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Exercícios para a reflexão política

03 out

Quando ingressamos no maniqueísmo percebemos apenas forças opostas sem discernir com clareza onde está o mal e a ética, todo exercício filosófico sobre o mal é visto a partir da moral.

Entretanto o que é moral ficou confuso, justamente porque o poder se confundiu com a violência, e a reflexão de Hannah Arendt sobre isto é bastante esclarecedora: “Poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausência (ARENDT, Entre o passado e o futuro: Oito exercícios para a reflexão política, 1961).

O argumento da filósofa é simples, difícil de ser entendido num mundo polarizado, mas diria é a primeira de suas reflexões sobre a política quando o poder é exercido de forma legítima, a violência é ausente. Isso significa que, em um sistema político saudável, o poder deve ser baseado no consentimento e na cooperação voluntária, em vez de recorrer à violência para impor a vontade de um grupo sobre outros, pois não há consentimento pelos outros.

Boa parte do raciocínio político hoje é exercer a violência contra os opostos, isto é sua própria negação, Arendt argumentava que liberdade e ação política são sinônimas, já que política não tem sentido enclausurada em si mesma, as famosas bolhas, ser livre é condição necessária para o exercício político, o exercício de cidadania, qualquer limitação torna-se violência.

A liberdade existe como condição plural do homem, em termos religiosos é o livre-arbítrio, em termos sociais é a possibilidade de agir livremente enquanto cidadão e ter proteção para tal, se esta condição é retirada não há outra definição ao sistema que não seja o autoritarismo.

Assim como nas artes: a música, a dança e o teatro a ação política é valorada como uma “virtude” todas teorias sérias desde Platão visavam esta participação na “polis”, mesmo o conceito amoral de virtú de Maquiavel, a performance necessita de uma “audiência” e de um espaço para que o espetáculo possa se realizar, na visão de Arendt, a pólis grega foi “uma espécie de anfiteatro onde a liberdade podia aparecer (ARENDT, 2001, p. 201).

Escutar o contraditório, permitir que ele se expresse é condição necessária para a política, o modelo de exclusão dos opositores não é senão um eufemismo para os ditadores.

Arendt não deixa de analisar a violência defendida por Marx, e retorna ao zoon politikon de Aristóteles e mal lido por leitores apressados: “… o qual pode ser difícil de perceber, mas do que Marx, que conhecia Aristóteles muito bem, deve ter sido cônscio” (ARENDT, 2001).

E continua: “A dupla definição aristotélica do homem como um zoon lógon ékhon, um ser que atinge sua possibilidade máxima na faculdade do discurso e na vida em uma pólis, destinava-se a distinguir os gregos dos bárbaros, e o homem livre do escravo. A distinção consistia em que os gregos” (Arendt, 2001, p.50), convivendo em uma polis […] conduziam suas ações por intermédio do discurso, através da persuasão, e não por meio da violência e através da coerção muda.

Para a filosofia teria sido uma contradição em termos “realizar a Filosofia” ou transformar o mundo em conformidade com a Filosofia sem que ela fosse precedida de uma interpretação, assim alertou Heidegger que a afirmação de Marx “os filósofos interpretaram o mundo, agora cabe transformá-lo” é contraditória, porque deve ser pensada qual transformação que se quer.

ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro Trad. Mauro W. Barbosa de Almeida. 5.ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001. (um resumo, pdf)

 

Guerra em desgaste e paz em Nagorno-Karabakh

02 out

Enquanto a guerra russa/ucraniana entra numa fase de desgaste, uma região de fronteira tem um sinal de paz, ainda que signifique uma perda de território.

A luta pelo domínio da região de Nagorno-Karabakh, de maioria armênia remonta a séculos, entretanto o presidente da autodeclarada república de Nagorno-Karabakh, Samvel Shaharamanyan declarou que ela deixaria de existir a partir de 1º. de janeiro de 2023.

No século 18, quando a região sofria pressão da Pérsia, a czarina russa Catarina II emitiu cartas de proteção a eles, porém o conflito nunca foi totalmente resolvido.

O decreto assinado dissolveu todas as instituições estatais que serão desocupadas até o início de 2024, e mais de 100 mil armênios já deixaram o país, que já tem a presença de militares do Azerbaijão, de maioria muçulmana e apoiado pela Turquia, a Armênia é cristã e apoiada pela Rússia.

A região tem importância geopolítica porque desde a guerra da Rússia contra a Ucrânia, o Azerbaijão fornece milhões de barris de petróleos para a união europeia através do Mar Cáspio pela costa mediterrânea, e recentemente a Rússia anunciou que não fornecerá mais.

O genocídio armênio de 1915-1916 durante o Império Otamano levou muitos armênios a fugirem para esta região de Nagorno-Karabakh, desde então são chamados de azeris, durante a revolução russa a região continuou em conflito com o Azerbaijão, embora ambas fossem repúblicas soviéticas, os anti-armênios da cidade de Shusha mataram 30 mil armênios.

Com o fim da união Soviética, os armênios voltaram a se constituir como nação, mas o conflito de Nagorno-Karabakh permaneceu, houveram vários períodos de lutas na região, agora com a sessão do território esta república autônoma deixa de existir.

Apesar do temor dos armênios separatistas, esta nova situação é um grande sinal de paz.

Rússia e Ucrânia podem se inspirar neste modelo ou algo parecido, o mundo deseja a paz.

 

Narrativa e coerência ética

27 set

A polarização levou ao relativismo ético e o relativismo ético leva a instabilidade social, não há coerência entre o que se diz e o que se faz, tudo é feito para justificar esta ou aquela visão.

A coerência ética deve acompanhar todos primas de nossas vidas ou não é ética, apenas um comportamento conveniente, precisamos cultivá-la na visão social, profissional, religiosa e no âmbito familiar, não é apenas numa área porque o comportamento se torna um hábito.

A nudez de um jogo de vôlei universitário (evento esportivo numa universidade), a discussão sobre o aborto, a lógica da punição política ideológica e os discursos emblemáticos nos órgãos oficiais do país não são mera coincidência, não são tentativas autocráticas, são a falta resultado de um longo processo social onde a ética não predomina.

Um professor de ética de uma universidade após discutir um assunto em sala de aula, pediu que no intervalo os alunos anotassem na cantina ao menos um ato antiético: pés na parede, papéis no chão, fura filas, etc, na volta do intervalo todos alunos tinham algo a contar.

Não se trata também no exagero ou na ausência de punição, mas a medida justa, aquilo que no direito é chamado de punição desproporcional, mas também a ausência de punição é perigosa.

O problema é que Vigiar e Punir é um processo que pode levar a lógica do hospício, Foucault no seu famoso livro mostra que a justiça já no seu tempo deixou de aplicar torturas mortais e passou a buscar a “correção” dos criminosos, mas as práticas educativas são raras e hoje pior ainda, tornou-se unilateral, ou seja, a punição depende da condição e situação do réu.

É aquilo que Byung Chul Han chamou da psicopolítica, uma espécie de volta a tortura por meio de propaganda e visão distorcida dos verdadeiros problemas sociais, trata-se de combater o “inimigo”, e se aplica a lei somente neste caso.

As narrativas confundem a sociedade, criam buracos religiosos e animosidades, não é favorável a nenhum processo social saudável, cria mais divisão e injustiças.

 

O mal e as guerras de Dario

26 set

A separação entre a história humana laica e a religiosa nem sempre é possível sem uma adulteração de ambas por parte de quem a faz de modo particular.

Neste processo também se insere a questão do bem e do mal, é pensamento comum que serão “salvos” aqueles que estão nesta ou naquela confissão religiosa, ou ainda, que de alguma forma aceitaram Deus em suas vidas, esta é só uma parte da verdade.

Diz a leitura bíblica: “nem todo aquele que diz ‘Senhor Senhor!!’ entrará no reino dos céus” (Mt 7,21) e assim a compreensão do que significa de fato fazer um bem agradável aos céus, não é nem de longe o simples compromisso religioso formal ou nominal, é preciso a vontade.

A vontade também não é como uma crença que se espalha nos dias de hoje a reafirmação diária do desejo de determinada coisa, chamada de lei da atração ou “o mistério”, nem é também a vontade de potência como pensou Nietzsche, para o filósofo tudo no mundo é Vontade de Potência porque todas as forças procuram a sua própria expansão.  

Vontade é num sentido espiritual aquilo que está em consonância com a potência que somos e que devemos desenvolver, dir-se-ia uma vocação, porém em atos cotidianos e que exigem a capacidade de discernir entre a própria vontade, muitas vezes impetuosa, e aquela que é um bem.

Aquilo pode-se distinguir melhor o mal, ausência do bem, e este mal, é o que desenvolvemos na semana passada como a inadequação do bem: enriquecer de modo ilícito, ser superior aos outros, julgar por critérios próprios não universais, enfim uma infinidade de questões são um mal não aparente, mas real.

Uma história universal e citada na bíblia é a de Dario no Império Persa, não sendo religioso ele chegou a nomear o profeta Daniel a uma de suas províncias (chamadas sátrapias), determina que o povo hebreu seja repatriado e autoriza a reconstrução do templo, conforme narra o livro de Esdras.

Sem ser religioso reconhece o povo hebreu, assim Dario tem um lugar privilegiado na história bíblica e religiosa, também um outro evento curioso é a guerra dos medos e lídios, após uma batalha indecisiva, no dia 25 de maio do ano de 585 a.C., ambos exércitos encerram a luta por um sinal no céu, que na verdade era um eclipse lunar anular.

Esta data foi confirmada por cálculos científicos, sendo uma das primeiras de eclipse anular registrado, outro igual acontecerá dia 14 de outubro próximo.

Assim pode-se entender os desígnios históricos e divinos mesmo sem uma crença, como fez o rei Dario e fazer aquilo que é justo e bom para os povos e a humanidade.

Em tempos de ameaças de guerra, encontrar este bem pode evitar grandes desastres.

 

Um inverno europeu frio e perigoso

25 set

Entramos na primavera do hemisfério sul e no outono do hemisfério norte, na Europa a preocupação com o estoque de combustíveis para o inverno devido ao embargo russo é crescente, há perigo de racionamento e uma corrida ao uso de carvão, na Polônia por exemplo já há filas para comprar os estoques.

Mas este não é o único aspecto, a redução da oferta de diesel pela Rússia afetará todo mercado mundial e o preço dos combustíveis fósseis pode disparar, segundo a Abicom a defesa no Brasil é de 7% em relação ao mercado internacional e 12% no caso do diesel, e poderá aumentar.

Outra crise é a dos alimentos, porque a Ucrânia manteve boa parte de sua produção o que ajuda o mercado internacional, mas há um conflito do escoamento através da Polônia onde os produtores do país tem proteção e é famoso o porto de Gdansk, já que no mar Negro cresce o embate militar na Criméia.

A crise geopololítica é o problema mais grave, se a Ucrânia perder parte de seu território, países bálticos como Estônia e Letônia que fazem fronteira com a Rússia e Bielorrússia, e Lituânia que faz fronteira com a Bielorrússia se sentem ameaçados (mapa), e a pergunta é quem será o próximo alvo.

O noticiário fala da ajuda da OTAN, porém estes pequenos países devido a sua fragilidade têm apoiado militarmente e materialmente a Ucrânia, há inclusive vários relatos de alistamento de militares na guerra da Ucrânia.

Os Estados Unidos anunciaram mísseis de longo alcance (tipo ATACMS) e o inverno é sempre uma estratégia durante a guerra devido as dificuldades de logística e mobilidade das tropas, agora também devido às provisões e energias para aquecimento.

A Ucrânia propôs um plano de paz que foi rechaçado pela Rússia, Zelenski foi até a assembleia que se realizava e teve conversas bilaterais, inclusive com o Brasil, o que certamente irritou a Rússia, mas além e princípios de paz e ajuda mútua não há qualquer indicio de um posicionamento brasileiro no confronto.

O que se pode esperar para o inverno, não havendo paz é perigoso não apenas para os países em conflito, mas para toda Europa pela proximidade e todo mundo pelas questões econômicas, os combustíveis são só um aspecto.

 

Administrar o bem comum e a paz

22 set

Pensei em fazer um silêncio e apenas escrever hoje PAZ, PAZ, PAZ, mas seria calar diante do perigo da guerra.

Administrar o bem comum é fazer a paz prosperar, desconsiderá-lo é permitir um grande espaço para o ódio, a intolerância, a violência e em uma escala maior: a guerra.

O dia 21 de setembro foi instituído pela ONU como dia internacional da Paz, o secretário geral António Guterres citou em vídeo o efeito de conflitos que expulsam um número recorde de pessoas das suas casas, e não deixou de falar também destes fatores pessoas, outros fatores como: incêndios fatais, cheias e altas temperaturas, aliados à pobreza, às desigualdades e às injustiças numa realidade de desconfiança, divisão e preconceito.

Na Itália um grupo com inúmeras iniciativas sociais lançou uma campanha “Itália unida pela paz”, a Comunidade de Santo Egídio se destaca por uma visão desapaixonada e bilateral sobre os problemas das guerras e da paz, tem autoridade para falar de paz.

Já haviam promovido nos dias 10 a 12 de setembro em Berlim na Alemanha, um encontro religioso que intitularam “A ousadia da paz”, e não faltaram reflexões sobre as desigualdades sociais, as intolerâncias e as injustiças presentes em vários âmbitos em todo planeta.

Precisamos administrar aquilo que a Natureza, o Planeta e o próprios desenvolvimentos humanos nos deram para permitir um mundo mais fraterno, mais justo e mais humano.

Para quem crê tudo isto é dádiva divina, mas é preciso administrá-la bem pois seremos cobrados de alguma forma pelas consequências de nossos atos, como diz a parábola bíblica dos empregados aos quais foram confiados os talentos através do dono de uma vinha.

Chegam os trabalhadores contratos, mas como precisava de mais foi a praça e contratou também os que estavam desocupados, e perguntou porque estavam ali sem trabalho, eles responderam: “porque ninguém nos contratou” (Mt 20,7) e então também foram contratados.

Ao final da tarde pagou o mesmo salário 1 moeda de prata a todos, e alguns que estavam ali desde o início não acharam muito justo, mas o patrão lembro que o combinado era uma moeda de prata então todos estavam recebendo o combinado.

Assim o sentido do bem comum é este todos tem direito ao salário digno, mas é preciso a administração correta e a honestidade e zelo de quem paga, o justo é todos receberem o salário digno.

Mas a paz requer também um coração aberto ao justo e digno direito do outro excluído.

 

Uma voz para a paz

18 set

Poucos foram escritores e jornalistas que não se envolveram em meados do século XX em apelos ideológicos e nacionalistas que faziam a Europa em meio ao enfraquecimento do Império Austro-húngaro e o crescimento de sentimentos militaristas que levavam a guerra, Karl Kraus, um dramaturgo e escritor austríaco (eram nascido em 1874 numa vila da Boemia (hoje republica Tcheca), então parte do Império Austro-húngaro.

Ao contrário do jornalismo de seu tempo que criticava, daqueles que julgavam videntes como Raphael Schermann que estava em evidencia em Viena e que o criticava, a crítica de Karl Kraus era dirigida ao engajamento político-ideológico dos jornalistas de seu tempo, que criticava desde a linguagem vulgar que usavam até a decadência moral de seu tempo que espelhavam.

Famoso e conhecido nos dias atuais por seu livro “Aforismos” (Arquipélago Editorial, 2010), o qual definia como “O aforismo jamais coincide com a verdade; ou é uma meia verdade ou uma verdade e meia”, teve várias obras publicadas recentemente em português,  teve os lançamentos em português das obras “Os últimos dias da humanidade” pela editora portuguesa Relógio d´água e mais recentemente de textos do seu jornal “Die Fackel” (A tocha ou O archote, como preferem os portugueses) que são escritos já na 1ª. guerra mundial, a qual era um dos mais destacados opositores.  

Havia uma edição incompleta d´Os últimos dias da Humanidade, editada pela Antígona em 2003, por seu tradutor português Antônio Souza Ribeiro, lembra o jovem chegado em Viena que já escrevera “A literatura em demolida” de 1897 e “Uma coroa para Sião” em 1898, como “De facto, desenha‑se aqui com clareza o que irá ser a marca distintiva da posição de Kraus no campo literário vienense, definida por Edward Timms como um “isolamento combativo” ”  (pg. 96).

Enquanto os “media” de sua época se engajam em discursos ideológicos de seu tempo, escreve seu tradutor “… pelo contrário, Kraus está a lançar, de forma pioneira, os fundamentos do que poderia hoje chamar‑se uma crítica dos media, no que constitui uma das dimensões de mais flagrante actualidade da sua obra” (pg. 97).

Embora solitário, Karl Kraus não se fechou: ”A realidade é que, ao longo de toda a vida, ao mesmo tempo que se defronta com ódios irredutíveis no interior do campo literário austríaco e alemão, Kraus cultivou um círculo de relações muito alargado, que se intersecta com círculos intelectuais e artísticos relevantes e com vários nomes de destaque das primeiras décadas do século…” (pg. 97).

Com a eclosão da guerra em agosto de 1914, sairia apenas um número da Revista “Die Fakel” em dezembro de 1914 com o texto de 20 páginas “Nesta grande época”.

Depois de publicar novo texto curto em fevereiro de 1915, a revista  “  … volta a publicar‑se, em Outubro de 1915, com um número extenso de 168 páginas, é para se constituir como um espaço de rejeição violenta da política de guerra em todos os seus aspectos” (p. 101).

Além de sua importância para a história do jornalismo, Karl Kraus traz uma grande reflexão para os dias atuais.

RIBEIRO, Antônio Sousa. Os últimos dias da humanidade – manual de leitura, Portugal, Porto: Manual de Leitura Últimos Dias final.pdf (tnsj.pt), 2003.

 

Estoicos, epicuristas e Cínicos

14 set

Sêneca foi advogado e grande escritor, porém foi muito questionado e é ainda hoje, por ter sido preceptor de Nero, é bom lembra que lenda ou fato Nero o condenou ao suicídio por traição, e o filósofo foi coerente com sua teoria contra a ira e o fez pacientemente.

Também é famosa sua frase “Se eu decidisse percorrer uma por uma das repúblicas atuais, não encontraria nenhuma apta para tolerar o sábio ou uma que o sábio poderia tolerar”, era assim consciente de seu tempo e talvez esta seja a razão de estar voltando “a moda”.

Era diferente dos epicuristas porque defendia o envolvimento público dos filósofos, afinal este foi o primeiro argumento no tempo de Platão para fundar sua academia, porém Sêneca chegou a afirmar em “A retirada”, que em certas circunstâncias seria melhor retirar-se da vida pública, porém isto jamais significava uma omissão, e explica-a em “A retirada” desta forma:

“Flutuamos, sendo atirados de um lado para outro; coisas almejadas, abandonamos; o que foi posto de lado, retomamos. Assim, ficamos alternando em fluxo permanente de volúpia e de arrependimento. Estamos condicionados, inteiramente, ao parecer alheio”.

Em tempos de polarização, nem sempre racional, também é motivo para ele voltar à baila.

Além dos “puristas” epicuristas e os “retirados” estóicos como Sêneca, há os cínicos, enquanto os primeiros valorizavam os aspectos “naturais”, o comportamento dos filósofos cínicos apontava para uma distinção filosófica entre os aspectos naturais (physis) e os costumes humanos (nomos), um problema que permeou todo o pensamento filosófico da Grécia Antiga, chegando, de certa forma, também aos nominalistas e realistas da idade média.

Lembro a crítica da razão cínica, obra de Peter Sloterdijk, para dizer que o problema é atual e não por acaso estas correntes ressurgem, ainda que atualizadas por problemas sociais e políticos, apontam uma crise civilizatória.

A sociedade que tenta eliminar a dor, o sofrimento, que cultua a “natureza” lembra também os estóicos, os que tentam destruir a cultura e os costumes humanos, lembra os cínicos, é preciso dizer aqui que não significa o senso comum de dizer o que não é verdade.

Antístenes, de Atenas, e Diógenes, de Sinope, foram os primeiros cínicos, viviam desprezando os costumes e os “sábios” de seu tempo, Sloterdijk diz que hoje “não é um tempo próprio para o pensamento” e de certa forma tem razão, cinismo vem da palavra grega kynikos, que quer dizer cães pela forma que viviam abandonados nas ruas e muitas vezes pedindo esmolas.

Neste pensadores há um fundo de razão pelo qual devem ser estudados, sabiam a crise que a civilização de seu tempo vivia, procuravam dentro de uma sociedade conturbada um vida feliz e longe dos falsos problemas de seus contemporâneos, mas Sêneca e outros não se omitiram na vida pública, razão pela qual ensinavam a valorizar o sofrimento e entender seu porque.

 

A ira e a tranquilidade da alma

13 set

O estóico Sêneca não escreveu apenas da Ira

Brian Wildsmith’s sun

também da Tranquilidade da alma, pode-se encontrar uma edição atual com seu outro livro “a tranquilidade da alma”, não significa ausência de inquietude, de dor ou de erros.

Escreve no seu livro I, ainda sobre a Ira: “Assim, alguns sábios disseram que a ira é uma breve insânia. Ela é igualmente desenfreada, alheia ao decoro, esquecida de laços afetivos, persistente e aferrada ao que começou, fechada à razão e aos conselhos, incitada por motivos vãos, inábil em discernir o justo e o verdadeiro, muito similar a algo que desaba e se espedaça por cima daquilo que esmagou.” (Sêneca, 2014, p 91).

Embora possamos esconder sentimentos a Ira nos desnuda, mostra-se mesmo na aparência a ferocidade animal, uma vez que seu “controle” argumentado por alguns autores é incerto: “Mas para comprovares a insanidade dos que estão em poder da ira, observa a própria aparência deles, pois assim como são sintomas claros dos loucos o aspecto audaz e ameaçador, o semblante sinistro, a face enviesada, o passo apressado, as mãos inquietas, a cor mudada, os suspiros sucessivos…” (Seneca, 2014, p. 91).

Não ignora que outras paixões também possam nos desnudar: “Não ignoro que também as demais paixões são dificilmente ocultadas; que a luxúria, o medo e a audácia dão sinais de si e podem ser pressentidos.” (p. 92), mas também estas se afloram em meio a ira generalizada.

Não ignora a visão de Aristóteles, como supõe alguns autores apressados: “Para sermos nocivos, todos somos poderosos. A definição de Aristóteles não se afasta muito da nossa. Pois ele afirma que a ira é o desejo de devolver uma dor. Encontrar a diferença entre essa definição e a nossa exigiria longa explanação” (p. 94), portanto também sabe que há diferenças.

Sem sair por um altruísmo exagerado, sabe que somos irascíveis, passíveis de alguma ira, porém explica-a assim: “Explicou-se suficientemente o que é a ira. Em que ela difere da irascibilidade fica evidente: como o ébrio difere de quem está embriagado, e o medroso, de quem está com medo” (p. 95), assim há o iracundo, que pode por vezes não estar irado.

Examina se a ira é nossa natureza, e assim de certa forma necessária, por exemplo para a correção, diferencia-a: “Mas este sem a ira, com base na razão, pois ele não é nocivo, mas medica sob a aparência de ser nocivo” (p. 97), é assim médico que cura, não como vingar-se.

Mas será que algumas vezes ela foi útil? Lembra que “O início de certas coisas está em nosso poder, seus estágios ulteriores nos arrebatam com sua força e não permitem regresso” (p. 98) e este também é causa de injustiças que desperta novas iras e novas fúrias, então não cura.  

O sol de Brian Wildsmith é poderoso, mas benevolente (o desenho acima).

Sêneca. Sobre a ira. Sobre a tranquilidade da alma diálogo, transl. José Eduardo S. Lohner, 1a ed. São Paulo, Brazil: Penguin Classics, Companhia das Letras, 2014 (pdf).

 

A guerra fria vai esquentando

11 set

Parece um paradoxo, mas não é, pois fato é que a Europa e todo hemisférico norte caminha para o Outono e depois inverno e em pleno frio os limites da polarização ideológica parecem extrapolar, novas armas, narrativas de vitórias em campos de batalha, etc.

Nem a tragédia do Marrocos (foto), apesar das condolências, parecem despertar um sentimento maior de solidariedade entre os povos, a própria África subsaariana ao lado esquenta com golpes e novas ditaduras militares.

A ampliação do bloco econômico dos Brics também fortalece esta polarização, apesar da reunião do G20, um bloco mais diversificado, a possível criação de uma nova moeda e a nova geopolítica apontam para um conflito que já se instalou em golpes e regimes autoritários, não significa que esta diversificação de moedas e novas forças económicas e políticas não devam existir, mas elas deveriam favorecer o campo diplomático e ao estabelecimento da paz.

No front da batalha mais declarada, a Rússia anuncia uma  imponente arma, não por acaso chamada de Satã II, capaz de transportar vários misseis ao mesmo sem se incomodar com nomes demoníacos, no front da guerra foi enviado um general chamado de Armageddon, Sergey Surovikin, que atuou na Síria e contra manifestações na Rússia, está agora no front.

Do lado da Ucrânia, cuja contraofensiva é mais lenta do que o esperado, novas armas com uranio enfraquecido foram recebidas dos EUA, enquanto treina pilotos dos novos caças de seus aliados, uma mudança de tática mais agressiva deve acontecer antes do inverno.

Há um front da paz enfraquecido, o presidente da Turquia tentou um novo acordo para liberar os grãos que saem da ucrânia pelo mar negro, mas aparentemente sem sucesso e um grande produtor de grãos da Ucrânia faleceu com sua família, quando um míssil atingiu sua casa em Odessa, Olesky Vadatursky.

Também crescem na Web propagandas de feitos na guerra, a paz parece distante e os espíritos e vozes do equilíbrio e do bom senso parecem sufocadas, sempre há esperança e pacíficos.