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Corpus Christi e a espiritualidade
Há aqueles que acreditam na transubstanciação durante a consagração da hóstia e do vinho durante o culto religioso e aqueles que pensam tratar-se apenas de algo simbólico, outros ainda acreditam a mais pura adoração leva a salvação, e esquecem que ela deve ser levada ao mundo, então há a realização eucarística entre os homens e no mundo.
Não é de estranhar uma fé bastante fideísta (sem obras) e outra bastante mundana (só as obras bastam), isto ocorre dentro e fora das igrejas por razões óbvias, ali de faz eucaristia, ou seja, a comunhão dentro da igreja deve ser levada na alma para o mundo, tornando-se uma “alma mundo”.
Tanto para Plotino como para Agostinho de Hipona, a “alma” era a visão do Uno, ou seja, da verdadeira comunhão e ela não se faz sem Deus e não se realiza se não é levada a substancia, aliás é curioso que pão e vinho não são substancias da natureza, são feitas pelo homem do trigo e da uva, assim só se realiza na “alma mundo” pela ação dos homens em sociedade.
Embora o dia tenha sido instituído pelo papa Urbano IV, 1264, para ser celebrado na quinta-feira após o domingo da Santíssima Trindade, ele antes de ser papa conheceu uma menina chamada Juliana que sonhava com esta festa eucarística.
Porém é pouco contado na história que o feriado foi declarado depois de um “milagre” que ocorreu numa igreja de Bolsena, na Itália, de um padre que duvidava das visões de Juliana, na hora da consagração, momento na missa católica que se eleva o pão e o vinho, começou a verter sangue que mancho o corporal (toalha) sobre o altar.
A maioria das igrejas cristãs não católicos ou de ritos ortodoxos e orientais, celebra apenas uma ceia simbólica que lembra a última ceia de Jesus, Lutero na reforma protestante não usou mais o termo transubstanciação e sim consubstanciação, vinho e pão eles corpóreos de sangue e carne de Cristo, mas um dos líderes da reforma Ulrico Zuínglio convenceu os “reformados” que era apenas uma Ceia do Senhor simbólica como memorial de sua morte e ressurreição.
Seja qual for a fé professada, a comunhão com o Uno que é Deus e com os homens, sua realização na humanidade não pode ser feita sem uma verdadeira comunhão “entre” homens, nas igrejas de rito greco-romano isto é feita com a cerimonia do lava-pés, lembrando que Jesus lavou os pés dos apóstolos (João 13,1-17) (acima a pintura na igreja Santa Maria del Mar, Barcelona).
O Ser, a Dor e a Páscoa
Este é um tempo que não aboliu a Dor, porque conforme desenvolvemos em posts anteriores ela é inerente a existência, porém a condenamos a opô-la ao Ser e a Felicidade, o filósofo Byung Chul Han escreveu: “Justo na sociedade paliativa hostil á dor, multiplicam-se dores silenciosas, apinhadas nas margens, que persistem em sua ausência de sentido, fala e imagem”. (HAN, 2021, p. 57).
Nada é mais paradoxal na pós-modernidade do que a Dor, imagina-se então a Cruz como símbolo de liberação e de vida, alguém poderia até dizer: o absurdo, porém Paulo Apóstolo adverte: “Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos procuram sabedoria; nós, entretanto, proclamamos a Cristo crucificado, que é motivo de escândalo para os judeus e loucura para os gentios.” (Coríntios, 1:23).
É nesta perspectiva que se explicam violências raciais, de diversas formas de exploração e daquilo que Byung Chul Han chama de “auto exploração”, não precisamos mais que outros nos explorem, nós o fazemos voluntariamente, incita-se a um cotidiano com a marca da contagem e não do Ser.
A Pandemia poderia ser ocasião para a dor solidária, mas foi mais um impulso para a exclusão, para o isolamento, para o fortalecimento das barreiras e das angústias individuais, que explodiram em crise de ansiedade, de diversas formas de ignorar a dor alheia, a ponto de negá-la totalmente.
Demorou, mas na batalha final contra a Pandemia cedemos a fatalidade, ao delírio de festas públicas fora do tempo, o desejo de extravasar e tentar ignorar a dor pelo êxtase das alegrias passageiras, segue um ciclo euforia e depressão.
O que aparece no horizonte deste delírio são guerras ainda mais infernais, desejos de dominação e de mais poder, ignoram-se vidas com justificativas quase sempre absurdas: era inevitável, não há como detê-los sem armas, etc. mais guerras, mais mortes, mais sofrimentos e quebra de mercados.
Ao que parece ignorando a Paixão divina, caminhamos a largos passos para uma “paixão” (de sofrimentos) civilizatória, humanitária e um abismo maior do que aquele que seria conviver e gerenciar as dores de uma civilização e uma pós-modernidade doentes e com horizonte sombrio.
Resta a esperança dos que creem na superação solidária de uma humanidade adormecida, de um centro civilizatório equilibrado que recupere não só o processo de hominização como também a sua solidariedade com a natureza e o universo que vivemos.
Esta é uma leitura possível para a Paixão Divina daquele que por amor suportou as dores humanas, só uma “passagem” pela Dor pode nos fazer entender uma nova humanidade possível.
HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.
A sociedade paliativa ou a ausência da dor
A sociedade paliativa explica Byung Chul Han nada tem a ver com a medicina paliativa, pois explica o filósofo coreano-alemão: “Assim, cada crítica da sociedade tem de levar a cabo uma hermenêutica da dor. Caso se deixe a dor apenas a cargo da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo” (Han, 2021).
Lembra um ditado de Ernest Jünger: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, assim não é possível uma crítica sociedade sem uma hermenêutica da dor, a relação com cada sofrimento não só o produzido pela história, mas aquele que está na particularidade de cada Outro.
“A sociedade da sobrevivência perde inteiramente o sentido para a boa vida. Também o desfrute é sacrificado à saúde elevada a um fim em si mesmo” (Han, 2021, p. 34).
Lembra e cita Agamben na sua visão de homo sacer e via nua: “Sem resistência sujeitamo-nos ao o estado de exceção que reduz a vida à vida nua” (Han, 2021, idem).
Na sociedade paliativa “A arte de sofrer a dor se perdeu inteiramente para nós … A dor é agora, um mal sem sentido, que deve ser combatido com analgésicos. Como mera aflição corporal, ela cai inteiramente fora da ordem simbólica” (Han, 2021, p. 41), os grifos são do autor.
Assim hoje remove-se a dor qualquer possibilidade de expressão, ela está condenada a calar-se, e “a sociedade paliativa não permite avivar, verbalizar a dor em uma paixão” (p. 14), grifo do autor.
HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.
VARGAS, Cecília. Systems of Pain/Networks of Resilience project in one gallery. Curated by Cecilia Vargas, Dickson Center at Waubonsee Community College, June 2018 (foto).
A dor, o Ser e o Outro
A dor é essencial na existência, o filósofo Byung Chul Han no ensaio “A sociedade paliativa a dor hoje” escreve falando sobre a pandemia e a redescoberta do Ser: “Sinto dor, logo existo. Também devemos a sensação de existência a dor. Se ela desaparece inteiramente, busca-se por substitutos” (Han, Vozes, 2011, p. 65).
Porém a dor do Outro nos é estranha, escreve Han: “A nudez da alma, o ser exposto, a dor com o outro, estão inteiramente perdidos para nós” (Han, p. 104), não há com-paixão.
Por isso a crueldade da guerra, os líderes totalitários que expõe este tipo de desprezo pelo Outro, por sua dor, no caso da Pandemia pelo número de mortos estão tão anestesiados, não dói em nós então não existe, o que é uma falsificação do ser, pois é Ser somente com-o-Outro.
A megalotimia, a supervalorização do si mesmo, ou do grupo social ao qual pertende, é tanto para Chul Han como para Fukuyama (que escreveu “O fim da história”, mal lido e interpretado), inspirados por Nietzsche que este é o “último ser humano”, que desvenda esse tipo de anestesia: “um pouco de veneno de vez em quando: isso dá sonhos agradáveis” (Han, p. 105).
É importante para compreender porque admitimos a morte, mesmo que injustas (dos inocentes e dos contaminados pelo vírus) porque não a imaginamos como não vida, não dói em nós, e a dor do outro não é sentida, pode até ser denunciada por aspectos grupais, porém não como ser e como Outro.
Porém não foi Nietzsche que “matou Deus”, nem mesmo o divino em nós, a paixão da cruz é a dor-com-o-Outro, não faz sentido senão um divino Ser que se entrega pelo Outro, e aí é puro Ser, é divino Ser.
Ao julgar Jesus e mesmo não encontrando crime algum entrega-o a crucificação, e mesmo condenado o divino Ser que será submetido a uma crueldade de espinho, açoites e finalmente crucificação, ainda olha para a humanidade de seus algozes e diz: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lucas 23:34).
Quem matou Jesus foram o poder do Império Romano, uma face do poder totalitário, e os fariseus: má religião e má interpretação daquilo que deveria ser nossa re-ligação ao divino.A dor é essencial na existência, o filósofo Byung Chul Han no ensaio “A sociedade paliativa a dor hoje” escreve falando sobre a pandemia e a redescoberta do Ser: “Sinto dor, logo existo. Também devemos a sensação de existência a dor. Se ela desaparece inteiramente, busca-se por substitutos” (Han, Vozes, 2021, p. 65).
HAN, B.C. Sociedade paliativa: a dor hoje. trad. Lucas Machado. Petrópolis: Ed. Vozes, 2021.
Estivemos fora para atualizações
Feliz Páscoa!!!
O site esteve fora para atualizar o software.
A Páscoa dos pães ázimos à eucaristia
É verdade que a Pascoa comemorada pelos cristãos como a paixão, morte e ressureição de Jesus, já era comemorada com a passagem do povo hebreu da escravidão no Egito a sua terra prometida, hoje Israel, porém a festa é mais antiga.
Os dois sinais mais fortes do cristianismo é a morte de Jesus justamente no lugar do cordeiro que é sacrificado na festa judaica, lembrando o cordeiro que foi sacrificado por Abraão no lugar de seu filho, e sua ressurreição no dia de Páscoa, ou seja, a passagem para a vida eterna.
Porém a data é mais antiga, o calendário judaico é lunissolar, ou seja, se baseia nos ciclos do sol e da Lua, diferentemente do cristão que fica entre os equinócios do outono/primavera no hemisfério norte, e verão/outono no hemisfério sul.
A festa era comemorada ainda no exílio do povo judeu no Egito, calcula-se que a cerca de 3.500 anos, eles sacrificavam um cordeiro sadio, de um ano, numa data chamada de dia 14 de nissan, durante uma semana consumiam pão sem fermento e ervas amargas, e o sangue do animal era usado para marcar os umbrais das residências dos judeus, para que o anjo da morte que passaria não adentrasse aquelas casas.
Os pães consumidos neste período por serem sem fermento, são chamados pães ázimos que dão origem a festa que antecede a Páscoa, na sexta-feira o cordeiro é sacrificado, e deverá ser consumido antes do amanhecer e o que não for consumido deve ser queimado.
Jesus foi sacrificado justamente numa sexta-feira da Pascoa judaica e isto confirma o sinal profético previsto na bíblia, e na quinta-feira realiza a ceia com os pães ázimos, entretanto ao purificar e repartir o pão e o vinho, afirma: “este é meu corpo e meu sangue” instituindo a Eucaristia cristã, na qual acontece um evento aórgico, uma substância inorgânica torna-se orgânica e neste caso divino, eis a hóstia consagrada.
Os cristãos chamam de transubstanciação, porém todo nosso corpo, exceto a alma para os que creem, é também composto de substância inorgânica, e na escatologia cristã todo universo será transformado em corpo de Cristo, na visão de Teilhard Chardin sempre o foi, pois todo ele é seu corpo.
Assim pode-se dizer que o futuro do universo e da humanidade é tornar-se todo eucarístico.
Para os cristãos católicos, pelo menos no Brasil, é uma realidade triste, o lockdown proibiu a eucaristia no dia em que ela é celebrada, a quinta-feira santa.