RSS
 

Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

A ira e a tranquilidade da alma

13 set

O estóico Sêneca não escreveu apenas da Ira

Brian Wildsmith’s sun

também da Tranquilidade da alma, pode-se encontrar uma edição atual com seu outro livro “a tranquilidade da alma”, não significa ausência de inquietude, de dor ou de erros.

Escreve no seu livro I, ainda sobre a Ira: “Assim, alguns sábios disseram que a ira é uma breve insânia. Ela é igualmente desenfreada, alheia ao decoro, esquecida de laços afetivos, persistente e aferrada ao que começou, fechada à razão e aos conselhos, incitada por motivos vãos, inábil em discernir o justo e o verdadeiro, muito similar a algo que desaba e se espedaça por cima daquilo que esmagou.” (Sêneca, 2014, p 91).

Embora possamos esconder sentimentos a Ira nos desnuda, mostra-se mesmo na aparência a ferocidade animal, uma vez que seu “controle” argumentado por alguns autores é incerto: “Mas para comprovares a insanidade dos que estão em poder da ira, observa a própria aparência deles, pois assim como são sintomas claros dos loucos o aspecto audaz e ameaçador, o semblante sinistro, a face enviesada, o passo apressado, as mãos inquietas, a cor mudada, os suspiros sucessivos…” (Seneca, 2014, p. 91).

Não ignora que outras paixões também possam nos desnudar: “Não ignoro que também as demais paixões são dificilmente ocultadas; que a luxúria, o medo e a audácia dão sinais de si e podem ser pressentidos.” (p. 92), mas também estas se afloram em meio a ira generalizada.

Não ignora a visão de Aristóteles, como supõe alguns autores apressados: “Para sermos nocivos, todos somos poderosos. A definição de Aristóteles não se afasta muito da nossa. Pois ele afirma que a ira é o desejo de devolver uma dor. Encontrar a diferença entre essa definição e a nossa exigiria longa explanação” (p. 94), portanto também sabe que há diferenças.

Sem sair por um altruísmo exagerado, sabe que somos irascíveis, passíveis de alguma ira, porém explica-a assim: “Explicou-se suficientemente o que é a ira. Em que ela difere da irascibilidade fica evidente: como o ébrio difere de quem está embriagado, e o medroso, de quem está com medo” (p. 95), assim há o iracundo, que pode por vezes não estar irado.

Examina se a ira é nossa natureza, e assim de certa forma necessária, por exemplo para a correção, diferencia-a: “Mas este sem a ira, com base na razão, pois ele não é nocivo, mas medica sob a aparência de ser nocivo” (p. 97), é assim médico que cura, não como vingar-se.

Mas será que algumas vezes ela foi útil? Lembra que “O início de certas coisas está em nosso poder, seus estágios ulteriores nos arrebatam com sua força e não permitem regresso” (p. 98) e este também é causa de injustiças que desperta novas iras e novas fúrias, então não cura.  

O sol de Brian Wildsmith é poderoso, mas benevolente (o desenho acima).

Sêneca. Sobre a ira. Sobre a tranquilidade da alma diálogo, transl. José Eduardo S. Lohner, 1a ed. São Paulo, Brazil: Penguin Classics, Companhia das Letras, 2014 (pdf).

 

Desoneração da violência e ira

12 set

Não foram as religiões abramicas (islamismo, judaísmo e cristianismo) que desoneram a violência, assim pensou Peter Sloterdijk em Ira e Tempo (Sloterdijk, 2012), na verdade foi a ideia do Iluminismo que fez da violência e domínio, desde o princípio da expansão do mercantilismo e que depois tornou-se colonial-imperialismo, que era anticlerical e pouco religioso, e depois foi sacralizado no “absoluto” de Hegel, cuja imagem do poder e do Estado se justapõe ao poder e dominação e nada tem ligado a Deus.

Assim esse poder é a desoneração da violência e sua captura e tutela pelo estado, assim pode-se desenvolver o plano colonial e imperialista, fundo da crise civilizatória de hoje, é um estado prepotente militar e autocrático, de liberal só o nome, não pode dar em outra coisa: a ira.

A constatação de Sloterdijk sobre a leveza e alívio, é particularmente clara supondo que o progresso iria numa jornada progressiva, nós pensaríamos numa resposta mais trivial que ele estaria levando as pessoas em condições melhores que as anteriores, e isto não é verdade.

O autor também fala da dor, lembra que até 1940 a ideia da dor era normal nos tratamentos centros cirúrgicos, não cita mas lembro que cicatrizes nos rostos masculinos indicavam virilidade e algumas era feitas de propósito, antecessores das atuais tatuagens, o autor lembra que os analgésicos aparecem na década de 40 e depois aos poucos os antidepressivos e estimulantes e finalmente as cirurgias plásticas que corrigiam o que deve ser corrigido em nós.

Diz o autor que o pensamento a direita é a disciplina e a esquerda é a salvação dos pobres, a disciplina cai em sonhos e leva ao mundo da lua, enquanto a pobreza na sua condição de caído, de perseguido por um sistema injusto se vê sempre vitimizado o que nem sempre é real, assim ambas narrativas escapam de um conceito de justiça, de paz e de equilíbrio e nos vemos em narrativas que justificam a ira e o desprezo pelo Outro,  vão em direção a ira.

Se o ser deve ser leve é ser alguém que não é sério, assim a leveza do ser é insustentável, ele deve ser em ambas narrativas “pesado”, transformando-se em balões de gás que estão em voos a esmo, o próprio voo não é razoável, embora o desejo final seja tudo pode, mas nada é.

Diz o cancioneiro popular brasileiro diria: “não há pecado do lado debaixo do equador”, mas já era o que havia na Europa pós-renascentista, na “divina comédia” de Dante que se transforma na comédia humana de Balzac,  foi ali que se fez a circum-navegação (na foto a armada de Jacob Hashimoto), sim a terra é redonda, então os povos deviam ser dominados e colonizados,  novamente a esferologia de Sloterdijk faz sentido.

O acontecimento fundamental de nosso tempo é sair deste fardo pesado do dogmatismo, do stress perfeccionista da sociedade do cansaço, sair das batalhas físicas, discursivas, políticas, projetistas e espaciais, a tecnologia para o homem e não do homem, robôs são máquinas.

É a agonia do pesado que tinha e que não tem mais uma narrativa coerente. a esferologia, parte do princípio de que uma espécie de “hermenêutica da existência” deve formar arte de figuras, sentidos e vocabulários de uma existência leve, digamos, descarregada do ódio pelo Outro que não é nosso espelho, claro o caminho reverso está aí, ele leva a ira e a violência.

SLOTERDIJK, P. Ira e tempo: ensaio político-psicológico. Estação Liberdade, 2012.

 

Erro, correção e paz

08 set

A primeira coisa que morre numa guerra é a verdade, e isto é bilateral, porque o oprimido em revide vai fazer coisas que condena no agressor.

A correção coletiva é possível se houverem órgãos reguladores capazes de serem imparciais, quando também eles não conseguem sair do erro bilateral a paz fica cada vez mais distante, quando toma medidas de punição unilateral são também agentes de agressão, não significa que não devem impor sanções e até mesmo tribunais onde crimes de guerra são julgados.

Por isto tratamos nesta semana sobre a verdade filosófica, jurídica e moral, o maio e mais grave erro se comete quando tribunais e órgãos de moralidade pública se corrompem, é um prenuncio de um caos estabelecido e pode levar a uma escalada da guerra.

No âmbito da moral não se pode esquecer e deixar de expressar os erros pessoais, mas a punição deve passar por etapas ou rodadas de negociação e contornar os problemas mais grandes de uma contenda, é difícil, mas somente órgãos e pessoais imparciais podem obter este resultado.

Assim conforme discorremos no post anterior a verdade é ontológica, se realiza com a existência do Ser, mas ela também é Ser, e não se trata da argumento ontológico de Anselmo da Cantuária:  “a verdade é a retidão do objeto percebida pela mente. E o que é a retidão? É algo ser o que é”, claro e este Ser que é sendo necessário “prova” a existência de Deus.

Anselmo na verdade era de Aosta, Itália, ficou chamado da Cantuária, porque sendo monge beneditino foi chamado a ser arcebispo da Cantuária, na Inglaterra onde falece, o que é pouco conhecido e deveria ser melhor entendido dentro da história da ciência é a influência de Boécio, famoso pela “querela dos universais” e uma verdadeira gênese dos conceitos da ciência.

Toda estas verdades temporárias são importantes, o argumento da falseabilidade da ciência de Karl Popper, assim como a estrutura das revoluções científicas de Thomas Kuhn apenas ajudam a tender que há verdades ex-sistentes e aquelas que são eternas, que Boécio vai propor como “universais”, porém não se trata de uma relação entre sujeito e objeto, mas é puro Ser, o próprio universo se não houve Big Bang, as descobertas do James Webb parecem ir nesta direção, não invalidade o Ser que é, aquele que sempre foi e sempre será, mas ajuda-a.

O profeta Miquéias que anunciou a vinda daquele que é, e disse que nasceria na pequenina Belém, afirmou assim (Mq 5,1): “Tu, Belém de Éfrata, pequenina entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará em Israel; sua origem vem de tempos remotos, desde os dias da eternidade”, Miquéias viveu aproximadamente entre 750 a 690 a.C.

Sobre a correção pessoal, a proposta bíblica vale para todos (Mt 18,15-16): “Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo! Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão. Se ele não te ouvir, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão seja decidida sob a palavra de duas ou três testemunhas”.

Miquéias lembra no texto ainda que “Ele mesmo será a paz” (Mq 5,4) ela também é ontológica, sem o reconhecimento do Ser, da dignidade de cada pessoa (Boécio foi o primeiro a levantar esta questão) não há paz, não há verdade e não justiça, embora usem-na contra a paz, nada mais injusto e equivocado.

 

Linguagem, verdade e erro

07 set

O mais comum é entender-se verdade como a tautologia lógica que deriva da concepção do empirismo científico e do silogismo matemático,

A filosofia moderna desenvolveu diversas concepções de verdade, atualmente busca-se a adequação da verdade aos sistemas ideológicos que vieram do Hegelianismo e de uma concepção da História, sobre estes equívocos está a elaboração de Hans-Georg Gadamer, que por sua vez vem da concepção de verdade enquanto Ser de Heidegger.

Do silogismo e do logicismo vem os conceitos idealistas de julgamento e o direito positivista.

A verdade é para Descartes: “Jamais aceitar coisa alguma como verdadeira que não a conhecesse evidentemente como tal” (Descartes, Discurso do Método), é assim oposta ao falso, muito próxima da verdade formal.

O pragmatismo utilitário de Stuart Mill é o extremo oposto disto (é ilógico), e está próximo a concepção de Hegel e Nietzsche, é a verdade relativista que dominam muitos discursos atuais.

Nietzsche também refaz o conceito hegeliano de verdade histórica para o conceito de existência, embora o conceito positivo pareça simples de ser refutado, a dificuldade é estabelecer o que é o verdade e real, que na realidade seriam a mesma coisa, mas o que é real? Muitas vezes esta adequação é feita de modo ideológico, assim surgem as narrativas.

É por causa desta dificuldade que surge o verdadeiro conjugado ao moral, ele tem sentido no contexto do realismo moral. Por exemplo, “A opressão e a exploração são malévolos” é uma verdade moral dentro de uma moralidade humanista, e “A impiedade é pecaminosa” é uma verdade moral numa moralidade religiosa e esta conjugação é resolvida em relação ao Ser e a linguagem, e pode-se retirar o véu, a ocultação através da a-lethéia, o desvelar.

A concepção ocidental de verdade, é assim difícil de ter uma única definição pode estar conjugada no caso ocidental de três raízes, a grega “aletheia” (a- não lethe oculto),  que vem do que vem da definição do que é o ser: “a linguagem é a casa do Ser” (Heidegger), Veritas, o conceito latino conjugado entre lógica/linguagem (verdadeiro e falso) e Emunah (o conceito ético-moral) verdade/fidelidade e sua negação infidelidade, Agostinho de Hipona: “no interior de todo ser habita a verdade”.

 

Uma outra crítica a Hegel

05 set

Já delineamos aqui diversas críticas ao hegelianismo, com seus vícios do idealismo alemão, que ao nosso ver atinge também o chamados jovens hegelianos como Marx, porém há uma outra releitura possível que é a de Sören Kieerkegaard (1813-1855) que é mais contemporâneo de Marx e talvez por isto pouco lido, já que os grandes embates filosóficos se davam no idealismo alemão deste período.

Porém é possível uma leitura hegeliana de Kierkegaard e quem me chamou a atenção para isto, é uma doutora “millenium” brasileira, Natália Mendes que além de fazer uma premiada tese de doutorado do autor, fala cm desenvoltura e propriedade do filósofo.

Primeiro é importante que ele escreve e estuda sobre a metafísica grega, e a autora chama a atenção para a questão de ser “pai do existencialismo”, rotulações que atrapalham o estudo e a percepção de grandes problemáticas que os filósofos trouxeram.

A autora vê a profundidade de Kierkegaard em três eixos fundamentais: o ontológico, o epistêmico e o psicológico sem negar e perceber a origem teológica de algumas de suas inquietações, esclarece o tema da angústia, que deve ser entendida como “angústia filosófica” que é ter as questões certas e para elas respostas certas.

Aqui exploro um ângulo pouco explorado e não secundário que é um pós-positivismo, e pós logicismo filosófico, talvez uma das grandes angústias de Kierkegaard sobre a teologia.

Antes de prosseguir, destaco uma frase do filosofo sobre a oração: “A função da oração não é influenciar Deus, mas especialmente mudar a natureza daquele que ora”, me parece profunda.

Voltando a lógica de Kierkegaard que acredito que seja própria para nosso milênio, além de não se considerar filósofo, que significaria passar por uma crítica severa autores que criticava, ele constrói sua própria perspectiva e nela não abandona a literatura, a psicologia e a teologia.

Para não fazer um tratado sobre sua verdade, faço duas citações suas: “Não há verdade verdadeira que não seja subjetiva, isto é apropriada” e outra: “Há duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade; a outra é recusar a acreditar no que é verdade”.

Kierkegaard, S. Textos selecionados. Seleção e tradução por Ernani Reichmann. Curitiba: Editora Universidade Federal do Pará, 1886.

 

Religiao, Filosofia e Humanismo

01 set

Nem é religioso aquele que simplesmente proclama uma fé sem conhece-la, nem aquele que segue uma série de preceitos sem entender os fundamentos. No cristianismo o que é Amor, a filósofa Hannah Arendt, por exemplo, estudou como seu doutorado “O amor em Santo Agostinho” enquanto Edith Stein descobre a partir da filosofia e de Santa Tereza d´Ávila um caminho religioso e tornou-se freira e mártir (morreu em Auschwitz).

Há muita apologia a superstições e crendices no meio religioso, porém elas não eram desconhecidas por Jesus, é famosa a questão do sábado, que Jesus pergunta se é justo salvar alguém de uma doença no sábado (Mateus 12,10),  chama os fariseus de “sepulcros caiados” (1Jo,2,27) e por fim termina por último revelando aos apóstolos que deverá sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e mestres da lei (Mateus 16,21-22), ao que Pedro se assusta e pede que isto não aconteça, e Jesus o repreende e o chama dizendo que ele não tinha uma inspiração divina.

Assim não é o modelo de vida pública de muitos religiosos nominais, falsos profetas e gente com pouca profundidade de fé que podemos entender o que é religião, mas há um sentido antropológico, filosófico e claro teológico que dão base aos ensinamentos do amor, do suportar a cruz, de não construir ódio, vingança ou rancor a moda daqueles que não creem.

Agostinho superou o dualismo maniqueísta do bem contra o mal, trata-se do Amor que é muito superior a tudo e o mal é apenas sua ausência, Boécio e depois Tomás de Aquino instituíram a questão da pessoa e do Ser, que é parte da polis, mas inseparável dela.

A importância de Severino Boécio, venerado como santo pela igreja católica (sua data é 23 de outubro) para a história da ciência e da filosofia, da “querela dos universais” e da importância da razão, de Tomas de Aquino e de figuras atuais como Edith Stein não separam a fé do pensamento humano e do humanismo contemporâneo.

O humanismo antropocêntrico do período renascentista, a questão da perspectiva foi central na pintura e nas artes, mas é também deste período A Utopia de Thomas Morus.

Disto nasceu a modernidade e seus dualismos (objetivo x subjetivo, corpo x mente, espiritual x material) parte do dualismo ontológico: o ser é e o não ser não é, entretanto, há agora o princípio do terceiro incluído vindo de Stéphane  Lupasco e Barsarab Nicolescu, é físico e real.

É tempo de rever o humanismo e nenhuma face da realidade humana pode ficar sem uma necessária revisão: o que é o Ser, o que é a ideia (o eîdos grego ligado ao Ser) e o que significam os mitos e cosmogonias modernos diante de um olhar mais profundo ao sagrado com diálogo e profundidade.

 

A ética, o humanismo e a filosofia

31 ago

Peter Sloterdijk disse ao jornal El país: “ a vida atual não convida a pensar” (em 03/05/2019) e a “era do humanismo está terminando” disse Achille Mbembe historiador e pensador pós-colonial camaronês: o humanismo hoje é uma questão de estado e portanto de poder, como sua base é o economicismo impera um humanismo de tipo materialista nem sempre considerado os valores humanos.

A filosofia virou justificativa ideológica do poder, a polarização levou a extremos até mesmo a negação de autores cujo autores juram defender, o epistemicídio eurocêntrico esquece seus fundamentos mais básicos e se entregam a polarização política.

O que significou a ética spinoziana? Qual a crítica da razão atual? Sloterdijk aponta o cinismo.

A guerra era inevitável em uma crescente polarização política e nova ordem econômica pelo avanço da economia chinesa.

A filosofia atual já pensa em alternativas de humanismo, Edith Stein fenomenóloga e aluna de Husserl explorou a questão da Empatia, Heidegger outro aluno de Husserl a questão do Ser,  Emmanuel Lévinas sobre influência hermenêutica husserliana e Heidegger define o humanismo como além da essência ou seja, o humanismo do outro homem, que pode ser um ponto de partida para o novo humanismo, e também Habermas (A inclusão do Outro) e Byung Chul Han (A exclusão do Outro) tocam o tema.

A religião se confunde entre ritualismo, fundamentalismo e ausência de valores humanísticos básicos: amor, solidariedade e fraternidade, assim a leitura bíblica é manipulada e parcial, o secularismo avança em campo minado pela ausência de valores humanitários da fé.

Espera-se que nesta crise e fragmentação do desenvolvimento civilizatório os lideres e homens influentes possam encontrar serenidade, diálogo e equilíbrio para possíveis saídas.

A filosofia não pode ser outra coisa que não coopere com a paz, com o avanço civilizatório.

 

 

Religião, antropologia e filosofia

30 ago

O iluminismo e a filosofia moderna no pressuposto de abolir toda “superstição” instaurar uma época do conhecimento e da razão, dividiu o sistema de conhecimento em sujeito e objetos, a filosofia medieval não era muito distante disto haviam realista e nominalistas e nenhum venceu, tudo se modificou, e tudo que era considerado “metafísico” incluindo o Ser ficou de lado.

Porém as ideias de conceitos, estruturas que deviam desenvolver o conhecimento já estava presente num autor pouco lido, mas importante: Boécio (400 – 524 d.C.), um filósofo, poeta, estadista e teólogo romano, cujas obras tiveram uma profunda influência na filosofia cristã do Medievo.

Sua obra principal é a “Consolação da Filosofia”, porém é dele a “roda da fortuna” e um fragmento encontra que ficou conhecido como “querela dos universais”, se os universais (conceitos seriam hoje) seriam hoje “se os universais são coisas ou meramente palavras”, daqui pode se entender a divisão entre realistas que veem as coisas e nominalistas que defenderam os “nomes”, as palavras.

Porém tanto Boécio, como mais tarde Tomas de Aquino que estudaram e traduziram as obras gregas, com interpretações próprias, a questão do Ser era presente e a questão da história e da verdade também.

Sua contribuição humanística está na concepção do que hoje chamamos de “dignidade humana”, para sua Antropologia Filosófica a pessoa humana no horizonte da racionalidade considerando o seu dado de singularidade, um novo humanismo não pode prescindir de seu prisma novo e ainda pouco entendido, para os cristãos Boécio foi defensor contundente da fé e para os humanistas sua De Consolationes  Philosophiae traz colaborações imprescindíveis.

Mesmo hoje suas ideias podem parecer polêmicas, ao defender que o homem é também natureza, mas dela deve subsistir e alcançar como extensão de “natureza”, diz em outra obra:

“Ou, se ‘pessoa’ não se iguala a ‘natureza’, mas se ‘pessoa’ subsiste sob o alcance e a extensão de ‘natureza’, é difícil dizer a que naturezas ela sempre ocorre, isto é, a quais naturezas convém conter ‘pessoa’ e quais delas não convém afastar do vocábulo ‘pessoa’. Com efeito, isto é manifesto: ‘natureza’ é subjacente a ‘pessoa’ e não se pode predicar ‘pessoa’ para além de ‘natureza’” (Boécio, Contra Êutiques e Nestório, 2005, p. 163).

Num momento em que o antropocentrismo é questionado e a relação com a natureza é revista é importante ler este filósofo, teólogo e humanista medievo.

BOÉCIO. Escritos (OPUSCULA SACRA). Tradução, introdução, estudos introdutórios e notas Juvenal Savian Filho. Prefácio de Marilena Chauí. São Paulo: Martins Fontes, 2005.  

 

Mitos, oralidade primária e religiões

29 ago

O mito é uma forma de explicar fenômenos, não apenas naturais, mas também culturais e históricos de modo a manter um determinado fato ocorrido para além do estado factual, a oralidade é uma forma de comunicação e as religiões tem uma estrutura de cosmogonias que dão aos fatos um sentido mais profundo.

É preciso destacar nas religiões e antigas oralidades primárias o papel dos oráculos e profetas, que tinham alguma “autoridade” para narrar os fatos históricos de modo que a compreensão se mantivesse e evitasse desvios de narrativas, e entre oráculos e sofistas há uma distância.

Os sofistas existiram e ainda existem para elaborar narrativas que justifiquem o poder, até mesmo as atrocidades e desmandos que ocorram e muitas vezes se confundem com os falsos profetas e oráculos do poder.

Porém os mitos foram inúmeras vezes necessários na história, a batalha narrada em Ilíada e Odisseia na forma de poemas, pode dar a entender apenas uma narrativa de poder, no entanto ali alguns mitos são usados como forma de manter uma narrativa e houve a batalha.

Já o mito religioso sore Adão, é até possível que tenha existido, porém a origem humana hoje se sabe pelas pesquisas que houve uma variação entre os Neandertais e o Homo Sapiens, os primeiros que desapareceram eram de crânio mais alongado e dentes mais fortes e que nasciam mais cedo, que os adaptava melhor aos alimentos menos tratados e mais duros.

Tudo que sabemos da origem da vida é o surgimento de microbiótica nos oceanos primitivos e depois os pequenos animais multicelulares e as conchas (foto) no período pré-cambriano.

Porém descobertas recentíssimas mostram que não apenas conviveram e tiveram cruzamentos, como há DNAs dos neandertais que ainda estão presentes no humano atual, mas os neandertais desapareceram a cerca de 40 mil anos.

Assim o mito bíblico adâmico deve ser compreendido de duas formas, a primeira é que o homem veio da natureza (na narrativa bíblica do barro) e que de alguma forma, que até a ciência tem dificuldade de explicar, entre as vidas que surgiram na formação da biosfera, o homem se formou, a segunda explicação é que os filhos Abel era pastor e Caim agricultor, então é o período sociológico que o homem já cultiva e inicia o “controle” da natureza.

A oralidade primária vai ter um papel fundamental para transmitir os “conhecimentos” que facilitam este controle, e os mitos devem significar este “controle” primário da natureza, assim como a transmissão oral sem desvios.

 

Então o que é crer ?

25 ago

Já acreditamos em muitas coisas que não eram verdadeiras, o sol não é o centro  do nossa galáxia, no centro está um Buraco Negro, e tanto a matéria como a energia escura parecem desafiar as leis atuais chamada de Física Padrão, um cientista disse que Deus fez a divisão por 0 e tudo pode ter surgido milagrosamente do Nada.

Se examinamos de perto as crenças, em todas existe a regra de ouro: não faças ao outro o que não gostaria que fosse feito a você, em especial disse Jesus sobre o maior mandamento(Mt 22, 37-40): “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.

Sem isto caímos no olho por olho dente por dente, disse o filósofo Byung Chul Han sobre um dos livros inaugurais de nossa era, o poema Ilíada (séc. VIII a.C.) (na imagem acima de Pablo Delgado), sua primeira palavra é “menin, a saber a cólera [Zorn]: “cantem, deusas, a cólera de Aquiles filho de Peleus” (pg. 22), assim a cultura humana, em especial a ocidental está fundada na violência e o filósofo aponta que ‘a desintegração da sociedade de hoje não deixa de existir a energia épica da cólera.” (pg. 23).

A oposição divina do pacifismo não é apenas uma inversão história, é neste momento de crise civilizatória a possibilidade real que o processo avance e a que a humanidade não se massacre.

É verdade que nem mesmo sobre o Deus Homo Jesus existe uma visão correta, não era um guerreiro, um fazedor de milagres e se os fazia pedia sempre discrição, jamais o fez por um ato exibicionista ou triunfalista, não estimulou nenhum tipo de cólera, ainda que a falsidade de muitos religiosos o irritasse, e sempre pergunta aos discípulos: “quem dizem que Eu sou”.

Em Mateus 16, 14 após indagar isto: eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.

E depois perguntam a eles, porque só os verdadeiros discípulos reconhecem o Homo Deus amor e misericórdia (Mt 16,16) e Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.

Como no tempo de Jesus e em toda história sempre houveram falsos profetas e discípulos, porém Jesus alerta é só da boa árvore que brotam bons frutos, então a distinção é simples.

HAN, Byung-Chul. No enxame: Perspectivas do digital”, trad. Lucas Machado, Petrópolis: Vozes, 2018.