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Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

Reformar o pensamento e seu viático

21 nov

No início do capítulo 5 de Cabeça bem-feita de Edgar Morin, ele faz uma epígrafe de Edita de Eurípedes: “Os deuses nos inventam muitas surpresas: o esperado não acontece, e um deus abre caminho ao inesperado” (Morin, 2003, p. 61), só sabe trabalhar com o inesperado quem medita e tem a parte espiritual bem desenvolvida.

Ele nos dá três viáticos neste capítulo, o primeiro é “Preparar-se para nosso mundo incerto é o contrário de se resignar a um ceticismo generalizado”, é preciso resistir ao que é anti-humano não como um ato de coragem, mas na única certeza que é o erro do caminho que nossas convicções equivocadas podem nos levar (na foto o viático de Leonardo Alenza, 1840).

O segundo viático é a estratégia, nos perdemos no caminho daquilo que é bom e que desejamos.

“A estratégia opõe-se ao programa, ainda que possa comportar elementos programados. O programa é a determinação a priori de uma seqüência de ações tendo em vista um objetivo. O programa é eficaz, em condições externas estáveis, que possam ser determinadas com segurança” (Morin, 2003, p. 62) assim precisamos pensar na estratégia exercendo-a, se queremos mais humanidade é preciso ser humano, se queremos a paz devemos praticá-la.

O terceiro viático é o desafio, geralmente procuramos nossa zona de conforto ou segurança, mas nem conforto nem segurança estão lá, em geral exigem um desafio para conquista-las, diz Morin: “Uma estratégia traz em si a consciência da incerteza que vai enfrentar e, por isso mesmo, encerra uma aposta. Deve estar plenamente consciente da aposta, de modo a não cair em uma falsa certeza. Foi a falsa certeza que sempre cegou os generais, os políticos, os empresários, e os levou ao desastre” (Morin, 2003, p. 62) deste é o desastre da falsa paz de hoje.

O que pode nos levar a um futuro ainda melhor, quem responde não é exatamente um cristão, e sim alguém de origem judaica, mas que vive um laicismo: “A aposta é a integração da incerteza à fé ou à esperança. A aposta não está limitada aos jogos de azar ou aos empreendimentos perigosos” (Morin, 2003, p. 62), se trabalhamos para a paz e para o processo correto do que é civilizatório temos certeza de contar com alguma ajuda extra, porque não: divina.

MORIN, E.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. tradução Eloá Jacobina. – 8a ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

 

 

O mau pensamento, a má política e a má religião

20 nov

A estrutura da crise civilizatória que vivemos, a ameaça nuclear tornou-se real após a liberação de mísseis para o território russo estes dias, a crise energética e o problema da miséria mundial estão na pauta civilizatória, mas o pensamento, a política e a religião (em seus desvios) não os percebem claramente.

Trata-se de conseguir aliados e não de construir pontes e derrubar muros políticos, culturais e até mesmo religiosos, o pensamento iluminista ainda domina o ocidente, a visão cultural rasa invade o discurso até das camadas mais cultas e a religião quando não é puro comércio se desvia para preceitos e pré-conceitos humanos pouco ou nada tem de puro e divino.

Sobre o pensamento um texto interessante de ler é “Cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento” de Edgar Morin, diz ele sobre a crise que já era presente nos discursos sobre o “mal estar civilizatório”: “De modo que podemos, ao mesmo tempo, integrar e distinguir o destino humano dentro do Universo; e essa nova cultura científica permite oferecer um novo e capital conhecimento à cultura geral, humanística, histórica e filosófica, que, de Montaigne a Camus, sempre levantou o problema da condição humana” (Morin, 2003, p. 38).

Diz na introdução do livro: “O saber tornou-se cada vez mais esotérico (acessível somente aos especialistas) e anônimo (quantitativo e formalizado). O conhecimento técnico está igualmente reservado aos experts, cuja competência em um campo restrito é acompanhada de incompetência quando este campo é perturbado por influências externas ou modificado por um novo acontecimento.” (Morin, 2003, p. 19).

Porém as redes invadiram o discurso dos experts e piorou o conhecimento cultural e político, agora sob a influência do “enxame digital” (ler Byung-Chul Han: o Enxame), uma onda de má política e má religião foi deflagrada e invadida por “influencers”, pseudo-profetas e políticos cuja conduta anti-civilizatória já denunciam suas falsidades e maldades.

É hora dos oportunistas, do pouco pensamento (ele já atingiu a camada seleta de “cultos”) e de má religião, que profetiza o mal, a desordem, e anuncia como “profecia” a religião do lucro fácil, do desprezo a cultura e de outras culturas que não as próprias.

Porém a luz persiste, a resistência persiste entre aqueles que anunciam a boa-nova e um mundo mais humano, a nova civilização e o protagonismo do que é bom, belo e humano; e aos poucos o que é pensamento ultrapassado, má política e religiões e profetas falsos desaparecerão, será um longo e doloroso processo, mas a noite só persiste na ausência da luz.

A quem tem pouco (pensamento, cultura e fé) até o pouco lhe será tirado.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento / Edgar Morin; tradução Eloá Jacobina. – 8a ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

 

A alegria e re-construir a Terra

19 nov

Em meio a ameaças de guerra total: os EUA autorizaram o uso de armas de longo alcance na guerra do leste europeu, Finlândia e Suécia se preparam para possível guerra (RFI press) e a ameaça russa de uma guerra total pela aprovação de mísseis (Terra on-line).

Tudo isto parece contraditório com as possibilidades do Terra-Pátria que postamos na semana passada, porém também um teólogo, paleontógo e filósofo Teilhard Chardin aponta algo além disto: re-construir a Terra.

O texto de Chardin datado do final de sua vida na década de 30 (são vários extratos), compilado e publicado após sua morte em 1958, dizia apenas em Construir a Terra, porém não havia ainda o forte desiquilíbrio ambiental, o crescimento das usinas atômicas (a energia foi usada na guerra para bombas) e o perigo de um cataclismo global, ameaças hoje presentes, além do desiquilíbrio social.

Ele já sabia da crise da democracia e do crescimento de sistemas totalitários (fascismo e comunismo), definia sua crença no futuro em três vertentes: paixão pelo pessoal, pelo universal e pelo próprio futuro, e vendo o planeta como um organismo deu sua sentença: “cada célula pensa, pelo fato de ser livre, que está autorizada a erigir um centro para si mesma” (Chardin, 1958), porém constatou a dispersão deste falso liberalismo intelectual e social.

Vê, porém as contradições em diálogo, estas forças não tem o “poder meramente destrutivo, cada um dela contém fatores positivos … por menos que estes componentes conversem, cada um deles contém componentes positivos … cada um deles é o próprio mundo é o próprio mundo que se defende e quer chegar a luz”, claro é preciso evitar os conflitos de guerras e extremismos.

No sentido que dá ao “espírito da Terra”, este foi escrito unindo extratos de 1931, em viagem pelo Oceano Pacífico, definiu este espírito como “o sentido apaixonado do destino comum que arrasta, sempre mais para longe, a fração pensante da Vida”, e ela dá sentido à nossa consciência em círculos crescentes de famílias, de pátrias, das raças, descubra enfim que a única Unidade humana verdadeira, natural e real, é o Espírito da Terra”.

Edgar Morin em seu livro Terra Pátria criou um conceito similar como cidadania planetária, porém é preciso dar uma “alma comum” a esta ideia de um planeta como casa de todos.

Na cosmologia de Chardin, ele trabalha insistentemente neste tema em sua Noosfera (esta camada pensante que cria este espírito capaz de envolver todos), dirá que “o amor é a mais universal, a mais formidável e a mais misteriosa das energias cósmicas”, hoje com tantos polos e tantas forças em conflito é preciso reencontrar este ponto essencial de convergência.

No caminho da unidade, “às maravilhas de uma alma comum”, escreveu “estas breves e pálidas devem fazer compreender que formidável poder de alegria e de ação dorme ainda no seio da unidade humana”, redescobrir este valor e esta força cósmica, como a define, é o destino nosso.

Esta é a alegria daqueles que creem na participação divina que corrige a história humana.

CHARDIN, T. Construire la Terre. Paris: Editions du Soleil, 1958.

 

As esperanças eternas

15 nov

Quando os gregos pensaram a polis grega quase que simultaneamente o mundo judaico era revigorado e atualizado pelo mundo cristão, haviam centenas de falsos profetas, um era o esperado, veio não com um estrondo, como uma euforia e sim como uma brisa suave.

No limiar de uma nova civilização, Edgar Morin deixa 4 desafios para a humanidade: “

Sair da idade de ferro planetária, salvar a humanidade, co-pilotar a biosfera, civilizar a terra são quatro termos ligados em anel recursivo, cada um sendo necessário aos outros três” (Morin, 2003, p. 178).

Simplistas e falsos profetas insistem em soluções apocalípticas ou bélicas, ou ambas, porém alerta Edgar Morin: “Pois quanta cegueira, hoje, entre os tradicionalistas, os modernos, os pós-modernos! Quanta fragmentação do pensamento! Quanto desconhecimento do complexo planetário! Quanta inconsciência em toda parte dos problemas chaves! Quanta barbárie nas relações humanas! Quantas carências do espírito e da alma! Quantas incompreensões!” (Morin, 2003, p. 179).

Assim podemos ter duas atitudes conforme nosso olhar espiritual e conceitual sobre o futuro: “De qualquer modo, devemos reassumir o princípio de resistência. Além disso, dispomos de princípios de esperança na desesperança …” (Morin, 2003, p. 180).

Aponta seis possibilidades de atitudes diante disto: o primeiro é  vital: “… princípio vital: assim como tudo o que vive se auto-regenera numa tensão incoercível voltada para seu futuro, assim também o que é humano regenera a esperança ao regene- rar seu viver; não é a esperança que faz viver, é o viver que faz a esperança, ou melhor: o viver faz a esperança que faz viver” (idem)

Enumera outros 5, mas queremos destacar o quinto: “O quinto é o princípio do salvamento por tomada de consciência do perigo. Segundo a frase de Hõlderlin: “Lá onde cresce o perigo, cresce também o que salva.” (ibidem).

Termina o livro de maneira desoladora: “A aventura continua desconhecida. A era planetária sucumbirá talvez antes de ter podido desabrochar. A agonia da humanidade talvez só venha a produzir morte e ruínas” (Morin, 2003, p. 181), de fato, isto parece cada vez mais provável.

Porém para os que creem Deus não permanecerá indiferente ao destino da humanidade, assim é preciso pensar além da resistência do espírito, ter esperança que as palavras de salvação não passarão e então todo o mundo poderá reconhecer o poder e a ação divina sobre nossas vidas. 

 

Um extra na consciência planetária

14 nov

No final do século parecíamos tomar consciência de nossa realidade, de repente explodem novos conflitos e as guerras adormecidas acordam: ódios étnicos, ódios raciais e ideológicos.
Escreveu Morin sobre este momento:
“Ainda até os anos 1950-1960, vivíamos numa terra desconhecida, vivíamos numa Terra abstrata, vivíamos numa Terra-objeto. Nosso fim de século descobriu a Terra-sistema, a Terra Gaia, a biosfera, a Terra parcela cósmica, a Terra-Pátria. Cada um de nós tem sua genealogia e sua carteira de identidade terrestres. Cada um de nós vem da Terra, é da terra, está na terra.
Pertencemos à Terra que nos pertence” (Morin, 2003, p. 175).
Então o que seria esta tomada de consciência, escreve Morin:
• “a tomada de consciência da unidade da Terra (consciência telúrica);
• a tomada de consciência da unidade/diversidade da biosfera (consciência ecológica);
• a tomada de consciência da unidade/diversidade do homem (consciência antropológica);
• a tomada de consciência de nosso estatuto antropo-bio-físico;
• a tomada de consciência de nosso dasein, o fato de “estar aí”, sem saber por que;
• a tomada de consciência da era planetária;
• a tomada de consciência da ameaça damocleana;
• a tomada de consciência da perdição no horizonte de nossas vidas, de toda vida, de todo planeta, de todo sol;
• a tomada de consciência de nosso destino terrestre. “ (Morin, 2003, p. 175)

Embora reconheça que precisa ir além, pois escreve: “E é através dessas tomadas de consciência que podem con- vergir doravante mensagens vindas dos horizontes mais diversos, umas da fé, outras da ética, outras do humanismo, outras do ro- mantismo, outras das ciências, outras da tomada de consciência da idade de ferro planetária” (Morin, 2003, p. 176), está preso a ideia do humanismo das luzes “que reconhece a qualidade de todos homens” (idem), mas esbarra nas limitações humanas sem saber como superá-los.
“Dominar a natureza? O homem é ainda incapaz de controlar sua própria natureza, cuja loucura o impele a dominar a natureza perdendo o domínio de si mesmo. Dominar o mundo?” (Ibidem), não está claro para o autor nos “horizontes mais diversos” a consciência do divino.
Sem fazer parte do imaginário um ponto elevado da civilização, que veja ao longe uma nova civilização, que o próprio autor reconhece: “Esse homem deve reaprender a finitude terrestre e renunciar ao falso infinito da onipotente técnica … ” (p. 177), porém não é o cosmo o limite.
Reconhecer como parte do imaginário realizável, “o já mais não ainda” de Byung-Chul Han (está na nota de nosso blog), é reconhecer que o destino do homem é divino, é o reino do “já” aqui na terra, mas não ainda porque caminhamos para a pátria celeste, não do cosmos apenas, mas de uma vida eterna.

Morin, E. e Kern, B. Terra-Pátria. Trad. Paulo Neves, Porto Alegre: Sulina, 2003.

 

Ser grato não é tão simples

13 nov

Parece que ser grato e dizer obrigado por pequenos ou grandes gestos de amigos, parentes e mesmo desconhecidos seja uma atitude comum, mas não é, a cultura paternalista e de certa forma assistencialista tornou o que é uma atitude de bondade em quase uma obrigação.

Alguns filósofos e até mesmo cientistas colocaram sobre a atitude externa (dita objetiva) e interna (ter compaixão pelo outro) em campos distintos quase opostos.

Para o senso comum descreveu Popper não é então a simples objetividade ou subjetividade desenvolvida pela filosofia idealista, ou ainda a intersubjetividade que liga a subjetividade de indivíduos ou discursos, é a possibilidade de atingir o conhecimento de coisas, situações e pessoas que leve ao conhecimento de determinada forma de saber que tenha fundamentos culturais, sociais ou mesmo de crenças que os levem a atitudes pro-ativas.
Então leva atos feitos isoladamente a um circulo virtuoso de atitudes, é claro que Popper não falou de gratidão, mas Marcel Mauss escreveu nos anos 20 a teoria da dádiva, ou do “dom” que é tirar a simples remuneração ou recompensa por atitudes positivas, porém não há problema em haver remuneração, este é seu aspecto idealista, mesmo neste caso pode haver gratuidade se feito como dom a quem recebe o serviço.
O que leva a gratidão e não a recompensa é como está na origem etimológica da palavra a noção de gratuidade que deve acompanhar mesmo aqueles atos para os quais existem uma justa remuneração, sem seja uma forma instrumentalizada ou corruptora aquele ato.
Assim a colaboração, a cooperação e até mesmo ações totalmente gratuitas que possam envolver valores, como é o caso de salários pagos, que devem ser pensados como atos de fraternidade e compaixão como os que estão envolvidos naquele ato.
Assim como atos contínuos levam a uma atitude, também gratidão contínua pode levar a gratitude, pode e não deve porque há uma diferença em ambos casos que é o fato que se não se torna um ato e uma gratidão social, mesmo havendo atitude e gratitude pode perder-se e levar a descontinuidade de atos e gratidões, isto é um problema em determinadas culturas.

Ser grato é uma atitude interior de amor e externa de reconhecer e dizer obrigado.

 

Civilizar a civilização

12 nov

Este é um dos capítulos centrais do livro “Terra-Pátria” de Edgar Morin, é sempre importante lembrar que isto foi muito antes da atual crise bélica, que é o cume de um dos mais perigosos pontos da crise civilizatória.

Escreveu sobre o que significa civilizar: “A busca da hominização, que faria sair da idade de ferro planetária, nos incita a reformar a civilização ocidental, que se planetarizou tanto em suas riquezas como em suas misérias, a fim de realizar a era da civilidade planetária” (Morin, 2003, p. 110).

O lema é bonito, parece tão simples quando falamos do amor, mas realiza-los é algo muito mais difícil do que se imagina: “Nada é mais difícil de realizar que o desejo de uma civilização melhor” (Morin, 2003, p. 110).

É como quando foi feita a Revolução Francesa, o seu lema trinitário: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” parecia simples e realiza-lo, porém adverte Morin, a norma democrática de 1848  é complexa porque: “porque seus termos são ao mesmo tempo complementares e antagónicos: a liberdade sozinha mata a igualdade e a fraternidade; a igualdade imposta mata a liberdade sem realizar a fraternidade; a fraternidade, necessidade fundamental para que haja um vínculo comunitário vivido entre cidadãos” (Morin, 2003, p. 112).

Estes antagonismos vão desde o egoísmo econômico até o ódio político, e também o exercício da democracia: “ … exige simultaneamente consenso e conflitualidade, é muito mais que o exercício da soberania do povo” (idem) e este limite que exige tolerância foi ultrapassado.

Assim o que temos em jogo é “… a dificuldade de instaurar a democracia após a experiência totalitária. A regra do jogo democrático necessita de uma cultura política e cívica cuja formação foi impedida por décadas de totalitarismo; a crise económica suscita um excesso de conflitualidade que ameaça romper a regra democrática” (Morin, 2003, p. 113) e em várias partes do planeta este rompimento já aconteceu.

Escreveu Morin em tom profético para a época (escrito em 1993): “Correlativamente, o desmoronamento das grandes esperanças do futuro, a crise profunda do revolucionarismo, o esgotamento do reformismo, o achatamento das ideias no pragmatismo do dia-a- dia, a incapacidade de formular um grande projeto, o enfraquecimento do conflito de ideias em proveito dos conflitos de interesses ou dos etnocentrismos étnicos ou raciais ..” (p. 114).

É preciso ultrapassar estas fragilidades para reencontrar o caminho do bem comum e do bem estar social, não está longe o seu alcance, o problema é que este caminho como o amor e a fraternidade não são tão simples e exigem uma resiliência de fazer o bem exercitando-o.

MORIN, E. e KERN, B. Terra-Patria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Brazil, Porto Alegre : Sulina,2003.

 

Em novo cenário geopolítico a pax romana

11 nov

Durante a campanha eleitor Donald Trump disse que encontraria uma solução para acabar com a guerra “em um dia”, suas ações e falas recentes apontam para uma Pax Romana (na foto o imperador Júlio Cesar em campanha).

A paz romana era aquela considerada quando uma nação se submetia ao império romano, as conversas do novo presidente eleito (ainda não empossado) Donald Trump com Putin e Zelensky, assim como sua fala sobre o Oriente Médio apontam nesta direção.

Segundo o jornal americano Washington Post no domingo Trump já teria falado com Putin e Zelensky, ao presidente russo teria dito que é preciso evitar a escalada da guerra e a Zelensky afirmou que continuaria apoiando a Ucrânia, mas sem estabelecer claramente quais seriam os limites e orçamentos.

Já com Israel o recado aos antissemitas foi mais duro, dizendo para desistir de ações contra Israel.

Curiosamente nas eleições americanas o republicano teve ligeira vantagem de 21% dos votos islâmicos contra 20% da democrata, porém a maioria foi do partido verde, Jill Stein obteve 53% dos votos sendo um segmento que ganhou, nas eleições da câmara dos deputados.

A vitória de Trump foi comemorada por israelenses, ali a pax romana será mais clara, a submissão aos interesses de Israel e aceitação dos limites territoriais.

Sua fala sobre a região foi o que disse a Netanyahu para “acabar logo com isso” embora tenha acrescentado “a matança tem que parar”.

O problema da pax romana é que ela não elimina as disputadas e rancores, que permanecem apenas adormecidos e podem explodir de novo a qualquer momento, enfim é o que foi dito por Trump como “paz por meio da força”

A paz verdadeira significa novos horizontes além dos conflitos e povos que possam por meio de acordos razoáveis viverem em paz.

 

Além das dores, outra alegria

07 nov

Não há só cancelamentos de identidades e etnias, há também cancelamentos voltados às políticas que eliminam a fraternidade, a solidariedade e o amor.

Edgar Morin para falar da “salvação” escreveu: “A vida, a consciência, o amor, a verdade, a beleza são efémeros. Essas emergências maravilhosas supõem organizações de organizações, oportunidades inusitadas, e elas correm a todo instante riscos mortais. Para nós, elas são fundamentais, mas elas não têm fundamento” (Morin, 2003, p. 164).

Este tipo de cancelamento não é só o mais perigoso, é ele próprio um cancelamento da possibilidade de uma boa-nova: “O amor e a consciência morrerão. Nada escapará à morte. Não há salvação no sentido das religiões de salvação que prometem a imortalidade pessoal. Não há salvação terrestre, como prometeu a religião comunista, ou seja, uma solução social em que a vida de cada um e de todos se veria livre da infelicidade, do acaso, da tragédia. É preciso renunciar radical e definitivamente a essa salvação” (Morin, 2003, p. 164).

Morin cita outro autor fundamental para sua argumentação: “Como diz Gadamer, é preciso “deixar de pensar a finitude como a limitação na qual nosso querer-ser infinito fracassa, (mas) conhecer a finitude positivamente como a verdadeira lei fundamental do dasein”. O verdadeiro infinito está além da razão, da inteligibilidade, dos poderes do homem” (Morin, 2003, p. 164).

Como é este além da finitude pode ser escrito conforme o autor: “O evangelho dos homens perdidos e da Terra-Pátria nos diz: sejamos irmãos, não porque seremos salvos, mas porque estamos perdidos*. Sejamos irmãos, para viver autenticamente nossa comunidade de destino de vida e morte terrestres. Sejamos irmãos, porque somos solidários uns com outros na aventura desconhecida” (Morin, 2003, p. 166), e explica em nota de rodapé (*):

*Na verdade, a ideia de salvação nascida da recusa da perdição trazia em si a consciência recalcada da perdição. Toda religião de vida após a morte trazia em si, recalcada, a consciência da irreparabilidade da morte.

Cita Albert Cohen para explicar: “Que esta espantosa aventura dos humanos que chegam, riem, se mexem, depois subitamente param de se mexer, que esta catástrofe que os espera não nos faça ternos e compassivos uns para com os outros, isto é inacreditável” (Cohen, apud Morin, 2003, pgs. 166-167).

Assim fica seu apelo à fraternidade: “O apelo da fraternidade não se encerra numa raça, numa classe, numa elite, numa nação. Procede daqueles que, onde estiverem, o ouvem dentro de si mesmos, e dirige-se a todos e a cada um. Em toda parte, em todas as classes, em todas as nações, há seres de “boa vontade” que veiculam essa mensagem” (Morin, 2003, p. 167).

MORIN, E. e Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria, trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. — Porto Alegre: Sulina, 2003.

 

Além da dor e da agonia

06 nov

As crises tanto pessoais como as humanitárias devem propiciar um novo alvorecer e uma glória maior do que aquelas que o processo civilizatório permitiu.

Edgar Morin ao analisar a policrise que vivemos faz uma análise de uma certa agonia, diz:

“Se considerarmos globalmente os dois ciclones crísicos e críticos das guerras mundiais do século XX e o ciclone desconhecido em formação, se considerarmos as ameaças mortais à humanida- de vindas da própria humanidade, se considerarmos enfim e sobretudo a situação atual de policrises enredadas e indissociáveis, então a crise planetária de uma humanidade ainda incapaz de se realizar enquanto humanidade pode ser chamada de agonia, ou seja, um estado trágico e incerto em que os sintomas de morte e de nascimento lutam e se confundem” (Morin, 2003, p. 97).

E conclui: “Um passado morto não morre, um futuro nascente não consegue nascer” (idem).

Procura salvar aqui que está além destas dores e dificuldades: “Há avanço mundial das forças cegas, de feedback positivos, de loucura suicida, mas há também mundialização da demanda de paz, de democracia, de liberdade, de tolerância…” (Morin, idem) mantendo a esperança.

Mas o cenário já era difícil quando escreveu o livro: “A luta entre as forças de integração e as de desintegração não se situa apenas nas relações entre sociedades, nações, etnias, religiões, situa-se também no interior de cada sociedade, de cada indivíduo” (idem) é uma luta interior.

Estamos condenados a isto, escreve: “Estamos irremediavelmente comprometidos na corrida ao cataclismo generalizado? De que parto esperamos a saída? Ou continuaremos, aos trancos e barrancos, rumo a uma Idade Média planetária nos conflitos regionais, nas crises sucessivas, nas desordens, nas regressões – apenas com algumas ilhotas preservadas?…” (p. 98).

Só temos uma saída para o autor: “A agonia de morte/nascimento é talvez o caminho, com riscos infinitos, para a metamorfose geral… Com a condição de que venha a tomada de consciência, justamente, dessa agonia” (idem, p. 98).

Esta saída é a redescoberta das nossas finalidades terrestres, tema das páginas seguintes e que já abordamos anteriormente, este caminho exige reflexão e retomada de equilíbrio e da paz.

MORIN, E. e Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria, trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. — Porto Alegre: Sulina, 2003.