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Consciência humana e senciência maquínica
Consciência envolve aspectos espirituais humanos (na filosofia idealista chamada de subjetividade) e aquela que faz o homem ter uma verdadeira ascese que eleva seu caráter, suas atitudes e sua moral numa escala progressiva de aprendizagem, onde é admitido o erro, mas corrigido de forma humana.
Senciência é o fato que temos percepção consciente de nossos sentimentos, é a capacidade dos seres (humanos, pois não acreditamos que uma máquina mesmo sofisticada possa ter esta ascese), e nos seres ela passa a sentir as sensações e sentimentos de forma consciente.
Na figura uma representação do século XVII, um dos primeiros estudos foi o matemático inglês Robert Fludd (1574–1637).
Quanto menos conseguimos ter consciência de nossos sentimentos, menos temos senciência e menos capacidade de entender nossos sentimentos, a tentativa de traduzir as sensações (os tipos de risos, alegrias, tristezas, etc. para a máquina), sempre estarão subjeitas a algoritmos, mesmo que muito sofisticados, e por isso chamo de senciência maquínica, já que a consciência maquínica está descrita de diversas formas, por diversos autores.
A verdadeira consciência humana é assim aquela que nos permite alcançar níveis de ascese de diversas formas: altruísmo, colocar-se no lugar do outro, viver uma vida justa e apreciar a justiça, enfim uma verdadeira espiritualidade que nos eleve como humanos, e também é aquela que está ao alcance dos que sofrem com injustiças e barbáries humanas.
Para os cristãos aquilo que nos faz alcançar uma verdadeira ascese está descrito nas chamadas bem-aventuranças (Mt 5,1-12) que fala dos pobres, dos aflitos, dos mansos, dos que tem forme e sede de justiça, dos que tem capacidade de perdoar e falaz com clareza do desejo da paz: “bem aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados de filhos de Deus”, assim em todos circunstâncias que se vive em dias sombrios é preciso promover a paz.
Os contornos de intolerância e violência, não só na guerra da Ucrânia, mas em quase todo o planeta deve preocupar os que defendem a paz.
Um ano de guerra e três de pandemia
Em 31 de dezembro de 2019, a organização Mundial da Saúde (OMS) era alertada sobre casos de pneumonia na cidade de Wuhan na China, no Brasil embora tivessem casos sem diagnóstico preciso, lembro de um caso que foi noticiado em Minas Gerais, somente no dia 11 de março quando a OMS caracterizou o quadro como “pandemia” iniciou um processo de combate no Brasil.
Faltam dados precisos, entretanto a OMS continua falando de avanço dos números e da variante Kraken (outra chamada Orthrus apareceu na Inglaterra, já sendo 1/5 dos novos casos) e a China tem tido recordes de infecções.
Aos que não lembram 11 de março de 2011 foi também a data de um tsunami que afetou a usina de Fukushima (na foto o tsunami em Minamisoma, Japão), só para lembram que tanto desastres naturais quanto os de uma guerra podem afetar os 447 reatores nucleares em operação em 30 países (segundo dados da WNA, Associação Nuclear Mundial), além dos armamentos nucleares que crescem em todo mundo.
Em reunião na base aérea militar Ramstein na Alemanha, assinaram apoio a Ucrânia os membros da EU, Canadá, Japão, EUA, e entre os países da América Latina assinaram Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai, o Brasil não assinou.
Já o pedido de envio de tanques Leopard, os mais avançados e fabricados na Alemanha não foram decididos, a Finlândia poderá enviar 200 unidades que possui deste tipo de veículo militar, na próxima reunião entrará em pauta o envio de caças de 4ª. Geração, a Rússia possui os poderosos MIG-31 com capacidade de ataque e interceptação de aeronaves em combate.
Os alertas deveriam estar seriamente discutidos por aqueles que dizem lutar pela vida e pela paz, o uso da retórica não funciona mais devido as mídias sociais, a todo momento mentiras de campanhas eleitorais e declarações populistas são confrontados com a realidade cada vez mais bélica.
Que caminho encontrar numa situação confusa
Tanto Zizek quanto Dalrymple avançam no diagnóstico de uma cultura ocidental em crise,debatem-se apenas com aquilo que foi destruído a secularização e a luta ideológica ocidental, rebatem qualquer possibilidade de um novo patamar moral e ético, mas fica a pergunta de Zizek: “Como podemos encontrar um caminho nessa situação confusa? “ (pg. 41), certamente não serão mais os modelos já testados e falimos gestados no centro da cultura europeia, apelar para Descartes (Darlymple no seu capítulo sobre o Relativismo e o problema epistemológico, “volte Descartes precisamos de você”) ou Hegel que ocupa papel central nas leituras de Zizek junto ao hegelianismo novo de “Marx” sobre o qual o próprio Zizek aponta contradições.
Culpam os valores morais do cristianismo ou do islamismo que pouco ou quase nada influenciam na sociedade europeia contemporânea, ainda que por causa da imigração hajam mais árabes ou cristãos vindo de países com menor desenvolvimento, serão sempre camadas inferiores e subalternas no pensamento europeu, não há espaço para o novo, ele tem que se parecer com as velhas teorias de desenvolvimento, cultura e moralidades europeias, o cenário de crise evolui para o de confronto e de ódio.
Em todos os tempos houveram minorias que apontaram saídas, o grupo de filósofos em torno de Platão não gozavam de grande prestígio, e como dizemos esta semana a cultura ocidental é apenas uma “nota de rodapé” da cultura clássica, Aristóteles ganhou notoriedade por ser tutor de Alexandre, mas é preciso dizer que ensinou a ele e seus companheiros não a arte da guerra, mas ensinamentos sobre medicina, filosofia, moral, religião lógica e arte, e deu-lhe uma cópia que Alexandre levava em suas campanhas de conquistas.
Um novo pensamento não será nada daquilo que já envelheceu, e ainda que deva ser lido e analisado, o novo brotará de veredas mal exploradas e esquecidas, de clareiras que poderão abrir novos polos de real humanismo em meio a cultura da guerra e do ódio, nela não pode haver esperança e tudo que se espera é uma crise civilizatória, cujas nuvens pesadas já se vê no horizonte.
Na leitura bíblica são lembradas sempre Jerusalém, Belém e Betânia onde Jesus descansava, porém Cafarnaum é o verdadeiro lugar onde Jesus deu seus primeiros passos na sua missão, perto dali estava a casa de Pedro e como era perto do Mar, na verdade a beira do lago de Genesaré, é lembrada como “caminho para o mar”, onde estão Zabulon e Nefatali, e foi a vereda por onde Jesus encontrou seus primeiros discípulos, sua pregação e seus milagres.
Cafarnaum é próxima de Zabulon e Neftali, dela disse o profeta Isaias: “Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galileia dos pagãos” (Mt 4,15), assim é provável que uma nova Cafarnaum não será nenhuma terra “religiosa” no sentido de dominação da cultura cristã ou islâmica, mas de um lugar escondido onde uma nova civilização irá despontar.
A espera de uma Cafarnaum moderna, ou de uma Atenas, onde brote uma nova concepção de cidadania, o início do livro “A República” de Platão é sobre o justo e o injusto e suas reputações na sociedade.
A redução da transcendência a subjetividade
A ideia de um pensamento absolutizante e único persegue a humanidade desde a antiguidade clássico, o Uno vai aparecer em quase todos textos, porem um conceito quase oculto vindo de Sócrates (claro através de “Toda a filosofia é apenas uma nota de rodapé a Platão e Aristóteles” frase de Alfred Whitehead, na verdade poder-se-ia estendê-la a Sócrates, alias o próprio Dalrymple não inclui Aristóteles (veja pg. 67).
Acontece porem que além do problema da tradução, poucos conhecem o grego, e toda tradução é uma traição, porque sabemos que a linguagem é expressão do Ser, e mesmo para a ciência sabemos que não há verdade formal e já postamos usando os textos de Darlymple, que há duas formas de relativismos: o abstrato e o empírico, assim apenas para entrar num novo textos, dependemos do pensamento embora nele também se encontrem dicotomias abstratas, como a da logica formal que vale para a matemática e a empírica que vale para ciências da natureza em geral e com certas restrições para as sociais também.
Assim podemos adentrar o texto de Slavoj Zizek sobre “O ano que pensamos perigosamente”, está falando de 2011 tanto nos diversos movimentos de ocupação (na Europa em Wall Street) e na primavera árabe, que depois os pensamentos absolutizantes trataram de reduzir a equívocos e ironias, porem havia algo novo e incomodo naqueles movimentos, e isto introduz bem o que pensa Zizek.
E sem duvida uma leitura mais a esquerda que Dalrymple, porem o interessante é ambos a busca de caminhos novos, o fato que retornamos ao socialismo bizantino e ao neoliberalismo pré-colonial indica que estamos andando em círculos, e alguns pensadores procuram o novo em meio ao populismo e a polarização.
Primeiro esclarecimento de Zizek importante para evitar leituras de rodapé é uma citação que faz de Hegel: “se a realidade não corresponde ao conceito, pior para a realidade” (Zizek, 2012, p. 10), para dizer que todo o pensamento a esquerda com filiação hegeliana, e isto inclui os marxistas ortodoxos, estão mais presos a teoria do pensam, e embora desejam ser herdeiros somente de Aristóteles que seria mais “realista”, há também em Platão a ideia do mundo sensível separado do mundo das ideias, mas cuidado, o eidos da antiguidade pouco ou nada tem a ver com o idealismo kantiano, numa palavra eidos em grego é imagem.
A divergência entre Platão e Aristóteles está na representação do real: em Platão a extromissão (a imagem projetada para dentro de nós e que converge para o mundo inteligível) enquanto em Aristóteles café a intromissão, onde a ideia provem do “mundo dos fenômenos contingentes” e que emitem copias de si mesmas para nosso interior, e são interpretadas por um saber inato ou adquirido.
Divergindo sobre esta concepção original sobre os princípios kantianos, aponta sua divergência com Frederic Jameson, e afirma que no pensamento de Marx tanto as dimensões objetivas quanto as subjetivas, não admitindo como ideológica as dimensões objetivas, “uma descrição desprovida de qualquer envolvimento subjetivo” (pg. 10), porem ambos não estão sujeitos a nenhuma forma de transcendência, o que Zizek discute com Kant e sobre o que considera “o espaço publico da ´sociedade civil mundial´ designa o paradoxo da singularidade universal, de um sujeito singular que, em uma espécie de curto-circuito, passa ao largo da mediação do particular e participa diretamente do Universal” (pg 11), assim como Kant e Hegel não se desvincula da dicotomia objetividade/subjetividade para chegar a transcendência realmente universal.
A ausência de uma ascese que reduz o homem ao meramente humano, ou para usar uma expressão filosófica “demasiadamente humana” livro de Nietzsche que abandona a transcendência, para tentar depois reencontra-la na filosofia oriental de Zaratrusta, caminho percorrido por muitos filósofos contemporâneos anteriores aos novos tipos de transcendência que já citamos de Theodore Dalrymple.
A analise de 2011 e suas revoltas são importantes para as analises que faz de Hard e Negri “Multidão” e a analise que faz das utopias de 2011 são importantes, senão as únicas, de sonhos adiados, desde a primavera de Praga, as revoltas de Paris, os movimentos dos hippies e de oposição a guerra do Vietnã dos anos de 1968, se as consequências politicas não foram as esperadas elas movimentaram o mundo cultural por anos, e acreditamos também podem movimentar as escassas ideias politicas e teorias universais sobre a paz entre os povos, com as primaveras de 2011, há uma carência de modelos de real emancipação, e o realismo tem a ver com ideias (eidos) e não são apenas opções “práticas” porque elas próprias tem seu ideário teórico, embora raramente examinado, Zizek o faz.
O retorno ao Eidos grego, que são o que produzimos como imagens sejam de dentro para fora (extromissão) ou de fora para dentro (intromissão) é importante para rever o ideário de nosso tempo, onde foi que ele se perdeu ou talvez encontrar o tesouro procurado.
ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente, trad. Rogerio Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.
A transcendência e a realidade
Dos sete capítulos “porque somos assim” do livro de Theodore Dalrymple, comecei pelo segundo no post anterior, porque ao meu ver, diferente da época que foi escrito o livro este tema é mais central que o da liberdade em conexão com a religião, que é para ele o primeiro tópico.
Falando da liberdade inicia discutindo o lema “é proibido proibir” e a ideia que a religião limita a liberdade humana, e que a vida sem transcendência religiosa (afirma que é a maioria dos europeus), é tudo que se tem, porém o fato “é que a maior parte das pessoas não teme somente a perspectiva da morte (o que os filósofos acreditam que não seja inteiramente irracional), mas também a própria vacuidade da morte” (Dalrymple, p. 89), mas num parágrafo anterior faz uma afirmação importante: “Para o bem ou para o mal, Deus está morto na Europa, e não vejo muita chance de um retorno, exceto no despertar de uma calamidade.” (pg. 89), longe de uma narrativa apocalíptica, em processo de crescimento, há sim algo de podre como diz o autor e dissemos na primeira postagem sobre o tema.
A ordem do dia é curtir a vida ao máximo, e isto quebra até mesmo muitas normas da convivência racional entre os humanos, a causa do meio ambiente chama muita atenção, a fome e a miséria um pouco, porém o que se sobressai é aquilo que é próprio deste discurso: o individualismo, porém tema não tocado pelo autor o foco em objetos e não nos sujeitos é consequência do dualismo objetividade x subjetividade.
Ao falar de uma transcendência pagã, aquela que anda em busca de “salvadores da raça humana” (pg 92), da transcendência das pequenas causas; “o nacionalismo, os direitos dos animais ou o feminismo” (pg. 93) cita o reaparecimento do nacionalismo escocês estimulado pelo filme Coração Valente, porém está presente em quase todo o mundo, agora na America Latina e, em especial, no Brasil e, também há a transcendência do antinacionalismo, como o projeto Europeu e quem sabe num futuro próximo, o da América Latina, e faz uma sentença importante, estamos “a necessidade e a imutabilidade dos Estado-nação” (pg. 97).
Faz a análise da artificialidade dos Estados-nação africanos, que desconsideravam os agregados étnicos sob uma única nação (pgs. 100-101), mas sem citar o grave problema do colonialismo.
Embora tenha citado o ditado funerário da Igreja da Inglaterra (já ouvi de ingleses ateus ou de outras religiões), a morte faz parte da vida, mas a sua própria discussão de transcendência está nos limites do kantismo (subjetividade x objetividade): “não me preocupa aqui discutir se essa perspectiva é filosoficamente justificável: se Deus existe, e caso Ele exista, se Ele está interessado em nossas ações e mais preocupado com nosso bem-estar do que Ele estaria com as ações e o bem-estar de uma formiga, por exemplo” (pg. 85), que revela um agnosticismo que acena para a religião, mas sem uma ascese ou ao menos uma sinceridade religiosa.
Embora discuta a secularização como um subitem, apontando a própria Igreja como culpada pelo repúdio que sofre, com os casos de “pedofilia”, “hipocrisia” e tantos outros pecados, que todos sabemos que não é específico de uma categoria religiosa, política ou nacional, está presente em toda a humanidade, e nas mesmas porcentagens, e se de fato boa parte opta pelo obscurantismo e anti-progresso, ele cita o caso da Irlanda, não foi menor a opressão inglesa e colonial nestes países cujas religiões ainda encontram público e alento.
Além da raiz no pensamento ocidental de isolamento entre sujeitos e objetos, que se unem por uma “transcendência” do conhecimento, tornando o próprio ato de conhecer uma transcendência, não admitem aquilo que é hoje discutido por inúmeros filósofos, pensadores e cientistas: há algo além do finalismo científico e humano da vida, já que a vida e o universo continuam ao infinito e independente da vontade humana, mesmo que o homem opte pelo fim de sua raça e civilização, por “sinceras” razões políticas ou sociais, o que é um contrassenso com o desejo de vida plena e felicidade.
Há muitas razões em diversos tipos de religiosidades, porém para os cristãos nada é mais significativo que o que proclamou João depois do batismo de Jesus no rio Jordão (Jo 1,34): “Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus”, e assim não falamos só de um Deus transcendente e distante, mas de sua presença na vida e na história humana, de modo objetivo e histórico, ainda que se deseje negar este fato histórico.
DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.
Sucesso e alegria
Anselm Grün começa este capítulo fazendo um contraponto, pois tanto o filósofo judeu alemão Martin Buber que disse “Sucesso não é um termo de Deus”, como o famoso psicólogo Carl Jung que dizia que o é o maior inimigo da transformação do ser humano é uma vida cheia de êxitos, o monge termina dizendo que “o sucesso faz parte da vida” e devemos nos alegrar com isto (Grün, 2014, p. 73).
Faz a ponderação que podemos sim “alegrar pelo momento”, uma alegria de gratidão, uma dádiva “gratuita, não um mérito, é algo que eu percebo e me alegra sabendo que acontece e passa” (Grún, 2014, p. 74).
Depois vai corrigir e dizer que a alegria está principalmente associada a criatividade, citando Aristóteles e Erich Fromm, “ficamos satisfeitos com o trabalho bem feito e quando percebemos que realizamos algo hoje” (pg. 75), e completa que os artistas são “grandes conhecedores desta alegria”.
Assim há diferença entre a Euforia e a verdadeira Alegria, o que se busca hoje nos shows, nas academias e nas clínicas de estética é um sucesso fugaz, passageiro, principalmente quando não se busca a saúde e o bem-estar daria até outro nome para esta alegria que permanece, chamaria de gaudio.
Também o reconhecimento é importante, mas ele não virá de poderosos, de gananciosos ou vaidosos, estes procuram holofotes e sucesso comprometido ou até mesmo comprado, não está envolto da verdadeira alegria porque surge de valores e verdades efêmeras e portanto, que passam, mas que as mentes e corações sábios sabem encontrar.
Na passagem bíblica o nascimento de Jesus, num local humilde de uma pequena cidade de Belém, e o reconhecimento primeiro por humildes pastores do campo e depois por “magos” vindos do oriente, uma clara alusão a povos distantes e de outras crenças, que anuncia uma verdadeira alegria, um júbilo e aquilo que deveríamos lembrar no Natal e no ano de que se inicia, isto que pode nos dar uma verdadeira alegria.
Diz a leitura que os pastores ouviram cantos de alegria cantado por anjos nesta data, que em muitos países (como a Rússia) é um dia comemorado, por entenderem que algo muito especial aconteceu: Emana-uel (Deus conosco).
GRÜN, Alselm. Viver com Alegria. RJ, Petrópolis: Vozes, 2014.
Obstáculos da alegria
Certamente o oposto da alegria é a tristeza, mas o problema não é a certeza de que teremos muitas dificuldades e tristezas na vida, o problema está em não saber como tratá-la.
Diversos psicólogos indicam que o problema da educação familiar atual é não deixar que os filhos ou parentes ou mesmo agregados que compõe o círculo familiar contemporâneo aprendam a lidar com a perda, os obstáculos e as tristezas da vida, lembro de meu pai que no leito de morte perguntava por um filho que ainda não tinha vindo vê-lo, só depois partiu em paz.
No livro de Anselm Grün ele indica a leitura de “João Felizardo” (Hans im Glünck) dos Contos de Grimm (Cinderela, O pequeno polegar, João e Maria, etc.) onde o personagem expressa que não precisa do ouro, da força e nem mesmo do sucesso do trabalho, ao perder as pedras que amolava tesouras num poço, a ultima coisa que lhe restava, pula de alegria e agradece a Deus pela graça de livrar-se daquelas pedras.
Meu segundo livro de propósito anual “A nova síndrome de Vicky” de Theodore Dalrymple, que fala do barbarismo europeu, aponta também um fundo cultural da infelicidade, agora social, em leitura que faz em sites de encontros, eles surgiram porque as pessoas estão presas em universos pequenos embora estejam em multidões nos shows, festas e baladas noturnas (vejam que não é específico do virtual, como indicam alguns autores), vão procurar afoitamente em sites de relacionamentos uma saída para a ilusão.
Entre vários ensaios, o autor cita dois casos de muçulmanos, um homem e uma mulher que ao descrever o tipo de pessoas que são, diz assim o rapaz: “sou um sujeito distraído e relaxado. Sou bastante sarcástico e tenho um grande senso de humor. Às vezes sou uma criança, mas sei quando tenho que ser sério. Acredito que temos nossos altos e baixos, mas devemos tentar ver o melhor das pessoas … Gosto de pegar meu carro e sair … Acompanhar as mudanças do mundo. Gosto de comer fora, de pegar um cinema, de boliche, sinuca e críquete” (Dalrymple, p. 42), diz-se tentar ser um muçulmano, “tentando se tornar um cinco ao dia” (os muçulmanos rezam 5 vezes ao dia), segundo o autor no Reino Unido muitos se declaram religiosos, ainda é um sinônimo de confiabilidade.
Outro caso que cita, já na página seguinte é de uma muçulmana, que diz no site: “Oi, gente, sou uma mulher que gosta de se divertir, tenho os pés no chão e não julgo as pessoas”, como se de antemão já se desculpasse da postura de alguns muçulmanos de julgar as pessoas (“os infiéis”), porém o que o autor quer apontar é que todos querem se desculpar de algo, estão tentando algo e poucas vezes se definem, o fato de serem muçulmanos é apenas um exemplo, poderia ser de qualquer outra religião, ou no caso da polarização política, de qualquer ideologia.
O tema do médico e psicólogo Anthony Daniels (Dalrymple é um pseudônimo) é o mal estar da cultura e adesão dos intelectuais a um certo tipo de barbarismo, que faremos alguns apontamentos na próxima semana, porém ligo aqui o tema da alegria, que deve ser e só pode ser neste momento da história algo interior, uma vez que exteriormente reina uma crise civilizatória e procuramos explicar suas razões e fundamentos.
É possível em meio a crise individual ou social, encontrar razões e motivos para manter a alegria e ajudar a humanidade a encontrar caminhos que levem a verdade e a felicidade.
DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky – porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2016.
A natureza da alegria
Este é o nome do segundo capítulo do livro “viva com Alegria” de Anselm Grün, a ideia de algo físico (a natureza) da alegria parecia algo estranho, porém já de início o autor cita Aristóteles, que vê na alegria a vida plena, como “uma energia que impulsiona e desperta vida nas pessoas”, e assim “quem sente alegria interior naquilo que faz, este obtém, no trabalho, a alegria da vida” (pag. 15).
Assim ele retira o alvéolo puramente espiritual para encarná-la “ela é a expressão de uma vida na qual lidamos com as dificuldades que surgem e desenvolvemos todas as capacidades que Deus nos deu” (pg. 16).
Cita a psicóloga Verena Kast que ela a define como uma “emoção elevada”, textualmente “nos anima, nos estimula, nos proporciona uma certa leveza, e também gera união entre as pessoas” (pgs. 16-17).
A psicóloga Verena observou isto em muitas terapias, e nela encontrei uma visão definitiva da natureza, segundo Verena a condição decisiva para alegria é “estarmos absorvidos num ato, numa atividade, num momento” (pg. 17).
Depois de desenvolver o estado de alegria, como algo que “nem nos damos conta”, ela observa que a alegria tem um poder curativo: “a questão é saber por que tendemos a prestar mais atenção nas tristezas do que `as alegrias que temos” (pag. 18), e aponta que um dos fatores pode ser o excesso de atenção dado pelos pais quando crianças, assim nos entristecemos para que “obtenhamos atenção”.
Por ultimo lembra que é saudável e sensato assumir atitudes positivas, tanto recordando as alegrias passadas como obtendo-a em nossa vida aqui e agora.
Rir até mesmo de situações adversas não é alienação, é obter energia para uma ação proativa.
GRÜN, Anselm. Viver com alegria. trad. Luiz de Lucca. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
Alegria em tempos difíceis
Parece um contrassenso ter alegria em tempos difíceis, muitos tem dificuldade, a Pandemia deprimiu e a conjuntura mundial não ajuda, não se trata nem de alienação muito menos de ironia, trata-se de espiritualidade.
Indicamos o livro do monge alemão Anselm Grün: Viver com Alegria (Vozes, 2014) ele indica na introdução suas intenções: “Meu objetivo é chamar a atenção de vocês em muitas situações que podemos nos alegrar” (pg. 9) … “estou falando é de entrarmos em contato com a alegria que todos temos no fundo da alma” (pg. 9).]
Esclarece que muita gente acha que há poucos motivos na vida para se alegrar: “assim tendem a lamentar a si mesmo e à própria vida, na qual não veem razão para se alegrarem” (idem).
Ele é convencido que esta postura negativista escondei um grande anseio e esclarece aquilo que também foi motivo de escolha deste livro: “na conjuntura em que se vivem, há mais motivos para tristeza” (pg. 10), embora fale de uma conjuntura pessoal é possível estendê-la para o social.
Assim convida a observar “a vida sob uma luz diferente”, no meu caso que operei as duas vistas, trocar de óculos, não para enxergar apenas com mais profundidade, mas sob a ótica de outros valores e motivações.
Diz na introdução que é uma decisão: “escolher conscientemente a alegria ou a lástima frente ás dificuldades”, ela não elimina os aspectos negativos da vida, mas evita ficar tateando no escuro, cria-se uma luz.
Mesmo um pequeno feixe de luz já é o suficiente para eliminar o breu total.
GRÜN, Anselm. Viver com alegria. trad. Luiz de Lucca. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
Ira e poder
Toda literatura ocidental contemporânea desemboca na leitura de duas coisas que aparentemente não são opostas, mas se opõe frontalmente: amor e poder.
A violência é tema comum desde que o homem é homem, o confronto visava inicialmente como os animais o domínio de um território, a demarcação de países, nem sempre significa nação e sua cultura, é imposta pelo poder dominador, assim nasceu os primeiros impérios babilônico, persa, romano sua etapa de decadência, as monarquias medievais, o império mongol e depois o turco-otomano.
Desde as discussões de Thomas Hobbes, David Hume e John Locke, e Jean Jacques Rousseau, os chamados contratualistas, que divergiam sobre a origem violenta do homem: o homem é mau, o homem é bom e é a sociedade que o corrompe e o homem natural é bom, o chamado bom selvagem, o certo é que o estado moderno, diferente da polis grega, é aquele que tem direito a violência.
Na República de Platão não era assim, a ideia desta escola filosófica era educar o homem para ser político, deveria ter sabedoria e virtudes (aretê), sendo a sabedoria a maior das virtudes, porém é preciso lembrar a polaridade entre Athenas, cidade dos sábios e Esparta, cidade dos guerreiros, assim a ideia da violência permanecia no cotidiano, e Aristóteles não só caminha nesta direção como se torna preceptor de Alexandre, o grande, imperador da Macedônia.
Assim a Ideia de Platão permanecia influente na Grécia, e a tentativa de aliança entre gregos e macedônicos para derrotar o império persa não aconteceu, mesmo assim o império se estende por toda Asia Menor chegando a Índia, mas não a conquista, sem herdeiros e com disputas entre seus generais o império se divide e enfraquece, logo no período seguinte o Império Romano começa a se formar.
A violência moderna antes das guerras concentrou-se na divisão dos reinados, com a reforma protestante e também a anglicana no Reino Unido, até estabelecer-se a Paz de Vestefália.
A grande teoria sobre o Estado moderno e o poder será elaborada por Hegel, ela é dominante hoje independente de posições ideológicas, afinal Karl Marx era também hegeliano (novos, com ele se denominava), porém é o estado moderno o detentor do poder para causar a Paz, a Pax Eterna como pretendia Kant, mas que resultou em duas guerras e estamos a beira de uma terceira, que esperamos não aconteça.
Porém olhando a literatura atual, boa parte dela trata do barbarismo, os dois livros que indiquei e lerei no próximo ano vão nesta direção, embora com tendências políticas opostas, Zizek e Dalrymple se debruçaram sobre o tema, mas há muitos outros: “Ira e tempo” de Peter Sloterdijk, “Violência” de Slavov Zizek e “Comunicação não violenta” de Marshall Rosemberg entre outros.
De Byung Chul Han lembro a citação do seu livro No enxame, que analise a violência das novas mídias, onde afirma que só o respeito é simétrico, ou seja, os dois lados são não violentos.
O romance/ficção de Gabriel Garcia Márquez “O amor nos tempos do cólera” ele arriscou um happy end, diferente de outros livros ele quis tornar a felicidade possível, criar uma espécie de fábula moderna ou uma esperança desesperada, onde “uma utopia de vida, onde o amor de fato seja verdadeiro e a felicidade possível” (Márquez, 2005).
Márquez, Gabriel Garcia. O amor nos tempos do cólera. Rio de Janeiro, Record, 2005.