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Arquivo para julho, 2020

O mal estrutural e simbólico

17 jul

Estando claro que não se trata da luta do bem contra o mal, mas a ausência do bem ou a banalidade do mal, existe então uma noite no ocidente que não pode ser desvelada se ficamos na superficialidade ou na “frivolidade” como apontam alguns autores, o bem é frágil, mas não frívolo.

Para entender o problema do “mal simbólico” tratado por Paul Ricoeur, deve-se olhar suas bases na fenomenologia eidética de Husserl e na filosofia existencialista de Gabriel Marcel, sua busca é o que dá sentido à liberdade (a visão moderna do livre-arbítrio) e a relação de reciprocidade entre a experiência voluntária e involuntária humana, isto é essencial para entender o mal simbólico.

A aparição original da questão da consciência (de algo) vem da ligação que Franz Brentano faz ao retomar a subcategoria intencionalidade, que rompia a identificação cartesiana entre consciência e autoconsciência, onde intencionalidade revela-se primeiro voltada ao exterior e assim está projetada para fora com orientações objetivas que vão desde a percepção e imaginação até a vontade, a afetividade e a apreensão de valores (destaca-se a empatia).

O que é voluntário e involuntário depende desta “grande tese”, enquanto Husserl operava na consciência à análise da percepção e dos atos “representativos”, Ricoeur  alargou para as esferas do afeto e da vontade.

Assim o que é voluntário está na alternância entre o impulso vibrante da emoção e o ponto de vista do hábito, enquanto o involuntário “absoluto” (simbólico ou estrutural) fica sob aquilo que chamou de caráter (não no sentido moral, mas no de “característica”).

O ponto de apoio que tem na filosofia existencialista de Gabriel Marcel, sem abandona a “análise eidética” é a problemática de um sujeito capaz de distanciar de desejos e poderes, dono de suas ações (e assim voluntárias) e servo das necessidades do inconsciente, o caráter, zona não revelada na consciência real e na vida, embora pareça fica fora das competência do concreto, do histórico, ou do que chama de ocasião, é o reino empírico da vontade,  vista em três momentos.

A primeira é a decisão humana resultado de um projeto para o mundo (aquilo que Heidegger mudará para visão de mundo), a ação comporta tanto a dimensão de um projeto com os outros no mundo, como pessoal ou subjetiva, entretanto não as separada e chama-as de corpo, e o corpo é visto tanto como voluntário quanto involuntário, mas há um “consentimento”.

Assim Ricoeur mostra os exageros do idealismo, e torna o “hábito” de tal forma a habitá-lo e torná-lo habitável, e o que o autor aponta que o homem pode falhar (sua obra O homem falível, da década de 60), e a culpa constituída e à consciência dela são expressas nos símbolos da cultura.

Afirma importância da linguagem mítica para tratar esta simbólica, assim a parábola do joio e do trigo (Mt 13,24-29), que afirma que a semente “boa” do trigo floresce junto com o joio (que deverá depois ser descartado), há três situações: a semente que cresce, a que é sufocada pelo joio (simbolismo do mal) e a que cai entre as pedras e não tem raízes (o caráter de Ricoeur seria isto).

RICOEUR, Paul. A simbólica do mal (H. Barros & G. Marcelo, Trad.). Lisboa: Edições 70, 2013 (Original publicado em 1960).

 

O razão e o mal

16 jul

Para demonstrar duas verdades, Agostinho de Hipona escreveu longas páginas no seu livro “Sobre o Livre-Arbítrio”, praticamente todo o livro II (do capítulo 3 ao 17), onde conclui que todos os bens procedem de Deus, inclusive o livre-arbítrio, e questiona se este bem deveria ser dado ao homem.

Tanto Agostinho (De Trinitate) como Boécio (Opuscula) defenderam a cooperação entre fé e razão, porém será na Alta Idade Média que Tomás de Aquino e também Duns Scotto, em correntes diferentes (realista e nominalista) defenderão que o uso da razão é complemento da fé.

Enquanto Tomás de Aquino vai defender a distinção entre Ser e essência, Scotus vai elaborar a lei da analogia, que afirma que não podemos conceber o que é ser algo sem conceber este algo existindo realmente, assim uma coisa que existe (si est) é o que ela é (qui est).

O importante tanto em Tomás de Aquino quanto em Duns Scotto é a complementaridade entre fé e razão, assim a ideia que Descartes, Kant, Leibniz e Hobbes sejam herdeiras dele é muito simplista, o que vai acontecer é a substituição dos argumentos da fé, por argumentos racionais, o fato que sejam importantes, isto deve ser estudado a partir dos aspectos ontológicos.

Assim, o argumento ontológico foi retomado por Franz Brentano, incorretamente chamado de neo tomista, pois apenas retoma uma sub categoria do “ser” que é a consciência, a hermenêutica e a fenomenologia que é retomada a partir dele, e terá desenvolvimento em Husserl, Heidegger e Gadamer é uma filosofia ontológica, tendo em comum a questão metafísica do Ser.

Hanna Arendt e Paul Ricoeur que vem destas correntes retomam a questão do “mal”, mas as questões da razão e toda a literatura moderna é analisada (Descartes, Kant e Hegel).

 

A luta do bem contra o mal, fragilidades do bem

15 jul

O mal em Agostinho de Hipona no livro VII das Confissões, é ausência de bem, assim como todo o universo é ordenado, ainda que agora descobrimos um universo com energia e massa escura, buracos negros, seminovas e galáxias sumindo e aparecendo, e muitas leis novas na astrofísica, ainda assim, há uma hierarquia, onde algumas coisas sobressaem as outras, e é para isto que Agostinho chamou a atenção, e já havia em Agostinho a questão do livre-arbítrio.

Mas uma lição dura mesmo para religiosos como Agostinho, que abandonou a filosofia de maniqueu, é a luta do bem contra o mal, e isto ainda domina parte do dualismo filosófico, onde ser inferior não é ser do mal, há coisas boas inferiores e coisas más superiores, assim o importante é a perda de sentido do que é bom ou mal, aquilo que Hanna Arendt chamou de “A banalidade do mal” (Companhia das Letras, 1999), assim alguém pode fazer algo “inferior” sem ser “mal”.

Assim há dicotomia entre a “luta” pelo bem e a “guerra”, trabalhar e lutar pela vida, ou eliminar o adversário.

Aqueles que querem dar a vida o puro deleite, ou que afirmam que há sentido numa vida bem vivida é o de sermos “produtivos” e “ativos”, inspirados no mitos como um QI superior ou herança fortuita (fortuna no sentido grego é diferente, é destino), mesmo que isto seja feito por meios opressores, indo até o argumento racial, que é o mais repugnante de todos, mas de onde vem estes mitos da “guerra”, do “vencedor” que se confunde com o opressor? 

Um dos grandes mitos que surgem desde a antiguidade é Ulisses de Odisséia e Ilíada (cantos VIII da Odisseia e IX de Ilíada), que significam um símbolo da capacidade do homem de superar as adversidades, embora exista o personagem Odisseu (o nome em grego de Ulisses), seria nascido em Ítaca, filho do rei Laerte, que reinou em Anticléia.

Embora Ulisses de James Joyce escrito de 1914 a 1921, fala de um personagem Leopold Blum, considerado pelo autor um homem moderno que é ao mesmo tempo forte e fraco, cauteloso e precipitado, herói e covarde, numa tentativa de criar um ser humano representante da humanidade, no entanto, é na verdade o herói solitário moderno, um dom Quixote requintado.

A contextualização do herói épico grego e o “herói” moderno são, entretanto, diferentes, assim para ler Ulisses de Joyce é necessário quase um roteiro, que inclusive foram feitos alguns.

Foi o psicólogo Carl Jung que chamou a atenção para o aspecto de “monólogo” do Ulisses de Joyce, embora pareça um homem “comum”, é um homem só e sua “luta”, alertou Jung: “O que é tão assustador em Ulisses é o fato de, atrás de mil véus, nada ficar escondido; de não estar virado nem para a mente nem para o mundo, mas, tão frio quanto a lua vista do espaço cósmico, permite que o drama do crescimento, do ser e da decadência siga o seu curso”, eis um mito moderno.

Os heróis que apareceram na pandemia, não são heróis de “guerra” nem mitos imortais, eles próprios não estão imunes da pandemia e convivem com o medo, e até o isolamento familiar, o que deveriam pensar é a vida que vale a pena ser vivida por todos, pelo planeta e pela saúde.

JUNG, Carl Gustav. Ulysses: A Monologue, UK: Haskel House, 1977.

 

A questão do Mal na História

14 jul

Um filósofo hermeneuta Jan Patocka, é citado por Ricoeur, ainda que não seja diretamente ligada ao mal, pode dar origem socrática da questão da questão do mal: “A perda de ´sentido´não é a queda no ´não-sentido´, mas o acesso à qualidade do sentido implicada na própria busca. Jan Patocka reencontra, assim o tema socrático do ´cuidado da alma’ e da ‘vida examinada’ “ (Ricoeur, 1999, p. 16), está no prefácio do livro de Jan Patocka “Ensaio heréticos sobre história da filosofia”, sem tradução para o português.

Platão elaborou o Sumo bem, que na verdade é a elaboração de uma ética, o Bom e Belo devem ser buscados pelo sujeito moral para harmonizar-se interiormente, e ter consciência do Bem, neste sentido que que pode ser pensado o cuidado da alma e a vida examinada de Sócrates.

Aristotéles elabora sua famosa Ética a Nicômaco, onde explora a ideia de busca da virtude, assim o homem natural não é bom, é pela pratica das virtudes que ele torna-se bom, mas tanto em Platão como em Aristóteles esta virtude tem o sentido social, embora se confunda com o moral, não o é.

O sentido de Mal moral, no sentido de vícios da alma, está elaborado em Agostinho de Hipona, no livro VII intitulado “A ideia de Deus e a Origem do mal”, o mal é a ágape desordenada (diferente da filosofia do eros e da filia), assim é na ausência da escolha de coisas superiores para escolha das inferiores (este é o sentido mais profundo do ágape), que aderimos aos vícios, e desarmonizamos.

Embora o tema possa ser encontrado em vários autores medievais, como Tomás de Aquino e Duns Scotto, o sentido de mal é aprofundado no sentido teísta e o filosófico fica ligado a Ética de Platão, permanecendo a ideia da virtude, trabalhada em torno da Ética de Aristóteles, escreveu Tomás de Aquino: “A virtude designa certa perfeição da potência“, (Suma Teológica, Iª seção, IIª parte, q. 55 a.1).

Na modernidade é Paul Ricoeur que retoma a questão no seu livro “A simbólica do mal”, porém é na delicada passagem do Renascimento a Modernidade que é aprofundada e confundida a distância entre o mal moral e o ético, como se fossem o mesmo, deixando a virtude de ser pensada.

RICOEUR, P. Prefácio a PATOCKA, J. – Essais hérétiques sur la philosophie de l’histoire. Trad. Erika Abrams, Lagrasse: Verdier, 1999.

 

Uma pandemia com muitos focos

13 jul

Embora os grandes centros, São Paulo e Rio de Janeiro em especial, registrem quedas de número de infectados e de mortes, a pandemia se interiorizou e chega agora ao mais interior do país, que inclui pequenas cidades pobres, aldeias indígenas e regiões de pouco acesso sanitário.

O gráfico geral mostra uma estabilização em torno das 1200 mortes diárias, mas nem significa o controle da doença, nem qualquer indicativo de queda, já que a expansão para o interior e áreas carentes podem causar novas explosões, isto aliada a uma política de abre e fecha sem critério.

Apresentamos o gráfico geral acima apenas para indicar um gráfico geral, pois a política sob a responsabilidade dos governos regionais e prefeitos (foi determinada pelo STF) não permite dizer que haja uma política nacional de combate, embora as secretarias regionais de saúde se comuniquem e os governos façam leis estaduais, como a que obriga o uso de máscaras, havendo algum controle regional.

Um outro assunto polêmico é o uso de medicamentos, a hidroxicloquina, a polêmica inicial, e agora azitromicina, ivermectina e nitazoxanida não são recomendadas por critérios médicos, os medicamentos no fundo são ministrados caso a caso, por exemplo, para quadros infecciosos, sintomas depressivos ou os problemas respiratórios que são agudos, mas cada paciente pode ter ou não quadro que impeçam o uso de determinado medicamento.

No plano internacional algumas medidas sobre a debilidade econômica começam a ser pensadas, como socorrer os desempregados, como articular planos de ação conjunta entre países, que o grande bom exemplo é o da zona do euro.

As medidas preventivas devem continuar por longo tempo, que prefiro chamar de distanciamento social, porque a flexibilização já é crescente e pouco controlável, usar máscaras, manter uma certa distância em transportes, caminhadas mesmo considerando que são feitas em áreas arejadas são necessárias e fazem parte da chamada nova normalidade, basta ver os países saíram do pico.

No plano social medidas devem ser pensadas não apenas nacionalmente, mas mundialmente porque também as tensões de mercados podem se agravar e este enfrentamentos podem piorar as crises internas de cada país. 

 

Olhar sem ver, ouvir sem entender

10 jul

A pressa, a vida agitada, a ansiedade nos tornaram insensíveis no dia a dia, no plano social reina a teimosa, onde o terceiro incluído não tem vez, segue a lógica do Verdade e Falso, que é válida para o mundo dos equipamentos digitais, mas não deveria ser na lógica do pensamento humano.

O terceiro incluído de Barsarab e Stefan Lupascu, está também nos princípios quânticos e aos poucos vai chegando aos dispositivos físicos digitais (agora quânticos), e já se realizaram algumas experiências avançadas de teletransporte (veja o artigo), que expande o conceito para o espaço, pode-se ir de A para B, sem passar pelo terceiro intermediário, que introduz a descontinuidade.

Mas a lógica social, humana e política continua binária, maniqueísta e leva paulatinamente a um confronto num momento que as forças sociais deveriam se unir pelo inimigo comum que é o vírus e as consequenciais que ele trará socialmente, lembramos que da gripe espanhola seguiu-se as duas guerras, apesar de inúmeros avisos de pensadores e filósofos sensatos, a místicos.

Como diz Morin (veja a palestra) parece que caminhamos como sonâmbulos às escuras, o processo que poderia corresponder a uma solidariedade mundial caminha ao contrário, queremos incluir mas excluímos, amamos só os iguais, o conhecimento tornou-se obscuro.

Seguem as palavras bíblicas, como está em Isaias (6: 9): “Havereis de ouvir, sem nada entender, havereis de olhar, sem nada ver … porque o coração deste povo se tornou insensível”, e mesmo em tempos de dificuldades mundiais parece que a insensatez perdura.

Diz o evangelista Mateus sobre seu tempo, mas que também serve para o momento atual (Mt 13: 16-17) Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem. Em verdade vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram, desejaram ouvir o que ouvis, e não ouviram”, mas pode-se ainda abrir o ouvido e mudar a rota.

É tempo de conscientização mais profunda para quem deseja mudanças, e de ouvir de modo mais atendo os sinais dos tempos para os que creem e sabem o reino de Deus na terra há de vir.

 

O velamento do conhecimento, noite do pensamento

09 jul

A Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, escrita pelo físico Nicolescu Barsarabi, o serigrafista português Lima de Freitas e Edgar Morin, aponta o processo (anterior a Web), onde a excessiva especialização e um empobrecimento do Ser criaram um velamento do pensamento, diz a carta:

“ …a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis.” (Arrábida, Portugal, 1994).

O problema então é como criar um saber que une e uma cosmovisão que amplie o espírito humano empobrecido e embrutecido, segundo a receita do próprio Morin: “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une”.

Toda a polarização e barreiras entre pensamentos distintos são a raiz onde o diálogo é ignorado, mesmo que as vezes afirmado, o fechamento semântico do pensamento, seja quais forem os princípios e muitos vezes morais, religiosos e até culturais são importantes, devem ultrapassar os pré-conceitos e ir ao encontro do positivo no Outro.

Diz a Carta de Arrábida no artigo 14: “A Abertura comporta a aceitação do desconhecimento, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às ideias e verdades contrárias as nossas”, este é o sentido de substituir um pensamento “que isola e separa” por outro que “distingue e une”, ter diferença não significa isolar ou mesmo separar.

É a ideia totalitária da verdade única, mesmo que religiosa, pragmática ou científica que muitas vezes isola e não une, em diálogos fundamentados sempre há elementos novos a serem considerados e poucas vezes eles são devidamente ouvidos e respeitados.

O físico Barsarab Nicolescu, um dos signatários da Carta de Arrábida, em seu próprio Manifesto da Transdisciplinaridade, a respeito da física quântica escreveu: “… de onde vem esta cegueira? De onde vem este desejo perpétuo de fazer o novo com o antigo? A novidade irredutível da visão quântica continua pertencendo a uma pequena elite de cientistas de ponta”, embora a realidade física a comprove e surpreenda.

Disse na referida carta sobre a “realidade”, “Em nosso século, Husserl e alguns outros pesquisadores, num esforço de questionamento a respeito dos fundamentos da ciência, descobriram a existência dos diferentes níveis de percepção da Realidade pelo sujeito observador”, mais do que isto o observador é parte do experimento, do todo, e não é neutro.

Toda a nossa lógica e as nossas ações se baseiam em três axiomas: O axioma da identidade: A é A, O axioma da não-contradição: A não é não-A;  e o terceiro é chamado axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (T de “terceiro incluído”) que é ao mesmo tempo A e não-A.

O que Nicolescu afirma é o que aconteceria se tornássemos o terceiro incluído, foi o que fez Stefan Lupascu (1900-1988) ao criar a lógica do terceiro incluído (tertium non datur), incluindo o estado-T que não é nem “atual”  nem “potencial”, substituem a lógica clássica do “verdadeiro” ou “falso”, e cria um nível mais generalizado que inclui a física, a epistemologia e o que é “consciência”.

NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Triom : São Paulo, 1999. PDF

 

Homenagem a Edgar Morin, 99 anos

08 jul

Dia 08 de julho de 2020 Edgar Morin completa 99 anos, com uma lucidez impressionante, descreveu recentemente a pandemia atual como: “Temos que aprender a aceitá-las e a viver com elas, enquanto nossa civilização instalou em nós a necessidade de certezas cada vez maiores sobre o futuro, muitas vezes ilusórias, às vezes frívolas”, a mesma frivolidade que afirma Peter Sloterdijk: “Nessa esfera frívola, pensávamos ser capazes de controlar a natureza com tecnologia sofisticada, mas o vírus nos deixou de joelhos. Nossa maneira de estar no mundo mudará?”.

De origem judaica sefardita (judeus que se estabeleceram na península ibérica), com o nome original de Edgar Nahoum, nasceu em 08 de julho de 1921 em Paris, seu pai Vidal Nahoum era comerciante originário da Salônica  (a antiga Tessalônica), e sua mãe Luna Beressi, faleceu quando tinha 10 anos, adotou o codinome Morin durante a luta da resistência francesa e permaneceu.

Casou-se em 1978 com Edwige Lannegrace, a quem dedicou o livro Edwige, a Inseparável (2009), após sua morte em 2008, sobre ele, ela dizia uma frase de Montaigne: “Era ele, era eu”.

É atualmente casado com a socióloga marroquina Sabah Abouessalam de 61 anos.

Escreveu 1956, Le Cinéma ou l´Homme Imaginaire, Minuit, Paris. Em português: O Cinema ou o Homem Imaginário. Lisboa: Relógio d’Água Editores, 1997, antes havia escrito Ano Zero da Alemanha (1946) e o Homem e a Morte (1951).

Entre outros livros, o segundo livro de grande impacto é O Paradigma Perdido – para uma nova Antropologia, Zahar, Brasil, 1979. (edição francesa de 1973).

Mas sua grande obra será os seis volumes do Método 1, o primeiro “A natureza da natureza” publicando em 1977, o segundo o Método 2, “A vida da vida” (1980), o Método 3 “O conhecimento do conhecimento” (1986), o Método 4 “As ideias: habitat, vida, costumes e organização” (1991), O Método 5 – a humanidade da humanidade: a identidade humana (2001) e o Método 6: a Ética (2004), os anos adotados são das edições originais francesas.

Publicou no total mais de 30 livros, em 1983 realizou um debate em Lisboa onde colocava “O problema epistemológico da complexidade” que tornou-se livro em 1985 publicado pela editora Europa América portuguesa.

Suas ideias centrais além do problema da complexidade são o retorno ao humano (que chamada de paradigma perdido), o pensamento transdisciplinar presente em quase toda sua obra e foi signatário da Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida pelo pintor serigrafista Lima de Freitas, por ele, o físico Nicolescu Barsarabi, escrito em sintético 15 artigos, onde destaca-se:

“ …a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis.” (Arrábida, Portugal, 1994).

Em 1985 escreveu “O problema epistemológico da complexidade” (Europa America, 1985) que foi pensado a partir de um debate realizado em Lisboa, em dezembro de 1983.

A essência de seu pensamento sobre a complexidade pode ser pensada em três conceitos novos, entre eles: o operador dialógico (entendido diferente do operador dialético), o operador recursivo (que significa entender as consequências dos atos, numa relação causa-efeito contínua porque o efeito produz nova causa) e o operador hologramáticos (a parte está no todo e o todo está na parte, então não separar a parte do todo).

Assim devemos unir coisas separadas, a saber: razão e emoção, sensível e inteligível, real e imaginário, razão e mitos, e, ciência e arte, outra coisa essencial é considerar que somos 100% natureza e 100% cultura, o velho paradigma natureza X cultura que a filosofia pergunta sobre o que somos, desde os contratualistas, passando pelos evolucionistas até os sócio-marxistas (escreveu A minha esquerda), Morin responde de maneira nova (de Pena-Veiga: O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa).

Sobre nosso futuro ele tem muitas indagações, a palestra a seguir explicar este momento dramático, que a pandemia pode demonstrar que é assim que devemos percebê-lo.

https://www.youtube.com/watch?v=V3t7UFTpDHE

 

Saberes necessários para o futuro

07 jul

Foi Edgar Morin quem levantou de modo magistral o véu sobre o conhecimento, seus erros e ilusões, para em seguida afirmar o conhecimento em seus princípios, que é ampliado em outro livro que fala dos “saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar” (2008).

“Os sete saberes necessários à educação do futuro” (Morin, 2000) afirma este paradoxo que em busca do conhecimento embarcamos em ilusões e erros, afirma no primeiro capítulo, enquanto no segundo apresenta a lacuna que o conhecimento ensina é “não pertinente” ao aluno, isto é, o fato que ele mostra dentro de um recorte disciplinar aquilo que deveria ser apresentado como o todo.

O terceiro saber é indicar a identidade humana, comentário a parte é curioso que se fale tanto da identidade sem falar do complexo social em que vivemos como uma “espécie” que deve se identificar como tal (daí a identidade), talvez o grande paradigma do humanismo, hoje em questão.

Isto irá desembocar no capítulo 4 que é a Identidade terrena, que reside na importância de compreender que as disciplinas (áreas das especialidades) devem convergir para a condição humana, e ela leva a compreensão humana, uma vez que na escola se deve ensinar como “compreender uns aos outros”.

O quinto saber é refere-se a como lidar com as incertezas, os conhecimentos podem parecer um grande paradoxo quando lidamos com mistérios, uma vez que a instituição escolar se dedica somente a lidar com “certezas” conceituais e científicas, e a vida é sempre uma surpresa.

O sexto capítulo (ou 6º. saber) envolve a compreensão, que vem da condição terrena, o processo de globalização começou a partir da colonização da américa no século XVI e teve consequências complexas (ideológicas, econômicas, sociais, etc.) e isto deve nos levar a condição planetária.

O sétimo capítulo envolve a ética do gênero humano, ele nomeia como uma antropo-ética (Sloterdijk vai além e diz necessária uma antropotécnica, mas foge neste escopo), a importância da cidadania em sociedade (em Terra-pátria vai além e propõe uma cidadania planetária) onde uma consciência social se faz necessária.

Amanhã ele completará 99 anos e pensamos num post especial, a este lúcido educador e pensador.

Os sete saberes necessários à educação do futuro / Edgar Morin ; tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya ; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000. (Disponível em pdf)

 

O platô da pandemia se mantém

06 jul

Os dados observados na última semana de mortes pelo corona vírus, que são os dados confiáveis, já que a curva de infectados depende da testagem, que é feita por empresas e ainda é baixa, indicam que o platô se mantém e a pandemia se interioriza no Brasil (veja gráfico), já salientamos a importância de fazer o logaritmo para visualizar melhor a inclinação da curva que é exponencial.

Qual seria a política para este momento é continuar mantendo o isolamento social, higiene e hábitos de distanciamento social, além das precauções em relação as políticas municipais.

Qualquer perspectiva de um pico, aos menos os dados indicam, parece sem sentido, o número de infecções se mantém em torno de mil mortes diárias, e um #lockdown não é mais viável, pois o vírus já se espalhou e um isolamento regional não significa o controle da pandemia.

Vamos navegar por incertezas, já cansados de um longo período de isolamento e com uma política de abre e fecha que não tem muito resultado efetivo, a não ser o de conter um contágio maior, sem significar qualquer resultado efetivo de controle da pandemia no plano nacional.

Os custos econômicos que seriam grandes no caso de um período de #lockdown, agora serão maiores porque tanto o comércio como os serviços que precisam efetivamente de contato presencial não se justificaria mantê-los desativados, e poucos serviços são não essenciais.

O plano é continuar por prazo indeterminado o chamado “isolamento social”, cujo nome mais certo no caso brasileiro já dissemos, é “distanciamento social” que é compatível com alguns serviços abertos.

O essencial é, portanto, manter os cuidados pessoais e torcer para que a curva caia “naturalmente”.