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O que é justo, como se desenvolveu este conceito
Toda tensão contemporânea envolve algo além da política e da economia, a tensão é sobre a concepção de contrato social e poder.
O conceito de justiça está ligado a modernidade pelo de Contratualismo, através da construção desde pensamento de Thomas Hobbes passando por John Locke e Jean-Jacques Rousseau, tiram o homem de seu estado natural e o colocam para viver em sociedade, vão diferir assim sobre o conceito de quem é o homem: mau por natureza e deve viver sobre tutela, é influenciado pela sociedade e nela se desenvolve ou é um “bom selvagem” que a sociedade corrompe.
O conjunto dos direitos naturais e a teoria do estado da natureza é aquilo que se chama de jusnaturalismo, cujo problema é que o estado de igualdade de direitos gera conflitos e o estado é que deve arbitrar, porém na sociedade moderna isto vem junto ao pensamento liberal utilitarista.
Assim todas elas estão vinculadas a um contrato social estabelecido pelo estado, e a primeira grande crítica é feita por Hegel, o que ele vai entender por vontade geral é um conceito puro, idealista, mantido numa instancia racional, acima de qualquer acordo ou contrato.
Max Weber vai fazer uma reforma mais profunda ao diferenciar dominação de poder, visto que a dominação é a aceitação do poder que pode-se dar de três formas: a legal, a tradicional e a carismática. No entanto em nenhuma delas o uso da força é dispensado e nem sempre a questão social é lembrada.
John Rawls desenvolve e reelabora uma Teoria da Justiça a partir do contratualismo clássico, determinando os direitos e deveres que devem ter para se realizar a chamada “cooperação dos povos” e oferece contribuições a questão social que é fonte de conflitos.
No entanto, teóricos atuais como Emmanuel Levinas e Martha Nussbaum, questionam cada um a seu modo, se o contrato social não tem limitações graves, Nussbaum aponta, exemplo, o problema das pessoas com deficiência mentais ou físicas, o problema sobre a questão dos animais e das florestas.
Levinas parte da exigência ética que existe no trabalho de Rawls para elaborar a ideia que devemos recusar a tentação de impor nossa vontade e nos esforcemos para estabelecer compromissos pacíficos, e assim rejeita a ideia do estado como tendo monopólio da violência e do poder, em certo sentido, também reelabora a questão de dominação e poder, central em Max Weber.
LÉVINAS. Emmanuel. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes, 1993.
Novas tensões e pandemia
Além da guerra entre Rússia e Ucrânia, onde crescem as tensões, a tensão entre Estados Unidos e China aumentaram em função de um suposto balão espião que entrou no céu americano e uma nova tensão entre Azerbaijão e Armênia onde há 130 mil armênios isolados em condições sub-humanas na região de Nagorno-Kabarakh, reivindicada pelos dois países (mapa) e com histórico de conflitos.
Na guerra após a entrega dos tanques alemães para a Ucrânia e a ajuda americana, a Rússia reagiu com fúria prometendo uma ofensiva arrasadora, dia 24 de fevereiro completará um ano de guerra e espera-se até lá uma forte ofensiva russa, além disto há ameaças ao Ocidente e uma ofensiva na Moldávia, que faz fronteira sul com a Ucrânia e assim criar nova frente de combate.
O balão que invadiu território americano, vindo do Canadá e segundo a China se perdeu, uma vez que será tomado pelos americanos (a derrubada poderia ser perigosa), entrou pela região de Montana, norte dos EUA e com possíveis armamentos nucleares o que levou a suspeita, porém a China alega que a medida americana foi precipitada e que se trata apenas de um balão atmosférico, porém a tensão se elevou.
Os líderes de Pequim declararam que “não aceitariam nenhuma conjectura ou exagero infundado” e acusam “alguns políticos e a mídia dos Estados Unidos” de usar o incidente “como pretexto para atacar e difamar a China”, apesar da tensão o clima não é de uma guerra e a questão de Taiwan é um pano de fundo.
A covid-19 segue um roteiro de indefinições, agora há indicações que o Japão enfrenta um crescimento da pandemia, isolado durante as etapas anteriores, o país se abriu para o turismo e isto parece ser um dos indicativos deste inesperado crescimento, o uso de mascaras lá por exemplo, é anterior à Pandemia.
Segundo o site da BBC, o país atingiu um recorde histórico no dia 20 de janeiro com 425 mortes em um único dia, proporcionalmente maior que a América Latina, Estados Unidos e Coreia do Sul, entre outros, os dados são do Our World in Data, que é compilado pela Universidade de Oxford.
Seguem também temores sobre efeitos colaterais da vacina bivalente da Pfizer (imuniza a variante inicial e as novas cepas), segundo o órgão de controle americano de saúde, o FDA, a análise feita em milhões de idosos não identificou risco de AVC, mas especialistas pedem estudo mais aprofundado.
Ser, consciência e clareira
A clareira do Ser foi uma tema importante na retomada ontológica feita por Heidegger, ela é inseparável da metodologia fenomenológica a qual seu professor Husserl foi o principal desenvolvedor moderno, porém fica uma aporia, conforme afirmam na Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, se há de fato uma autodestruição do esclarecimento na modernidade e porque isto se deu.
Não se trata simplesmente então a retomada do Ser, mas como isto pode se dar a partir do método fenomenológico, então duas questão devem ser levantadas: o colocar entre parênteses os nossos pré-conceitos frutos do esclarecimento, o que é chamado por Husserl de epoché fenomenológico, e a questão da intencionalidade da consciência, nela o Ser se desvela, ali residem a maioria de nossos problemas e insatisfações.
A cultura (ou o que restou dela como diz Dalrymple, já postamos aqui) contemporânea vai de contramão neste sentido, aquilo que alguns autores chamam de excesso de positividade, aquela lógica descrita até mesmo como “mistério”, afirmação dos desejos e das necessidades, resumindo a vida vista como utilidade apenas e não como essência ou plenitude.
Assim devemos fazer um “vazio”, um silêncio na alma para que tenhamos a plenitude do ser, afastar os desejos e necessidades imediatistas para poder entender de fato as verdadeiras necessidades e alimentos do Ser que levam a alegria e a plenitude, o simples impulso leva as compulsões temporárias e como tal satisfazem apenas a necessidade imediata, o que é próprio do Ser permanece oculto.
Isto é possível com estas duas medidas: fazer um vazio (epoché) colocando entre parênteses o que é nosso pré-conceitos, reelaborando-os num círculo hermenêutico que permite de fato um novo “conceito”, após a fusão dos horizontes
Por isto, diz a ontologia, que o Ser permanece oculto, está além do que é imediato e aparente, não deve ser buscado “Fora”, mas “dentro”, é preciso verdadeira interioridade, sem manipulações e barreiras, aquilo que muitos pensadores, místicos e espiritualidades atingem, e alcançam uma plenitude, mesmo que temporal, e que é será alimento para uma verdadeira ascese, e esta poderá atingir seu cume.
Para a filosofia e teologia cristã não é possível atingir a verdadeira plenitude sem anunciar e viver seus valores, diz a leitura (Mt 5,14): “Vós sois a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte. Ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim num candeeiro, onde brilha para todos que estão na casa”, porém isto deve ser feito com respeito e fraternidade e nunca com proselitismos e julgamentos.
O ser, a verdade e a consciência
Não é por acaso que ao nos defrontarmos com o maior desenvolvimento técnico da humanidade, o desenvolvimento atual da Inteligência Artificial que ameaça invadir o universo de todas as coisas (a IoT é só um detalhe disto), nos defrontamos também com a pergunta sobre o que é consciência.
Da verdade da antiguidade clássica, a Alethéia (a-létheia) é revelar o que está oculto, passando por inúmeros autores até chegar a Escola de Frankfurt onde Adorno e Horkheimer que fala da aporia do esclarecimento, aquele que no início da modernidade procura obter uma verdade “objetiva” e que oculta o ser.
Nesta questão da verdade, Heidegger que desenvolve a questão do esquecimento do Ser e da ocultação da verdade, a desenvolveu como: “na frase seguinte onde se escreve sobre a ‘verdade‘, fica evidente que se mantém a representação da essência da verdade ditada por algum manual moderno de epistemologia, deixando inalterada e intocada a essência da aletheia” (Heidegger, 1998, p. 115), diz o autor sobre autores que ficam presos apenas a etimologia da palavra.
Já os frankfurtianos assim descrevem a questão do esclarecimento: “A aporia com que defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objecto a investigar: a autodestruição do esclarecimento. Não alimentamos dúvida nenhuma – e nisso reside nossa petitio principii – de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor” (Adorno & Horkeimer, 1947) que reduzem a um pequeno princípio, já que não veem como central a questão do Ser.
Ao questionar o que é consciência, ou o que é senciência na questão da Inteligência Artificial, não estamos questionando outra coisa que não seja o que nos separa das coisas, em última análise o que é o Ser e se de fato ele tem apenas o sentido de “objecto” que nos quis dar o esclarecimento moderno.
Também nos deparamos com os princípios éticos e morais ao “desvelar” (a-lethéia, não-oculto) a questão do Ser, retomá-la não é apenas um exercício de etimologia da palavra verdade ou de exercício filosófico, é antes de tudo fazer uma pergunta essencial, um lato principii: “o que é ser” e o que está oculto.
A possibilidade da clareira não é outra coisa que aquela que nos põe não diante da verdade desenvolvimento logicamente, para onto-logicamente, e a partir dela definir o que é consciência, desenvolvida por Heidegger da seguinte forma: “a consciência é o apelo da preocupação a partir do estranhamento do ser no mundo que desperta o Dasein para o seu poder ser culpado mais próprio” (Heidegger, 2012, p. 791).
Fica a pergunta se é possível para todos os seres, e para o homem moderno atual, uma “tomada de consciência” aquela que revela no seu interior como uma iluminação da consciência, além do ódio, da polarização, da intolerância e das narrativas que escondem a verdade do Ser.
Recorrer a adivinhos, auto-ajuda, não faz a roda da história e da verdade andar para trás, caminhamos no escuro, na ocultação e não na consciência do Ser.
ADORNO, T. W. T. W. & Horkheimer, M. Dialética do Esclarecimento, 1947.
HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
______, Ser e Tempo (edição em alemão e português). Tradução de Fausto Castilho. Campinas: Unicamp; Petrópolis: Rio de Janeiro, 2012.
A crise idealista e a retomada ontológica
A evolução do iluminismo tanto na política como na economia culminou no hegelianismo, após a passagem pela crítica da razão por Kant, é a última grande teoria que procura realizar uma totalidade “integrada”, sujeita a contradições “dialéticas” (é diferente da dialética da antiguidade clássica) e segundo seu modelo a finalizada última seria atingir a plena essência espiritual, que pouco ou nada tem a ver com religiosidade.
Foi assim a ascese materialista dialética que terminou num enorme vazio e no “esquecimento do ser”, termo usado por Heidegger para contradizer as teorias que desde Descartes esvaziaram e criticaram a leitura metafísica da realidade, na etimologia da palavra a meta-physis, neste caso o grega, já que sua origem é de lá, segundo Aristóteles era a primeira ciência, dava conhecimento sólido sobre as coisas, e o estudo se confunde com a ontologia, o “ser enquanto ser”.
Para Kant este estudo se confunde com o de costumes, é um conhecimento não-empírico ou racional, seu estudo sobre a moral e a “subjetividade” vai partir desta relação com os costumes culturais e aqui já há uma forte dose de relativismo, e aprofunda o dualismo entre Sujeito x Objeto, esquecendo o “Ser”.
Assim aquilo que é subjetivo, teórico ou metafísico vai caindo em descrédito e crescem as teorias da objetividade, da praticidade e do realismo empírico, isto não será feito sem contradição, porém a própria definição de dialética idealista é esta, o desenvolvimento deste conceito a partir de si mesmo.
Platão definia a dialética como a arte de pensar, de questionar e de organizar as ideias (eidos grego – imagem, já postamos algo), assim não estão fora de questão nem a teoria (também o idealismo é uma teoria, por sinal pouco prática), nem a metafísica nem o “ser”.
A teo-ontologia do final da idade medida vai estabelecer as relações entre o ente e o ser, segundo Tomás de Aquino ele “é infinito. Por isso, se ele se torna finito, é necessário que seja limitado por alguma coisa, que tenha a capacidade de recebê-lo, isto é, pela essência”, presente em sua tese “O ente e a essência”.
Em meio a crise do pensamento idealista, veja o post anterior, surge uma nova corrente a partir de Franz-Brentano na metade do século XIX, que retoma a fenomenologia e a ontologia trabalhando sobre a intencionalidade da consciência humana, que era um estudo específico em Tomás de Aquino, para tentar descrever, compreender e interpretar os fenômenos como eles se apresentam à percepção.
Brentano foi professor de Husserl, que relê Descartes e Kant, e elabora a fenomenologia com diferente sentido dado pelo seu professor Brentano, procura separar o que é empírico, assim o fenômeno do ato mental não é algo que aparece instantaneamente na mente, mas depende da memória e elabora a partir daí os conceitos de protensão e retensão, a discussão sobre o que é consciência hoje chega aos objetos da Inteligência Artificial.
Heidegger foi aluno de Husserl, e a partir dele pode-se considerar tanto a viragem linguística (nem todos autores concordam) quanto a retomada ontológica.
As luzes do iluminismo
Ainda vivemos sob a égide do iluminismo, o forte movimento da Europa do século XVIII, seus princípios pareciam conduzir a uma sociedade perfeita falando de liberdade e igualdade entre os seres humanos, desejando abolir tanto os poderes da realiza quanto a influência da religiosidade cristã, Voltaire e Diderot foram os pensadores mais radicais, mas não pode deixar de sentir as influências de Immanuel Kant, Adam Smith, David Hume e Montesquieu.
Ernest Cassirer faz um dos importantes tratados sobre o Iluminismo, cita Diderot: “O Autor da natureza, que não me recompensará por ter sido um homem de espírito, tampouco me condenará às penas eternas por ter sido um néscio” (apud Cassirer, p. 224), porém o autor corrige tanto o aspecto da tolerância, é preciso lembrar das guerras entre luteranos e católicos envolvendo diversos reinados e a paz da Vestfália, quanto o aspecto agora de uma religiosidade livre que “deixou de ser dádiva de uma potência sobrenatural, da graça divina; ela deve brotar da própria ação e receber da ação suas determinações essenciais” (Cassirer, p. 225).
A ideia também desenvolvida por Cassirer de um intelectualismo “puro”, por um lado coloca um primado do pensamento sobre a pura especulação teórica e por outro procura fundar um a religião “nos limites puros da simples razão”, claro sem a fé, sem o mistério (que é parte da natureza) não é mais religião.
A insuficiência e o reducionismo cartesiano, um argumento forte de Cassirer ao iluminismo, fizeram vários filósofos buscarem raízes na filosofia oriental, Cassirer lembra Leibniz que já “citara a civilização chinesa” e nas Cartas persas, Montesquieu faz uma comparação entre Oriente e Ocidente, mas serão Schopenhauer (Upanishad) e Nietzsche (Zaratrusta) que sob estas influências orientais romperão com a filosofia iluminista.
Leibniz não é contestado diretamente, mas seu discípulo Wilhelm Wolff que “celebra Confúcio como um profeta de grande pureza moral e coloca-o a par de Cristo” (Cassirer, p.226), será alvo da ironia de Voltaire em seu célebre “Candido, ou o otimismo” (1759), critica a ideia do “melhor dos mundos possíveis”.
No aspecto econômico foi importante para superar a filosofia do mercantilismo e desenvolver a teoria liberal (em especial Ada, m Smith) sobre o conceito da economia das nações, porém o liberalismo se desenvolverá de modo mais amplo com a ideia de capital financeiro de David Ricardo (1772-1823).
A crise civilizatória que apontamos nos posts da semana passada (e anteriores, é claro), tem suas raízes no iluminismo e suas ideias de estado, religião e liberdade, porém como aponta Cassirer importa “rejeitar o sentido literal da Bíblia toda vez que aí se encontra expressa a obrigação de um ato que contradiz os princípios elementares da moral” (pg. 228), porém em seu Tratado sobre a Tolerância (1763), é traçada uma lei do mundo intelectual “que a razão só existe e subsiste se for recriada dia após dia” (pg. 229).
O desenvolvimento de Cassirer entretanto é que “não se pode decidir sobre o seu valor ponto de parte a sua eficácia moral. É esse o significado em Lessing do apólogo do anel: a verdade última e profunda da religião só se prova desde o interior” (pg. 230).
Para estes filósofos somente a objetividade (a relação com o objeto exterior) é conhecimento, e este é alcançado numa “transcendência” do sujeito em relação ao objeto, assim não há sentido nem valor em uma ascese moral, assim para eles religião é a religião natural, embora não tenham boa relação com a natureza.
CASSIRER, Ernest. A filosofia do iluminismo. Trad. Álvaro Cabral. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1992.
Consciência humana e senciência maquínica
Consciência envolve aspectos espirituais humanos (na filosofia idealista chamada de subjetividade) e aquela que faz o homem ter uma verdadeira ascese que eleva seu caráter, suas atitudes e sua moral numa escala progressiva de aprendizagem, onde é admitido o erro, mas corrigido de forma humana.
Senciência é o fato que temos percepção consciente de nossos sentimentos, é a capacidade dos seres (humanos, pois não acreditamos que uma máquina mesmo sofisticada possa ter esta ascese), e nos seres ela passa a sentir as sensações e sentimentos de forma consciente.
Na figura uma representação do século XVII, um dos primeiros estudos foi o matemático inglês Robert Fludd (1574–1637).
Quanto menos conseguimos ter consciência de nossos sentimentos, menos temos senciência e menos capacidade de entender nossos sentimentos, a tentativa de traduzir as sensações (os tipos de risos, alegrias, tristezas, etc. para a máquina), sempre estarão subjeitas a algoritmos, mesmo que muito sofisticados, e por isso chamo de senciência maquínica, já que a consciência maquínica está descrita de diversas formas, por diversos autores.
A verdadeira consciência humana é assim aquela que nos permite alcançar níveis de ascese de diversas formas: altruísmo, colocar-se no lugar do outro, viver uma vida justa e apreciar a justiça, enfim uma verdadeira espiritualidade que nos eleve como humanos, e também é aquela que está ao alcance dos que sofrem com injustiças e barbáries humanas.
Para os cristãos aquilo que nos faz alcançar uma verdadeira ascese está descrito nas chamadas bem-aventuranças (Mt 5,1-12) que fala dos pobres, dos aflitos, dos mansos, dos que tem forme e sede de justiça, dos que tem capacidade de perdoar e falaz com clareza do desejo da paz: “bem aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados de filhos de Deus”, assim em todos circunstâncias que se vive em dias sombrios é preciso promover a paz.
Os contornos de intolerância e violência, não só na guerra da Ucrânia, mas em quase todo o planeta deve preocupar os que defendem a paz.
A Inteligência artificial e seus limites éticos
Numa sociedade em que todos os limites éticos já foram ultrapassados, até mesmo o de não presar mais pela vida nosso bem mais fundamental, a evolução da Inteligência Artificial, mesmo com inúmeros acordos éticos dos quais participaram as grandes empresas (Amazon, HP, IBM, Google, etc.), por exemplo, para não produzir armas inteligentes, assistimos o uso indiscriminado em drones na guerra Ucrânia e Rússia, na qual estão envolvidas as potências e suas empresas.
A evolução da IA deu um salto com a internet, a facilidade de informações que correm pelas veias das redes eletrônicas (estas sim são redes) e incentivam as mídias eletrônicas (que são apenas meios disponíveis aos homens) é tão abundante quanto impactante, da noite para o dia, ilustres desconhecidos se transformam em “influencers” e ganham notoriedade, entre eles adivinhos, profetas, políticos e artistas nem sempre com muita moral e ética.
Isto deveria ser tão ou mais preocupante que o desenvolvimento da IA (inteligência artificial), porém o uso das “mídias” por estes influenciadores são sim muito preocupantes, e não se tratam apenas de fake-news, mas todo tipo de barbárie que vai desde o vocabulário até o impacto político, nisto se insere nossas leituras das semanas anteriores de Dalrymple e Zizek, mais ligados aos aspectos cultural e político, que sem dúvida são mais delicados.
Como o tema também é delicado, agora no sentido intelectual de conhecer suas potencialidades e perigos ainda não claramente analisados, como por exemplo, uso de algoritmos genéticos (AG) apontado por Margaret A. Boden, em seu livro “inteligência artificial: uma brevisissima introdução” (Editora Unesp, 2020).
Ela explora, entre várias outras coisas, com clareza de quem é especialista na área, o problema dos ciborgues e trans-humanos, como sugeria Kurzweil que preparava seu próprio corpo para tornar-se um trans-humano.
A diferença entre ciborgues, os implantes médicos de diversas próteses já são claramente possíveis, para o trans-humano, “em vez de considerar as próteses como acessórios úteis para o corpo humano, elas serão consideradas como partes do corpo (trans-)humano” (Boden, 2020, p. 206), onde a força e a beleza humana poderão ultrapassar os limites genéticos e isto de tornariam características “naturais”.
Assim como Jean Gabriel Ganascia (francês que escreveu O mito da singularidade), Margaret Boden também não acredita na ultrapassagem da máquina acima da inteligência humana, este é o ponto da singularidade, e assim também a consciência humana “transcendente” como discutimos, não está submetida a uma “implausibilidade intuitiva” da pós-singularidade (pg. 207).
Sem dúvida a máquina poderá realizar tarefas incríveis e numa rapidez jamais sonhada pelo homem, aliás já o faz, porém “transcendência” não é isto.
BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: ed. Unesp, 2020.
Um ano de guerra e três de pandemia
Em 31 de dezembro de 2019, a organização Mundial da Saúde (OMS) era alertada sobre casos de pneumonia na cidade de Wuhan na China, no Brasil embora tivessem casos sem diagnóstico preciso, lembro de um caso que foi noticiado em Minas Gerais, somente no dia 11 de março quando a OMS caracterizou o quadro como “pandemia” iniciou um processo de combate no Brasil.
Faltam dados precisos, entretanto a OMS continua falando de avanço dos números e da variante Kraken (outra chamada Orthrus apareceu na Inglaterra, já sendo 1/5 dos novos casos) e a China tem tido recordes de infecções.
Aos que não lembram 11 de março de 2011 foi também a data de um tsunami que afetou a usina de Fukushima (na foto o tsunami em Minamisoma, Japão), só para lembram que tanto desastres naturais quanto os de uma guerra podem afetar os 447 reatores nucleares em operação em 30 países (segundo dados da WNA, Associação Nuclear Mundial), além dos armamentos nucleares que crescem em todo mundo.
Em reunião na base aérea militar Ramstein na Alemanha, assinaram apoio a Ucrânia os membros da EU, Canadá, Japão, EUA, e entre os países da América Latina assinaram Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai, o Brasil não assinou.
Já o pedido de envio de tanques Leopard, os mais avançados e fabricados na Alemanha não foram decididos, a Finlândia poderá enviar 200 unidades que possui deste tipo de veículo militar, na próxima reunião entrará em pauta o envio de caças de 4ª. Geração, a Rússia possui os poderosos MIG-31 com capacidade de ataque e interceptação de aeronaves em combate.
Os alertas deveriam estar seriamente discutidos por aqueles que dizem lutar pela vida e pela paz, o uso da retórica não funciona mais devido as mídias sociais, a todo momento mentiras de campanhas eleitorais e declarações populistas são confrontados com a realidade cada vez mais bélica.
Multiculturalismo e diversidade
Como traçamos nos posts anteriores não há como falar de conflito e paz nos dias de hoje sem abordar a questão de fundo cultural e nelas as ideias filosóficas que são um pano de fundo e como não poderia deixar de ser é também discutido por Zizek.
O discurso da diversidade cultural, traduzido politicamente em multiculturalismo não resolveu os problemas do mundo contemporâneo, Ângela Merkel falando em 17 de outubro de 2010 a um encontro de jovens da União Democrata Cristão declarou: “Essa abordagem multicultural, que diz que simplesmente devemos viver lado a lado e sermos felizes uns com os outros, foi um completo fracasso” (pg. 51), e ali introduziu o debate da Leitkultur (cultura dominante) que insistiam “que todo estado é baseado em um espaço cultural predominante que deve ser respeitado pelos membros de outras culturas que vivem nesse mesmo espaço” (idem).
O que se constatou é que “o conflito sobre o multiculturalismo já é um conflito sobre a Leitkultur: não é um conflito entre culturas, mas um conflito entre visões diferentes sobre como culturas diferentes podem e devem coexistir, sobre as regras e as práticas que essas culturas devem compartilhar, se quiserem coexistir” (idem), e o que aconteceu foi que a cultura dominante queria ditara sua visão de diversidade particular.
Fui certa vez num diálogo entre cristãos e não-crentes cheio de animo e curiosidade e o que assisti era uma tentativa de impor uma visão particular de cristianismo sobre o ateísmo, dupla traição e nenhum diálogo.
Esclarece Zizek, ao falar dos gays: “Nesse nível, é claro, nunca somos tolerantes o suficiente, ou sempre somos tolerantes demais, negligenciado os direitos das mulheres etc. A única maneira de sair desse impasse é propor um projeto positivo universal, compartilhado por todos os interessados, e lutar por ele” (ibidem), este é o final do Cap. 3 “O retorno da má coisa étnica” que evito de propósito para apenas ouvir e calar, já que como branco de descendência europeia, sou parte da Leitkultur.
Assim como querem muitos pensadores europeus, Edgar Morin em sua defesa de uma cidadania global, Peter Sloterdijk que pede que a Europa desperte, a seu modo Zizek pede uma Leitkultur emancipadora positiva, “não apenas respeitar os outros, oferecer uma luta comum, porque hoje nossos problemas são comuns” (Zizek, 2012, p. 52).
O capítulo 4 poderia agora ser reescrito, uma vez que “o deserto da pós-ideologia” cedeu lutar ao retorno da luta ideológica do início do século passado, estamos andando em círculos e andamos para trás.
Todo o restante do livro fala da primavera árabe, dos movimentos “occupy” e finaliza para “além da inveja e do ressentimento”, aquele que Nietzsche desenhou tão bem, mas basta ver os discursos atuais e eles não são senão ressentimentos e ódios destilados e invejas mal sucedidas e “os sinais do futuro” da conclusão parecem agora obscurecidos por falta de sutilezas, clarezas e políticas sãs e interessadas no bem comum.
ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.