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A verdade entre o pensamento e a ação
Toda lógica dos sofistas era uma lógica do poder, a lógica da bajulação, dos interesses ocultos e as vezes até confessos, numa sociedade e num pensamento sem o apreço necessário a verdade são os valores e lógicas do poder, da opressão e da falta de liberdade que funcionam.
Não é falta de quem diga a verdade, mas é sobretudo falta de pensar a fundo, de exercício sincero de escuta e de diálogo, afinal o que o círculo hermenêutico propõe em relação ao texto (fusão dos horizontes) significa reconhecer que todos temos numa etapa anterior os nossos pré-conceitos, nossas crenças, nossa visão política ou social.
Assim é preciso um “método” e ele não pode excluir contra-argumentos, escuta atenta e exame sincero sobre aquilo que temos como “nossa verdade”, quando abrimos espaço ao Outro algo novo quase sempre ocorre, e se não ocorre é porque do outro lado não há a mesma abertura, ainda assim vale a pena ouvir e ponderar.
No campo político a política da polarização é o olho-por-olho, uma procura ironizar e ridicularizar o pensamento oposto, não há possibilidade de fusão de horizontes e nem mesmo um diálogo saudável, o que um cidadão comum vê é o despreparo e a anti-política.
O mesmo vale para o discurso cultural e religioso, posições exacerbadas e fora de controle estão longe de conquistar adeptos, criam mais radicalização e ódio dentro daquilo que pretendem combater, leva-se o processo civilizatório ao limite, e deixa jovens e crianças sem perspectiva de um futuro pleno e pacífico.
No campo religioso é importante lembrar que não é aquele que diz “senhor, senhor” que conquistará a felicidade eterna, mas o que põe em prática aquilo que quase toda religião ou culto propõe, estender a mão ao próximo e não fazer ao Outro aquilo que não quer que faça a si, é uma lógica e uma ética mínima sem a qual nenhuma lei ou culto faz sentido.
Queremos a paz mundial, o respeito aos povos e suas culturas, porém deve-se fazer a lição de casa primeiro.
Verdades temporais e eternas
A construção da ideia de verdade pelos gregos vem da aletheia, refere-se a automanifestação da realidade e dos seres ao intelecto humano, a palavra significa a-lethea (não oculto, não velado), este verdadeiro ou é evidente ou pode ser construído pela razão.
Essa construção deu origem a “episteme” para se opor a “doxa”, ou mera opinião dos sofistas, mas não perderam de vista o todo, que para Platão era o “sumo bem” e para Aristoteles o “motor Imóvel” e ambas ideias se aproximavam de Deus como é pensado pelos cristãos.
Assim o saber era visto como um todo, e o contingente era visto como acidental, incerto e duvidoso, que ocorre, mas opõe-se a verdade toda.
Aristóteles tinha a clássica diferenciação ontológica entre o contingente e o necessário para o Ser e essa relação antagônica exprime-se numa relação hierárquica entre a techné e a episteme, claro que aqui tem um significado histórico e contingente, mas ajuda a entender a técnica em sua gênese.
A técnica não possui fim em si mesma, ela está atrelada a finalidade humana, e por isso não é neutra, é instrumental e serve aos propósitos humanos.
Damos um salto para ao final da baixa idade média, em seu período pouco estudado e compreendido com a querela dos universais de Boécio (480- 524 d.C.) e estudos da linguagem do monge Alcuíno (735 –804 d.C.).
Boécio escreveu “A consolação da filosofia” porém é um fragmento de seus escritos que lhe deu fama, encontra-se na querela dos universais, a questão de saber se os universais são coisas ou meramente palavras, isto dará origem ao debate entre realistas e nominalistas até o final da ideia média, onde a ideia de verdade vai substituir o Eidos grego que significa cada Ser tem uma essência.
Em seu desenvolvimento ontológico Tomás de Aquino (1225-1274), explica assim Deus como ser necessário: “ser necessário é o ser que deve existir, que não pode não existir”, deste modo o argumento pode ser reescrito como: “A proposição ‘Deus existe’ é necessária” ou simplesmente “Deus é” puro Ser.
Mas a modernidade rompeu com a ontologia até a retomada de Hidegger.
Esta ruptura aprofundou-se na razão cartesiana, mediata pela física clássica e o fim da metafísica, unida a ideia de um saber universal abstrato e idealista.
A critica da razão pura de Kant (1724-1804), e o idealismo alemão com o ápice em Hegel (1770-1831) dão o contorno final a uma verdade abstrata e idealista, o alcance da cultura greco-cristão ocidental encontra seu fim e a verdade torna-se relativa, a episteme apenas um método de verdade neutra.
Revelação e desvelamento
Enquanto na filosofia, o desvelamento é a clareza atingida pela inteligibilidade metafísica ou ontológica, que não se restringe só pelos aspectos materiais, empíricos ou quantitativos da realidade, o desvelamento na teologia é a revelação e inteligibilidade pela fé.
Ambas buscam o conhecimento do todo, desde seu aspecto originário, passando pelos meios (os caminhos e métodos que propõe) até entender racionalmente ou pela “revelação” do conhecimento harmônico (elucidação) das verdades divinas ou aquelas contidas nas Escrituras (justificação).
Assim a Teologia, enquanto é o estudo que representa um esforço da razão (e também da espiritualidade) para maior compreensão daquilo que está dito por meio das Escrituras, porém é sempre re-velação porque o conhecimento divino é infinito, enquanto o humano é finito.
Assim a palavra des-velar (tirar o véu) é adequada ao esforço racional, porém sem o recurso da metafísica e da ontologia fica presa à re-velação, que é o conhecimento racional pragmático.
O esforço de compreender os novos dados do telescópio James Webb por exemplo, já está dando aos físicos e astrofísicos novas compreensões do universo, porém é cada vez mais difícil entender qual o momento inicial ou qual a substância inicial que ele se formou, a resposta parece ir para além de seus limites ao conduzir as hipóteses: sem este lá e não há início ou há outros multiversos além do nosso universo.
Assim o des-velar é aquele conhecimento que vai em direção à essência do que somos e para onde nos dirigimos e que leis ético-metafísicas nos governam e deveríamos obedecê-las.
Pois o des-velar pode nos indicar que mais que uma substância inicial (uma mónada primordial ou uma energia cósmica inicial) e que pode haver um Ser e uma intenção na criação.
Se o olho é a lâmpada de nosso corpo e nos re-vela a realidade, devemos ir além dela para des-velar os segredos da eternidade, pois o nosso conhecimento é limitado.
Esta sabedoria é aquela que afirma, na leitura bíblica que nós sabemos até quanto valem dois pardais, mas o divino (Mt 10,31-32): “Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais.”
Há uma onisciência divina e mesmo que caminhemos por veredas o processo civilizatório prosseguirá.
Entre a retórica e o discurso
Predominava até o início do século passado o discurso lógico-idealista que ainda faz parte de boa parte da narrativa contemporânea, mas boa parte está agora esfacelada por narrativas contraditórios e de coesão psicopolítica ou ideológica.
Os gregos a partir da oposição aos sofistas, em especial Aristoteles divida os discursos em 4 tipos: poético, retórico, dialético e analítico.
O poético está relacionado as possibilidades da imaginação, sonha com possibilidades e não é nem irreal e nem delírio, podendo ser utópico no melhor sentido da palavra.
O retórico lida com o mundo do diálogo, usa de modos de persuasão, porém supõe-se que seja fundado em crenças comuns, crenças imaginárias e distópicas de nosso tempo não pode ser confundido com ele, pode ser eloquente, mas não retórico.
Também o dialético aquele que lida com o provável, definir erros e verdades com maior ou menor probabilidade segundo exigência da razão, mas submete-se as crenças à prova mediante ensaios e tentativas de transpassar as objeções, buscndo a verdade entre os erros e os erros entre as verdades.
Por fim o analítico, lida com as certezas e demonstrações certas, partindo de premissas e demonstra a veracidade das conclusões e de forma apodítica a verdade, o debate dialético que supõe Hegel e o idealismo não é apodítico, opõe-se mais como crença do que como verdade.
Poucas palavras, vindas do coração e do sentimento, como exige a poética, de retórica tolerante e respeitosa, de dialética grega que fogem do casuísmo e da dogmática e finalmente de verdadeira fundação apodítica, aqueles que possuem asserções categóricas sobre certo e errado, honesto e desonesto, longe do discurso sofista e vazio.
Se discursar fale com clareza e empatia, se orar fale com o coração e poucas palavras e se pensar olhe antes pelo positivo, generoso e sadio.
Pura retórica não é discurso, nem diálogo nem oração é apenas proselitismo pessoal.
Vaidosos e humildes
A palavra vaidade tem sua origem no termo latino, vanus, que quer dizer vão, vazio.
Em geral, diz-se que o contrário de vaidade é modéstia, simplicidade, porém é confundir vaidoso com orgulhoso, o orgulho imagina que todos depende de sua presença e qualidades, porém o vaidoso precisa de bajuladores e subservientes.
Prefiro dizer que o contrário de vaidade é humildade, que vem de húmus, adubo do qual brota a fertilidade, o humilde sabe de suas deficiências e por isto cresce em sua pequenez e atinge mais sabedoria que o vaidoso que tem dificuldade de ver suas limitações.
A razão da confusão da palavra humildade é que existe um superlativo absoluto sintético que é humílimo, este sim indica condição baixa, obscuridade e pobreza, mas veja é seu superlativo, ou seu exagero, o humilde sabe que tem também qualidades.
Sempre é possível a correção mútua para o crescimento, o vaidoso não sabe disto, como diz Exupéry: “mas o vaidoso não ouvi. Os vaidosos só ouvem elogios”.
Por isto o vaidoso, próprio de nosso tempo, gosta do consumo da liberdade plena sem restrições, Byung-Chul Han em sua análise do poder psicopolítico afirma: “Hoje, o poder assume cada vez mais uma forma permissiva. Em sua permissividade, ou melhor, em sua afabilidade, o poder põe de lado sua negatividade e se passa por liberdade.”
A fácil reconhecer os vaidosos: gostam de sentar na primeira fila, são sempre arrogantes em suas verdades e posições, não olham para o Outro e para o lado, e no caso das religiões acham-se santos, privilegiados ou unicamente amados pelo divino.
Qualquer literatura cultural ou religiosa demonstra que isto é uma fonte de erros e uma estagnação no desenvolvimento das pessoas e da sociedade, é o inverso do processo civilizatório, pois é a incapacidade de corrigir rotas e erros.
Fenomenologia e o outro
O Outro não é uma categoria contemporânea, entretanto como que ela se realiza a partir da fenomenologia husserliana é algo inteiramente novo, não por acaso Heidegger, aluno e discípulo de Husserl pensou a ipseidade pensou o enraizamento da alteridade na própria “ipseidade” (Selbstheit) (o que diferencia um ser do outro, recusando-se a pensar o “si-mesmo” (Selbst) segundo as categorias da substância e da “identidade” (Identität), assim sua ontologia do Outro é inteiramente nova (dentro da filosofia).
Se queremos tratar da identidade, categoria própria de um período do individualismo e de pretensas totalidades finitas, podemos dizer que numa antropologia moderna mais atual, a “teoria” da identidade deve ser vista como dando ao Outro o aspecto “semelhante” enquanto “ser humano”, mas definido como “diverso” e “desigual” no conjunto de relações interétnicas, interculturais ou interreligiosas.
É este contato entre diversas culturas, religiões e até mesmo posições identitárias ideológicas, que está em jogo o processo civilizacional, não faltam “influencers” e grupos a incentivar um tipo de cultura em repulsa a outro, tratar o desigual e o diferente como “inimigo” e isto nem quer dizer que eles inexistam, numa guerra por exemplo, mas a negação do Outro.
Não faltam filósofos que trataram o tema, aquilo destacamos a fenomenologia de Husserl e suas influências: Heidegger, Edith Stein, destaco Paul Ricoeur (O si-mesmo como um outro) e Emmanuel Lévinas (Ética e infinito) e Hans-Georg Gadamer (Verdade e Método).
Mas também Habermas (O discurso filosófico da Modernidade e A inclusão do Outro) e Byung-Chul Han (A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje) que são muito bons para análise da comunicação e sociedade nos dias de hoje, mas sem uma visão clara do Ser enquanto Ser como na ontologia heidegeriana.
Reconhecer o Outro como tendo uma dignidade e merecendo o respeito, mesmo que em posições diferentes da nossa é o remédio para a falta de empatia nos dias de hoje.
Por onde resolver a crise civilizatória
Desenvolvemos durante esta semana a ideia que entre tantas sombras, ainda a luz e sal para dar sentido e vida ao processo civilizatório, é possível superar a cólera da guerra e o ódio das diferenças de opinião se introduzirmos na sociedade elementos novos de vida saudável.
Desde ONGs e voluntários que trabalham em campos de guerra, até pessoas que trabalham com determinação e autocontrole num cotidiano cada vez mais difícil e intolerante.
Não há regra geral, é preciso acelerar o processo diplomático para entendimento e superação de guerra, é preciso avançar um processo de educação de um homem integral que saiba lidar com diferentes fatores da vida social, incluindo as diferenças étnicas, políticas e religiosas.
O crescimento do círculo egocêntrico devido a ideologias e bolhas de círculos fechados, eles reforçam o pensamento individualista e grupal, pode ser alterado alargando os círculos de convivência e permitindo e dando pertencimento a grupos e pessoas excluídas.
Mas é preciso sobretudo fortalecer o tecido saudável, a pouca luz e o pouco sal que mesmo sendo pouco pode fazer a diferença e mudar ambientes, grupos e até nações inteiras lhes devolvendo a autoestima ao mesmo tempo que desenvolve a tolerância com outros povos.
O cenário trágico que se desenha pode ter seu curso alterado, porém é preciso primeiro salvar aquele tecido sadio onde ainda se respira o respeito, a tolerância e a paz social.
As religiões e os grupos sociais mais pacíficos e responsável, o descontrole preso ao ego é infantil como desenvolveu Freud, pode ceder lugar a relações maduras entre pessoas, grupos e povos.
Na passagem bíblica em que Jesus observa que as multidões estavam “como ovelhas sem pastor” (Mc 1,15) ele não apenas estimula os discípulos a ajuda-las, mas também lembra que que primeiro: “6Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel!” e diga que o “Reino dos céus está próximo” e ele não virá pela mão de poderosos e narcisistas, e sim da vida e da palavra destes seus seguidores.
Afastar o medo, sair do mal-estar civilizatório
Pode parecer adocicado ou até mesmo infantil, Freud diz o contrário, que adotemos atitudes mais reflexivas e tolerantes diante de dificuldades.
Os gregos sabiam que sem autodomínio os homens podiam se entregar a dois polos paralisantes: deimos e phobos (terror e medo), por outro lado é difícil refrear a reação imediata aguda, se não fomos educados para a decepção, a frustração e o diálogo.
Adam Smith, cujo pensamento influenciou a economia moderna incluindo Marx, também escreveu A Teoria dos Sentimentos Morais, que o autodomínio é fundamental diante de uma situação aterradora, e estabelece dois modos de autodomínio.
Teoriza que o “agir de acordo com os ditames da prudência, da justiça e da beneficência apropriada, parece não ter grande mérito se não existe a tentação de agir de outra forma”.
Deveríamos ser educados para a capacidade de empreendermos autodomínio diante dos pathós (afecções da alma) onde devemos pôr em relevo nossas maiores virtudes, ou sucumbiremos aos processos vexatórios e odiosos vícios, e por incrível que pareça, já domina a maioria das mídias sociais, chegando até as mais altas cortes do país.
Segundo o autor o segundo grupo das paixões sobre as quais convém que exerçamos autodomínio, levam ao contexto do “o amor ao sossego, ao prazer, ao aplauso e a muitas outras satisfações egoístas”.
Assim se compararmos as do primeiro com as do segundo grupo, podia parecer mais fácil dominá-las, pois essas inclinações nos concedem algum tempo mínimo de reflexão; ao menos, mais do que quando somos assaltados pelo medo e pela cólera (primeiro grupo), entretanto vivemos o contexto de reações imediatas ou paralisia, sem perceber que estes extremos se tocam.
Se cedemos a todos impulsos, se damos pouco tempo ou espaço a reflexão, ao silêncio e até mesmo ao cultivo da interioridade, o que externamos é quase sempre pouco empático, e no extremo oposto sobram a cólera e a barbárie.
A Inteligência emocional, desenvolveu métodos que sugerem como controlar suas emoções e ajuda a reconhecer mais facilmente quando ela melhora suas relações e empatia.
SMITH, Adam. The Theory of Moral Semtiments, 1ª. Ed. 1759.
Promover o bem e a paz
As convicções e teorias que levam os homens tanto ao processo civilizatório como ao seu oposto, a barbárie, partem de motivações interiores e elas tiveram diferentes contextos em momentos da história, acompanhado a reflexão de Freud em sua análise do “mal-estar” diz:
“vemos que esse sentimento do Eu que tem o adulto não pode ter sido o mesmo desde o princípio. Deve ter passado por uma evolução que compreensivelmente não pode ser demonstrada, mas podemos construir com certo grau de probabilidade” (FREUD, 2010, P. 12).
Mas antes de fazer uma análise histórica, ele parte da vida intrauterina, aquilo que também Peter Sloterdijck vê como esfera primordial, ele ainda não separa o Eu do mundo exterior, mas aprende a fazê-lo aos poucos, “em resposta a estímulos diversos”, mas parte de um interior.
Assinala Freud: “É assim que ao Eu se contrapõe inicialmente um “objeto”, como algo que se acha “fora” e somente através de uma ação particular é obrigado a aparecer. Um outro incentivo para que o Eu se desprenda da massa de sensações, para que reconheça um “fora”, um mundo exterior, é dado pelas frequentes, variadas, inevitáveis sensações de dor e desprazer que, em sua ilimitada vigência, o princípio do prazer busca eliminar e evitar”. (FREUD, 2010, os. 12-13).
Explicará assim o seu isolamento e egocentrismo, porém se não avança para a idade adulta e não sabe conviver com contradições e desprezares, permanecerá neste circulo “infantil”, na bolha onde tudo parece girar ao seu redor e feito para seu prazer.
E continua: “As fronteiras desse primitivo Eu-de-prazer não podem escapar à retificação mediante a experiência” (p. 13), senão surgirá a tendência de se isolar e nisto consiste a dificuldade de promover o bem e a paz social, que inclui o outro, a sociedade e os povos.
Assim são mais adultos, mais maduros aqueles que promovem a paz, o bem-estar e o diálogo social, e mais infantis aqueles que promovem a guerra, o ódio e a intolerância.
O fato que desde a educação familiar até a adulta não se imponha as dificuldades e ensine a conviver com eles, com o desprezar e as perdas criou um círculo vicioso e egocêntrico de bolhas, onde os povos e as culturas não podem conviver sem a guerra e sem a tolerância.
Continuam haver instituições, ONGs e pessoas que promovem o diálogo, a paz e se opõe de modo claro a guerra, a falta de liberdade de expressão, às ditaduras e culturas autocráticas.
Felizes os que promovem a paz, os que promovem o bem-estar social e cultuam a empatia.
A cultura e mal estar civilizatório
Em análise do livro mal estar da civilização, Freud analisa corretamente aquilo que é instintivo de querer dominar sobre o outro, em sua análise psicológica é com o id que prevalece na infância e é possível demonstrar que todo processo civilizatório de alguma forma privou a satisfação dos seres humanos e dos povos de alguma forma.
Esclarece no início de sua obra: “é difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida” (Freud, 210, p. 10), esclarecendo a seguir que deve se evitar a generalização.
Ainda que negue de início um juízo sobre a religião, em um suposto diálogo de cartas com algum interlocutor, ele descreve o que “gostaria de denominar a sensação de ´eternidade’, “um sentimento de algo ilimitado, sem barreiras, como que ‘oceânico’. Seria um fato puramente subjetivo, não um artigo de fé; não traz qualquer garantia de sobrevida pessoal, mas seria a fonte de energia religiosa de que as diferentes igrejas e sistemas de religião se apoderam, conduzem por determinados canais e também dissipam, sem dúvida” (idem).
O autor faz uma constatação antropológica, sociológica e até certo ponto clínica que demonstra tanto a natureza construtiva como destrutiva do homem em função das pulsões de vida e de morte, escrita no período entre guerras (1918-1939), revela o esforço para evitar que os ímpetos hostis a espécie humana ultrapassassem a barrira do superego da civilização.
Freud expressava assim o medo da guerra em seu tempo: “[…] os seres humanos atingiram um tal controle das forças da natureza, que não lhes [seria] difícil recorrerem a elas para se exterminarem até o último homem” (FREUD, 1930, 2010, p. 79), assim o sistematizador da psicanálise parecida enxergar além de seu tempo, vendo os limites do horror em nossos dias.
De fato, o desejo humanizador civilizacional não é específico desta ou daquela religião, mas quando o cristianismo chama homens e mulheres a serem “Sal da terra e luz do mundo” é para que além do poder, da capacidade destruidora que povos e nações tem, estas forças sejam usadas para o progresso de toda a humanidade e não de determinado grupo ou visão social.
As tecnologias e forças vitais retiradas da natureza não podem servir a outro intuito que não seja o de propiciar o bem-estar ao maior número de pessoas possíveis, este é o sentido da vida e nela se fundamentam o sal que dá gosto ao alimento e a luz que ilumina os povos (na foto o sal do Himalaia).
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). In: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos (1930 – 1936). Obras completas volume 18. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.