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Arquivo para a ‘Atual’ Categoria

A sabedoria e o amor

29 set

Talvez o maior dos paradigmas e assim o mais suscetível a erros humanos é o Amor, pode-se falar da classificação grega: eros, philia e ágape, porém quero liga-lo aqui a sabedoria no sentido de uma felicidade plena, não aquela que produz frutos utilitários, mas espirituais.

Há um livro “A sombra do amor, sobre o conceito de amor em Heidegger” e outro que foi tese de Hannah Arendt, não parecem mas estão ligados, pois foi no período de tese que Heidegger e Arendt tiveram um romance e assim ela passou a ser orientada por Karl Jaspers.

O texto de Heidegger que é uma compilação de cartas só existe em francês, então retornemos ao conceito alemão do “Dasein” agora para ressignificá-lo e dar uma conotação ligada ao Amor:

“No significado costumeiro, porém, quer dizer, por exemplo: a cadeira “está aí”; o tio “está aí”, ele chegou e está presente; daí: presença” (Heidegger, 1994, p. 300).

Pode parecer uma simples manobra literária, mas não é, também outros autores (Fernandes, 2011) faz esta alusão inclusive a compara com a “parousia” e “adventus”, que adquire uma conotação mais religiosa, aqui não é necessária.

Assim é uma presença de uma ausência, porém o amor passa também pela linguagem e pelo pensar, assim “o pensar é, pois, fundar, no humano o “médium” para dar-se da verdade do ser. É, por conseguinte, cofundar o humano como presença: ser o aí-do-ser. Neste sentido a ontologia fundamental é uma arrancada para a passagem, para embalar-se para o salto, um primeiro movimento em favor da fundação da verdade do ser no humano como presença. Isso comporta uma transformação do humano de senhor do ente em pastor do Ser”.

E esta é a principal contestação de Sloterdijk em Heidegger o fracasso desta domesticação humana, ou aquilo que em Heidegger é “cuidado” e que a modernidade não conseguiu resolver.

A principal ideia de Heidegger sobre o Amor é a sua presença em uma Ausência, a ela pode-se acrescentar aquilo que desenvolvemos em tópicos anteriores: o trabalho com a incerteza e os erros, ou seja, saber viver e trabalhar diante das dificuldades naturais da vida.

Referências:

HEIDEGGER, M. Beiträge zur Philosophie (Vom Ereignis). Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann. 1994.  

FERNANDES, M. A. O cuidado como amor em Heidegger. Rev. Abordagem Gestalt. Vol. 1, n. 2, Brasil, Goiânia, dez. 2011.

 

O fosso entre ricos e pobres

23 set

Os mais variados estudos, comentamos alguns nos posts desta semana, apontam para uma separação entre ricos e pobres praticamente estável quando não crescente em alguns países, este modelo nunca poderá garantir um desenvolvimento humano social sustentável, as guerras e pandemias aumentam ainda mais este fosso.

O problema mais grave que é a miséria extrema, este já analisamos e postamos em fevereiro deste ano uma análise da pobreza global (gráfico ao lado), e também, em outro post o problema social pós covid 19.

A sustentabilidade do desenvolvimento econômico e social humano, depende não apenas do aumento das riquezas e da produção social, é preciso encontrar o equilíbrio onde tanto a mobilidade social das classes como a mobilidade étnica dê sustentabilidade e supere as desigualdades.

O problema da sustentabilidade não é secundário, muitos modelos distribuem riquezas só que empobrecem o país como um todo, isto porque os aspectos de investimentos e estratégias mais seguras de modelos econômicos só são pensadas em torno da distribuição da renda, o contrário onde só há aumento sem distribuição é menos sustentável.

Serve para este modelo a parábola bíblica de Lázaro e o Rico, o pobre que vivia a margem e quando o rico se vê condenado, aqui a parábola vale tanto pessoalmente quanto socialmente, pede que seja concedido a ele avisar seus parentes deste risco, mas diz a bíblica os profetas já diziam e vocês não ouviram, quanta gente e ações políticas já denunciaram o grave fosso social.

Para quem não conhece diz a parábola bíblica (Lc 16,19-24): “Naquele tempo, Jesus disse aos fariseus: 19“Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão, à porta do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas. Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado. Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado. Então gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas’ “.

O homem rico vai pedir também que avise seus parentes e a leitura lembra que eles tiveram profetas e não ouviram.

 

Agora os horrores da guerra

05 abr

A retirada de Kiev longe de ser pacífica e encaminhar para uma cessar-fogo parece ter colocado mais gasolina numa guerra que aos poucos retoma os horrores e a barbárie da 2ª. guerra mundial.

As fotos e os fatos de Butcha, um dos distritos em torno de Kiev revela cenas de mortes de civis com crueldade e genocídio, dirigentes de toda Europa já se pronunciaram, e o próprio presidente da Ucrania Zelensky foi verificar em loco as valas comuns e civis mortos com as mãos amarradas, além de casos de estupros delatados.

Enquanto agências internacionais falam em 280 corpos, a Ucrânia afirma ter encontrado 410 corpos de civis, em valas comuns ou abandonados nas ruas, muitos com as mãos amarradas, enquanto a Rússia nega estas atrocidades, o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov disse que houve “falsificação de vídeo”, no entanto não apresentou nenhuma evidência para comprovar.

Seguem acusações dos biolaboratórios na Ucrânia, também sem provas, se verdadeiro também são condenáveis, mas não servem para justificar a morte brutal de civis que deixa a guerra em outro patamar, onde os acordos ficam mais difíceis e distantes.

Há uma nova ordem mundial, ou pelo menos uma tentativa de implantá-la, os polos econômicos e políticos se deslocaram e uma grave crise econômica e alimentar se aproxima, como enfrentá-la?

Será preciso rever valores, se a barbárie não nos despertar as esperanças ficam mais difíceis, a própria pandemia já deveria ter nos alertado para uma nova onda de solidariedade e de preocupação, não se trata apenas de um vírus, mas de atitudes que seriam esperadas das lideranças e da população, quantas pequenas guerras ainda subsistem sem abertura ao diálogo.

Se em si já é horrorosa esta guerra e a pandemia, mais horrorosas são as atitudes de indiferença e descaso, até mesmo torcidas que se organizam ou que desprezam a desgraça que ocorre ao lado.

Que os horrores da guerra sirvam ao menos para despertar um humanismo sincero, a preocupação e a responsabilidade pelo Outro, o respeito mútuo e o diálogo, ou caminhamos para uma realidade ainda pior a qual não fizemos nada para tentar evitar, ou fizemos pouco.

Paz, paz e esperança, é o grito de quem olha com amor pela humanidade e para o Outro.

 

Vulcões e possibilidades de terremotos

24 nov

Além da crise civilizatória, as forças da natureza parecem estar mais despertas que o normal, o vulcão das ilha La Palma, do arquipélago das Canárias, território da Espanha, desperta grande interesse pelo volume de lava que espero chegando perto já de dois meses e sem dar sinais de trégua.

Os terremotos, o número de bocas abertas pelo vulcão (já são 5), a gravidade da situação da ilha que apesar de estar confinada ainda não foi feita nenhuma evacuação de grande volume, tem suscitado debates até mesmo no mundo científico, o último é sobre um terremoto de profundidade 3,4 ou 34 km que aconteceu nestes dias, isto porque a profundidade menor indicaria novas bocas de lavas e um maior risco para a alguma mudança abrupta na estrutura da ilha que é composta de falhas no seu interior e falésias, grandes depressões rumo ao mar.

Há vários terremotos ativos, alguns são do tipo estramboliano, são vulcões com erupções explosivas como emissão de lava essencialmente efusiva, e ejeção de cinzas e gazes como enxofre, em lavas incandescentes, também lançam bombas vulcânicas de rochas que são lançadas de dezenas a centenas de metros de altura, o vulcão Cumbre Vieja de La Palma é deste tipo, além do aspecto chamar mais atenção é de fato mais perigoso, pelos terrenos onde as lavas podem chegar, pelos gazes e em alguns casos pela deformação do terreno.

Eles estão ligados aos terremotos que são resultados das movimentações das placas terrestres, e a preocupação maior não é esta ilha situada no Oceano Atlântico, mas porque ela pode ser a representação em pequena escala do que pode acontecer numa escala maior no oceano pacífico onde há um grande círculo de fogo, nome dado a uma grande junção planetária de regiões de vulcões e terremotos bastante frequentes e onde é especulado a possibilidade de um Big One, um grande terremoto a partir da falha de San Andres, na placa americana.

A possibilidade real em La Palma é um pequeno tsunami próximo a ilha, as consequências seriam sem dúvida devastadoras, seriam de grandes terremotos no círculo de fogo, ou a erupção de grandes vulcões como a cadeira vulcânica Yellowstone, o vulcão Havaiano Kilauea sobre os quais existem apenas especulações sensacionalistas.

As consequências em La Palma ainda é uma incógnita, mas o vulcão continua ativo e ao contrário de acalmar, estes dias foram de grandes explosões e terremotos fortes.

 

Estivemos fora para atualizações

04 abr

Feliz Páscoa!!!

O site esteve fora para atualizar o software.

 
 

Sobre a verdade e a filosofia

27 jan

Foi o racionalismo que levou a duvidar da existência exterior (o Outro, os objetos e o castelo exterior), já na clássica divisão corpo e mente, a questão até o final da idade média era entre realistas e nominalistas, os primeiros diziam que o real é que existe e os segundos que somente nomeamos o que é exterior, o que existe está na mente, hoje há a reviravolta linguística.
Imannuel Kant afirma que as percepções dos sentidos são posteriores à experiência enquanto é necessário um a priori universal, usando o argumento dos realistas, chama-o de juízo analítico enquanto os primeiros são os sintéticos, feitos a partir da junção de informações.
O ápice do idealismo é Hegel, que estabelece vários conceitos ideais: o estado, o espírito e a ética, porém a crise da modernidade retornará a velhos dilemas: a linguagem, o discurso e o que é a coisa ou o Ser, há então três reviravoltas: a linguística, a ontológica e a do “sagrado”.
Karl Klaus (1874-1936) já reclamava sobre a verdade no meio jornalístico, é verdade que a indústria cultural movimentou massas, e as Mídias de redes agora também, mas e a verdade?
A verdade da facticidade perdeu força, há visões alternativas e até mesmo a corrupção dos fatos, algo absurdo como “fatos alternativos”, não se trata absolutamente de hermenêutica pois é justamente sua ausência, a falta de um círculo hermenêutico onde os pré-conceitos sejam superados e se possam traçar novos horizontes que re-interpretam os fatos e constroem o futuro.
Os grupos entrincheirados em suas meias-verdades não se comportam senão como torcidas, a dialógica, a aceitação do Outro e a Empatia não são senão formas demagógicas como tentativas de cooptar membros para a própria torcida.
Claro que há um futuro latente, setores da sociedade onde a cooperação, a solidariedade e o exercício de enxergar o Outro já é exercício, são grupos e pessoas que trocaram a maneira dogmática de ver o mundo por uma visão mais ampla, além do grupo e da torcida.
Mas ainda há aqueles que cerrando fileiras em seus “grupos” vão exigir a obediência cega, o respeito a “autoridade” e não raramente vão apelar a métodos autoritários para dobrar o Outro.
A verdade irá emergir em meio ao caos, nos nichos da sociedade onde há Phronesis, verdadeira reflexão, olhar o mundo como um Todo e o Outro com respeito a suas particularidades.

 

A paz desejada e não construída

19 jan

Sabemos que a “pax romana” era a rendição ao império que dominou boa face do mundo civilizado de então, é hoje certo que já haviam povos em diversas partes do planeta, mas seus registros paleontológicos não deixam muitas marcas de suas culturas, e, talvez como pensou Rousseau “o bom selvagem” vivia em paz, porem no conflito natural com a natureza.
A “paz eterna” elaborada pelos idealistas e idolatrada pelos adoradores do “estado moderno”, pouco é aprofundada porquê de fato para muitos será este o estado, desculpem a ironia, final da humanidade, devendo apenas ser aperfeiçoado.
Kant publicou no ano de 1798, numa revi ta de Berlim, o ensaio “Anúncio da próxima assinatura de um tratado para a paz perpétua em filosofia”, que foi uma retomada de seu ensaio feito dois anos antes: “Para a paz perpétua”, que ficou confinada na sua filosofia.
Isto porque o objetivo era resolver a paz no interior de um só Estado, ou no plano das relações entre diferentes Estados, que podemos ver mesmo com o surgimento da ONU e com o aumento de nações democráticas, que em essência a ideia de Estado permanece iluminista.
Deste ensaio pode-se supor que o que o filósofo entendia por filosofia significa que se os sistemas da filosofia encontrassem uma solução para seus conflitos eles poderiam auxiliar os sistemas políticos a resolverem seus conflitos, por isso permanece no campo idealista.
O conflito entre objeto e sujeito, que faz supor que é no objeto que se encontra o conflito e não no sujeito é a hipótese do sistema idealista/iluminista, mas é na facticidade dos sujeitos históricos que estão os conflitos, entendo estes não como a historicidade romântica, pois facticidade é o conceito heideggeriano do sujeito lançado no mundo com seus fatos.
Assim o que se entende por paz além do idealismo é aquela passível de ser construída na facticidade do dia-a-dia, em cada conflito encontrado em cada fato, sem estar confinado aos pressupostos teóricos ou filosóficos, mas ali onde está o “ser lançado no mundo”.
A paz, portanto, é construída e não um acordo entre estados ou no seu interior, o tratado de paz da 1ª. guerra mundial levou a segunda, dizem alguns leitores da história mundial, o fato é que houveram duas guerras e os estados “modernos” não só não evitaram, como são autores.
“Se deseja a paz, constrói a paz”, dizia um político italiano, bem poucos entendem isto.

Um pós-pandemia será problemático, pode inclusive caminhar para uma crise civilizatória, onde muitas providencias deveriam ser tomadas já a partir de agora.

 

Escatologia e o ser-para-a-morte

24 nov

De onde viemos e para onde vamos, cada cultura tem uma escatologia própria, a modernidade e em especial o idealismo se caracteriza por desprezar a ideia de infinito, de mistério e consequentemente da morte, vista como fatalidade ou simples finitude da vida, aos que veem pessimismo em Heidegger é preciso analisar se há coerência escatológica (origem, vida e fim). 

Da filosofia de Lévinas (Totalidade e Infinito) à poesia de Goethe (Fausto), do romance de Tolstói (A morte de Ivan Ilitch) à ontologia de Heidegger (Ser e Tempo) a morte é mais que um conceito ou um tema, é a própria indagação do ser, em Lévinas  o infinito é próprio do ser transcendente enquanto transcendente, o infinito é o absolutamente outro, assim não se podem pensar o infinito, o transcendente, o Estrangeiro (em Lévinas) como sendo objeto, mas como Outro que não é outra coisa senão Ser.

O idealismo ao querer viver sempre acima do real, deseja ignorar ou “transcender” a morte (no sentido falso de objeto) e por isso tergiversa sobre ela, mas diante das tragédias de uma pandemia, de uma crise que pode tornar-se civilizatória, ele imobiliza-se ou parte para o psicologismo, neste campo também há um tratamento fenomenológico adequado, afinal Franz Brentano pai da psicologia social reinaugura na modernidade a fenomenologia, a psiquiatra Kübler-Ross (Sobre a morte e o morrer, Martins Fontes, 2002) estudou aquele estágio da doença em que o paciente se pergunta “Porque eu” e aprofundou o tema.

A análise em Heidegger, para não ser superficial, deve abordar três temas correlatos: Cuidado, Impessoalidade e silêncio, senão é a análise que chamamos de epistemologia ou escatologia incompletas, uma vez que elas se deparam apenas com o pessimismo diante da morte, nem a boa psicologia a vê assim.

Antes um esclarecimento, o termo ontológico se refere ao questionar o fato de existir, o Dasein (ser-aí) não apenas é, mas tem percepção que é, para a fenomenologia assim não se pensa primeiro em si e depois no mundo, pois as duas coisas são indissociáveis, e assim é uma epistemologia ontológica.

Para ajudar o que é este ser-aí, precisamos aprofundar o que Heidegger chama de superação do mundo fático, e assim quanto ao super o mundo da impessoalidade, ele consegue se desvencilhar de uma razão estruturada dotada de sentido, de uma maneira já dada do existir e do Ser.

Safranski, um biografo autorizado de Heidegger, a interpreta assim: “A angústia não tolera outro deus além de si, e isola em dois sentidos. Ela rompe a relação com o outro, e faz o indivíduo isolado cair fora das relações de familiaridade com o mundo”, ela é sentida pela “queda”, pelo horizonte sombrio.

Assim na impessoalidade abandona a ideia de “todos morrem”, que em vida esquiva-se do ser-para-a-morte, para o seu pensar em sua morte solitária, cai naquela angústia descrita em Ivan Ilitch de Tolstói.

Sobre o Cuidado, Heidegger se apropria da fábula grega na qual Jupiter e Cuidado que está dando forma a argila brigam pelo nome que será dado a figura criada, e chamado Saturno como juiz ele diz que a Júpiter pertencerá o espírito pois foi ele que o deu a forma, enquanto Cuidado terá a terra, já que a formou, o filósofo alemão usará este sentido, muito engenhoso, para dizer o ser-para-a-morte para assim encontrar algo além da finitude da forma.

Por último o aspecto do silêncio e da solidão são invocados para descobrir o si-mesmo, e posteriormente voltar ao mundo já senhor de si-próprio, e aberto a relação com os outros, que já não é mais utilitária (tão própria dos idealistas) e nem por meio de diretrizes fixas (tão própria das escatologias incompletas), há assim um Ser além do finito e aberto ao infinito, não há pessimismo algum, que o diz é má leitura.

 

O poder e os dons

10 nov

É possível que alguém que tenha dons muito especiais tenha também poder, mas apenas como um serviço a determinado grupo e em certo contexto, as duas coisas pouco se confundem, e confundi-las é quase sempre um artificio demagógico.

Pessoas sabias receberão cargos ou estarão em estruturas de poder apenas por mérito, ou porque há uma necessidade de seus dons para aquela estrutura ou centro de poder, porém se são pessoas que desejam o poder a todo custo, raramente terão os dons necessários para aquilo para a qual são designados.

O poder já foi estudado na filosofia de diversas formas, na polis grega ele era um convite a cidadania, porém quase todos os filósofos (é claro depois de Socrátes e dos sofistas) deveriam se formar em valores e ter virtudes que contribuiriam para um cargo dentro da polis grega.

Entre os filósofos contemporâneos Max Weber definiu poder como a imposição da vontade de uma pessoa ou instituição sobre os indivíduos, enquanto para Marx o poder reside naquele que possui os meios materiais de produção de capital, que na sua época era as fábricas e as terras, mas hoje seriam as grandes corporações, os donos das mídias verticais (TVs, Radios, etc.) enquanto para Michel Foucault o poder na contemporaneidade não se encontra centralizado, mas dissolvido na sociedade, também criou o conceito de biopoder, enquanto as práticas pelas quais os estados modernos procuram regular os sujeitos e “obter a subjugação dos corpos e controle de populações”.

Peter Sloterdijk escreveu sobre a situação “timótica” de nosso tempo, o termo “thymós” está na base da teoria de Platão para designar os “órgãos” de onde nascem os impulsos, as excitações, as afecções mais inflamadas, parecem de fato algo comum em nossos tempo, não reagimos com reflexão as situações de poder e de comando para quase sempre emocionalmente, por impulso.

Byung Chul Han, que foi aluno de Sloterdijk escreveu sobre o psicopoder, influenciado pelas mídias verticais e claro também presentes nas mídias de redes sociais, onde o estado de alta tensão timótica é instaurado pelas sucessivas e repetitivas notícias que garantem este estado.

Os dons pessoais, coletivos ou sociais de cada pessoa ficam submersos a estas estruturas de poder e propaganda, semelhantes ao fascínio que exerceram os discursos de ditadores e populistas no período da guerra e posteriormente, e não podemos imaginar que isto esteja longe da realidade atual.

Quais são os dons daqueles que poderiam servir a população se não estiverem subjugados a este ou aquele grupo de pressão, é cada vez menos plausível, então o palco para demagogos e populistas está em aberto, e os ditadores estão a espreita.

 

Uma cidadania planetária

06 nov

A crise pandêmica mostrou que nossos problemas mais sérios são globais, afetam todo planeta, a segunda onda que já está na Europa não tardará a chegar nos diversos continentes, se é que já não chegou em pequenas doses, elas nos levam a pensar planetariamente o que parece difícil com a polarização política.

O que é preciso é abandonar velhas propostas, e tornar possível a convivência da liberdade privada com as fortes urgências sociais, a proposta do banqueiro dos pobres Mohanmmad Yunus vai nesta direção, eliminar a pobreza, a emissão de carbono e garantir empregos para todos, tornou-se na pandemia mais urgentes.

Não é a proposta única, é claro, outra como economia solidária, criativa, grupos de cooperativas de pequenos agricultores, podem compor uma ecossistema produtivo capaz de se adaptar a interesses e vocações locais de produção e de vida humana, é preciso sobretudo sair do excesso de consumo e do stress social.

Não é menor nem desprezível os aspectos culturais nos quais se incluem as religiões e crenças (no sentido lato da palavra) dos povos e nações, faço distinção porque muitas nações já tem em seu interior povos de origens culturais diferentes, o que aqui se chama de cultura originária, nas quais incluem-se também as indígenas.

Não há um concerto claro de como isto pode ocorrer, um amplo diálogo pan-nacional (o que dissemos a pouco de “povos”) é fundamental para organizar um novo ecossistema social aonde o fundamento da seguridade social aliado a liberdade pessoal esteja como premissa para traçar este futuro.

Por enquanto, como uma família que desorganizou as contas da casa, e colhe muitos dissabores desta desorganização, ainda há ditaduras de diversas ideologias no planeta, guerras como tentativas de submissão cultural, novos tipos de colonialismo, embora tenha surgido uma forte corrente de decolonização (o termo é esse), o que acontece no planeta pode ser uma ruptura em situações graves e própria “casa comum” pode reagir, o que já chamamos de mutação aórgica.

Uma passagem bíblica fala sobre a sabedoria e os que a procuram, ela é um estágio acima da simples inteligência, é preciso estar aberto ao novo e deixar também o que ela “entre”, diz o livro da Sabedoria (Sb 6,13-15): “Ela até se antecipa, dando-se a conhecer aos que a desejam. Quem por ela madruga não se cansará, pois a encontrará sentada à sua porta. Meditar sobre ela é a perfeição da prudência; e quem ficar acordado por causa dela, em breve há de viver despreocupado”.

Assim a sabedoria está aliada ao dom da “prudência”, e meditar sobre ela é “a perfeição da prudência”, a ignorância cria apenas fanatismos e crueldades.