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Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

A cultura de massa e a crise

20 out

Depois de analisar os aspectos de homogeneização e de colonização cultural, Morin vai analisar quem é o homem médio e que cultura consome, afirma:

“A linguagem adaptada a esse anthropos é a audiovisiaul, linguagem de quatro instrumentos: imagem, som musical, palavra, escrita. Linguagem tanto mais acessível na medida em que é o envolvimento politônico de todas as linguagens” (pag. 45) e, portanto, não é específica das novas mídias que apenas as potencializa, e ela envolve mais um imaginário do que “do jogo que sobre o tecida da vida prática” (idem).

Isto porque “as fronteiras que separam os reinos imaginários são sempre fluidas, diferentemente daquelas que separa os reinos da terra” (ibidem), assim um homem pode participar das lendas de outra civilização do que adaptar-se a vida desta civilização, e assim Morin prepara para falar da grande crise ou grande noite civilizatória, que Morin chama de “grande craking”.

Na medida em que melhora a qualidade técnica mediatiza a qualidade artística, diz Morin: “sobem na cultura industrializada (qualidade redacional dos artigos, qualidades das imagens cinematográficas, qualidade das emissões radiofónicas), mas os canais de irrigação seguem implacavelmente os grandes traçados do sistema (pag. 50).

Morin separa as correntes culturais vindas de Hollywood em três correntes principais: a que “mostra o happy end, a felicidade, o êxito; a contracorrente, aquela que vai da morte de um Caixeirio-Viajante a No down payment [Rock do AC/DC], mostra o fracasso, a loucura, a degradação” (pag. 51), mas há uma terceira corrente que chama de “negra”.

Esta é “a corrente em que fermentam as perguntas e as contestações fundamentais, que permanece fora da indústria cultura: esta pode usurpar em parte, adaptar a si, tornar consumíveis publicamente certos aspectos, digamos, de Marx, Nietzsche, Rimbaud, Freud, Breton, Péret, Artaud, mas a parte condenada, o antipróton da cultura, seu randium fica de fora” (idem).

Morin descreve este anti-climax no início do capítulo 5 “O grande ´cracking”: “os discos long playing e o rádio multiplicam Bach e Alban Berg. Os livros de bolso multiplicam Mlaraux, Camus, Sartes. As reproduções multiplicaram Piero dela Francesca, Masaccio, Césanne ou Picasso” (pg. 53), a cultura parecia se democratizar pelo livro barato, o disco, a reprodução, como preconizara Walter Benjamin, mas o resultado foi a vulgarização, pois a “cultura cultivada” não é na cultura de massa a corrente principal nem a específica.

O imaginário sai dos ritos, das festas e das danças e vai para o rádio, a televisão e o cinema, lá “esses espíritos fantamas, gênios que perseguiam permanentemente o homem arcaico e se reencarnavam em suas festas” (pag. 62), agora são “escorraçadas pela cultura impressa”, a cultura de massa quebra “a unidade da cultura arcaica a qual num mesmo lugar todos participavam ao mesmo tempo como atores e espectadores da festa, do ritmo, da cerimônia” (pag. 62), espectador e espetáculo estão fisicamente separados.

Essa transformação de uma “do homem da festa” sucede o que chamamos de público, audiência e espectadores: “o ele imediato e concreto se torna uma teleparticipação mental” (pag. 63(, este mass media (hoje confundido com as redes, que é outra coisa), ao mesmo tempo que “restabelecem a relação humana que destrói o impresso”, “é ao mesmo tempo, uma ausência humana, a presença física do espectador é, ao mesmo tempo, uma passividade física”. (pag. 63).

A cultura de massa mantém e amplifica um “voyeurismo”, de modo mais amplo: “um sistema de espelho e de vidros, telas de cinema, vídeos de televisão janelas envidraçadas dos apartamentos modernos, plexiglas dos carros Pullman, postigos de avião, sempre alguma coisa de translúcido, transparente ou refletidor nos separa da realidade física” (pag. 72-73) e tudo isto foi anterior às novas mídias, depositar a elas unicamente este grande “cracking”, é ignorar a construção (ou desconstrução histórica) do imaginário, do folclore e das festas, que se inicia antes mesmo do século passado com a cultura impressa, o iluminismo e o idealismo.

Tentativas de reativar a cultura “cultivada” não faltam, como já discorremos, através dos mesmos mass media que vulgarizam e destroem a substância da cultura humana, não faltam obras vividas de Van Gogh que Akira Kurosawa animou no cinema, de grandes eventos públicos com “vídeo-mapping” animado de Vang Gogh (feito no Atelie des Lumiéres, em Paris, foto), que apresentou em 2018 a obra de Gustav Klimt também animada.

A crise cultural não é apenas obra dela própria, sua raiz é o pensamento e o desenvolvimento de uma cultura de massas do idealismo, de um objetivismo que ignora o humano.

MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX. trad. Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. edição. Rio de Janeiro, Forense, 1997.

 

A noite da cultura e o humanismo

19 out

Edgar Morin considera a cultura contemporânea algo mais amplo do que é considerado e foi teorizado como cultura de massa, para ele ela ultrapassa a cultura da mídia, esta sim em plena decadência, apesar de reações do mundo da arte em alguns segmentos, em geral trata a morte, o escuro e o desprezo aos símbolos, valores, mitos e imagens relacionados a vida cotidiana e ao imaginário coletivo, porém as culturas regionais, religiosas e humanistas persistem em ato de resistência.

O processo industrial e o êxito da performance e dos valores produtivistas escondem o que se processa no espírito, algo que Morin chama de “industrialização do espírito”, esta segunda colonização não se processa no sentido horizontal conquistando territórios, mas vertical penetrando na alma humana e obscurecendo-a.

A Industria cultural pôs em movimento uma terceira cultura (além da clássica e do natural, chamaria de originária), porém há uma resistência humana que vem da cultura originária de cada povo e de cada cultura específica, mas a ideia de colonizar está viva.

As realidades multiculturais presentes na cultura de massa não são autônomas, por isto a ideia é demolir (ou apagar) as instituições que podem fazer resistência a esta nova “colonização”, e a resistência só pode surgir a partir das culturas dos povos, de seu desenvolvimento originário cultura e de suas religiões e crenças.

Embora se possa fazer uma crítica da cultura midiática atual, as redes sociais são uma laços entre atores que podem ser feitos através delas, ela não encontra uma sociedade destituída de cultura para ser onipresente, nela estão os valores e símbolos sociais, as crenças e ideologias, e nelas os fatores transcendentais continuam impregnados, não é uma cultura a parte.

Na visão de Morin a cultura de massa integra e se desintegra ao mesmo temo numa realidade policultural, faz conter, controlar, censurar (também em muitos casos pelo estado e pelas igrejas) tendendo a corroer e desagregar as outras culturas.

Trata-se agora de uma cultura cosmopolita e planetária, e ela se constituirá na primeira cultura realmente universal na história da humanidade, enquanto o pensamento conservador considera-a um barbarismo plebeu, a crítica de esquerda a considera como um ópio do povo e mistificação deliberada, e assim a única perspectiva parece ser a autoritária.

Na autoritária o estado deve controlar a produção e distribuição dos “bens culturais”, enquanto no caso democrático os grandes grupos culturais devem ditar a mídia controlando a produção e distribuição de conteúdo, aqui a mídia digital está presente.

Ambas as correntes concordam na crítica à cultura de massa classificando-a como produto cultural pobre, de baixa qualidade estética e sem originalidade (kitsch).

A grande solução apontada por Morin está na estrutura do imaginário: o uso de arquétipos que ordenam os sonhos, sem a padronização de temas míticos e romanescos, a arte é uma grande reação neste campo, a indústria cultural se reduziu a arquétipos e estereótipos, quem está fora destes não tem “inserção” cultural, e a prisão dela são produtos individualizados.

Não se trata de aceitação da diversidade, mas incremento do consumo, assim como fez com a cultura pop dos anos 60, os filmes, programas de rádio ou TV (agora as lives e histories) visam unicamente maximizar o lucro e o público (os likes e fanpages).

Em termos religiosos, o sincretismo é a palavra mais apta para traduzir a tendência de homogeneizar a cultura e ditar valores e a comicidade empregada a estes temas faz o papel de destruição de sua essência e originalidade, tudo fica parecido ou igual.

Conteúdos infantis de cultura são invadidos por temas de consumo de adultos: são apresentados numa simplificação que os toma (aos espectadores adultos também) como crianças.

Até o lazer não é apenas um modo de permitir um equilíbrio da vida, mas é invadido pela cultura de massa, os chamados “resorts”, as praias e locais de lazer são invadidos pela “indústria cultural”, tudo ao alcance da mão, bastando um aplicativo.

Esta crise não é temporária nem passageira, pode emergir dela uma grande crise civilizatória, mas é preciso ter esperança apesar da cegueira pública.

MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX. trad. Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. edição. Rio de Janeiro, Forense, 1997.

 

Ato, potência e ágape

15 out

Aquilo que Aristóteles definiu como potência estava condicionada ao ato, assim ato é uma manifestação atual, no exemplo da figura ao lado a semente), enquanto potência é aquilo que poderia ser (virtualmente, enquanto virtú) a semente em potência é uma árvore poderia sua manifestação como ser produzir frutos e novas sementes, enquanto virtual, no sentido de virtude, é transformá-la em uma mesa ou mesmo uma casa.

A atualização do potencial em real não é apenas a semente que se torna árvore e esta dá frutos, a principal fonte de mudança deve ser completamente real e não corresponder apenas a potencialidade natural, mas aquela que completa o resto, e esta dependia em Aristóteles do primeiro motor que a tudo dava sentido, e que Tomás e Aquino afirma ser Deus, entra a questão da consciência.

Aqui entra o Logos ou o Pathos, já que a consciência é sempre um ditame da razão e da vontade, então para Tomás de Aquino o Ethos depende essencialmente da vontade humana e da consciência, enquanto o Logos nos encaminha para uma razão mais primordial do Ser, o Pathos caminha para as paixões e pulsões desordenadas, já o Logos deve nos levar ao ágape e ao equilíbrio.

A potência é assim característica do Ser e o Pathos a sua distorção, o poder visto como Pathos é autoritário e passional, enquanto o poder como Ethos é ético e agápico, no sentido de serviço feito por amor gratuito aos que lhes são subordinados, assim pode até haver assimetria, mas ela será apenas diversidade e nunca autoridade no sentido de poder absoluto pois é unida ao Logos.

Não por acaso Aristóteles foi tutor de Alexandre, o Grande, e sua forma de poder espalhou-se pelos povos, assim descreve Plutarco em seu texto “Alexandre (in Vidas Paralelas”, séc. I: “Depois desta batalha de Issus … macedônios começaram a tomar o gosto pelo outro, pela prata e pelas mulheres, e do modo de viver dos asiáticos, afeiçoando-se de tal maneira a isso que, como se fossem cães, saíram no rastro em busca e perseguição da opulência dos Persas”, é provável que influenciou também os Romanos e ao seu Império.

Assim chegamos até a segunda guerra e os perigos da pós-modernidade, será que sairemos da infância civilizatória e poderemos um dia conviver com povos com culturas e cosmogonias diversas, parecemos caminhar na direção contrária: a polarização.

Também não era diferente para os judeus e cristãos, na comunidade nascente muitos queriam ter “poder” ao lado de Jesus, na leitura de Marcos (Mc 10:36-37) os apóstolos Tiago e João fazem um pedido especial a Jesus: “Ele perguntou: ´O que quereis que eu vos faça ´ Eles responderam: ´Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tu glória”, e o mestre diz a eles que não sabem o que estão pedindo.

Ai pergunta se eles poderão beber do cálice que Ele beberá (referindo-se a seu tipo de morte), eles continuam dizendo que sim, então os repreende e diz a forma de poder que existe na civilização (Mc 10: 42-43): “Jesus os chamou e disse: ´Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso serviço e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.

Assim aqueles que governam fiéis da mesma forma que o poder temporal não entenderam ainda a potência do Logos agápico.

 

O pensamento entre o simplismo e a simplicidade

30 set

O pensamento ingênuo ignora a complexidade, o relevo e a profundidade das coisas as veem na superficialidade de sua aparência, enquanto a simplicidade inicia um processo fenomenológico que começa na aparição de quem vê e depois desenvolve uma percepção maior, no dizer da filosofia o noema, que complementa a fase inicial da habilidade de sentir, a noesis.

Ao definir o pensamento complexo como tendo três princípios: o recursivo, o dialógico e o hologramático, Edgar Morin assim explica este terceiro que é indissociável dos outros dois:

“o holograma é uma imagem física, concebida por Gabor que, diferentemente das imagens fotográficas e fílmicas comuns, é projetado ao espaço em três dimensões, produzindo uma assombrosa sensação de relevo e cor. O objeto holografado encontra-se restituído, em sua imagem, com uma fidelidade notável. Esse holograma é constituído a partir de uma luz coerente (laser) e de um dispositivo que faz com que cada ponto que constitui essa imagem contenha uma mostra do sistema de linhas de interferência emitido pelos pontos do objeto holografado” (MORIN, 2003, p. 34).

Para explicar e dar clareza a determinados fenômenos é preciso usar recursos didáticos que os simplifica, no entanto, esta tarefa pedagógica não pode mutilar a explicação nem absolutizá-la.

Nada mais complexo do que reduzi-lo ao simples, como afirmava Bachelard não existe o simples, só há o simplificado, o que na maioria das vezes mutila e deforma o fenômeno, induzindo o pensamento a uma liquidez obscura.

Fenômenos da natureza não são facilmente simplificados, muitas vezes a pretensão de dominá-la mesmo nos casos científicos revelou uma face perversa, isto aconteceu desde a física atômica até as modernas tecnologias de comunicação atuais, é preciso prever e investigar os efeitos adversos.

Porém a simplicidade de ver os fenômenos não depende apenas da cultura, que é diversa sempre, e sim da capacidade de fazer uma redução da ideia (a redução eidética proposta por Husserl), onde vamos da simples aparência até a experiência de consciência sobre aquilo que é informado pelos sentidos e como a mente os recebe, interpretando aquilo que é informado.

Simplificar exige sempre uma analogia ou uma metáfora, já abordamos aqui, e isto sim é preciso ser simples para receber uma informação “nova” com a disposição de uma criança, com uma epoché diria a filosofia, com uma suspensão de juízos diria o pensamento cartesiano.

 

MORIN, Edgar et al. Educar para a era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana. São Paulo: Editora Cortez, 2003.

 

A ordem, a desordem e a dialogia

17 set

Entender o processo de complexificação da natureza, significa também entender que é o homem e que significa de fato o humanismo esquecido nos esquemas tradicionais idealistas e positivistas.

Assim para Edgar Morin (2001), a questão paradigmática vai além da simples compreensão na teoria das ciências (epistemologia ou metodologia), já que envolve o questionamento dos quadros do conhecimento que temos (gnoseologia e o que pensamos ser realidade) e de modo mais profundo a ontologia (qual é a natureza da realidade), estes princípios regem o fenômeno do que conhecemos e não podem estar separados dos sistemas físicos, biológicos e antropossociológicos.

Trata-se de uma razão aberta, não um irracionalismo nem um relativismo, mas funda-se na ideia que pode se construir um saber evolutivo, complexo e dialógico, no qual a desordem é uma parte.

Os sistemas se desenvolvem em um processo de entropia, porém é a neguentropia (a negação da entropia em cada fase da evolução) que torna a auto-organização um sistema vivo e evolutivo.

Define-a como um corpo que se desenvolve e se amplia aparece a entropia, a dispersão e a crise na organização originária, porém a neguentropia significa nova auto-organização e se olharmos o homem dentro dela, dentro da natureza e em seu aspecto evolutivo retorna-se a questão de ordem sobrenatural, pois foi justamente o caminho inverso que negou esta transcendência.

Quando o repúdio ao naturalismo venceu e instalou-se, o mito humanista do homem sobrenatural constituiu-se no próprio centro da antropologia (e de todas as demais ciências) e as oposições natureza-cultura, homem-animal, cultura-natureza tomaram a forma de paradigma.

Claro que o papel do homem na natureza depende da cosmovisão, os animistas por exemplo, todas as realidades não humanas também possuem poder sobrenatural, outras sobressaem um Deus também humano como no cristianismo (criado a imagem e semelhança de Deus) e outras uma ascese que estamos numa das pontas da escala da evolução (complexidade), as religiões hindus e orientais.

No cristianismo, refletimos a semana passada a pergunta de Jesus aos discípulos, “quem dizem que eu sou?” e preparava-os para a morte, para a “desordem” de sua morte, mesmo tendo compreendido ainda os discípulos querem disputar o poder, a posição e cargos que ocupariam nas asceses, e Jesus vendo o que falavam vai dar-lhes uma sentença dura (Mc 9,35): “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”, será que hoje entenderam?.

 

O que é natural e a possibilidade de conhecermos

15 set

O problema de conhecermos o mundo (natural e não o cultural, este é o que temos) deve partir de uma premissa de desobstrução de nossa mente de convicções culturais, a maioria idealistas, que nos cegam sobre a possibilidade de entender que não dominamos a natureza como propôs o iluminismo, e pior, corremos o risco de destruí-la e colocar a civilização em cheque.

Citar Edgar Morin na epígrafe da sua Introdução Geral do livro “A natureza da NATUREZA”,  a segunda em maiúsculas mesmo no original, no sentido que ela é ainda mistério para nós, e contém mistérios que nos afetam, como provou a atual Pandemia que ainda nos interpela.

Edgar Morin na abertura do primeiro capítulo: “O espírito do vale”, cita Karl Popper: “Pessoalmente julgo que existe pelo menos um problema… que interessa a todos os homens que pensam: o problema de compreender o mundo, nós mesmos e o nosso conhecimento enquanto parte do mundo”, assim este conhecimento não é definitivo e nem é eterno, na medida que tudo evolui e é perecível.

Para introduzir estas convicções faz uma segunda citação de Jacob Bronowski: “O conceito de ciência não é nem absoluto nem eterno”, e fará uma terceira que fica para o próximo post.

Faz um início de 5 convicções que o fez começar este livro e onde está seu “cogito” sua suspensão de juízo de tudo o que pensava antes, eu sua primeira convicção destes problemas afirma que ela: “nos prende à actualidade exigem que nos desprendamos dela para os considerar a fundo” (Morin, 1977, pg. 13), e professa sua segunda convicção: “os princípios de conhecimento ocultam aquilo que, doravante, é vital conhecer” (idem) assim desprende-se de suas ideias anteriores.

Sua terceira convicção é a mais forte cada vez mais convencido de que a relação ciência Ʌ política Ʌ ideologia [Ʌ  no texto como uma triangulo] quando não é invisível, continua a ser tratada de modo indigente, através da reabsorção de dois dos seus termos num deles tornado dominante” (idem), dá o que pensar.

Sua quarta convicção é que “de que os conceitos de que nos servimos para conceber a nossa sociedade — toda a sociedade — estão mutilados e conduzem a ações inevitavelmente mutiladoras” (idem).

Por fim sua quinta convicção é: “de que a ciência antropossocial tem de articular-se na ciência da natureza, e de que esta articulação requer uma reorganização da própria estrutura do saber” (Idem), assim o conhecimento que temos precisa ser modificado a partir de suas bases.

Sabia que sua tarefa era mesmo enciclopédica e vastíssima, por isso até isolou-se num castelo (não tenho os dados precisos) pois sua tarefa: “Eu próprio precisei de circunstâncias e de condições excepcionais’ para passar da convicção à acção, isto é, ao trabalho” (idem).

E é a partir daí que escreveu seu método complexo com três questão iniciais: “Que significa o radical auto de auto-organização? • Que é a organização? • Que é a complexidade?” (pag. 14).

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.

 

Entre o Natural e o Sobrenatural

10 set

A alma (anima em sua versão greco-latina original) foi estudada por quase todos filósofos da antiguidade, pode ser resumida do latim “anima mundi” (alma do mundo) como um conceito cosmológico de uma força regente do universo pelo qual o divino se manifesta em leis que afetam a matéria, ou na hipótese de uma força imaterial, como algo inseparável da matéria, está em Platão nos livros A República e Timeu.

Marsílio Vicino, humanista renascentista, que escreveu uma Theologia Platônica, definia como “A alma pode ser chamado o centro da natureza, a intermediária de todas as coisas, a corrente do mundo, a essência de tudo, o nó e a união do mundo”, seja qual for o conceito ela é uma parte do natural que pode ter manifestações desconhecidas pela ciência atual, e por isto é sobre-natural.

Porém o natural que o homem pareceu dominar a partir do iluminismo, se revelou aos poucos mais misterioso que se imaginava, já no início do século o princípio da incerteza deu origem a física quântica e um minúsculo vírus nos desafia, e não o superamos, o relaxamento pode provocar nova crise, como um doente mal curado que deseja fazer atividades que a doença não permitia.

Em seu livro a Natureza da Natureza, não por acaso o seu primeiro livro sobre seu método da complexidade, Edgar Morin vai descrever o Dasein da natureza (da physis) como: “Todos os sistemas, mesmo aqueles que nós isolamos abstracta e arbitrariamente dos conjuntos de que fazem parte (como o átomo, que é ademais um objecto parcialmente ideal, ou como a molécula), estão necessariamente enraizados na physis” (Morin, 1977, p. 133), e citando Lupasco (criador da ideia do terceiro incluído, estado entre o ser e não ser da matéria): “Um sistema só pode ser energético” (idem).

A energia, a complexidade e o mistério é, portanto, uma característica da natureza, e descobrimos no último século que a incerteza não só deve ser parte de um método realmente científica, como a ausência dela pode levar a dogmas e obscurantismo.

Como o sobrenatural se manifesta então dependo da cosmovisão de cada cultura, sem se confundir com ela, pois tem um significado ímpar dentro da escatologia que o vê, o princípio e fim de tudo, do universo e de seus enigmas.

Na cultura cristã, o sobrenatural está presente na revelação humana de um Deus que se faz pequeno, e se reduz a condição humana para levá-lo ao devir da eternidade, Jesus proibia os apóstolos de falarem abertamente sobre a sua divindade, mas interrogava-os (Mc 8,27-29):

“Quem dizem os homens que eu sou?”. Eles responderam: “alguns dizem que tu és João Batista, outros que és Elias, outros, ainda, que és um dos profetas”. Então ele perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Messias”.

Ele conversava a parte com os discípulos e ia explicar o tipo de morte que ia morrer.

 

MORIN, E. O MÉTODO 1. A NATUREZA DA NATUREZA. Portugal: Edições Europa-America, 1977.

 

Escutatória e a crise do pensamento

03 set

Quando só o discurso fundamentalista e ideológico tem espaço é porque ouvir o outro lado tornou-se difícil, entender que a realidade é múltipla e complexa, que não haverá um futuro monocromático que seja sustentável, é fundamental para um mundo novo que seja sustentável.

Também a compreensão da realidade, além dos fatos e da visão de mundo de cada grupo social e cultural, só pode ser ampliada num contexto de convívio e escuta respeitosa.

A exigência de isolamento em função da pandemia poderia ter auxiliado uma maior coesão e solidariedade social, até existiu em alguns grupos e pessoas, porém o isolamento radical de muitos grupos em torno da autorreferência e do reforço de posições grupais aumentou.

Percebem a realidade apenas por um angulo de visão, mundos fechados, mais isolamento e consequentemente mais injustiça, além da social, aquela existencial que isola grupos e pessoas, que repetem discursos e narrativas apenas para justificar formas sutis de poder, é a chamada psicopolítica (nome dado por Byung Chul Han), incapazes de abrir a visão.

É preciso quase um milagre, talvez a flexibilização da pandemia ajude, mas por hora o que se vê são grupos estremados em busca de consolidação do poder, ou sua tomada.

A passagem bíblica que impressionava até mesmo fariseus, era aquela que Jesus curava cegos e surdos, uma metáfora clara para que os grupos aferrados a sua visão (política e religiosa) pudessem entender através da metáfora a necessidade de abrir os ouvidos.

Diz a passagem de Marcos (Mc 7: 31-34): “Trouxeram então um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse a mão. Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!”.

Mais que ouvir é preciso escutar, mas que ver é preciso ampliar o campo de visão.

 

O pensamento complexo e o humanismo

02 set

Edgar Morin, Heidegger, Sloterdijk, e mais prematuramente Nietszche e Schopenhauer perceberam a crise daquilo que chamamos de humanismo e que se distanciava do homem.

Alguns aproximaram mais de uma perspectiva ontológica como Heidegger e Sloterdijk como crítico do humanismo de Heidegger, outros como aproximação e crítica do Niilismo como Nietszche, e Schopenhauer num propósito mais humano, são famosas suas frases: a solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais e quanto mais elevado é o espírito mais ele sofre.

Todos estes pensamentos merecem serem analisados na crise civilizatória que já entramos, ela não está mais a espreita, já penetrou, a nosso ver é no pensamento de Edgar Morin que é possível encontrar uma saída mais sólida para esta crise, embora estejamos caminhando no sentido oposto.

Segundo Morin o núcleo do humanismo que precisamos revitalizar é aquele descrito em seu Método II: «Não se trata de recusar o humanismo. É necessário, como veremos, hominizar o humanismo, e portanto enriquecê-lo, baseando-o na realidade do Homo complex» (Met. ll, p, 398).

Complexo, porque o humano não pode ser descrito numa lógica linear, e não se pode isolar em áreas delimitadas pelo saber (complexus: tecer junto), o todo é o homem, e isto é sua complexidade.

Isto surge desde a antiguidade com a emergência da problemática que será chamada subjetividade, Karl Popper chama atenção para o iluminismo pré-socrático, a visão naturalista da filosofia deste tempo teria submergido o homem na teia das leis do mundo material não configurando com precisão a noção de Ser, colocada em aspectos subjetivista (do sujeito) ou objetivistas (da  physis).

Morin promove uma revisão dos conceitos e métodos, tanto n´O Paradigma Perdido, e principalmente n´O Método, as recentes evoluções das ciências biológicas, da cibernética e das chamadas culturas do homem, passam por revisões, destacando os conceitos de “autonomia”, de “amor”, de “indivíduo” e consequentemente de subjetivo, e de “uberdade”.

Tecido na matriz judaico-grego-cristã da nossa cultura, atravessando a história do pensamento e do quotidiano ocidentais, o humanismo assume orientações não exatamente coincidentes como o homem, e que a nosso ver, deram uma visão idealista a princípios mais universais do humano.

Para Morin duas revisões são necessárias no humanismo que se entrelaçam e completam:

— O esboço do homo complex;

—-A hominização do humanismo.

Há uma frase de autor anônimo (não é de Einstein) que circula na internet: “não se pode chegar a resultados diferentes a partir dos mesmos pensamentos”.

 

Morin, E. O Método, vols. I, II e III, Europa-América, Lisboa. Edições francesas: Seuil, Paris, 1977, 1980 e 1986.

 

Escutar, epoché e crescer

01 set

Num mundo cada vez mais fechado, polarizado e com pouco exercício do pensamento, escutar é cada vez mais um grande esforço e para conhecer e ampliar os horizontes é necessário ouvir.

Dizia Rubem Alves, em seu famoso texto sobre a escutatória: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…” e continua o belo texto.

Também o poeta Alberto Caeiro (pseudônimo de Fernando Pessoa) dizia algo parecido: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”, por isto a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dizer algo melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer…

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais presente devido a nossa pouca leitura e uma dose sutil de arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais sábios, mais belos e mais convictos que os outros, é também uma negação da alteridade, da relação com o Outro.

Porém a sabedoria, o pensamento e principalmente o desenvolvimento de soluções a problemas e situações complexas da humanidade, e nós estamos num destes momentos, exigiram de pensadores, estadistas e ativistas sociais fazem um grande vazio para poder elaborar novos pensamentos, os gregos chamavam isto de “epoché”, suspensão de juízo.

Para os racionalistas também Descartes elaborou o “cogito”, e para os fenomenólogos, o epoché é um colocar entre parêntesis nossos pré-conceitos para poder ouvir outras perspectivas de novos horizontes e entrar num círculo hermenêutico que compõe o que Hans Georg Gadamer chamou de fusão de horizontes.

Aqueles que conseguem fazer estes exercícios conseguem contemplar tanto a beleza porque ela precisa de silêncio para ser “capturada”, e saber ouvir os outros significa uma grande capacidade de comunhão, significa, portanto, também uma capacidade de encontrar o mais profundo do Outro, e conviver com maior harmonia e alegria.