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Leitura, afeto e feridas
Alberto Manguel é um escritor argentino bem conhecido nos meios universitários, tanto devido tanto a relação com Jorge Luis Borges, que conheceu na adolescência e lia livros para ele, como também como autor de vários livros antologias e romances, entre eles um livro que destaco como obrigatório é Uma história da leitura, no original A History of Reading (1996).
Homem-mundo, em 1971 morou em Paris e em Londres, em 1972 retorna a Argentina mas como editor estrangeiro da editora italiana Franco Maria Ricci, em 1976 mudou-se para o Taiti, em 1982, Alberto se mudou para Toronto, no Canadá, onde morou até 2000.
Não parou ai, mudou-se para a região de Poitou-Charentes, na França, onde comprou e reformou um mosteiro medieval junto de seu atual parceiro Craig Stephenson, uma das reformas feitas foi para acomodar sua biblioteca de 40 mil livros.
Em 2020 doou toda a biblioteca para o futuro Centro de Estudos da História da Leitura (CEHL), e passou a viver em Lisboa, é colunista da revista Geist canadense.
Uma de suas frases famosas é “a crença banal de que o tempo cura as feridas é um engano: nós nos acostumamos a elas, o que não é a mesma coisa”, porém sua frase sobre a leitura que mais parece uma forte influência de Borges para quem a biblioteca era um paraíso, é sobre a leitura:
“O amor pela leitura é algo que se aprende mas não se ensina.
Da mesma forma que ninguém nos pode obrigar a enamorar-nos, ninguém nos pode obrigar a amar um livro.
São coisas que ocorrem por razões misteriosas, mas estou convencido que há um livro que espera por cada um de nós.
Em algum lugar da biblioteca há uma página que foi escrita somente para nós”.
Também é sua a frase: “Ler sempre é um ato de poder. E é uma das razões pelas quais o leitor é temido em quase todas as sociedades”, há outras é claro, mas para isto convido meu leitor a ler: “Uma história da leitura”.
MANGUEL, A. Uma história da leitura. Tradução Pedro Maia Soares. 1a ed. São Paulo : Companhia de Bolso, 2021.
Fim da história ou retorno das potências
Quando Francis Fukuyama escreveu sobre o “O fim da História” estava sob o impacto da queda do Muro de Berlim em 1989, três décadas após Jim Sciutto disse na CNN que quando a guerra na Ucrânia começou, estávamos vivendo um “momento de 1939”, de fato, há uma ligação entre a primeira e a segunda guerra, o fim da segunda e a possibilidade de uma terceira.
O livro de Jim Sciutto “The Return of Great Powers”, fala sobre isto, “A invasão da Ucrânia pela Rússia faz parte disso, mas, na realidade, esta luta pelo poder tem impacto em todos os cantos do nosso mundo – de Helsinque a Pequim, da Austrália ao Pólo Norte. Esta é uma batalha com muitas frentes: no Ártico, nos oceanos e nos céus, nas ilhas artificiais e nos mapas redesenhados, e na tecnologia e no ciberespaço”.
Em primeiro lugar detectamos este fator secundário, mas fundamental ver a tecnologia não sob o prisma da dominação das mentes, do capital ou do socialismo, mas seu uso negativo em função das guerras e da luta pelo poder.
O Retorno das Grandes Potências analisa esta nova condição histórica, analisa esta nova realidade pós-guerra fria e pós queda do muro de Berlim, os governos russo e chinês cada vez mais alinhados e o ponto crítico de uma nova corrida armamentista nuclear global, e nos coloca uma questão: ao considerarmos resultados incertos, até mesmo aterrorizantes, será possível ao Ocidente, à Rússia e à China evitar uma nova Guerra Mundial?
Não é tão importante a análise feita por Jim Sciutto quanto os fatos e realidades que trás a tona para novos questionamentos e preocupações com resultados externos desta nova realidade mundial, um momento de forte turbulência no qual as possibilidades de paz vão se esgotando com o passar do tempo e o envolvimento cada vez maior de diversas nações.
O quadro da última semana aponta para isto, a Rússia não descartando um enfrentamento com o Ocidente e os Estados Unidos se preparando para um cenário de confronto nuclear, o retorno ao bom senso e ao desarme de espíritos exaltados passa por perdas e danos a algumas nações, não se trata de rendição, mas aceitação do quadro atual de “novo equilíbrio” para a paz.
Conforme afirma Edgar Morin é preciso neste tempo um espírito de resistência para um retorno ao caminho da fraternidade universal e a paz.
Vozes solitárias pela paz
O escritor uruguaio Eduardo Galeano se posicionou contra a guerra, famoso por ter escrito “As veias abertas da América Latina”, que foi autor de mais de 40 livros, destaco entre eles O livro dos Abraços, tem uma gravação que voltou a ser divulgado no youtube pelo impacto que tem.
Começa sua fala dizendo: “Nenhuma guerra tem a honestidade de confessar: eu mato para roubar” e depois vai desmascarar os vários falsos motivos pelos quais tentam justificar suas atitudes, “as guerras sempre invocam nobres motivos, matam em nome da Paz, em nome de Deus, em nome do progresso” e outros, mas se não conseguem tem as mídias para ajudar, e não se tratam apenas das novas mídias, falava em seu tempo da grande imprensa.
A cultura tóxica de que alguém tem a solução para os grandes problemas do mundo, que há algum grupo “iluminado” evita a abertura ao diálogo, a encontrar os caminhos da paz.
Os antigos modelos propostos: a pax romana que submete os povos, a paz eterna que é o modelo idealista, a paz que resolve os problemas de justiça social, todas elas invocam a guerra em última instância.
Houve um tempo que era possível os povos saírem as ruas e reivindicarem a paz, e chamarem as autoridades para a insanidade de suas posições provocativas e insufladoras da guerra, ainda que disfarçadas em promessas de paz como dizia Galeano, e todas elas escondem o roubo, a ganância por riqueza e a pilhéria dos povos e dos pobres.
Também de pouco vale os espíritos “elevados” que fazem belas frases românticas e ideais, que nada tem de realidade ou de serenidade, são apenas alienação consciente ou inconsciente, são vozes que fogem dos problemas reais que a humanidade enfrenta: uma crise civilizatória.
O papa é uma destas vozes, também não deixam de haver vozes solitárias na ONU, pequenos países que apesar de estarem em esferas de influência, tem a sabedoria e discernimento que também sofrerão se a guerra prospera.
Eduardo Galeano chama a atenção em seu vídeo, que os países que compõe o Conselho de Segurança da ONU são justamente aqueles que mais armas tem, e a indústria armamentista é também uma fonte econômica para quem a detém, mas gera riqueza de grupos isolados.
Faltam vozes inequívocas para a paz, vozes que não ignorem a conjuntura e as posições reais.
Serenidade e paz
O livro “A Serenidade” de Heidegger vai dividir o pensamento contemporâneo entre o que calcula e o que medita, sobre o que calcula afirma:
“O pensamento que calcula (das rechnende Denken) faz cálculos. Faz cálculos com possibilidades continuamente novas, sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econômicas. O pensamento que calcula vai de oportunidade em oportunidade. O pensamento que calcula nunca para, nunca chega a meditar.” (p. 13).
Reflete no texto que não há nenhuma meditação “elevada”, todo homem pensa e o pensamento pode levar a meditação, mas o cálculo não e ameaça este intimo do Ser:
Heidegger lembra que para pensar de verdade todos devemos pensar sobre nossas raízes, dito de modo mais contemporâneo não negar nossas origens e suas influências em nossa visão de mundo, mesmo que limitada, afirma: “o enraizamento (die Bodentändigkeit) do Homem actual está ameaçado na sua mais íntima essência. Mais: a perda do enraizamento não é provocada somente por circunstâncias externas e fatalidades do destino, nem é o efeito da negligência e do modo superficial dos Homens. A perda do enraizamento provém do espírito da época no qual todos nós nascemos” (p. 17).
O mais surpreendente neste texto que é de 1995, é que a característica “mais atormentadora é a bomba atômica”, não podemos esquecer que temos 440 usinas atômicas mais 23 em construção (na foto o acidente de Fukushima), ele percebe que o pensamento que calcula vê apenas as possibilidades industriais e a necessidade das energias da natureza, porém medita o que significa de fato este domínio da natureza.
“O poder oculto na técnica contemporânea determina a relação do Homem com aquilo que existe. Domina a Terra inteira. O Homem começa já a sair da Terra em direção ao espaço cósmico …” (p. 19), que além de ser incrivelmente atual tinha também um presságio sobre o futuro.
Mas não deixou de ver o perigo destas “grandes energias atómicas”, e assim: “assegura à humanidade que tais energias colossais, subitamente, em qualquer parte – mesmo sem ações bélicas -, não fogem ao nosso controle, e “tomam o freio nos dentes” e aniquilam tudo ?” (p.20).
Além de Fukushima há o fatídico acidente de Chernobyl, justamente na Ucrânia e feita com a colaboração russa, e a guerra atual há batalhas bem próxima da maior usina atômica de Zaporizhzhia, construída entre 1984 e 1995, é a maior usina nuclear da Europa e a nona maior do mundo.
As ameaças da Rússia devem ser levadas a sério, uma guerra nuclear coloca em cheque todo o processo civilizatória e talvez a própria humanidade, é preciso serenidade e paz.
O pensamento ocidental se submeteu ao frio e calculista pensamento matemático e físico, que até mesmo ele está em cheque.
HEIDEGGER, M. Serenidade. trad.de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.
Rússia acuada e Israel questionado
O panorama das duas principais guerras que preocupam as lideranças mundiais continua tendo lances e episódios tristes no seu desenrolar, na Rússia a morte de um ativista em prisão da Sibéria e em Gaza as dificuldades de ajuda humanitária.
Enquanto vencem no campo de batalha, estas duas superpotências perdem no campo diplomático já que para muitas autoridades a situação é de desumanidade e ameaça a civis.
Na Rússia a morte de Alexei Navalny na prisão levou milhares de pessoas ao seu enterro (foto), o advogado, ativista e blogueiro tinha uma atividade intensa e era respeitado por grande parte da população, segundo fontes russas 67 pessoas foram presas no enterro, e também a entrada da Suécia para a OTAN expõe o enfrentamento a guerra.
Putin ameaça retaliação a Suécia enquanto aumenta o tom com o Ocidente afirmando que uma entrada de tropas ocidentais na guerra da Ucrânia levaria a um caos nuclear, em resposta ao presidente Macron da França que disse que não hesitaria enviar tropas, porém outros países refutaram esta ameaça afirmando que não o fariam.
O envio de apoio humanitário a faixa de Gaza cria polêmica com Israel que diz facilitar, porém a reação internacional pedindo o fim das hostilidades, sem deixar de exigir a liberação de reféns que ainda estão em controle do Hamas, aparece em destaque na imprensa mundial.
Quem subiu o tom com Israel foi o presidente da Turquia, Erdogan que afirmou que Israel comete uma “tentativa de genocídio” com a operação militar na faixa de Gaza.
Inúmeros países já se manifestaram pelo fim da guerra, também o papa já se pronunciou recentemente afirmando “carrego no meu coração todos os dias, com dor, o sofrimento da população na Palestina e em Israel, e pedindo acesso seguro para a ajuda humanitária.
A escalada perigosa destas duas guerras pode levar a uma tragédia civilizatória e é preciso sabedoria e serenidade das lideranças mundiais.
O próximo e o negócio
A policrise que envolve a humanidade, na palavra de Edgar Morin que foi também adotada (em outra perspectiva) por Adam Tooze, professor de História da Universidade de Yale.
No livro Terra Pátria o autor já desenhou um quadro de um nacionalismo renascendo, está escrito no prefácio da edição brasileira feito por Juremir Machado da Silva:
“Terra-Pátria, no qual colaborou Anne-Brigitte Kern, é o livro fundamental para o exame do fenómeno nacionalista na atualidade. Tudo está nele: pátria, nação, universalismo, identidade, ecologia, política, comunidade, etc. Os mecanismos para a compreensão da complexa rede social contemporânea são fornecidos com a limpidez costumeira ao texto de Morin” (MORIN, 2003, 14).
Entretanto a história caminhou no sentido contrário, incapaz de dar um passo a frente, agora guerras, utopias antigas e modelos espirituais fundamentalistas (não confundir com a ortodoxia porque é ela o verdadeiro fundamento das religiões e culturas).
A relação social se deteriora, a culpa seria das técnicas, do individualismo ou mesmo de uma onda de possessões demoníacas, entretanto o que acontece é simplesmente uma falta de um modelo autentico de solidariedade e aqui as utopias e culturas religiosas devem ser analisadas.
As utopias porque retroagiram aos modelos do início do século XX, o nacionalismo de Adam Smith e o bolchevismo de Lenin, as culturas religiosas porque se refugiam no fundamentalismo.
Há pouca coisa fora destas perspectivas, mas elas existem, há esperança onde cada pessoa é tratada com dignidade, a empatia é modelo de convivência e a vida como um todo trata o homem como um todo e é possível reintegrá-lo nos padrões de solidariedade e respeito.
A relação com um próximo não é um negócio, nem pode dissolver-se numa “amizade social” que é apenas uma superfície daquilo que é realmente humano, a relação com o Outro.
Não poucos autores escreveram sobre isto, até mesmo Jürgen Habermas abordou o tema, porém se trata da relação efetiva entre duas pessoas e não a relação social genérica ou cultural, que em geral envolvem interesses e relações com as bolhas de pensamento.
A cantora paraense cristã Aymeê viralizou ao cantar a música “Evangelho dos fariseus” que fala da exploração infantil na ilha de Marajó, das queimadas e do fato que o dízimo importa mais que os corações em muitas igrejas que transformaram a mensagem de amor em negócio.
Houve quem a contestasse, porém, a mensagem é bíblica, a mensagem bíblica (Jo 2, 16) em que Jesus diz: “16 E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” e isto dá muito o que pensar, “de graça recebestes, de graça dareis” (Mt 10,8).
MORIN, E. E KERN, A..B. Terra-Pátria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 2003.
O sócio e o próximo
A relação concreta de amizade social só é efetiva em cada próximo, a ideia de generalização de atitudes sociais pode ser inserida em uma cultura, mas ela somente será efetiva se na relação com cada um com quem relacionamos ela se torne efetiva, senão é discurso e ideologia.
O texto do Paul Ricoeur “O sócio e o próximo”, que faz parte do livro ¨História e Verdade” não só modifica o conceito de verdade histórica como desvela que só há relação social concreta na medida em que inserimos em nossos diversos círculos sociais e a cada relação pessoal concreta.
O contínuo egoísmo, preconceito abre a alma em abismos de separação com o Outro, faz dela um contínuo de separação, exclusão levando a incredulidade no amor e na solidariedade social.
Mudar de atitude, transformar o egoísmo em gestos de bondade e viver em cada relação específica um amor até mesmo sobre humano que dá dignidade e respeito a cada ser que passa ao nosso lado, não é um altruísmo ou uma forma de ignorar os conflitos sociais, é também elevar a alma a um estágio de felicidade com os outros, e espalhar a esperança.
Enquanto a relação de sócio é apenas de um interesse pessoal, a de próximo ultrapassa esses limites e dá uma elevação no nível de confiança, inclusão e aproximação diferente do sócio:
Ao discorrer sobre a diferença entre estas relações, discorre sobre a caridade: “A caridade não precisa estar onde aparece; também está escondida na humilde e abstrata agência dos correios, a previdência social; muitas vezes é a parte oculta do social ”, Paul Ricoeur em Le socius et le Prochain (1954), e está traduzido no livro História e Verdade de 1968.
O texto nos lembra que assim como as instituições podem ter apenas relações de societárias, pode-se passar por elas também relações interpessoais, de afeto e de solidariedade e que tornam elas menos frias e menos burocráticas, onde se vê não um cliente ou um serviço a mais, mas um próximo pelo qual pode-se interessar.
Não por acaso é um capítulo de História e Verdade, porque a verdade só é estabelecida entre amigos verdadeiros e que são próximos, e se são sócios serão apenas para estarem mais próximos, enquanto manter a aparência social, mesmo com espírito de empatia não é ainda a verdadeira relação humana se a pessoal não se realiza de modo concreto.
Assim a amizade social, deve necessariamente passar pelo amor verdadeiro a cada pessoa que passa ao nosso lado.
Ricoeur, P. História e Verdade, trad. F. A. Ribeiro. Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro, 1968.
Perspectiva de guerra e embriaguez do espírito
O tom e as ações de uma guerra sem escalas se ampliam, poucas são as nações e vozes que não estão sobre aquilo que o filósofo centenário Edgar Morin chama de “embriaguezes coletivas”, e clama que haja resistência capaz de reagir a todas as mentiras espalhadas.
O comandante das forças da OTAN Chris Cavoli, anunciou um exército de 90 mil homens, e um exercício chamado de Steadfast Defender 2024, que deverão ocorrer em maio, dele participarão 50 navios, de porta-aviões a destroieres, 80 caças, helicópteros e drones e mais de 1.100 veículos de combate, incluindo 133 tanques e 533 veículos de infantaria.
A Rússia despista e diz que não invadiria a Letônia e a Polônia, tomou de vez a cidade de Avdviika (foto), um dos frontes estratégicos e onde a guerra está mais violenta, Zelensky diminui a perda afirmando que recuou para “salvar vidas”, entretanto a guerra continua sangrenta.
Em entrevista neste domingo (18/02) Putin diz que a Ucrânia “é uma questão de vida ou morte” para o país, a morte do opositor Navalny repercutiu no mundo inteiro e será um divisor de águas para saber aqueles que apoiam um regime claramente bélico e autoritário.
Na faixa de Gaza, a cidade de Rafah com milhões de refugiados palestinos segue sob ameaça israelense, um hospital foi invadido pois haveria uma notícia que “reféns estariam ali”, porém não foram encontrados, somente armamentos e com a invasão pacientes na UTI morreram.
Seguem os apelos internacionais para que Israel não coloque em risco civis que na sua maioria estão refugiados em Rafah e o Egito ergueu um enorme muro de modo que não podem fugir dali para o Egito e isto coloca em risco milhares de mulheres, crianças e outros civis que estão lá e não tem para onde fugir.
As negociações ficam mais difíceis em cada ação de Israel e o envolvimento do Irã e outros países árabes vai se tornando cada dia mais inevitável, será neste front que uma possível 3ª. guerra ocorrerá, a resistência do espírito reivindicada pelo centenário filósofo e educador Edgar Morin deve lutar contra os fanatismos e ódios que só disseminam a morte e a guerra.
Em uma entrevista anterior a publicada no jornal italiano La Reppublica, Morin havia dito: “toda a guerra encarna o maniqueísmo, a propaganda unilateral, a histeria bélica, a espionagem, a mentira, a preparação de armas cada vez mais mortíferas, os erros e as ilusões, inesperados e surpresas”, é preciso uma resistência do Espírito para a Paz.
Resistência ética e do espírito
A resistência ética, ou a resistência do espírito que fala Edgar Morin, é o reconhecimento “de um retorno aos dogmatismos e aos fanatismos, e uma crise da moral enquanto se espalham os ódios e as idolatrias” disse o filósofo.
Não é possível estabelecer a ética quebrando as regras mais elementares da ética que o respeito pela dignidade do Outro, não é possível fortalecer a moral se espalhamos todo tipo de imoralidade da política aos costumes e não é possível falar de espírito se o que existe é só uma pura idolatria em diversos sentidos, do cultural ao religioso.
Não se trata mais apenas das guerras, que em si já são uma catástrofe, porém “as qualidades da nossa civilização deterioraram-se e as carências aumentaram, em particular no desenvolvimento dos egoísmos e no desaparecimento das solidariedades tradicionais”, disse Morin em entrevista ao jornal italiano La Reppublica (24/01/2024).
O apelo ao fanatismo político polarizou a sociedade, quem defendia a democracia a agride com as formas mais arbitrárias de poder, no campo religioso quem defende práticas e ritos religiosos esquecem de fazer o bem ao semelhante e de respeitar os diferentes credos, cada um ter razão a sua maneira, segundo sua própria moral e o resultado são escândalos morais.
Como aquele fariseu que pratica o jejum e faz negócios escusos e maltrata seus funcionários, ou como aqueles que mesmo conhecendo os preceitos religiosos procura justificar suas faltas com argumentos ou leitura religiosa factual e não contextual.
Uma ascese que não inclua mudanças de atitudes e de comportamentos, uma resistência do espírito a tudo que parece justificável de imoral e duvidoso espiritualmente, deve ser um caminho para uma ascese verdadeira que faça uma verdadeira resistência do espírito.
As tentações de Jesus no deserto, em que foi lhe oferecido honra, glória e poder para ceder ao mal, mais que uma alegoria é um caminho para que conquistas sejam feitas de modo modesto, justo e sem ofender aos que estão por algum motivo dependentes de nós para o sustento.
Apelos a riqueza, ao poder e ao luxo em nome de religiosidade são as idolatrias mais claras e o reverso de qualquer resistência do espírito ou de resistência moral a decadência civilizatória.
As guerras não são outra coisa que as tentações do poder e da opressão a povos, grupos ou culturas que serão subjugados pela força bruta, pela humilhação e até mesmo pela morte de inocentes.
A esperança de paz, de moralidade e ética está em conservar uma resistência do espírito.
Morin, E. A resistência do Espírito, Italia: La Reppublica, 24-01-2024.
Estratégia russa e israelense
De um lado uma potência a esquerda, que não negocia com opositores e não abre mão do poder, de outro uma potência ocidental onde a guerra pode ajudar a manter no poder as forças de direita em coalisão.
As guerras são políticas e não podemos vê-las apenas pela ótica de ditadores e genocidas, ainda que qualquer guerra se fundamente na ilegitimidade de matança de civis e mesmo dentro dos parâmetros de acordos internacionais sobre a guerra, eles sejam ultrapassados.
Qualquer narrativa que haja esconde o ódio e a vingança contra opositores, a ira e a violência como fundamento, usando para isto discursos de virilidade, ideologias do pensamento único e até mesmo apelos humanísticos que são ultrapassados a partir da primeira batalha.
A análise crítica é que não haverão recuos, em recente discurso Putin declarou que não há possibilidade de derrota na Ucrânia, isto é, usaria as catastróficas armas nucleares ou recursos próximos disto, porém atenua dizendo que não há interesses de invasão na Polônia e Letônia.
Apesar de terem eleições próximas, o único opositor russo que Putin respeita, outros já estão presos ou desaparecem presos ou mortos, não há possibilidade de qualquer mudança no poder.
Em Israel, o presidente Netanyahu ameaça mandar tropas a Rafah, campo de refugiados na fronteira com o Egito, que tem um tratado de paz com Israel a 45 anos, também o presidente americano Biden pediu que não sejam enviadas tropas para lá, mas a proximidade das eleições israelenses exige um aceno para a direita mais radical em Israel.
A diretora executiva da UNICEF, Catherine Russel, disse que os civis em Rafah devem ser protegidos, pois não tem para onde ir: “cerca de 1.3 milhão de civis estão encurralados, vivendo nas ruas ou em abrigos. Eles precisam ser protegidos. Eles não têm nenhum lugar seguro para onde ir”, disse segundo a imprensa internacional.
A lógica da guerra é que favorece os ditadores e não permite que qualquer princípio mais humano e democrático seja respeitado, é a ausência de serenidade e tolerância a opositores.