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Podres poderes e o Outro
Há algo além da vontade de poder, sim há um não ser, que não despersonaliza nem implica em perda de identidade, mas em dialogia com o Outro, com aquele que não é meu espelho.
A afirmação, o empoderamento de pessoas e grupos em fechamentos lógica de identidade, não são nem originárias no sentido de preservar o diálogo com as tradições culturais, nem são de fato poder porque implica em submeter o Outro que é um a alguma identidade que não é a dele.
Assim a verdadeira identidade ontológica, ao contrário da lógica que é individualista ou de fechamento em grupos, muitos vezes criticamos o individualismo do Outro porque não admitimos sua identidade originária (aquela que vem de raças, culturas e tradições) e em última análise não admitimos o seu Ser, e para admiti-la é preciso um não Ser, ou seja, ver o Outro como ele é.
Os poderes na modernidade cresceram por causa das imposições que as leis do Estado, as regras de conduta e aquilo que historicamente se chamou de “Contrato” que não é senão tornar o direito a consciência algo que seja submetido as regras e leis do Estado.
Não se trata de anarquia, regras de convivência social existente desde o homem primitivo que já se sabia vivia originariamente em grupos: em cavernas, nômades ou estabelecidos em territórios.
O que leva a violência é sempre submeter o Outro a nossa própria vontade, as nossas culturas, olhando para a do Outro como menor, menos culta, menos “evoluída” ou outra justificativa para não entender e respeitar culturas, crenças e etnias diferentes, então chega-se a violência.
O culto do Estado, Hegel chegou a dizer que ele era eterno e não é, muitos se modificaram ao longo da história desde a Cidade-Estado grega até as modernas sociedades democráticas, agora num novo reboliço.
A passagem bíblica que o “diabo” oferece os poderes terrenos a Jesus e ele rejeita é esta (Mc 4,8-10): “novamente o diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e sua glória, e lhe disse: “Eu te daria tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar”. Jesus lhe disse: “vai-te embora, Satanás, porque está escrito: ´Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a Ele prestarás culto´.”.
Coloquei o diabo entre aspas, não para negá-la como existência ôntica, mas para ampliar a visão que se tem, onde os “reinos” que o diabo queria dar não são somente os Estados, mas também outras formas de Poder que estão dentro da humanidade, como Nietzsche afirmava em sua categoria “vontade de Poder”, que seria originária de todo homem e impossível de superá-la.
A ceia das cinzas
O que define como o homem é por natureza é também entender o que é a natureza, ou a substância projetada num universo infinito. e um marco inicial na filosofia da Natureza é a obra de 1584 de Giordano Bruno, conectada a teoria copernicana, que descreve um universo infinito com um divisor onipresente, a matéria eterne e a mutação em troca permanente.
Bruno se declarou um copernicano “realista” em 1582 em Paris, e quando chegou a Londres no ano seguinte ele já se posiciona no nível cosmológico com ideias extravagantes para a época, na qual o universo é um ser vivo, e um tempo depois suas aulas são suspensas, devido tanto a um radicalismo teológico de seu público protestante, como do aristotelismo “ateu”.
Um aspecto curioso é Bruno chamar, como Leibniz e Spinoza o fizeram, seu personagem de Teófilo presente na Bíblia e que significa “filho de Deus” (teo-filo), o que o vai separar também de sua religião católica é o pensamento que a filosofia deve ser independente da religião, porém a passagem do heliocentrismo copernicano para um universo infinito devemos a Bruno.
Seu pensamento sobre a política e o poder envolve esta mudança infinita, afirmava: “Que ingenuidade pedir para quem tem o poder pedir para mudar o poder”, que foi o seu embate com os donos do poder nas religiões e na nascente academia.
Em seu livro “A ceia das cinzas” fez uma afirmação extraordinária para a época: “A terra e os astros … como eles dispensam vida e alimento das coisas, restituindo toda matéria que emprestam, são eles próprios dotadas de vida, em uma medida bem maior ainda, e sendo vivos, é de maneira voluntária, ordenada e natural, segundo um princípio intrínseco, que eles se movem em direção as coisas e aos espaços que lhes convém”, um passo além do universo de Copérnico.
Não é importante a verdade ou não de Bruno, que também teve obras polêmicas sobre a Eucaristia e sobre a Virgindade de Maria, mas o importante para nosso tempo é restaurar um diálogo perdido de longa data, e para o qual ainda continuam a ter inquisidores e apóstatas.
Giordano Bruno deu um grande passo na ciência e queria que a filosofia fosse independente por causa do poder e incultura religiosa, ainda hoje é preciso superar o fundamentalismo e estabelecer o diálogo.
Bruno, G. The Ash Wednesday Supper. Lawrence s. Lerner e Edward A. Gosselin (eds), Toronto (CAN): University of Toronto Press, 1995.
Uma ontologia incompleta: a afirmação do Ser
A roda da Fortuna é o acaso porque a lógica do laissez faire, o acaso levado à economia, é também a lógica da afirmação do Ser, no sentido clássico; o Ser é e o Não-Ser não é, não há um devir.
O não-Ser também é Ser, a afirmação, a vontade de Poder, leva consigo a lógica da guerra, o dualismo, o maniqueísmo e seu destino falta é a guerra, a dificuldade de compreensão do Outro, o diálogo feito como forma de hipocrisia, porque no fundo, é a negação do Outro e a afirmação do Ser, na lógica “nós temos a verdade”, mesmo que dita de forma religiosa, é sua negação.
A impossibilidade do convívio, de onde surge a violência física, até a violência psíquica e moral, o desejo inconsciente de desmoralizar e minar o Outro, que é nesta lógica não-Ser, e assim vive-se de modo falso o momento que passa, como fugaz e com o sentido de máximo afirmação do Ser.
Parece loucura dizer que o não-Ser também é, mas é justamente no seu exercício que negamos a guerra, negamos o conflito como necessário, fazemos o dualismo tornar-se diálogo sincero e podemos entrar na lógica do Outro e descobrir um complemento do Ser, enquanto não-Ser.
Afirmar que o Não-Ser é destrói a lógica do poder, da exclusão, do conflito, porque permite ao Outro sua existência, nega a psicopolítica porque não tem necessidade de opressão “psíquica” do Outro, para afirmação do Mesmo, do espelho, mesmo que exercido coletivamente, é um nós egoísta e vinculado exclusivamente ao próprio poder e prazer.
Assim dizem os discursos contemporâneos sobre a filosofia, que enchem plateias e enaltecem filósofos e eloquentes religiosos: “você veio para vencer, afirme-se, diga que é o melhor”, etc.
A ontologia completa, é oposta também ao fundamentalismo religioso e ao farisaico, porque é exercida também enquanto não-Ser, diz o evangelista Mateus sobe o ensinamento do Mestre aos seus discípulos (Mt 5.38-39): “Vós ouvistes o que foi dito (ainda o é em nossos dias): olho por outro e dente por dente!, Eu porém, vos digo: “não enfrenteis que é malvado” Pelo contrário se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda!”, eis a lógica “oculta” do não-Ser.
A meia ontologia da afirmação do Ser não é a vivência do momento presente, é só a vivência somente em momentos de euforia, não é “eudaimonia” no sentido grego, porque é alegria do Ser físico e não da alma, não experimenta o gaudio, a alegria do Ser em sua totalidade, corpo e alma.
Alegria ou felicidade, o gaudio e a euforia
Alegria e felicidade não são a mesma coisa, embora um possa desembocar no outro e vice-versa, a alegria é um sentimento de satisfação, de completude ou até de plenitude em seu extremo, ao que chamo de gaudio, enquanto felicidade é o bem maior desejado pelo ser humano, assim afirmou Aristóteles, e embora possa ter nuances de valores é a melhor definição.
Neste sentido a felicidade é sim viver bem o momento que passa, até filósofos midiáticos e místicos concordam, porém o esforço “virtuoso” que faz com que a conquista seja um destes momentos, mas é claro cada um deste caminho virtuoso pode ser vivido com grandeza e esforço.
Aquela luta para na qual todo momento pode ser vivido com dignidade e até alegria, porém o gaudio e a felicidade verdadeira é conquistada com esforço, exercício virtuoso de um caminho digno, enquanto a euforia pode ser conquistada num momento fugaz, o gaudio e verdadeira felicidade não.
A alegria é então um exercício além do obstáculo e dos problemas cotidianos, a felicidade é a conquista possível depois de um longo caminho no qual a chegada ao cume depende dos últimos e decisivos passos, muitas vezes sem folego e sem clareza que o cume poderá ser atingido.
Os gregos diziam que a “eudemonia” (“bem” do “espírito”- daimon) era conquistada por arete, que tanto pode ser vista como “virtude” (a prática repetida do virtuos, do virtual) como também por “excelência”.
Também não é a fortuna, no sentido grego da palavra não é apenas dinheiro, mas o acaso ou a sorte, a deusa Fortuna tornou-se uma imagem iconográfica desde as iluminuras de manuscritos medievais até os vitrais das igrejas (foto*), era assim uma sorte lançada ao acaso, e seria predestinada.
A alegria é gaudio quando alcançada por pequenos esforços cotidianos e não é fugaz, enquanto a euforia não só é fugas como pode tornar-se tristeza profunda ou até depressão, por elaborados discursos viver o momento que passa, que é sábio, pode ser vivido com alegria ou com euforia.
*A deusa Fortuna com olhos vendados, chamada de “roda da Fortuna” foi pintado por Tadeuz Kuntze, em 1754, óleo sobre tela, Museu Nacional de Varsóvia.
Entre a fantasia e o imaginário
O imaginário faz parte da cultura e da tradição popular, nela inúmeras culturas se expressam, parecem mitos e fantasias foram da realidade, mas diferencia-se desta por ter uma fonte originária, isto é, ser parte de uma cultura e expressão de anseios e perspectivas culturais de um povo.
O que Droysen, Heidegger e Gadamer especularam sobre o historicismo romântico, que Dilthey elaborou, não é senão o historicismo fantasioso, o futuro como puro sonho irrealizável enquanto o futuro vindouro é parte da tradição cultural e por isso é necessário o diálogo com a tradição.
A fantasia é inicialmente uma tentativa de fuga, a ausência de diálogo não no sentido prosaico de ouvir o Outro, de aceitar a diferença, mas sim de entender e dialogar verdadeiramente entrando nos conceitos e perspectivas presentes na tradição, sem compreende-la realizamos escuta e não o diálogo, a dialogia que falaram Martin Buber, Paulo Freire e mesmo Bakhtin.
As fantasias representam delírios da alma, desejos compulsivos incontroláveis, e que muitas vezes chegam a patologias, não se trata de uma fantasia infantil de contos de fadas ou super heróis, estas pertencem ao imaginário pois a criança ainda vê o mundo futuro como possibilidade.
O imaginário épico, tanto como historicismo quanto como literatura ressalta os feitos e glórias, onde o presente surge como um resultado de um passado mítico, mas que se projeta para o futuro, exprime a exaltação factual de acontecimentos memoráveis ou extraordinários.
O imaginário romântico é de um herói solitário deslocado no tempo, D. Quixote é uma boa expressão deste imaginário, representa uma reação a saturação filosófica do determinismo e do racionalismo, mas fica preso ao sensorial empírico ou as metáforas do real.
Estas fantasias em geral apelam para a criatividade, mas pouco dizem da realidade.
A tradição e a verdade do devir
Muito do que se prega e se vive em nossos dias é a tradição, aqui não vista como o pensamento que construiu a história da humanidade, mas apenas costumes e hábitos repetitivos e aparentemente “estáveis” que o tempo se encarregou de mudar.
É assim que a religião que deveria construir uma verdadeira ascese do devir, ou do vir-a-ser constrói laços preconceituosos e tradicionalistas que impedem o progresso da humanidade.
Não por acaso combaterem Giordano Bruno e Galileu Galilei, suas obras representavam uma mudança na visão de mundo, neste caso uma visão cosmológica, mas a cosmovisão significa antes de mais nada uma visão ampla dos fenômenos e da vida.
O mundo não muda porque pensadores que deveriam apontar para o futuro mostram apenas seus temores, sua arrogância fixa em conceitos da tradição e sua falta de criatividade.
Em uma passagem que Jesus e seus discípulos comiam espigas com as mãos e os tradicionalistas exigiam o cumprimento da lei de lavar as mãos, o Mestre mostra que as palavras destes homens não coincidiam com suas atitudes.
Diz Jesus na passagem bíblica de Marcos (Mc 7:6-8): “Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens”.
É neste sentido que diz o parágrafo seguinte (Mc 6, 9): “Vós sabeis muito bem como mudar os mandamentos para seguir a tradição”, e também é de certa forma este o sentido que diz o evangelista Mateus (Mt 5, 20): “Se a vossa justiça não for superior a dos escribas e fariseus, não entrareis no rei dos céus”, eis a essência da moral cristã que bem observada é universal.
Fazer a diferença
Fazer a diferença não e portanto, perder a identidade,somente o conceito idealista de auto identidade vê assim, por isto criamos um mundo da mesmice em que tudo é muito parecido, antes de ser um elemento da cultura foi um elemento do pensamento, o imperativo categórico kantiano: “age de tal forma que seja modelo para os outros”.
Depois a indústria cultural, os meios de comunicação em massa radio e televisão desenvolveram isto criaram padrões de beleza, de consumo e até de moral, a moral do estado antes de ser uma moral individual, é uma moral “coletiva” de valores e costumes, que não significam uma ética e uma identidade “sólida”, isto inclui o amor aos símbolos pátrios e valores patrimoniais.
Fazer a diferença significa sim ter uma identidade com princípio éticos e morais, que inclui crenças e até mesmo comportamento (ver post anterior), mas que admite o diálogo e os costumes culturais diferentes do nosso, para que possa indicar para os outros um comportamento e uma ação capaz de incluí-los e mostrar a dignidade humana e social assim influenciar culturalmente mostrando a “diferença” de valores verdadeiros e eternos que beneficiam a sociedade toda.
Verdadeiras culturas e filosofias devem incentivar isto, devem fazer a diferença não de modo a impor opiniões e costumes, mas de modo a que inclua o Outro, por isto jamais acompanha o ar superior, a arrogância e a ideia de que o diferente é errado, isto é maniqueísmo e nunca amor.
A ideia Bíblia que a cultura do Amor deveria fazer a diferença, isto é ser “sal e fermento”, traz junto a ideia de que para fazer a diferença é preciso pouco, mas o sal e o fermento não podem estar estragados pois o efeito sobre os alimentos não será notada.
A verdadeira cultura cristã estabelece em Mateus (Mt 5,13): “Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, como salgaremos? Ele não servirá para mais nada, senão para ser pisado pelos homens e para ser jogado fora.”.
A identidade como auto afirmação, como arrogância não é outra coisa senão sal insosso.
Identidade e fazer a diferença
Parecem contraditórios identidade e diferença, já colocamos nossa posição que o problema não é lógico, mas onto-lógico, isto relativo ao Ser, e na ontologia moderna a contradição é possível e então não-Ser também pode Ser, e isto dá origem ao Devir, rompendo barreiras estáticas.-
A capacidade e integridade do Ser significa que nos conhecemos como somos, entendemos nossa visão de mundo e as limitações que ela tem, mesmo a ciência mais avançada tem limites, o conhecimento absoluto é possível com um a verdadeira espiritualidade, onde está a alma.
Dizemos de maneira imprópria que onde está o coração, nossos anseios, desejos e projeções sobre o que somos, a maioria das enfermidades, em especial as psicológicas, vem destas projeções quando são falsas, irreais ou experiência reais que nos machucaram.
O não Ser significa que entendemos o que somos e estão preparados para não Ser, para receber o Outro, o diferente e a diversidade cultural e política do mundo, o radicalismo de defender a própria identidade e apegar-se em demasia a própria visão de mundo, já dissemos não é identidade, mas auto-identidade, muitos que criticam o individualismo cultuam a auto-identidade.
Não ser é a abertura ao outro ao diálogo, de onde surge o devir passa necessariamente por um não Ser, boa parte do extremismo do mundo atual, com péssimos reflexos na política é o exercício do culto da “identidade” coletivamente, falsos coletivos e falsos “nós” que são estruturas fechadas e autoritárias.
Dentro deste radicalismo existe uma semente do Outro, do acolhimento da diferença e da verdadeira espiritualidade, é preciso que esta identidade “exacerbada” se abra ao diferente, ou contraditório e principalmente modifique sua forma de “pensamento”, e sua “cultura” fechada.
Do pensamento surgem duas tendências o simplismo que reforça a autoidentidade e a complexidade, conforme propõe Edgar Morin, que facilita e amplia a visão de mundo e de Ser.
Ainda a identidade
A filosofia conceituou a questão da identidade usando apenas o princípio lógico, A deve ser A não podendo não ser não-A, mas a própria questão de “ser” tem fundamento metafísico e ontológico pois o que é ser A ou não ser, enquanto Ser esta identidade lógica é apenas auto-identidade.
Assim grupos culturais e religiosos que buscam a própria identidade só podem se definir como ser se estão em relação ao não-A, este segundo princípio é a diferença, mesmo Hegel afirma que é esta negatividade que pode permitir o que a reflexão ser A pode ter em si.
Heidegger após explicar este princípio da identidade lógica A = A, ao afirmar que “é cada A ele mesmo o mesmo; ela diz antes consigo mesmo é cada A ele mesmo o mesmo. Em cada identidade reside a relação ´com´, portanto, uma mediação uma ligação, uma síntese, a união numa unidade” (Heidegger, 2006, p. 39), expliquemos melhor usando o próprio Heidegger.
Ele expõe logo em seguida que na história ocidental, ao contrário do que se imagina e se diz, a identidade “aparece, através da história do pensamento ocidental com o caráter de unidade” (idem), e ela não é um “insípido vazio daquilo que, em si mesmo desprovido de relações, persiste na monótona uniformidade” (idem), ou seja, ela é diversa, existe e persiste a diferença.
Como então esta ideia de identidade do mesmo, do nós fechado em grupos, de falsa coletividade e diversidade persistiu, as razões são igualmente históricas, como afirma Heidegger: “somente a filosofia do idealismo especulativo, preparada por Leibniz e Kant, funda, através de Fichte, Schelling e Hegel, um lugar para a essência em si mesmo sintética de identidade” (ibidem, p. 39).
Assim, esclarece Heidegger: “permanece vedado ao pensamento representar a unidade da identidade como monótona uniformidade e abstrair da mediação que impera na Unidade” e conclui: “Onde tal acontece, a identidade é representada apenas abstratamente” (ibidem).
Isto é claro não fica sem uma negatividade ontológica, pois o ser vê-se obrigado a exigir a sua diferença, a sua negatividade e muitas vezes o faz de modo radicalmente contestador, porque há uma ausência de mediação, o que se faz em abstrato é falar do diverso, do diferente, mas no concreto ignora-o, expulsa-o assim que ele se manifesta como um Outro.
Heidegger, M. Que é isto – a filosofia – Identidade e diferença. RJ, Petropolis: Editora Vozes, 2006.
A crise cultural e espiritual
A modernidade dividiu em objetivismo e subjetivismo questões que no homem são inseparáveis, a primeira porque devemos ter relações concretas com os objetos mesmo aqueles que são intangíveis, o objeto de uma forma de pensamento é também subjetivo, assim como o que pensamos sobre um objeto concreto, sendo pensamento é subjetivo.
O problema fundamental é que toda forma de pensamento deve estabelecer claramente o que se pensa sobre aquele objeto e é aceito como um conhecimento estabelecido, uma episteme e não uma mera opinião (a doxa dos gegos) e o que é possível pensar de novo, eis o epicentro da crise atual.
Não se sabe ao certo o que é o pensamento estabelecido sobre determinado objeto, ou seja a tradição epistêmica sobre ele, e nem se sabe qual é de fato as novas possibilidades de pensar sobre ele, eis a crise de um modo geral, assim qualquer tentativa de dar um tom espiritual ou meditativo sobre um assunto, surge apenas como mera fuga da realidade e não tem nada de novo.
Mudar as bases do pensamento nem é atitude voluntária, vamos mudar porque não está bom, nem é atitude orto-doxa, criando uma palavra para o diálogo epistêmico devia ser uma orto-episteme, isto é uma relação com a tradição, mas que possibilite mudança, enfim o novo.
No aspecto espiritual isto significa conhecer o que se fez até hoje como religação e relação com aquilo que é além do natural, o sobre-natural e aquilo que a realidade contemporânea existe, uma relação concreta (erroneamente chamada de subjetiva, pois é espiritual) com as necessidades e o próprio pensamento contemporâneo com exigências de mudanças.
Não há nada de novo nem no pragmatismo realista nem na “fuga” espiritual, não produz nem ação nem contemplação verdadeiras.