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Serenidade, originário e paz
Serenidade remete a ideia de uma super qualidade do Ser, vem do latim serenus, que é diferente de paciência que vem de patientia, “resistência e submissão” e é antes confundida com sereno.
Três qualidades do Ser podem ser diretamente ligadas a serenidade: tranquilo, significa resolver os problemas com a paz, calmo que significa manter seu interior em Paz e claro significa expressar e comunicar a paz com clareza.
Heideger escreveu um opúsculo sobre Serenidade, no início termina o capítulo com uma frase que expressa em filosofia uma síntese da serenidade: “quando a serenidade para com as coisas e a abertura ao mistério despertarem em nós, deveríamos alcançar um caminho que conduza a um novo solo. Neste solo a criação de obras imortais poderia lançar novas raízes” (HEIDEGGER, 1959, p. 27).
Falta-nos na concepção de Ser e que Heidegger destaca em sua ideia sobre o originário a ideia de Região, assim como foi traduzido do alemão, mas poderia ser o locus (horizonte)de pertencimento uma nação como Ser em sua verdadeira identidade originária, escreveu Heidegger:
“Não estamos nem nunca estamos fora da Região, uma vez que como seres pensantes […] permanecemos no horizonte […] O horizonte é, porém, o lado da Região virado para o nosso poder de re-presentação (Vor-stellen). A região rodeia-nos e mostra-se-nos como horizonte” (HEIDEGGER, 1959, p. 48).
Aqui é preciso voltar a um dilema do pensamento de Heidegger, tendo em vista que estar em meio à Região é permanecer no horizonte: estar, mas não estar nessa senda originária, significa que é uma re-velação da Região, que se faz visível ao ente, nela seu Ser é.
O filósofo afirma que a serenidade pressupõe o estar liberto (Gelassensein) e a Região a-propria (Ge-eignet) e confia ao ente sereno (gelassen) a guarda da serenidade. ora, se o aguardar é então fundamental e decisivo do qual falamos é a a-propriação ao qual “nós pertencemos àquilo que aguardamos” (HEIDEGGER, 1959, p. 50)
Não ignora o autor a ausência deste conceito no Ocidente, um desconhecimento histórico: “a essência do pensamento não pode ser determinada a partir do pensamento, isto é, a partir do aguardar enquanto tal, mas sim a partir do outro de si mesmo (Anderer seiner selbst), ou eja, a partir da Região, que é na medida em que se religionaliza” (HEIDEGGER, 1959, P. 51).
Nisto de fundamentam as guerras contemporâneas, sem esquecer que muitas delas tiveram origem na disputa dos territórios de povos originários onde seu Ser foi completamente ignorado.
HEIDEGGER, M. Serenidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1959.
Haverá humanismo depois da barbárie ?
Guerras, peste (pandemia) e fome (crise na economia e no abastecimento) tudo parece indicar um caos eminente, e no cansaço as pessoas querem voltar a rotina (o antigo normal) e retomar a vida.
É preciso, entretanto, cuidado, rever o modo de viver, na verdade a verdadeira “Sociedade do cansaço” que vivíamos antes da Pandemia, tratar os problemas que emergem e não ceder ao ódio.
É o ódio, as guerras e a pouca preocupação com a vida que alimenta aqueles que perderam uma verdadeira perspectiva humanista, o poder autoritário, a força e o desrespeito a vida não é humano, nem significa de fato uma “normalidade”.
Atenas sobreviveu a guerra narrada na Ilíada e Odisseia de Homero, provavelmente parte é mítica, e esta era uma importante linguagem da época, mas o poderio dos persas não prevaleceu, a pequena Atenas unida aos guerreiros de Esparta venceram e foram eles que deram origem a civilização ocidental (figura), não por acaso chamado de período helenístico, já Páris, príncipe troiano desejava a Helena, filha de Zeus e rainha de Esparta, e este seria o motivo da guerra.
Sobrevivemos a peste negra e a gripe espanhola, é verdade não sem muita morte e em meio a guerras, porém a humanidade encontrou seu caminho, aliás justamente foi o humanismo da renascença que deu origem a modernidade, hoje em crise junto com a civilização ocidental.
Há o perigo nuclear e sem dúvida ameaça todo planeta, não é apenas a Ucrânia e sim toda uma civilização em cheque, e as únicas alternativas parecem ser a guerra total, mas sobreviveremos.
Mais do que as resoluções tomadas em meio a conflitos que deram origem a duas guerras, agora é preciso apresentar uma nova civilização, um novo humanismo capaz de agregar a família humana e ultrapassar o antropocentrismo e respeitar a diversidade, como diz Morin em buscado do “O Paradigma perdido: a natureza humana”.
Mahatma Ghandi, líder hindu que levou pacificamente a liberdade na Índia do império britânico, disse sobre os 7 pecados causas da injustiça social: “Os sete pecados são: riqueza sem trabalho; prazeres sem escrúpulos; conhecimento sem sabedoria; comércio sem moral; política sem idealismo; religião sem sacrifício e ciência sem humanismo”.
A humanidade sempre encontrou veredas em meio a eminente barbárie, encontrará agora também, nem todos cederam ao ódio, à indiferença e ao poder sem escrúpulos.
Diversas reações ao pensamento dominante
Em países que foram colônias da Europa, emergiu o termo decolonização que se diferencia de descolonização porque penetra justamente no pensamento e na epistemologia dominante (alguns autores chamarão por isto de epistemicídio) que não é a simples liberação de dominação, mas também o ressurgimento de culturas subalternas.
Assim apareceram autores na África (como Achiles Mbembe), na América Latina (Aníbal Quijano e Rendón Rojas y Morán Reyes), além de autores de cultura originária como os indígenas (Davi Kopenawa e Airton Krenak), porém é possível um diálogo com autores europeus abertos a esta perspectiva como Peter Sloterdijk (fala da Europa como Império do Centro) e Boaventura Santos (fala do epistemícidio e também alguns conceitos de decolonização), há muitos outros claro.
Deve-se destacar nestas culturas também a cultura cristã, vista por muitos autores como colaboradora do colonialismo, não se pode negar a perspectiva histórica e também de doutrina que é a libertação dos povos e uma cultura de fraternidade e solidariedade, ela é também minoritária hoje na Europa e perseguida em muitos casos.
Entre os europeus que defendem um novo humanismo, ou um humanismo de fato já que o iluminismo e as teorias materialistas não conseguiram contemplar a alma humana como um todo, e são por isto um humanismo de uma perna só, entre os europeus destaco Peter Sloterdijk e Edgar Morin, o primeiro que defende o conceito de comunidade como um “escudo protetor” capaz de salvar nossa espécie, e o segundo, um humanismo planetário, onde o homem seja cidadão do mundo e as diversidades sejam respeitadas.
Ambos consideram as propostas populistas, é bom saber que elas existem a esquerda e a direita, devem perder com a crise atual e o consumismo global depende de uma atmosfera de “frivolidade” ou de superficialidade que a humanidade será obrigada a repensar, não voltaremos aquilo que consideramos estável, os próprios escritores originários, como Davi Krenak destaca em várias entrevistas, o que queremos voltar não era bom, não havia uma felicidade e bem estar real naquilo que era considerado normal.
Como aspecto de construção do pensamento, em Sloterdijk destaco a antropotécnica, para ele a modernidade foi uma desverticalização da existência e uma desespiritualização da ascese, enquanto o conhecimento e a sabedoria proposta na antiguidade sair do empírico e do enganoso para ir em direção do eterno e do verdadeiro, como para ele não existe a religião, seria um movimento de sabedoria e conhecimento, e não apenas uma ascese de exercícios, onde a alma imortal foi trocada pelo corpo.
Já na perspectiva de Edgar Morin é o hologramático que pode dar ao homem uma visão do todo agora fragmentada pela especialização e pela particularidade de cada ramo da ciência, paradoxo do complexo sistema no qual o homem é uma parte que deve se integrar ao todo, onde “não somente a parte está no todo, mas em que o todo está inscrito na parte”, a pandemia nos ensinou isto, mas a lição ainda foi mal aprendida, em plena crise pandêmica resolveu-se que está tudo liberado e não há protocolo de proteção de todos em cada um (cada parte), e não há co-imunidade.
Um apelo para a paz
A tensão nas fronteiras entre a Rússia e a Ucrânia crescem, depois de estacionar mais de 100 mil homens na região norte da Russia, ao norte, enquanto uma boa região da Ucrania segue com conflitos onde estão as cidades de Luhansk e Donesk, onde os rebeldes pró-Rússia ainda controlam parte do território e é uma região onde mais de 50% da população fala o russo como língua nativa.
A crise teve já um apogeu em 2014, quando os ucranianos depuseram o presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych, em manifestações que ficaram conhecida como EuroMaidan porque a maioria dos ucranianos apoiavam a adesão à Zona do Euro e o presidente não, após diversas batalhas, algumas sangrentas com lutas armadas, o presidente foi deposto e foi eleito Petro Poroshenko, que prometia combater a corrupção e pacificar o pais, e em 2019 foi eleito o roteirista e ator Volodymyr Zelensky, a Ucrânia é semipresidencialista, então o primeiro ministro efetivamente governa, atualmente é Denys Shmygal.
As eleições acontecerão no próximo ano e o presidente ocupa a terceira posição, assim a Rússia sabe da fragilidade interna, enquanto tornar a Ucrânia um país da Otan significa a derrota das forças pró-Russia que atuam na região da Luhansk e Donesk.
As conversações que acontecem hoje com a presença da França, Alemanha e da Ucrânia com a Rússia terá como pauta principal a questão do conflito interno no norte da Ucrania, já que os Estados Unidos e o Reino Unido seguem uma linha de confronto com Putin e não descartam punições econômicas, e em caso de invasão retaliações, ambos países já enviaram tropas e armamentos de apoio à Ucrânia, também o fizeram a Lituânia, Estônia e Letônia, enquanto a Bielorrússia (que faz fronteira com a Ucrânia) recebeu caças e armamentos.
A Rússia fez exercícios bélicos no Mar Negro e deverá fazer um treino conjunto com a Bielorrússia no próximo mês, na medida que as negociações aumentam Putin ao mesmo tempo que aumenta a pressão com forças militares nas fronteiras repete que não pretende invadir a Ucrânia, mas a lista de exigências que faz é enorme, a principal delas é que a Ucrânia não ingresse na Otan, mas não cede em nada.
A posição da China é discreta até o momento, basta lembra que a China é a maior parceira comercial da Ucrânia e grande compradora de grãos e carne.
Entretanto a crise atual já é comparada a crise dos misseis em Cuba na década de 60, mais precisamente em 1962 em que o mundo ficou perto de uma guerra mundial.
No dia de hoje (26/01) os sites do governo da Ucrânia sofreram forte ataque de Hacker entretanto poucos sistemas do governo ficaram fora do ar, em resposta o sistema de ferrovias da Bielorrussia sofreu um ataque atrapalhando os comboios russos.
2021 foi um ano da esperança
O início da vacinação contra a covid 19, o reequilíbrio das forças políticas (Joe Biden tomou posse nos EUA, Olaf Scholz substitui a primeira-ministra Ângela Merkel depois de 16 anos do poder e a recente eleição do ex-lider estudantil Gabriel Boric como presidente do Chile), mostram que a guinada para o conservadorismo está contida, mas houve guinadas a direita como a retomada de militares em Myanmar depondo a presidente eleita Aung Suu Kyi.
Embora com muitos acordos e notícias promissoras, a Bélgica por exemplo vai desativar suas usinas nucleares (porque apresentam perigo inclusive), o desiquilíbrio ambiental é tema não apenas daquilo que ocorre com a vegetação viva do planeta, as águas e clima, mas principalmente fenômeno naturais que emergem de forma perigosa: vulcões em atividade, incêndios florestais, tempestades (recente tragédia na Bahia), polos magnéticos e preocupação com terremotos e movimentação das placas tectônicas, fenômenos espaciais por enquanto estão no campo da ficção e da imaginação fértil.
Apesar do avanço da vacinação terminamos o ano preocupados com a nova variante ômicron, já é a maioria dos casos de infecção, preocupa a Europa e tem um avanço significativo em outros países, incluindo o Brasil, e vem aliada a uma nova gripe H3N2 que já tem vacina, entretanto a variante ômicron parece driblar as vacinas atuais, mesmo com 3ª. dose.
A esperança persiste, embora cansados do isolamento, que teve breves momentos de relaxamento nas medidas preventivas, porém é preciso precaução e resiliência.
O final de ano, as férias e a tendencia de aglomerações no Brasil são preocupantes, em meio a outras tragédias como a das enchentes na Bahia, as autoridades parecem com pouca ou nenhuma capacidade de reação e intervenção diante de uma nova onda possível no país, o número de óbitos que havia caído da faixa da centena, voltou a se elevar para 117 no dia de ontem (29/12), e alguns hospitais já percebem a elevação do número de casos, o país já tem 80% de vacinação na população-alvo.
A palavra “esperança” parece ser a predominante para caracterizar este ano, o que se espera para 2022 dependerá não apenas desta palavra como do uso de medidas preventivas corajosas e não apenas “monitoramento” da situação que é uma medida protelatória, que não evitará a infecção quer seja da gripe H3N2 quer seja da variante ômicron.
Esperança ativa, não apenas esperar e sim agir para que ela aconteça, o lançamento do telescópio espacial James Webb seja para olhar não apenas nosso passado e nossa origem, mas um futuro promissor capaz de construir uma nova humanidade, um mundo mais justo e fraterno.
O vazio e a hiperpolítica
O assunto que deveria interessar a teólogos interessa primeiro a filósofos e escritores como Julian Barnes ( The Sense of an Ending”, que ganhou o premio Man Booker) escreveu: “Eu não acredito em Deus, mas sinto falta dele”, enquanto o cético Peter Sloterdijk escreveu: “Numa cultura monoteisticamente condicionada, declarar que Deus está morto implica um abalo em todas as referências e o anúncio de uma nova forma de mundo” (Slotertijk, 1999, p. 59) e implica abandonar o projeto de unidade planetária.
Em uma linha oposta o professor de literatura inglesa e escritor Terry Eagleton escreveu “Cultura e morte de Deus”, identifica os substitutos iluministas desta morte além da razão e de sua obra mais acabada: o Estado Moderno, algumas formas de racionalização desta “morte” além do próprio Estado: a ciência, a humanidade, o Ser, a Sociedade, o Outro, desejo, força de vida e relações pessoais, chamando-as de “formas de divindade deslocada”.
Como substitutos não é diferente o que elabora Sloterdijk em “no mesmo barco: ensaios sobre hiperpolítica” (1999): “começa uma onda literária que não fala de outra coisa senão de Estado, vida em sociedade, formação humana” (Sloterdijk, 1999, p. 58), diz Sloterdijk refletindo Nietzsche que Código Teológico a parte: “aquilo que inspira nosso tempo com esperança e horror; alguma coisa está morta e só pode desmoronar mais rápida ou lentamente, mas de alguma forma avançam a vida e a civilização e se cristalizam em novidades não compreendidas” (Sloterdijk, 1999, p. 60) e não se trata apenas da nova cepa do coronavírus que assusta, mas de novidades que avançam em discursos polarizados e radicais.
Lembra que não são apenas os discursos de algum aventureiro político de países com convulsões políticas, mas: “Vê-se o elenco político desfilar com algazarra pela mídia e somos lembrados na inapetência premeditada dos torneios municipais” (Sloterdijk, 1999, p. 64), sabe que existem aqui e ali: “megalopatas convincentes da velha guarda” (idem), mas uma “desproporção global entre as forças necessitadas e as fraquezas existentes” (ibidem), ou dito de outra forma estadistas capazes de lidar com as crises contemporâneas.
Chama alguns destes personagens que aparecem aqui ou ali de “atletismo de Estado da globalidade”, mas ressalta que ainda não foi escrito ressaltando as “exigidas consciências” que não deveria ter para uma “profissão: político”, uma residência com opacidade, um programa com o qual é difícil pertencer-se, no aspecto Moral pequenos trabalhos, nenhuma paixão: uma ausência de relação, evolução para o autorrecrutamento a partir de conhecimento e deveriam ser atletas de um “mundo sincrônico” (pg. 65).
A sentença da hiperpolítica de Sloterdijk é drástica: “o tema da ´revolução conservadora´, experimentado há duas ou três gerações” (pg. 67) em que previa certo tipo de nova onda fundamentalista, previa alguns políticos contemporâneos como Donald Trump e Boris Johnson mostram não só que não foram acasos, mas que continuam a espreita de uma nova de política que surge no rescaldo da “síndrome de Krause” (político alemão envolvido escândalos de corrupção), mostrando que não é obra do acaso, não é apenas a ausência do Geist (espírito) ou da falta de subjetividade e aceitação da diversidade cultural planetária, a “política aparece como o equivalente de um quase-acidente coletivo-crônico numa rodovia coberta pela névoa” (Sloterdijk, 1999, p. 69). O livro foi escrito bem antes da ascensão da onda conservadora.
Na sua sentença final Sloterdijk pede que “a hiperpolítica se torne a continuação da paleopolítica por outros meios” (pag. 92).
Sloterdijk, P. no mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. Trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
A verdade e o método
Hans Georg Gadamer é o herdeiro da hermenêutica ontológica de Heidegger, e desenvolveu a hermenêutica filosófica através de sua obra prima Verdade e Método, publicada pela primeira vez em 1960.
Para desenvolvê-la precisou revolucionar a hermenêutica ocidental moderna, através da crítica da estética, a teoria da compreensão histórica e o desenvolvimento da ontologia da linguagem, para complementar o método heideggeriano do círculo hermenêutico.
A publicação de Verdade e Método significa ainda nos dias de hoje, um estudo novo na ciência da interpretação e que entra numa importante fase denominada hermenêutica filosófica, que deve auxiliar as disciplinas humanas a buscar a partir da experiência a compreensão do próprio ser, constituindo uma nova tentativa filosófica de avaliar a própria compreensão como um processo de conhecimento do estatuto ontológico do homem, fundando assim uma nova antropologia.
Enquanto filosofia da linguagem, estamos em pleno processo da viragem linguística, não se constituem apenas o acesso à coisa e não a verdade, pois também a correspondência entre palavra e coisa só ocorre quando se conhece a coisa, dessa forma o aprendizado (ensino, busca, pergunta, resposta e a própria informação) só é feito pelo pensar que conduz as coisas ao mundo das ideias, e assim as palavras não passam de representação de signos ao qual se atribuem sentido. e começa seu estudo por Humboldt.
Foi Wilhelm von Humboldt que utilizou a teoria da “força do espírito” humano como fonte produtora de línguas, a tese dele aborda uma “filosofia idealista que destaca a participação do sujeito na apreensão do mundo, mas também a metafísica da individualidade, desenvolvida pela primeira vez por Leibniz” (GADAMER, 2008, P. 568).
Como forma de questionar a história desenvolvida de modo idealista, Gadamer ao fazer a crítica de Dilthey parte do pré-conceitos, onde o historiador “submete a alteridade do objeto aos próprios conceitos prévios” (Gadamer, 2008, 513), e está assim ilustrado em seu texto: “apesar de toda metodologia científica, ele se comporta da mesma maneira que todo aquele que, filho de seu tempo, é dominado acriticamente pelos conceitos prévios e pelos preconceitos do seu próprio tempo” (Idem).
Para uma nova compreensão, como ponto de partida para uma nova antropologia, interpretar não é um meio de se chegar a compreender, mas entrar no próprio conteúdo do que se quer atribuir um sentido de forma unitária ou unilateral, mas que a “Coisa de que fala o texto vem à fala” (GADAMER, 2008, p. 515).
O texto no final questiona a própria linguística que afirma que cada língua realiza isso à sua maneira, porém o autor ressaltar outro foco procurando uma unidade entre o pensar e falar, isto se infere ao fato que qualquer tradição escrita só pode ser compreendida, apesar da grande multiplicidade das maneiras de falar, identificando uma unidade existente entre a linguagem e pensamento, pensamento e fala, e neste caso qual é a conceitualidade de toda compreensão? A interpretação conceitual é o modo como se realiza a própria experiência hermenêutica.
Como toda compreensão é uma aplicação da linguagem, o intérprete está sempre em um desenvolvimento contínuo de conceitos, a linguagem se mantém viva tanto no falar como no compreender todo o processo de compreensão, interpretação e pensamento.
GADAMER, H.G. Verdade e Método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2008
A paz e alguns conceitos
A Paz é desejada, mas raramente cultivada, sempre que se quer prevalecer uma determinada visão de mundo, ou uma cosmovisão no sentido filosófico mais profundo, na verdade está se preparando um conflito onde pontos divergentes não podem encontrar um horizonte comum.
A pax eterna romana, foi a submissão dos territórios ao império romano, a paz da Vestfália (1648) foi um acordo político para que as cosmovisões cristãs em conflito (romana e luterana) não provocassem guerras entre os reinos monárquicos na época, mas foi o tratado dos Pirineus (1659) que decretou paz entre França e Espanha, a etapa final do conflito e por isto é também parte da paz da Vestfália (na foto a divisão Europa deste período).
Este tratado foi uma noção embrionária para o conceito de paz eterna, vindo do idealismo, que vai se aprofundar no Congresso de Viena (1815) e o tratado de Versailhes (1919).
O conceito de Paz Eterna foi elaborado por Immanuel Kant, como um dos ideais da Revolução Francesa, o estado de paz mundial criava na verdade o conceito de uma “república” única, capaz de representar as aspirações naturalmente pacíficas de povos e indivíduos, este conceito além de neocolonizado (e assim incorpora conceitos da pax romana) está fundamentado numa cosmovisão ocidental e não engloba os conceitos do mundo árabe e oriental, além de desconhecer os conceitos dos povos originários.
A paz numa cosmovisão mais ampla implica aceitar as diferentes visões de relação com a natureza e com os outros povos, diz Caio Fernando de Abreu em Pequenas epifanias: “exigimos o eterno do perecível, loucos”, porque só num modelo de cosmovisão ampla que englobe a paz poderíamos caminhar para uma nova realidade humana e natural.
Numa correspondência trocada entre Freud e Einstein, intitulada “Porque a Guerra?” de 1933 e que foi proibida pelo Terceiro Reich, no texto Freud a questão da interioridade, isto porque muitos que falam de paz querem e provocam a guerra, insistem em suas cosmovisões e querem submeter as outras, assim não colocam a questão da anterioridade, a qual se constitui em entender, considerar a guerra como um conceito quase universal e trans-histórico, mas que se origina na interioridade humana: ambição e poder.
A leitura freudiana, também Lacan fará isto mais tarde , é inscrever a paz de uma maneira inversa da perspectiva kantiana, abordando a questão do infinito, e também escapa de qualquer forma de consideração moral, a reflexão psicanalítica é a possibilidade do poder continuar a se confrontar, para desenvolver uma abordagem nova da coisa “política”.
Há trata-se do bem comum, também mas não só, uma segunda leitura das cartas de Freud e Einstein, acrescenta-se “porque a escolha da guerra”, assim a prévia da existência da guerra em si, fenômeno, processo ou fato que não é possível erradicar ou substituir, pode tornar-se uma busca olhando a ambição humana menos ou mais claramente anunciada, descobrindo a natureza, a essência e a razão de ser, é assim portanto uma questão ontológica de “escolha” da guerra e não da paz, muitas vezes difícil de ser encontrada, mas que deveria ser um desejo primário.
FREUD, S. (1995) “Pourquoi la guerre? Lettre d’Einstein à Freud”, in OCP, v.XIX. Paris: PUF.
A natureza, o homem e o divino
É o desenvolvimento da cultura humana que pode desenvolver estas potencialidades, assim diz Morin: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (Morin, 1977, p. 110), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida dentro do espírito humano.
Somos parte da natureza e o conceito antropocêntrico precisa ser modificado, porém é “só ao nível de indivíduos que dispõem de possibilidades de escolha, de decisão e de desenvolvimento complexo que as imposições podem ser destrutivas de liberdade, isto é, tornar-se opressivas” (idem), mas esta depende do desenvolvimento da cultura, ou da esfera do pensamento (Noosfera de Teilhard de Chardin), sobre isto Morin dirá: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (idem), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida que não pode excluir a Natureza.
Dirá Morin no capítulo de sua conclusão sobre a “complexidade da Natureza”, que no universo dito “animista”, ou mitológico no caso dos gregos, “os seres humanos eram concebidos de modo cosmomórfico, isto é, feitos do mesmo tecido que o universo.” (Morin, 1977, p. 333), e neste ponto Teilhard de Chardin desenvolve o conceito de um universo deificado, ou dito dentro da cosmologia cristã: “cristocêntrico”, razão pela qual foi durante algum tempo acusado de panteísmo (muitos deuses).
A ciência penetra mais e mais num universo cheio de surpresas, do bóson de Higgs à constante de Hubble que estabelece tanto o tamanho como a idade do universo, mas será que isto é a consolidação da unidade da física, chamada hoje de Teoria da Física padrão, porém esta constante já foi modificada.
Em termos astronômicos existe a medida megaparsec, que equivalente a 3,26 milhões de anos-luz de distância, Hubble mediu pela primeira fez 500 km por segundo por megaparsec (km/s/Mpc) o diametro da Terra, mas esta medida hoje varia entre 67 e 74 km/s/Mpc.
Também a natureza do interior do planeta varia e há muitas incertezas, devido a exposição do vulcão Cumbre Vieja nas Ilhas Canárias, muitos cientistas e pesquisadores sérios, há muitos fake News sobre o assunto, percebe-se que não há ainda teorizações claras sobre a natureza destes organismos planetários, sempre presentes nas história do planeta.
O diálogo entre diversas cosmovisões longe de simplificar ou reduzir o pensamento de sua cultura, amplia e auxilia o desenvolvemos das outras, mas é preciso ter clareza que cada uma tem uma contribuição a dar, e cada uma pode permanecer em suas identidades culturais, na maioria delas há sempre uma precedência do divino ao amor humano.
Para muitas cosmovisões o meio divino para poder dialogar com o humano, penetra nos mistérios do universo e pensamento (a noosfera), na cosmovisão cristã isto está explicado em dois passos: Amar a Deus e amar ao próximo, assim diz a passagem bíblica (Mc 12, 29-31) sobre o questionamento feito pelo farisaísmo a Jesus sobre quais eram os mandamentos: “Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes”.
Assim o farisaísmo irá relativizar o primeiro “mandamento” para priorizar o segundo, só o amor ao próximo importa e define o cristão, em geral reduzem ao seu grupo e não dialogam com outras culturas, o segundo (amar a Deus sobre todas as coisas), nega a inclusão do segundo mandamento e caminha para o fundamentalismo e a negação da ciência como cultura, além de negar também outras cosmovisões não cristãs.
O diálogo entre diversas cosmovisões longe de simplificar ou reduzir o pensamento de sua cultura, amplia e auxilia o desenvolvemos das outras, mas é preciso ter clareza que cada uma tem uma contribuição a dar, e cada uma pode permanecer em suas identidades culturais.
CHARDIN, T. O lugar do homem na natureza, trad. Armando Pereira da Silva, Ed. Instituto Piaget, Lisboa: 1997.
MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.
O lugar do homem na natureza
A natureza mantém uma relação como um todo com o planeta e este tem íntima interdependência com os seres vivos e que por sua vez são interdependentes entre si, assim todos os ecossistemas da Terra são apenas simplificações dos estudos de Biologia e estão separados da totalidade que é o planeta, esta é uma das teses do livro A natureza da NATUREZA, de Edgar Morin que nós já fizemos algumas postagens aqui.
Porém queremos dialogar com o conceito antropocêntrico que domina muitos estudos e cada vez mais vemos que é uma limitação já que a natureza tem seu próprio curso, e a interferência brutal do homem pode modificar e prejudicar este curso.
Segundo Ways (1970) citado em Chisholm (1974) existe uma tendência na epistemologia ocidental de objetivar a natureza para vê-la “do lado de fora”, e está é a responsável pela forma arrogante e insensível de lidar com o mundo natural, segundo o autor mesma atitude de separação do homem da natureza constitui a base do crescente conhecimento humano da mesma, sendo, portanto, uma interpretação antropocêntrica da evolução do mundo natural.
Por outro lado, é inegável a complexificação da natureza no homem, como uma animal que tem consciência, ou dito de outra forma tem consciência da própria consciência, o que pode levar a outro extremo que é a “interiorização” onde cultura e natureza se confundem, onde o subjetivismo pode ser uma tendência responsável por esta vertente.
Já o paleontólogo Teilhard de Chardin em sua obra “O fenômeno Humano”, observa que não há nenhum traço anatômico ou fisiológica que distingue o homem dos outros animais superiores, por outro lado tem a característica zoológica que o faz um ser à parte no mundo animal, é o único que habita todo o planeta, outra característica que vem de sua forma de consciência é a sua organização enquanto consciência e estrutura de pensamento, que Teilhard de Chardin chama de “noosfera”, uma esfera do pensamento também mundial.
Quanto ao home resta saber, e nem a ciência sabe, se é um mero acidente superficial que aconteceu ou se há nele uma intencionalidade desde que o Universo foi criado, seja Big Bang ou não, reflete Teilhard Chardin: “que a devíamos considerar – prestes a brotar da mínima fissura seja onde for no Cosmos – e, uma vez surgida, incapaz de desperdiçar toda a oportunidade e todos os meios para chegar ao extremo de tudo o que ela pode atingir, exteriormente de Complexidade, e interiormente de Consciência” (CHARDIN, 1997).
CHARDIN, T. O lugar do homem na natureza, trad. Armando Pereira da Silva, Ed. Instituto Piaget, Lisboa: 1997.
CHISHOLM, A. Ecologia: uma estratégia para a sobrevivência. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.