Arquivo para a ‘Noosfera’ Categoria
Por uma ascese espiritualizada
O que assistimos além da crise e noite cultural, além de uma profunda crise social sem um pensamento que catalise as forças reais da sociedade que apontam para o futuro, é um também uma noite de Deus, o educador Martin Buber a descreve como Eclipse de Deus.
Escreveu Buber em seu livro: “Mais tarde construí para mim mesmo o sentido da palavra ”desencontro”, através da qual estava descrito, aproximadamente, o fracasso de um verdadeiro encontro entre seres humanos. Quando, após outros 20 anos, revi minha mãe, que viera de longe visitar a mim, minha mulher e meus filhos, eu não conseguia olhar nos seus olhos, ainda espantosamente bonitos, sem ouvir de algum lugar a palavra ”desencontro” como se fosse dita a mim. Suponho que tudo o que experimentei, no decorrer da minha vida, sobre o autêntico encontro, tenha a sua primeira origem naquela hora na galeria.” (BUBER, 1991, p. 8).
Revela assim a verdadeira face do “silêncio de Deus” do judaísmo no qual tem raízes, será em outro livro o “Eu-Tu” onde ele revelará um aspecto de sua ascese que é “o encontro com o Outro”, que para Buber mais do que uma pessoa, seu Tu tem uma essência divina, Deus habita o outro.
Nos dias atuais o que se observa são duas tendências fortes e em ambas as asceses não há de fato uma espiritualidade além da transcendência, ou o ativismo que Byung Chul condena como a “vita activa” que leva ao cansaço, ou o subjetivismo idealista que pode parecer religião mas não o é, o que ele desperta não é outra coisa senão o sentimentalismo, podendo levar “fieis” as lágrimas, não necessariamente a Deus, se O descobrem de fato devem buscar outra ascese verdadeira.
Assim é possível que por um caminho ou outro também encontrem a Deus, porém não há outro modo de permanecer na fé, não dos cegos mas dos que encontraram uma clareira, se de fato quiserem permanecer a meditação e a oração são imprescindíveis.
Aos que não tem fé, uma boa leitura, separar trechos e pensamentos, vivendo o momento como escrevemos no post anterior, é fundamental, ou seja, também para a leitura pode-se seguir a regra de fazê-la sem “gula”, tentar colocar a alma em silêncio, fazendo um verdadeiro “epoché”.
Aos que creem reflito sempre que Jesus rezava, e pedia aos seus discípulos que rezassem com ele, e que não perdessem esta prática, Jesus vai contar a parábola do mau juiz que não quer atender a viúva, mas por sua insistência e para que ela não o xingasse, ele a atende, diz o trecho inicial: “Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir…”, que está em em Lc 18,1.
BUBER, Martin. Eclipse de Dios. México: Fondo de Cultura Económica, 1995.
Deserto, existência e sonhar
A existência já apontamos em outros posts depende de viver o instante que passa, época de mudanças implicam em conhecer e saber que há momentos de deserto em que a própria existência parece em cheque é preciso neste momento não parar de sonhar, um futuro que virá.
O que buscamos ou o que encontramos no deserto é a compreensão do que desenvolvemos esta semana na angústia, não a que leva a frustação, mas justo sem oposto, no conceito desenvolvido apontamos não viver de sentidos emprestados do cotidiano, olhá-lo como oportunidade.
O segundo sentimento de deserto, é aquele que o filósofo Kierkegaard apontou como repetição, a sensação de que tudo parou e não há nada além do deserto, a existência parou e pode até parecer que ela se findou, há uma outra repetição que mira no essencial que é rapaz de ir além.
Ela que lida com a frustração e que nos faz continuar a sonhando, mas afirmamos não são os prazeres, a fortuna (aqui no sentido financeiro) e nem mesmo o deixar acontecer e deixar o mundo como ele é que se encontram sonhos mesmo num deserto.
Justamente porque é mudança de época, valores e sentimentos estão em ebulição, que podemos encontrar novos sonhos, realizáveis é claro, mas as vezes mesmo loucos podem ser realizáveis.
O que separa um do outro não é a profundidade de um sonho, mas a perenidade do que se busca, se buscamos só os prazeres, o poder ou a preponderância sobre o Outro, não são sonhos, são no fundo evasivas dos verdadeiros sonhos, não são generosos com toda a humanidade.
Porém o que mais se busca são estes sonhos transitórios, e a frustração segue a eles quase inevitavelmente, claro alguns ficarão ricos, terão êxtases de prezares, porem a custo alto.
É como a passagem bíblica, ao receber os discípulos de João Batista, que vivia no deserto, disse as multidões que o seguiam (Mt 11,7-9): “O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis. Então, o que fostes ver? Um profeta?”, uma profecia é também um sonho.
É preciso a angústia filosófica para sonhar, entrar num círculo virtuoso de um sonho realizável.
Angústia, existência e vaidade
Conforme já tratamos, a angústia de nosso tempo é a tensão ao Ser, manter a “autenticidade consigo mesmo”, não se deixar levar pela corrente das expectativas e imposições dos poderes temporais, e assim lidar com as frustrações de manter firmes valores perenes e lidar com os transitórios.
Dela decorre a busca de uma existência onde há Fortuna (nossa felicidade), mas os gregos que usavam em referência a deusa Fortuna (foto), sabiam bem que ela não era relacionada a posse dos bens, conforme afirmou Heráclito de Éfeso: “se a felicidade estivesse nos prazeres do corpo, diríamos felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer”, há quem prefira ervilhas.
Quando não vivemos a repetição conforme exposta pelo professor Giacóia no sentido de buscar a essência, entramos na repetição da mesmice aquela que vive do medo, que nos leva a viver na impropriedade, não atribuímos sentido (ou significado se preferir), deixamos que os outros e as circunstâncias o atriburm, vivemos a pior alienação, a alienação de nós mesmos, correndo para todo lado com agendas cheias e vazias ao mesmo tempo frivolidades diz Sloterdijk.
Vivemos por uma finalidade que não tem um fim, no sentido de meta, mas sentidos “emprestados” do cotidiano, das conjunturas e dos contextos, a angústia produz o efeito contrário abre a possibilidade de encontrar o que sou dentro de um sentido próprio da vida.
É o reencontro com o Ser, aberto ao mundo e ao Outro, sem que isto implique nem o fechamento individual nem a despersonalização do meio, hoje com a forte pressão do psicopoder, como define o pensador Byung Chul Han a pressão essencial deste tempo.
O que buscamos, o que é nossa meta, em última instancia deveriam ser vistos como fim, nunca como temporais: dinheiro, poder, riqueza ou simplesmente alguma vaidade.
O eterno e a fragilidade atual
Não há como pensar em eterno sem pensar em Deus, por isso as religiões que abrem mão da figura divina precisam da reencarnação, um eterno retorno ao temporal, agora é tempo de crise além da pandêmica, explodiu uma revolta de partidários do Trump nos Estados Unidos, a mais rica nação do planeta está mal.
Trabalhamos durante a semana a capacidade de dialogia e de busca de convivência entre polos opostos, o tempo que vivemos vai na direção contrária, o resultado é a explosão dos conflitos.
Fora da situação americana, também a situação global não é menos problemática, novas situações de lock-down pela pandemia, a emergência de crises econômicas e o enriquecimento de urânio no Irã apontam para a debilidade do equilíbrio mundial, somos um pouco menos frágeis que os fetos.
O que se espera ao menos das vozes que tenham equilíbrio e que buscam manter a paz mundial é que estejam atentas a estes perigos e intervenham na fragilidade dos convívios mundiais.
Ninguém que tenha consciência espera uma situação pior, o ano da pandemia foi extenuante, mas a resiliência e a busca do diálogo devem ser permanentes para evitar desastres e situações de mais dificuldades ainda que as que já nos são impostas.
Para os que creem, pedir a ação divina sobre uma situação tão complexa, se o homem não consegue agir de acordo com a graça, a reação divina é inevitável, onde abundou o pecado abunda a graça superabunda, diz uma máxima cristã.
A manifestação bíblica de Deus Pai, Jesus havia sido batizado e assim recebeu o contato com o Espírito Santo e daí se produziu uma manifestação trinitária (Jesus, o Espírito Santo e Deus) que tornou a voz de Deus um imperativo, narra o evangelista Marcos (1,11) “E veio do céu uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bem querer’ “, o tempo que vivemos é assim um tempo no qual muitas manifestações extraordinárias mostrarão o amor Divino.
Entre o eterno e o temporal
Não há dualismo entre corpo e mente, como querem os idealistas, a mente existe num corpo e com ele interage, há aquilo que é o temporal e o que é eterno, senão num sentido strictu ao menos no sentido lato, é preciso princípios para se determinar os valores e aquilo que conduzem a humanidade em tempos críticos da sociedade, e o espiritual ajuda.
Byung Chul Han, em palestra em janeiro do CCB de Barcelona onde mostrou a dilaceração de nosso tempo entre o narcisismo, o auto consumismo e uma ausência de relação com o outro, que é preciso revolucionar o tempo, ou a forma como gerenciamos ele.
Disse sobre o outro e em referências as universidades: “Em todo caso, vivemos uma época de conformismo radical: a universidade tem clientes e só cria trabalhadores, não forma espiritualmente; o mundo está no limite de sua capacidade; talvez assim chegue a um curto-circuito e recuperemos aquele animal original”.
Afirmou no CCB de Barcelona: “A aceleração atual diminui a capacidade de permanecer: precisamos de um tempo próprio que o sistema produtivo não nos deixa ter; necessitamos de um tempo livre, que significa ficar parado, sem nada produtivo a fazer, mas que não deve ser confundido com um tempo de recuperação para continuar trabalhando; o tempo trabalhado é tempo perdido, não é um tempo para nós”.
O humanismo moderno criticado por seu mestre Peter Sloterdijk que afirma este sentido de volta ao animal original, é claro não é no sentido da animalidade selvagem, mas a ideia que ele deve recuperar sua relação com a natureza ou não se salvará e condenará até mesmo o planeta.
Sloterdijk expõe claramente estas ideias no vídeo que se apresenta mais abaixo.
O que significa o homem natural e suas relações com o eterno, agora não apenas a natureza, mas numa cosmovisão do paraíso e da vida eterna, significa que devemos olhar para valores que ficam.
Ao ser questionado pelo saduceus, que era uma classe mais aristocrática no judaísmo, sobre com quem ficaria no paraíso uma mulher que em vida se casasse com vários irmãos após a morte de cada um deles, Jesus responde a eles que acreditar numa vida eterna significa que as pessoas não mais morrerão, assim a pergunta não faria sentido e também que Deus é “Deus dos vivos” (Lc 20:38).
Olhar só os valores temporais e as situações conjunturais nos impedem de ver o futuro e o eterno.
Segue a entrevista de Peter Sloterdijk no programa “Fronteiras do Pensamento”.
Intimidade nova e mundo novo
Na intimidade, em nossas “bolhas” que geramos nossa cultura, defendemos e promovemos nossas ideias, nossos valores e aquilo que desejamos para um mundo melhor.
O Natal de alguma forma ainda faz os homens se solidarizarem e pensarem de modo generoso no mundo futuro além da sua bolha, de seu egoísmo, e se isto se prolonga pelo ano um novo mundo pode nascer, mesmo estando numa crise pandêmica que já é também uma crise mais ampla.
As reflexões de Sloterdijk e de outros pensadores é como a interioridade tornou-se um mundo isolado, como uma “bolha”, e nela reflete o nosso estágio inicial de nossa vida no útero materno e se prolonga pela vida, a análise feita por Sloterdijk (também Bachelard o faz de outro modo, veja o post) é como a passagem bíblica do profeta Jonas no frente da baleia, que é ilustrativa deste modo de ser, de busca de uma “intimidade” de conforto.
Ao permanecer no ventre da Baleia, simbolicamente é o que buscamos como região de conforto, ou de segurança, num mundo hostil onde devemos buscar uma co-imunidade, uma defesa onde todos podem participar e usufruir de um bem-estar, estar no ventre é uma recusa deste passo.
O nascimento de Jesus para os cristãos significa o anúncio deste ventre, deste “reino”, nesses dias comemoramos a vinda através de um menino-Deus deste tempo novo de um mundo novo.
A passagem bíblica que relata o nascimento de Jesus diz que José e Maria foram para Belém, devido o censo feito pelo Império romano: “para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,5-7).
Esferologia, a intimidade e a exterioridade
Não por acaso Sloterdijk faz um elogio rasgado a Gaston Bachelard no início de Esferas I, sua abordagem tem um diálogo profundo com A poética do espaço de Bachelard, pois tanto um como outro o tema intimidade está ligado a articulação e duas concepções: “exterioridade” e “espaço”.
O primeiro ponto é entender que a abordagem fenomenológica tem influência direta do Ser e Tempo de Heidegger, ao mesmo tempo que esboçam críticas, mesmo não tendo Heidegger se debruçado profundamente sobre o tema, está nas entrelinhas de seu trabalho.
No capítulo inicial, Sloterdijk refere-se ao humano com os chamados “blocos erráticos”, em que o espanto com o próprio “eu” no mundo seria como estes blocos que “estão ai”. Diante disto, abre-se a possibilidade da consciência fazer-se com o mundo. O reconhecimento desta condição de estar jogado aleatoriamente no mundo não se dá de forma tranquila, mas por meio do “inesperado, o rebelde e o inquietante que o extático achamento pessoal pode ser” (SLOTERDIJK, 2008, p. 16), blocos erráticos foram as formações geológicas deslocadas na última era gracial.
O primeiro volume é dedicado a questão da intimidade e Sloterdijk parte da relação mãe-bebê, estamos unidos a um outro corpo desde o momento da concepção, por um “órgão rejeitado” que é a placenta, enquanto em outras épocas ele era de alguma forma ritualizado, agora é descartado como lixo o “acompanhante originário”.
Ele apontará a partir disto (como fez com o profeta Jonas) procurar caminhos não explorados pela filosofia atual, “a relação, a conexão, a flutuação num dentro de-algo e num com-algo, o estar contido num entre” (SLOTERDIJK, 2016) e por isto sua esferologia é sua obra essencial.
Destaco a obra de Bachelard porque para ele há uma perspectiva que considero mais ampla, a de descrever que a experiência íntima além da experiência com o outro, com a totalidade do mundo.
É assim também em Bachelard uma contraposição a Heidegger, onde afirma: “De nosso ponto de vista, do ponto de vista de um fenomenólogo que vive das origens, a metafísica consciente que se situa no momento em que o ser é ‘jogado no mundo’ é uma metafísica de segunda posição” (BACHELARD, 1993, p. 27)
Enquanto Sloterdijk é o útero o “espaço” primordial, o local do bem-estar, para Bachelard é a casa, o lugar paradigmático do bem-estar e da proteção.
Se entendermos interioridade como o lugar em que conjugamos estas duas sensações: o útero que é a casa primordial, e a casa que é o espaço no mundo onde co-habitamos com outros seres, não apenas humanos é claro, podemos conjugar interioridade e intimidade, e temos um novo horizonte não apenas metafísico, mas humano, divino e entre estas duas conjugações: o útero original, a casa comum e o destino final que a interioridade provê.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes,1993.
SLOTERDIJK, P. O Estranhamento do Mundo. Trad Ana Nolasco. Lisboa: Relógio d’Água, 2008
SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.
Noogenese: matris in gremio
Na digressão 10 de Esferas I, peter Sloterdijk faz uma relação da concepção de Maria (o nome Conceito vem de concepção) com a tragédia, e um texto que certamente é do conhecimento do filósofo é a interpretação que Hörderlin faz da tragédia grega Édipo Rei de Sófocles, onde usa o termo aórgico para a busca de Épico para saber quem é, quando mais busca a consciência menos consciente torna-se em direção a tragédia.
A tragédia é que o pai Laio, havia ouvido do oráculo de Delfos, que o filho o mataria e se casaria com a mãe Jocasta, o rei o entrega a um pastor pobre para mata-lo, mas o pastor o cria e depois ele vai parar nas mãos de Políbio, rei de Corinto que o cria como filho, mas a tragédia se cumpre e depois Édipo mata o rei Laio que era seu verdadeiro pai e desposa Jocasta ao tomar consciência da verdade cega-se, a tragédia tem mais detalhes, aqui é só para entender o aórgico.
Sloterdijk inverte esta história para falar da mariologia cristã, em sua digressão 10 Matris in gremio (colo ou regaço da mãe), onde após analisar o texto De humanitae conditionis in miseria de Lotário de Segni (1160-1216) que viria a tornar-se o papa Inocencio III, que afirma que o líquido que se alimentaria a criança é o mesmo da menstruação que seria interrompida com a gravidez.
Sloterdijk, afirma que “não há dúvida que Jesus, mesmo in gremio, deve ter sido provido de um diferente plano alimentar” (Sloterdijk, 2016, p. 557), e vai usar a Questio 31 do terceiro livro da Summa Teológica de Tomás de Aquino, porém é importante é sua “concepção”.
A citação que faz de Tomás de Aquino é importante (a leitura do filósofo é diferente, claro), pois ela explica a noogenese, e também a gênese da ligação dos dois corações:
“… pois, pela ação do Espírito Santo, esse sangue é recolhido do regaço da Virgem e conformado em feto. E por isso se diz que o corpo de Cristo foi formado pelo sangue mais casto e puro da virgem” (Aquino, Suma Teológica III, 31, 5, 3, SP: Loyola, 2001-2002).
No texto bíblico, Maria embora prometida a José, ele ainda não a desposara, diz o texto bíblico: “Maria perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?” (Lc 1,34), e recebe a resposta que será pela ação do espírito, sob a sombra do poder do Altíssimo.
E assim nasceu a ideia de Maria ter sido levada ao céu, mas também é o nascimento 11 séculos antes de ser aceito, o dogma de sua Imaculada Concepção (que por uso popular tornou-se Conceição), assim “é a própria matriz de Deus que ofereceu miraculosamente ao escultor o material de sua escultura, e a Deus o material para tornar-se homem …” (Damasceno apud Sloterdijk, 2016, p. 558), que assim pré-anuncia a ação aórgica de Maria com Jesus e Deus-Pai, como uma pericorese in extremis (na foto, também usada por Sloterdijk, Virgem com Abertura, final do século XIV, Museu de Cluny em Paris), citada por Sloterdijk.
SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.
Advento, mas o que advirá?
Esta é a pergunta que ganha contornos diferentes em épocas natalinas, haverá uma nova normalidade, os líderes mundiais faram de “grande reset” (palavra usada no fórum mundial), porém parece que a preocupação central é a economia, ainda que falem em “Novo Acordo Verde” ou os apelos dos socialistas Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez a um novo equilíbrio.
Ao que parece não se dão conta de uma crise mais profunda, do pensamento e da cultura, chegando até mesmo a se poder dizer uma grande noite de “Deus”, religião sinônimo de falta de bom senso e separatismo social, embora os próprios líderes religiosos digam buscar o contrário.
Aqueles que estão preocupados com a falência do humanismo, com um colapso civilizatório seriam apenas apocalípticos, então as análises de que estamos andando como “sonâmbulos no escuro” (Edgar Morin), que “não é um tempo próprio para o pensamento” (Peter Sloterdijk) e que vivemos o inferno do igual (Byung Chul Han), não são poucos os pensadores que veem esta crise.
É um quadro sem aparente solução, onde os gritos ideológicos renascem e as tendências de uma mudança diferente do pensado até hoje é quase desapercebida, como diz uma frase famosa de Albert Einstein: “loucura é querer resultados diferentes, fazendo tudo exatamente igual”.
Quem seriam os profetas e oráculos deste tempo que anunciariam grandes mudanças ? que proporções elas terão ? a própria natureza se rebelará com seu desiquilíbrio ? serão tempos de uma nova terra e de um novo céu ?
Sócrates anunciou o período da Grécia antiga que precedeu a sociedade moderna, a vinda de Jesus foi precedida pelo último e maior dos profetas João Batista, que serão eles hoje ?
O Evangelho de Jo 1,22-23, após várias perguntas dos fariseus a João Batista ele respondeu: “Perguntaram então: ‘Quem és, afinal? Temos que levar uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que dizes de ti mesmo?’ João declarou: ‘Eu sou a voz que grita no deserto: Aplainai o caminho do Senhor’” — conforme disse o profeta Isaías.
Aos que tem juízo é tempo de aplainar os caminhos aos que não tem resta o descuido.
A crise ecológica e a mudança aórgica
A aparente morte do pensamento foi desenvolvida por Peter Sloterdijk, também está em outros escritos seus Se a Europa despertasse, A crítica da razão cínica e os 3 volumes das Esferas, porém uma raiz ali apontada não é plenamente desenvolvida a relação com a natureza, sua “aorgica”.
Rousseau já havia se debatido com os Iluministas ateus afirmando que o que há de mais injurioso “não é pensar (a Divindade) e sim pensar errado a seu respeito”, ele elaborou seu famoso discurso sobre a Profissão de fé do vigário Saboiano no qual expressa suas concepções religiosas.
Porém o importante é seu pensamento sobre a natureza “uma vontade move o universo e anima a natureza”, desde Aristóteles a relação com o homem é de vê-la como submissa a vontade humana tal é o paradoxo antropocêntrico, pois a Natureza está além e precede ao homem, que é parte dela e não seu senhor absoluto, embora como diz Teilhard Chardin é sua complexidade máxima.
Esta complexidade da natureza está desenvolvida por Edgar Morin, em seu Método I que é a Natureza da Natureza, porém o lugar do homem na natureza (o título de um dos livros de Chardin) é ainda incógnito e sabemos agora que se não a obedecermos, ela perece e nós também como consequência, por isto o antropocentrismo é um paradoxo, somos codependentes e coparticipes da Natureza, e ela dá sinais de agonia, também o cético Harari vê isto, e muitos especialistas.
Qual será a reação da natureza, ela poderá acontecer por um evento forte que mude todo o planeta, a chamada reação aórgica, o inorgânico sobre o orgânico, a terra mudaria totalmente e alguns místicos criaram uma imagem desta nova terra (acima), que chamo de “neogeia”, em referência a grande mutação da terra por sucessivos terremotos na pangeia, agora haveria uma reação em cadeia simultânea.
Devemos lembrar as fontes energéticas como as usinas nucleares, o maremoto seguido de tsunami no Japão (em março de 2011) mostrou que as usinas nucleares são um problema, desativá-las não é possível.
Harari ao falar do Homo Deus, seu segundo livro de sucesso, acredita que o homem faria isto, os religiosos (alguns claro), místicos e visionários sabem que algum evento aórgico pode ocorrer.