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A virtude política, educacional e moral
As três fases distintas da polis grega podem ser simplificadas na areté política praticada pelos sofistas e que justificavam apenas a capacidade retórica (algo próximo as narrativas de hoje), a areté educacional, o ideal platônico que significa uma boa relação entre a natureza e a educação, porém aqui nos interessa a areté moral, a superação entre os antagonismos da paixão e a razão.
Cedemos as paixões, assim a política é uma espécie de torcida, as paixões estão todas liberadas e assim não há contraposição a impulsos contraditórios da alma, e estas formas existiam já no período clássico, porém acreditava-se na sua “domesticação” usando um termo de Sloterdijk.
O projeto de domesticação falhou, a constatação de Sloterdijk que é bem anterior a pandemia e a guerra, já se fazia presente e escandalizou os filósofos que logo o refutaram sob acusações graves.
Não há espaço mais para a virtude moral, até mesmo o roubo e a violência verbal e “simbólica” já parecem liberadas, combate-se ao contrário qualquer tentativa de construir uma moral sólida.
Assim não se trata da guerra que é o ápice desta barbárie moral, matar tem justificativas por mais insano que isto pareça, tem torcidas e tem até os fatalistas que dizem que era inevitável, no limite, esperamos que não digam a erosão civilizatória seja também inevitável, afinal defender a vida é o último apelo moral que nos resta e até mesmo ele pareceu em crise com a pandemia.
A moralidade pública, uso dos bens públicos como serviço a comunidade, a moralidade social, uso da empatia e da tolerância como formas de diálogo e relacionamento público, direto a oposição e ao contraditório, são todos princípios morais que parecem estar em recesso.
Quais são de fato as propostas de sociabilidade, de representatividade e de política postas a mesa, apenas a negação de valores morais, o descaso com a coisa pública e uma defesa vaga do que de fato são os bens públicos e os interesses da população mais fragilizada no limite da seguridade.
Os discursos de gabinete estão dissociados da realidade, a demagogia e o populismo são os grandes instrumentos de propaganda política, a seriedade do que é proposto não cede ao mínimo exame da realidade dos fatos, e falar de fake News deve-se dirigir a praticamente todos.
A campanha apenas se inicia e do não-diálogo presente nos discursos só nos restas pensar que a moral sucumbiu ao moralismo mentiroso e ao populismo falacioso.
A amizade e a espiritualidade
A filosofia idealista coloca amgio e amizade em uma relaçãofilosófica ideal, Aristoteles no entanto adverte: “o amigo se faz rapidamente, já a amizade [e um fruto que amadurece lentamente”, o mesmo pode-se dizer da espiritualidade, reconhcer que temos uma parte espiritual e que ela é em parte humana, exige um exercício de espiritualidade.
Foi Sloterdijk, um dos grandes pensadores da Alemanha atual, que alertou que vivemos numa “sociedade de exercícios”, porém alerta que ela é desespiritualizada.
A alta espiritualidade antes de atingir o divino, deve passar por etapas anteriores na relação com o Outro, aquele que não é espelho, que não tem os mesmos valores que nós e esta relação pode evoluir ou obstruir, sendo mais difícil quando há uma obstrução manter uma relação de respeito e de cordialidade, pois a amizade e o amor ficam mais distantes.
É possível amar quem a tudo obstrui, sim é possível primeiro manter o respeito, depois separar aquilo que são valores e exercícios reais de espiritualidade e o que é só interesse.
Neste ponto a amizade tem uma relação muito próxima ao espiritual, pode-se dizer que há além da amizade, a reciprocidade, um fluxo contínuo de relação entre pessoas boas, aquilo que Aristóteles definiu como amizade verdadeira, ela só existe entre homens bons (e justos).
Somente com homens bons a sociedade se salva, diz uma curiosa passagem bíblica sobre Sodoma (Gn 18,20-32) na qual Abraão pergunta a Deus se com um número pequeno de homens justos a sociedade se salvaria, e vai reduzindo o número porque sabe que alí há poucos.
Não há sociedade justa sem homens justos, não há amigos sem exercícios de amizade, e só a partir de uma verdadeira reciprocidade uma amizade pode chegar ao nível do espiritual.
Para quem crè diz o versículo bíblico, explica o mestre diante desta questão (Lc 1,5-8): “Se um de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: ‘Amigo, empresta-me três pães, 6porque um amigo meu chegou de viagem e nada tenho para lhe oferecer’, e se o outro responder lá de dentro: ‘Não me incomodes! Já tranquei a porta, e meus filhos e eu já estamos deitados; não me posso levantar para te dar os pães’; 8eu vos declaro: mesmo que o outro não se levante para dá-los porque é seu amigo, vai levantar-se ao menos por causa da impertinência dele e lhe dará quanto for necessário”.
Se alguém quer atingir a reciprocidade deve dar passos em respeito e amizade primeiro e o nível mais alto de espiritualidade é respeitar e amar os inimigos.
Os conceitos idealistas da amizade
Postamos que se trata de um exercício de retórica, porém como qualquer filosofia há uma origem seminal de determinado pensamento, Nietzsche parte da metafísica platônica afirmando que o jogo entre amigos da filosofia possuia um vício de concepção que seria a vontade da verdade, ora foi justamente ela que há uma crítica aos sofistas a relativizam.
Partindo deste princípio Nietzsche vai afirmar que o filósofo deve praticar certa “arte da desconfiança”, sendo o seu principal instrumento o martelo (Niettzsche em “Alem do bem e do mal”).
Deleuze afirma que Foucault teria declarado que “Heidegger sempre o fascinou, mas que somente podia compreendê-lo por meio de Nietzsche, com Nietzsche (e não o inverso)” (Deleuze, 1986, p. 120-121) e ainda que “seguramente, ao lado de Heidegger, mas de uma maneira totalmente diversa, aquele que mais profundamente renovou a imagem do pensamento” (Deleuze, 1990, p. 130-131).
Voltando a questão inicial que é a amizade verdadeira, afinal se é ela e não outra coisa que permite fazer uma ampla relação entre os diversos conceitos de amigos na filosofia, sendo ela própria por definição (filo-amigo) sofia (sabedoria).
É assim que Deleuze e Guattari desenvolvem a questão da amizade, considerando os diversos pensadores, o amigo é para ele sendo mais textuais é um “traço de personagem conceitual” que tem a ver com “personagens psicossociais” (Deleuze, Guattari, 1991, p.68)
Conforme dissemos é um esvaziamento do conceito de amigo, transformado em um objeto de reflexão subjetiva, por isto dizemos que são conceitos idealistas, mesmo abordando autores claramente não idealistas como Heidegger e Nietzsche.
Voltamos ao conceito aristotélico que diferencia a amizade por prazer ou por utilidade, da amizade verdadeira e portanto a questão da verdade é essencial, e mesmo Platão a considerou, embora divida o mundo das ideias (eidos para os gregos) e mundo sensível.
Também o conceito de próximo (aquele que está dentro de um afeto amplo de amizade) e o sócio (aquele ao qual nos associamos por determinada felicidade), conceitos de Paul Ricoeur são pontos a nosso ver essenciais para a reflexão sobre amizade.
DELEUZE, Gilles. Pourparlers Paris: Minuit, 1990.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est-ce que la philosophie? Paris: Minuit, 1991.
A amizade e conceitos
Já postamos e exploramos os conceitos de amizade em Aristóteles por prazer, por interesse e as amizades verdadeiras, também destacamos a diferença entre o sócio e o próximo (o texto de Paul Ricoeur) onde no primeiro caso há apenas interesse e uma vez terminado a amizade se encerra ou diminue.
O que queremos explorar um pouco agora é o que significa num mundo individualista onde o interesse impera qual é o conceito de migo e da amizade.
Numa outra perspectiva, na qual Deleuze e Guattari chegam a dizer que o amigo e a amizade são preocupações “ausentes” no pensamento filosófico, e fala como uma rara exceção o livro “A amizade de Maurice Blachot”, porém já há na base deste discurso uma clara distinção entre amigo e amizade.
Assim o filósfo é “amigo” da sabedoria (philos- amigo e sophia- sabedoria), porém há uma obrigação compulsória devido a “amizade” ser objeto desta relação, e assim só estes amigos poderiam participar da amizade, ou seja, há uma exigência de sabedoria.
A base deste conceito está no “olhar” de uma pretenso “sábio”, assim são conceitos dentro de cada um, são os olhos ou olhar de cada um sobre outra pessoa, mas este olhar é uma sensação que não vem dos olhos dos sentidos ou dos sentimentos pessoais, assim são um olhar de ninguém, uma exigência de observação, um selfie que deve ser visto por outro.
Mas como se pode ser amigo não sendo ninguém? Esta indagação faz mais sentido quando se trata de uma dimensão num plano altamente diferenciável, e assim pode ser vista em determinados contextos históricos, políticos e até religiosos, onde cada pensador é tomado individualmente como sendo portador de um “olhar” de sábio, ou de pretensa sabedoria.
Pode-se ilustar com o próprio Guattari e Deleuze, e assim podemos dividir a amizade em conceitos de contextos diferentes: a grega, a nietzscheana, a heideggeriana e a foucaultiana.
Tal indagação visa a explorar o território da amizade como conceito, pois se, como afirmávamos, trata-se de uma dimensão ou plano altamente diferenciável, então, pode-se detectá-la em certos períodos históricos ou mesmo em cada pensador tomado individualmente. Procuraremos, em seguida, definir e ilustrar, a partir dos elementos que acabamos de emprestar a Deleuze e Guattari, de modo apropriado à extensão do presente artigo, quatro tipos de amizade do conceito, a grega, a nietzscheana, a heideggeriana e a foucaultiana, mas é só um exercício retórico.
Pode valer a pena como exercício de pensamento, a amizade é simples e pode haver e há, entre pessoas simples e de pouca cultura livresca, e pode não haver entre “cultos”.
Arrisco dizer que há mais amizade verdadeira entre pessoas simples, que o diga Heidegger em seu Caminho da Floresta no qual convive com pessoas muito simples.
O ser, a clareira e o necessário
Somente através da linguagem possuimos uma habitação do ser, estando nela podemos ter acesso a clareira, e desdobrando-se neste ser-aí tomamos conta de nossas ex-sistência, e assim a clareira é o mundo e está no mundo, nesta verdade acreditou Heidegger e foi atrav+es dela que escreveu Cartas para o Humanismo, que recebeu a resposta de Sloterdijk que afirma que a clareira não seria o habitat e muito menos o que hoje chamamos de ambiente ou de “casa”, porque estamos em ruptura com a natureza, enquanto Heidegger considera o Ser humano pastor do ser, Sloterdijk afirma que sua tarefa +e saber guardar o Ser, ambos não eram religiosos, Heidegger o foi por um período, mas abandonou.
Muito antes da pandemia, Sloterdijk cria o termo co-imunidade, em alusão a tarefa de cuidar do ser “enfermo” aqui num sentido amplo que inclui o social, e tal tarefa emprega- se no ser, escolhendo-a livremente e impregnaodo-se dela ou não, assim independe da linguagem a qual é meio, enquanto o homem vive uma vida de exercícios, quase sempre vazios, ou com o termo que usava fazendo uma ascese (ascensão pelos exercícios) desespiritualizada, ou seja, sem cuidar-se como enfermo, mas aderindo a enfermidade.
Assim vivemos uma vida voltada a ação, à performance, a um conjunto de exercícios para auto-explorar-se, pena que Byung Chul Han foca excessivamente nas mídias sociais, elas também são meios enquanto linguagens, porém o consumismo, o ativismo e a busca de um ser ativo encontra apenas uma falsa ascese, mesmo que religiosa, pouco profunda porque não cuida do enfermo.
Para ambos, Heidegger e Sloterdijk, não se trata da alma, nem da elevação divina do homem, vê-se apenas o processo civilizatório, porém para os cristãos que entendem o quão profundo e importante é uma verdadeira ascese pessoal, trata-se da alma e da vida eterna.
A passagem bíblica que mais reflete isto, é aquela que nos recorda o que é essencial, diria até que só uma coisa é necessária, ouvir a voz do alto, da plena vida e da verdadeira luz da clareira, Lucas 10, 38-42, na qual Jesus visita a casa de Marta, “certa mulher” e Maria sua irmã, diz a leitura portanto não se tratam das mulheres conhecidas, como dizem alguns exegetas.
Marta está ocupada com os afazeres, certamente prepara algo para o mestre, e Marta se senta aos seus pés para ouvir o senhor, e Marta fica brava com a irmã que não a ajuda.
Mas o mestre a repreende e diz (Lc 10,41-42): “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”.
Só uma coisa é necessária, não se trata de alienação e sim da clareira da qual afastamo-nos.
Pré-ocupação: entre a ocultação e o mistério
Conforme desenvolvemos os temas da semana passada, a clareira é a morada do Ser, de modo geral e dentro de determinados contextos: “o que está oculto dentro do todo, e de onde deve emergir o Ser” que elaboramos ali, isto é o que encanta as primeiras imagens do observatório James Webb, dentro do contexto do universo, olhar para grandes mistérios e fenômenos ali.
Sair da ocupação e entrar no mistério é assim deste modo uma expansão do Ser, quando descobrimos um mundo novo no final da idade média, também um conjunto de descobertas em torno da ciência foram sendo iluminadas e também elas foram início de uma clareira, porém o vínculo estreito ao subjetivismo, o trajeto de um objetivismo materialista voltara a ocultar.
Pré-ocupação, significa aquilo que ocupa a nossa mente e por consequência nosso ato, se desenvolve na roda-viva da modernidade em uma “sociedade do cansaço”, onde a pré-ocupação leva ao mesmo tempo a um esgotamento mental e social, e uma falta de contemplação, ou seja, nossa incapacidade de “admirar e pensar sobre alguma coisa” num estado contemplativo.
Assim só é possível sair da pré-ocupação por um processo de clareira do Ser, um mergulho no mistério, uma capacidade de “colocar entre parêntesis” nossos pensamentos e atos (o método do epoché fenomenológico), e assim voltar a “respirar” e sair da toxidade do mundo moderno, não deixamos de analisar e observar os graves fatos da contemporaneidade.
Assim a ocultação, a mitificação ou falsa “mistificação” da realidade é oposta à clareira, e muito diferente do ocultismo, o exemplo das imagens e estudos do James Webb são uma clara visão deste mergulho no mistério, onde sempre podemos encontrar novidades e novos enigmas.
A pré-ocupação é a mesmice do mundo contemporâneo, falsos problemas e problemas verdadeiros ocultos em discursos e modos viciados de enxergar a realidade, como alguém com dificuldade de visão e que não se sujeita ao uso de óculos para clarificar a realidade.
Contemplar é um ato complementar com a vida ativa, e só ela permite uma unidade do Ser, onde mesmo sobre momentos sombrios há luz e serenidade.
Consciência, verdade e clareira
Pode-se classificar consciência de diversas maneiras, porém ela distante do todo ao qual pertence o ente (identificado como realidade material na modernidade) ela esquece o ser, assim permanece oculto o que de fato é consciência e fica mais próxima da senticiência a qual se referem as a inteligência artificial e que poderia ser chamada de consciência maquínica.
A clareira que emerge do ser, já foi postado neste blog aqui, é aquela que está contida no contexto de um todo, e dela emerge o ser, e esta crítica pode ser estendida a toda modernidade, onde há uma fragmentação e tudo se refere a parte, muitas vezes até oposta ao todo ao qual pertence o ente, e dele emerge a questão do ser, conforme pretendia Heidegger.
Este todo é também reivindicado por Edgar Morin, que completa no dia de hoje 101 anos, e junto do Lima de Freitas e Barsarab Nicolescu escreverem na “Carta da Transdisciplinaridade” de Arrábida (1994) como “a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva a ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis” (Arrábida, 1994).
Este tipo de consciência formal leva também uma noção não só de saber, mas também de cultura e até de religião a um desvio longe da clareira do Ser e sujeito a regras e preceitos formais, de Lei e saber em uma lógica aparentemente rigorosa, mas desumana e que oculta o Ser.
Na cultura significa limitar a concepção a um tipo particular de cultura, de uma única cosmovisão, que é válida, mas que não pode ser imposta a outras visões de mundo em especial, às originárias.
Aos cristãos a passagem bíblica que esclarece esta falsa consciência é a que Jesus é questionado por um mestre da Lei, especialistas em consciência formal, pergunta ao mestre o que precisa fazer para conquistar o reino divino, e Jesus diz numa linguagem moderna respeita o Outro e admite o Ser Divino por excelência, aquele que está é o Todo em uma cosmovisão monoteísta (Deus).
Porém a parábola do Bom Samaritano é dita logo em seguida e torna clara a consciência formal, diz a parábola que um homem foi assaltado e maltratado por assaltando e ficou a beira do caminho, passou um sacerdote e um levita (tribo de onde saiam religiosos daquele tempo) e se desviaram do problema, passou um samaritano (que era um povo sem religião e que não gostava dos judeus) e ofereceu ajuda, colocou óleo e vinho nas feridas, colocou em seu animal e levou-o a uma pensão pagando sua estadia e caso se prolongasse pagaria na volta.
Somente o samaritano teve uma atitude de consciência verdadeira com o homem, então Jesus disse aos que perguntavam como conquistar o reino divino “Vai e faze a mesma coisa” (Mt 10,37).
Em tempos de crise: onde está a clareira
O homem sonha com a viagem a “vizinhança” da Terra que é a ida de homem a Marte, James Webb entrará em operação em julho olhando para os confins do universo, porém a realidade mais próxima dentro do planeta é o anuncio de uma provável recessão, mesmo que a guerra cesse.
Então o que acontece diante de nossos olhos, como é possível encontrar a clareira neste meio?
Nas conclusões da reunião do Fórum Mundial realizado em maio em Davos, disse Jane Fraser, CEO do Citigroup, um dos maiores bancos do mundo: “A Europa está bem no meio das tempestades” e ao contrário do que se imaginava, ainda que a Rússia enfrente problemas, a recessão será mundial.
Muito antes da crise atual Edgar Morin e Patrick Viveret escreveram “Como viver em tempo de crise ?”, a resposta estava em buscar mais solidariedade e compreensão parecia não antever uma pandemia e uma guerra, também Peter Sloterdijk ao escrever Se a Europa Despertar, olhava para a Europa dilacerada do pós-guerra de 1945 como uma metáfora da modernidade, ainda que previa uma derrapada violenta da política americana, porém talvez também não imaginasse uma guerra.
A resposta de todos que vão na manada ou no enxame (termo usado por Byung-Chul Han) para os comportamentos midiáticos de nosso tempo, seria vamos a guerra também, enfim as armas, pode parecer óbvio, mas não para aqueles que procuram a razão ex-sistencial de nossa vivência.
Não há fuga da realidade, muito menos alienação, é justamente seu oposto, encontrar dentro do real a verdade daquilo que é o Ser, seu designo e realização, dentro do hoje, único contato com o tempo eterno, já que o ontem não existe mais e o futuro é agora ainda mais incerto, não o Ser.
Onde estaria uma ascese com espiritualidade, onde olharíamos para o nosso passo planetário, e como olharíamos para o infinito através do olho do telescópio James Webb, com um olhar cético, de possibilidades de fuga ou como quão grande (e misterioso) o universo se revela diante da faísca terrena?
Tempos de refúgios, mas ainda mais especialmente de refúgios da alma, dentro daquilo que é o mais essencial do Ser, ao qual as filosofias, ideologias e mesmo a maioria das religiões não respondem, parecem todos dizer a mesmice do salve-se quem puder, tudo é permitido e guerra.
Quem são os seres mais próximos a sua volta? Onde está seu coração e sua alma diante de ameaças tão reais? Um sentimento de proteção ou abandono? enfim onde está a clareira ?
Não respondemos senão diante da “verdade”, aquela dita ao espelho e não às plateias e lives, só respondem aqueles que encontram a essência do Ser, cada vez há menos fugas possíveis.
Aos que creem é preciso responder a pergunta de Jesus aos seus discípulos mais próximos, aos que viviam ao lado dele e dividiam tudo, a comida, as preocupações e andanças, “quem dizem os homens que eu sou?” e foi Pedro que respondeu Mt 16,16: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”, e Jesus lhe promete as “chaves” do céu, não só como o eterno, mas também “a verdade”.
Popularmente no Brasil comemoramos São João e Santo Antônio com Festas, Pedro nem tanto.
O ser entre da pausa e do caminho
Duas frases de Heidegger refletem bem suas questões essenciais que fazem mais sentido em momentos de crise profunda: “Devemos levantar novamente a questão do sentido do ser” e “O ser humano é um ente ontologicamente privilegiado porque em seu existir está em jogo o seu próprio ser.” (em ‘Ser e tempo’), então o caminho deve-se partir de uma pausa contemplativa.
A pauta é momento também de abertura do ser e de um epoché sobre o significa de existir, com os outros homens, dentro de um contexto histórico e solidário com a natureza que é a “casa” onde habita, enquanto a linguagem é a morada do Ser.
Isto exige um deserto, uma mudança de mentalidade, sair da Sociedade do Cansaço, enfrentar a dor e os riscos de uma pandemia com outra visão (Byung Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa) e por último encontrar a paz dentro de um novo caminho, rompendo com as estruturas do mal.
Só quem passou pelo deserto, pelo “vale das sombras”, que agora não é exclusivo de um único Ser e sim são sombras sobre o processo civilizatório em todo o mundo, incluindo a possibilidade da guerra, da fome e uma pandemia interminável se não mudamos a postura.
A história bíblica conta João Batista que foi para o deserto e anunciava um novo tempo, que os cristãos comemoram estes dias seu nascimento, Jesus também foi para o deserto onde foi tentado e vivenciou a fome sendo alimentado por “anjos”, e a humanidade como atravessará seu deserto
Para seguir o caminho é necessário passar por estas questões, responder a estas perguntas, como diz a passagem bíblica em (Lc 9, 20), Jesus depois de ser rejeitado na Samaria e impedir que os apóstolos entrassem em conflito com aquele povo, diz ao ter um discípulo que queria enterrar o pai: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos, mas tu, vai anunciar o reino de Deus”.
Isto significa que não devemos olhar para o que está morrendo, mas para o que está nascendo em meio ao deserto, porque é daí que se inicia um novo caminho.
O Ser e o Imperecível
Foi Justino Santo e Mártir cristão do século II, que encontrando-se com um Ancião, que está no seu livro diálogo com Trifão, que ele entendeu que era desejo de Deus que a alma fosse imortal e isto a separava do platonismo, caminho filosófico que havia percorrido depois dos estóicos.
Justino é o primeiro no cristianismo a tratar os problemas da filosofia num caminho contemplativo e filosófico, sua obra não foi sistemática (Apologia I e II), mas fundamental para um percurso filosófico do pensamento cristão, e influenciou muitos pensadores da patrística dos primeiros tempos cristãos.
Por sua fé cristã, Justino foi denunciado e morto decapitado.
Assim algo imperecível habita o Ser e lhe é essencial, a simples contemplação e ascese que não contém esta premissa é incompleta, entretanto o acesso a esta verdade depende de um estágio de bem aventuranças, aquelas que estão em Mateus 5, destaco 4 que são contextualmente importantes (Mt 5,5-9): Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra, Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos, Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia, Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus, Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.
Porém tudo isto não é imperativo para alcançar um acesso imediato ao divino, a eternidade é atemporal e nela o tempo é diferenciado, é um Kairós, ou um tempo no relógio divino.
E tudo isto não se separa da vida cotidiana, que contem um “Aroma do Tempo” como propõe Byung Chul Han, um divino humanamente vivido em cada ação e assim não está separado da contemplação, mas tem uma cadência diferente do ativismo puro e simples.
O seguimento cristão é mais profundo pois exige uma renuncia, não basta encontrar Jesus ou o Divino, em Lc 9,23, o próprio mestre ensinou: “Depois Jesus disse a todos: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará”.
E esta é a lição mais dura e a definitiva.