2) e o mundo das ideias (Mundo 3), prioriza este último.
Numa solução para um problema, a pessoas podem atacar ou acatar a solução encontrada, mas não a pessoa que a apresentou, assim dá um valor maior que o mundo das ideias (Mundo 3) têm para Popper, ao invés do Mundo das mentes (Mundo 2) que as desenvolveram.
A gratitude é justamente o oposto, pois é mais importante as mentes que desenvolvem as soluções ao problema (Mundo 2), do que as ideias que as impulsionam (Mundo 3), ainda que o subjetivismo, ou seja o que é próprio do sujeito, possa também ter fragilidades.
O que abraça estes três aspectos que são distintos: Natureza, Conhecimento e Ideias, são aspectos ontológicos, pois os três são próprios do Ser, a gratitude é um destes aspectos.

Em tempos de pandemia é bom lembrar de Popper porque ele dizia que é científico o que pode ser refutável, e o que temos hoje é um “afirmacionismo” ou “negacionismo” ambos anti-científicos.

POPPER, K. Conhecimento objetivo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975.