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Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

Esclarecer a clareira

03 mai

O homem sempre quis a luz, sempre andou em busca da “clareira”, o Mito da Caverna de Platão não é senão isto, a luz nas capelas e artes medievais, o esclarecimento (Aufklärung) que Kant apontava como a saída do homem de sua menoridade e as atuais “clareiras” de Heidegger e o “esclarecer as clareiras” de Sloterdijk, o plural é por minha conta.
Na arte medieval a “luz” deve estar associada à arte, ainda que os textos de Boécio, Tomás de Aquino, Averrois e muitos outros são dignos de leitura e análise, foi nas artes que a ideia de luminosidade mais foi presente, um exemplo, é a igreja Saint-Chapelle (foto) consagrada em 1248, com exemplo da desmaterialização das paredes e substituição por vitrais.
Aquilo que devia ser o exercício de plena liberdade, a grande aposta da modernidade, na verdade confinou o humanismo num beco sem saída, basto fazer a pergunta se vivemos numa época esclarecida, opiniões de todos os matizes filosóficos responderão: não é uma época esclarecida, então a pretensão do esclarecimento deu em cegueira e crise civilizatória.
As respostas de Heidegger sobre a “clareira” em meio a esta floresta de questões (alguns acham que é só de informação) foi a retomada do ser, sem dúvida importante, porém a resposta de Sloterdijk às cartas sobre o humanismo a coloca-a em questão: que é “clareira”.
Não tenho uma resposta definitiva, como a de Sloterdijk também não é, ainda que aponte “as esferas” como os círculos de aprisionamento do ser, do pensamento e diria aqui, até a religião.
Minha resposta contempla o livro de Byung-Chul Han “A expulsão do outro”, a opção por uma sociedade massificada, uniformizada e por isto sem valores destruiria a riqueza humana da diversidade, mas é justamente esta diversidade que parece se rebelar, e poderá dar frutos.
Esclarecer a clareira, em face de crise civilizatória de nosso tempo, não poderá encontrar mais resposta, como no passado, na ideia do pensamento único, a diversidade é hoje necessária.

 

O século das luzes kantianas

30 abr

O século XVIII foi comemorado por muitos filósofos como século da Filosofia, parecia que o iluminismo tinha triunfado de maneira irreversível, sua ideia de estado, a ciência como forma de retirar o homem das trevas, enfim tudo parecia ir de vento em popa.

Antes de tudo o que era esclarecimento para Kant, sem dúvida o maior precursor, assim como Hegel a síntese de toda a filosofia idealista do iluminismo, o esclarecimento (Aufklarung) seria a saída do homem de sua menoridade, do qual ele própria seria culpa, veja que culpa aqui não é o conceito cristão de desvio, mas aquela própria da qual o estado seria o guardião.

Assim a menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo, é o individualismo perfeito, o homem sem a direção de qualquer outro indivíduo, por isso só ele é culpado de essa “menoridade”, depender do outro.

Isto está consumado na máxima do imperativo categórico: “age de tal forma que o seu agir possa ser universal”, e não deve ser confundido com a regra de ouro: “faz aos outros aquilo que gostaria que fosse feito a você”, porque esta inclui o Outro.

É também equivocada a ideia que o idealismo tenha um fio de ouro que o conduza ao platonismo, que por sua vez não pode ser isolado do “materialismo” de Aristóteles, estes equívocos estão explicitados em Gadamer: “O problema da consciência histórica”, cujo ponto central é justamente separar a consciência idealista e romântica de história, para a real.

O texto a Sétima Carta de Platão, favorece o diálogo com o Outro, a dialética dialógica de enfrentar contrários e saber como completar o chamado círculo hermenêutico, onde os pré-conceitos podem passar por uma fusão de horizontes e um posterior esclarecimento que leva a novas reformulação.

Platão afirma na Sétima Carta: “… só depois de esfregarmos por assim dizer, uns nos outros, …. nesses colóquios amistosos de perguntas e respostas …  é que brilham sobre cada objeto a sabedoria e o entendimento … “ (Platão 344 b-c)

Para Gadamer o Círculo Hermenêutico, verdadeiro método de filosofar, é a-letéia, pois: “Qualquer Insight que podemos possuir emerge em um discurso humano finito, e por isso, apenas parcialmente … Nossos insights, em outras palavras são marcados por nossa discursividade.  O que nos é dado nos é dado do ocultamento [léthe] e em um lapso de tempo de volta a ele. Daí porque nossa verdade humana é a-letheia, jamais absoluta”. (GADAMER, 1980, p. 103-104)

PLATÃO, Carta VII (Trad. Do grego e notas de José Trindade Santos e Juvino Maia Jr). Rio de Janeiro: PUC-Rio/Loyola, 2008.

GADAMER, H.G. Dialogue and Dialectic, eight hermeneutical studies on Plato, Binghamton, NY: Yale University, 1980, p. 91-123.

 

A vida: origem e destino

26 abr

Para existir vida é essencial a água e alguns outros elementos em abundância: oxigênio, carbono, hidrogênio, nitrogênio, cálcio, fósforo, enxofre, potássio, sódio, cloro e magnésio, assim a busca por planetas habitados ou habitáveis procura-se estes elementos, sobre a vida em outros planetas o cientista Arthur C. Clarke afirmou: “ou estamos sozinhos no universo ou não estamos, qualquer uma das hipóteses é assustadora”.

Tão importante quanto a origem da vida, que ainda é um enigma, é investigar as sociedades originárias que estão submersas sobre as camadas subterrâneas de nossa sociedade, alguns são capazes de ver estes traços e entender que a modernidade não é o destino eterno dos homens, outros mergulhados nos conflitos de nosso tempo querem eternizá-la como se fosse o último estágio civilizatório humano.

Compreender o que é a vida, é também compreender de onde viemos, se na perspectiva cientificista da modernidade temos que saber se viemos da matéria ou não, e para esta questão recomendo o livro de Terrence Deacon “Incomplete Nature: how mind emerged fom matter“ (veja nosso post), exatamente porque une a perspectiva antropológica com a diria cosmológica, num sentido mais amplo que inclui as cosmogonias das diversas culturas e civilizações.

O assunto é demasiado amplo para um post, por isso conto uma experiência estando em Portugal, fui visitar uma destas pequenas cidadezinhas portuguesas Coruche, não são as aldeias que são ainda menores, e lá me deparei com vestígios dos homens pré-históricos na região, os primeiros sinais civilizatórios ocidentais: colunas romanas, aquele que acreditam ser o primeiro sino de Portugal e também início da evangelização cristã na região, a Igreja de Nossa Senhora do Castelo tem este nome por ter sido feita sobre as ruínas de um castelo.

Assim uma civilização soterra a outra, também a cidade fica numa região limítrofe entre o Reino de Portugal e o de Al-Andaluz, onde viviam muçulmanos árabes e onde está a origem dos desenhos dos azulejos de Portugal, senti que tudo isto se compunha numa civilização originária de Portugal desconhecida, e nós netos desta civilização originária.

Não deixa de ter, como em todo Portugal os campos de videiras, quase todo lugar tem uma.

Como está escrito no museu de Coruche sobre a cidade: “O céu, a terra e os homens”, é conhecida também pela produção de cortiça.

 

Sobre a essência da Vida

25 abr

O que é finito ou temporário é ente, mas tudo que existe nem sempre existiu, então é ente.

Não se fala de essência sem falar do Ser, pois a essência sem ek-sistencia é um ser para o Nada, o niilismo que já aqui explorada um pouco, agora vamos para esta existência, finita no agora, mas efêmera porque daqui um segundo ela será apenas uma fugaz “memória”.

Supomos como Camus, que somos apenas entes, o mito de Sísifo a empurrar a pedra da vida enquanto se está nesta vida que é finita e absurda, mas que não admite o não ser.

Como entes, sempre finitos, é inevitável que nos movamos somente no plano dos entes, ou seja somente do que sempre é, evitando na medida do possível o virtual “poder ser”.

Parece sensato e racional ficar apenas no que é, mas também quando nos movimentos para  uma compreensão maior do Ser, se não é, pela lógica das essências, é niilismo, pois partindo somente do plano do é, tudo que não é é nada, caindo e decaindo no plano do plano da finitude.

É possível, permanecendo neste plano da existência encontrar sentido para a vida e também colher os frutos de um olhar para o infinito dentro do plano existencial, um filme visto na minha juventude me marcou.

O filme de Akira Kurosawa Viver (Ikiru, 1952), um ícone de sua obra ainda que pouco conhecido, narra sobre um burocrata de uma repartição pública que descobre um câncer de estomago e vive o drama de repensar sua vida, descobre em senhoras que iam reclamar da lama em um bairro periférico uma razão para sua existência.

Antes de morrer o funcionário público de uma existência miserável descobre na reclamação daquelas senhoras um sentido para sua existência e vai lutar com todas as forças para criar um parque para crianças onde antes era um lamaçal, onde ele morrerá num dia frio de inverno numa cadeira de balanço daquela praça.

Pode-se como ente, ainda que seja necessário alcançar algum objetivo transcendente, descobrir de fato o que a vida é, quando fui ver o filme pensei comigo: penso que agora Kurosawa vai cair no meu conceito, para mim será sempre um mito do cinema não japonês, mas universal.  

Lembro também que hoje é dia da Revolução dos Cravos em Portugal, que derrubou o fascismo.

 

O abandono na literatura

16 abr

O assunto parece escondido na literatura, mas não é, comecei a ler a trilogia Abandon da autora Meg Cabot porque havia referencia aos mitos de Hades e Perséfone.

                Mas o clima de excessivo suspense, a meu ver é claro, me fez desinteressado pelo livro e ao contrário de muitos outros que retomo e entendo o objetivo da autora, neste não o fiz.

                Para quem não conhece a mitologia Perséfone é filha de Zeus com Demeter, era uma deusa preocupada em colher flores, e aos poucos quando foi crescendo encantou o deus Hades, senhor dos mortos que pediu a filha em casamento, mas Demeter não queria que se casassem.

                Eles acabam se casando, mas Demeter pede a Zeus que a traga de volta no fim de uma complicada trama, Perséfone acaba ficando um período com Hades, que é o inverno no Olimpo, e um período com Demeter, que é a primavera no reino dos deuses gregos.

                Enfim, a trilogia não me parece no início nada disto, apenas era um toque “cult”.

                Outro livro mais realista me chamou a atenção, descubro a autora italiana Elena Ferrante, que escreve desde janeiro no The Guardian, sobre assunto de família, infância, gênero e envelhecimento.

                Enquanto esperava uma amiga, numa livraria de Lisboa, comecei a folhear o livro “Dias de Abandono” de Elena Ferrante, que conta a história (não sei se é verdadeira) de Olga que é abandonada por Mário e se vê presa a um cotidiano estilhaçado com dois filhos, um cachorro e nenhum emprego, mas vai lutar contra o sentimento de ser uma pobre mulher abandonada.

                Não fui até o fim, claro nem daria tempo e não comprei o livro para resistir a tentação de desviar de minhas leituras obrigatório que neste momento são muitas e a pilha é enorme, vi rapidamente na internet que 90% das pessoas que leram gostaram.

                O seu livro “A amiga genial” está indo para as TVs, em Portugal haverá uma série.

 

Ver e crer: sentir o real

06 abr

Ao contrário do que pensa o senso comum, o virtual não se opõe ao real, mas aponta-lhe um caminho, tecnologias digitais já em desenvolvimento como realidade aumentada, realidade virtual e hologramas são virtuais não no sentido de irrealidade, mas de potencialidades.

O que se poderá resultar delas ainda depende de alguns avanços  tecnológicas, mas o desenvolvimento destes artefatos, como para criar hologramas 3D testado na Universidade de Brigham Young (ver nosso post) publicado na revista Nature de janeiro, ainda dependerão de avanços tecnológicos para chegar ao mercado num futuro próximo, esta é sua virtualidade.

Numa sociedade da informação, a leitura ocupa um papel central, não por acaso está ligado ao artefato impresso, a chamada Galáxia de Gutenberg, no entanto pode-se imaginar que a cultura oral tenha pouco a ver com esta, ou apenas se componha com ela, mas isto não é um fato.

A cultura oral, o ver está ligado ao ouvir, pode parecer curioso ou estranho que nesta cultura é essencial o escutar, e o falar significa certa autoridade, foram assim com os oráculos, profetas e mestres em culturas afros, deve-se ter o dom de contar neles os mitos ocupam lugar de destaque, é por isso que desenvolvemos aqui: vendo não veem, e ouvindo não escutam.

Poderia ser o contrário, se pensamos na fotografia, na TV e no Cinema, mas a chamada “sociedade do espetáculo”, que Guy Debord definiu o espetáculo como o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens, mas estas são apenas artefatos modernos, pois as pinturas rupestres seriam então o que ?

A linha de análise que embora tenha críticas, parece mais coerente é a de Paul Virilio, que a moderna sociedade caminha com “velocidade” para as novas mídias, e a dança e o teatro seriam as verdadeiras resistências a esta velocidade,

Mas Virilio rende-se ao afirma que inovações tecnológicas transformam, modificam, alteram o espaço geográfico em todas as escalas (local, nacional e global), não diz isto, no entanto, é preciso humaniza-las, e este processo será cada vez mais coletivo, é inerente a estas mídias.

Um exemplo de cultura oral está na passagem famosa de Tomé, que interpretada na cultura da informação dizem é ver para crer, está errado, é sentir para crer, releia-se a passagem de João 20,25=27:

Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” … e Jesus disse: põe o dedo aqui e olha minhas mão.”

Jesus apareceu e pediu que ele tocasse também em outras passagens Jesus aparece e só quando fala, e reparte o pão é “visto”, o homem moderno precisa tocar e sentir.

 

Vendo não veem

05 abr

Ouvir já escrevemos aqui, é o fato de possuir o aparelho auditivo, escutar é coisa para quem processa mentalmente. aquilo que ouviu, não é possível fazê-lo sem alguma atenção e algum saber, ao menos da linguagem na qual está ouvindo.

Imaginava em Portugal, que em toda a península Ibérica, já havia visto na Espanha, há alguma cultura ligada a visão, algo parecido a tradição oral, mais ainda mais primitivo, sim pois as pinturas rupestres são anteriores a escrita e provavelmente originárias da cultura oral.

Descubro perguntando sobre a importância cultural da Cidade Caldas da Rainha, relativamente próxima a Lisboa, a figura de Rafael Bordalo Pinheiro  (1846-1905), inventor do Zé-Povinho, foi também jornalista da gravura, folhetinista do lápis, cronista gráfico, ceramista falido, cartunista antes do tempo. republicano, com algo anticlerical, uma de suas  pioneiras caricaturas satíricas se pode ter convulsionado seu país no final do século XIX, ainda monarquista, mas já com ideias republicanas fortes.

As suas cerâmicas que não vingaram em seu tempo, hoje são obras de arte difundidas no mundo interior, no Brasil já vimos aqueles vasos em forma de pinheiro, xícaras (chávenas em Portugal) e outras louças (loiças na terrinha), feitas em formato de frutos e decoradas, feitas muito mais ao gosto do “zé povinho” que as louças reais da aristocracia portuguesa.

Assim como a escuta exige um treino, o olhar exige um duplo treino, pois o artista quer dar ao público algo além do convencional e por isto faz esta ou aquela nuance em seus artefatos,

Talvez a própria expressão de Zé Povinho, usada também no Brasil devemos a ele, também lá como cá esta expressão pode denotar um sentido pejorativo.

O fato da visão no sentido artístico, tanto pode recorrer a figuras míticas, cavalos alados e unicórnios, mula sem cabeça e saci Pererê em lendas populares e outras imagens podem em algum sentido serem místicas no sentido até mesmo de antevisão da realidade, muitos artistas estiveram avante de seu tempo.

Um visionário de nosso tempo não pode recusar as mídias e redes sociais, sendo redundante, é falta de visão.

 

Por uma filosofia do Design

22 mar

Vilém Flusser foi um tcheco naturalizado brasileiro, falecido em 1991, que atuou por cerca de 20 anos como professor de filosofia, jornalista, conferencista e escritor no Brasil e depois de volta no seu país de nascimento a Republica Tcheca.

Seus livros estão sendo republicados no Brasil, incluindo todos os seus escritos, e comecei relendo O mundo Codificado – por uma filosofia do Design.

Sua obra vai além das influências que recebeu de Roland Barthes, Marshall McLuhan, pois sua filosofia é própria com elementos de fenomenologia e existencialismo.

Na introdução do livro, feita por Rafael Cardoso, é destacada sua mudança de pensamento sobre as modernas mídias que apenas viu nascer: “ao contrário da maioria dos filósofos modernos, que costumam concentrar suas análises na linguagem verbal ou nos códigos matemáticos, Flusser dedicou boa parcela de seu gigantesco poder de reflexão às imagens e aos artefatos, elaborando as bases de uma legítima filosofia do design e da comunicação.” (FLUSSER, 2017, p. 10)

Lançou perguntas profundas sobre o mundo virtual: “Se uma árvore cai no espaço virtual, e não há ninguém on-line, será que ela gera uma mensagem de aviso?” retomando a famosa questão da árvore que cai na floresta, e também “Qual a diferença entre o material e o imaterial? Podemos trocar coisas por não coisas?” (idem) e conclui com uma pergunta ainda mais fundamental: “Que destino devemos reservar para os detritos gerados por nossa frenética atividade de transformação da natureza em cultura?” (FLUSSER, 2017, p. 15)

Aproxima-se do paradigma da informação, base essencial para o conhecimento e a educação, “o fim da história parecer ser o fim de nossa capacidade coletiva de lutar contra a entropia, contra a desagregação do sentido e da forma. Se a base daquilo que entendemos por cultura reside na ação de in + formar, então não é paradoxal que o excesso de informação nos conduza à desagregação do sentido ? “ (idem)

A importância do “conceito de virtualidade talvez seja a melhor e mais elegante prova do quanto Flusser tinha razão.” (idem), e não se pode mais fugir a esta questão, o uso em diversas formas de informação, comunicação e das artes exige a abertura desta “caixa preta”, nome de um ensaio publicado no ano de 1985.

Flusser ao contrário de apocalípticos, admite que “ao menos em tese”, o que deveria transformar-se em bem estar, ““humano torna-se escravo das forças de uma outra “natureza” que ajudou a gerar artificialmente”.

Aspectos da virtualidade e de um mundo codificado são desenvolvidos de maneira única pelo autor e contribuem para um debate mais sereno sobre as novas mídias.

FLUSSER, V. O mundo codificado: por uma filosofia do design. São Paulo: Ubu editora, 2017.

 

Antropologia e ontologia

19 mar

Esta é uma relação escondida em muitos textos do pensamento contemporâneo, ora nos debruçamos sobre a história deste Ser-no-mundo (já usamos outra tradução como pre-sença),  ora mergulhamos no lado “oculto” do Ser.

Algumas leituras de Paul Ricoeur são importantes para aclarar esta questão, a leitura por exemplo de Tempo e Narrativa, encontramos a passagem: contudo, reconhece uma dimensão antropológica das categorias ontológico-existenciais de Ser e Tempo. Segundo afirma, a análise de Heidegger precisa “ter uma certa consistência no plano de uma antropologia filosófica para exercer a função de abertura ontológica que lhe é assinalada.” (Ricoeur, 1994, p. 97).

Claro o aspecto essencial da Obra de Heidegger é a questão do Ser, para ele esquecida pela metafísica tradicional pelo fato da ontologia ter-se convertido em uma ontologia da substância, aquela que vê tudo como a primazia da “coisa”.

Mas sua obra não está deslocada ou esquecida da dimensão antropológica, esta consistência é construída conforme explica Ricoeur, por sua analítica existencial “está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia.” (Heidegger, 1995, p. 81)1.

Mas não se trata de uma abertura de um a priori ao modo idealista, não é uma simples  “construção apriorístíca” (Heidegger, 1995, p. 87), isto é, desvinculada de qualquer “empiria” ou aspecto prático, que a desvinculada de sua objetividade.

Assim com um método correto, toda a pesquisa científica e a pesquisa ontológica podem até convergir, esta última tendendo sempre para uma maior “purificação” e transparência do que se descobriu onticamente, fazendo aquilo que Husserl chamou de “retornar a coisa em si” que não é senão abandonar a especulação e entrar no aspecto da relação com o conhecimento, que é dar ao mundo caráter inteligível.

A investigação que segue uma “fixação dos setores dos objetos”, e só o faz a partir da abertura originária ao modo de ser dos entes pela qual a experiência sensória do mundo é responsável, mas nenhuma pesquisa responsável deixará de apresentar questões que são “subjetivas” dos dados empíricos, por isso inseparável deles.

Se o questionamento científico aborda uma determinada região dos entes, ele entra numa região seja além do horizonte da experiência original: o horizonte da relação fundamental do ente investigado e com o mundo questionado de sua relação.

No plano antropológico isto é essencial, coletar dados de uma cultura, sem penetrar no “ser” dela é fazer uma abstração objetual, desconhecer aspectos subjetivos dela.

Heidegger, M. Ser e Tempo (parte I). Petrópolis: Vozes, 1995.

Ricoeur, P. Tempo e Narrativa (tomo I). São Paulo: Papirus, 1994.

 

A retomada ontológica

16 mar

Heidegger faz ver em sua obra que uma questão jamais tocada (ao menos em profundidade) na filosofia é o “sentido do ser”, e isto deveu-se ao fato que na metafísica tradicional toda ontologia tornou-se uma ontologia da substância, então o pensamento de Tomás de Aquino é importante, pois separou-se ser de essência.

A primazia da “coisa”, que fizemos uma relação com ser-do-ente, é a forma como a “coisa” tornou-se representada para tudo o que “é”, mas rejeitando sua ontologia, não rejeita-se apenas a coisa abstrata, mas do ponto de vista existencial, a questão do ser é eminentemente concreta, porque “o ser é sempre o ser de um ente”.

Mas quais são as questões para a modernidade impostas ao Ser? as determinações essenciais do ser dos entes?

É uma maneira que deve situar-se aquém do plano empírico ou ôntico (dos entes) e constituir-se na condição de possibilidade do mesmo, e estas estruturas ontológicas explicitadas na análise do dasein (como ocupação, disposição, compreensão, discurso) não devem ser confundidas com aqueles que seriam os seus correlatos ônticos ou empíricos (afeto, desejo, conhecimento, linguagem).

É uma questão de precedência, pois estão não são nem irreais nem correlatos, pois toda analítica existencial “está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia.” (Heidegger, 1995, p. 81)

Em Heidegger no ser do homem há uma presença -, uma dimensão ontológica fundamental. Na verdade, no texto de Heidegger, o status da pre-sença é ambíguo.

Preferiu-se a tradução do dasein como esta pre-sença, para que não seja entendida como sinônimo de “homem” (o ser-aí tem esta ambiguidade), na determinação ontológica, o que corresponde ao ser desse ente é sua presença e esta é a questão.

Sua relação pode parecer paradoxal, como pensam muitos autores, na relação do ser com o ente, mas não o é, pode-se viver divinamente esta pre-sença, não o nihil.

Uma passagem bíblica quase inexplorada por estudiosos do texto sagrado, é quando se aproximando a Páscoa de Jesus, ele se diz angustiado e também se vê diante de um “vazio”, em João em 27-29 está escrito assim:

 “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. 28Pai, glorifica o teu nome!” Então, veio uma voz do céu: “Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!”, A multidão, que aí estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: “Foi um anjo que falou com ele”.”

Como para os apóstolos, para os gregos antigos e para muitos filósofos, este aproximar-se de um fim mais que uma angústia, tem um dilema: o que é a vida? Uma resposta sã é a Páscoa e a resposta insana é o nada (nihil).  

-O termo “dasein”, comumente vertido para o português como “ser-aí”, foi traduzido por Márcia de Sá Cavalcante pela expressão “presença”.

Heidegger, M. Ser e Tempo (parte I). Petrópolis: Vozes, 1995.