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Arquivo para a ‘Museologia’ Categoria

Depois da chuva e a pandemia

19 ago

O filme de um assistente de Akira Kurosawa, Tadashi Koizumi, tem este nome “Depois da chuva” (Ame Agaru, 1999) era um roteiro de Kurosawa que Tadashi herdou, o primeiro ponto que pode-se destacar neste filme é a relação homem/natureza que limita a ação humana e ficam presos no meio de um caminho esperando a chuva passar, como muitos outros tem também um samurai, mas ele vai ter ali que realizar uma tarefa que não é muito digna de um samurai, arrumar dinheiro para as pessoas que ficam ali poderem comer, esta é minha analogia com a pandemia, ali do tempo em que todos ficam presos na casa, analogia que faço com o isolamento social.

O protagonista do filme é um personagem do tipo “jidai-geki” (os filme que tem inspiração na história do Japão), poderia ser também um filme sobre o “outono de um samurai”, há outro filme de roteiro feito por herdeiros de Kurosawa chamado “Rapsódia em Agosto” (1991), neste o diretor foi Kiyoko Mura.

Esta cosmovisão de não conceber o homem separado da natureza, em tempos que a ecologia era ainda tema marginal, agora com a redescoberta da natureza temos uma interessante analogia a ser feita, a natureza nos limitou atrás de um vírus, e ontem assistimos picos de temperaturas baixas no sul do continente americano, as temperaturas tem ficado 20ºC abaixo de zero em Rio Grande (Terra do fogo), de acordo com os dados do Serviço Meteorológico Nacional (SMN) da Argentina.

Já nos EUA onde é verão, o recorde de temperatura alta foi no “vale da morte”, 54,4ºC um recorde muito próximo da maior temperatura já registrada na região que foi de 56,9ºC em 1913, segundo o Serviço Nacional de Meteorologia (NWS) americano, a natureza dá seus sinais de reação a ação ecológica pandêmica de séculos.

Voltando a chuva no meio de uma mata por onde passam pessoas pobres, num certo momento o samurai se vê na condição de ajudar aquelas pessoas devido o longo período que estão isolados, e ao sair depara-se com um assassino que o samurai vai impedir um duelo que poderia terminar em morte, e por isto o senhor feudal dono daquelas terras decide emprega-lo como mestre espadachim, resta um escrúpulo que é aceitar dinheiro, o que é desonroso para o samurai.

O Samurai decide fazê-lo por um fim nobre que é ter alimento para aqueles pessoas que estão retiradas ali quase todas pobres por estarem fazendo aquele caminho pelo meio da mata, quando foram impedidos de prosseguir pela chuva.

Se a mensagem naquele tempo foi pouca apreciada, hoje com a situação econômica que teremos depois da pandemia, a mensagem é nobre e social.

Abaixo um link para ver o filme:

https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=1mR0KV-c9EY

 

A mãe do Senhor e a tragédia grega

14 ago

A tragédia grega Édipo Rei foi analisada pelo poeta Hölderlin, onde usa o termo aórgico para a busca que Édipo faz para saber que é, uma vez que fora doado a um pastor pelo pai Laio para cria-lo, para evitar a tragédia prevista pelo oráculo de Delfos, e para completar a tragédia Édipo acaba por desposar a própria mãe.

O termo aórgico aqui é usado para entender a corrupção da natureza humana, e pode ter um sentido novo a cada nova tragédia humana, é o sentido de Hölderlin ao dizer que “onde há medo há salvação”, devemos temer não só a pandemia que já é um desastre, mas o que pode vir de desumano e aórgico após esta tragédia.

Não faltam apocalípticos, no entanto o interessante seria pensar o além da tragédia e inverter o papel de Jocasta para uma mãe que defende e quer seus filhos são e salvos, e assim numa reinvenção humana olhássemos não para Eva da criação humana, mas para Maria que deu à luz ao divino filho.

Não é só o preconceito religioso que desvia deste sentido profundo da fecundidade e da maternidade humana, é a relevância do papel da mulher ao segundo plano, a a análise de Hölderlin envolve os paradoxos que comumente constituem o trágico, como o humano e o divino, e a tarefa poética da modernidade como uma tarefa possível para toda e qualquer poesia, assim seu plano cultural não pode eliminar o trágico, mas deve também incluir o divino.

É esta misoginia do humano ao divino que nega todo e qualquer papel da mulher, Maria deveria ser tema apenas religioso, mas também o divino ligado ao trágico, a Pietá ainda que lembrada e revisitada por tantos autores, esconde o papel da mãe desolada diante do filho desfalecido, também Salvador Dali em seu quadro Christus Hypercubus coloca uma figura feminina ao pés do quadridimensional Christus, inspirada em sua esposa.

Aos cristão ignora-se a passagem bíblica do evangelista Lucas (Lc 1,43): “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar “, e o Senhor neste caso não é apenas o filho divino-humano que nascerá de Maria, mas também o Deus Senhor de Maria e Isabel, que diz isto “cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41), assim a relação é trinitária e aórgica, afinal o acontecimento natalino está envolto do mistério das leis do universo que sobre ela agiram.

Em meio a pandemia seria extraordinário se a mesma mãe da Pietá estive com a humanidade em seu colo (matris in gremio) e pudesse numa inspiração trágica e divina socorrer a humanidade que desfalece e vê um futuro cada vez mais sombrio a frente, os mistério de Medjugorje e Garabandal (aparições misteriosas) podem não ser apenas fantasias de crianças (hoje todos adultos), mas a própria revelação divina sobre o trágico humano, quem dera seja verdade, onde há medo, há salvação.

 

O que há entre a tragédia e o idealismo

11 ago

O grande tema durante a pandemia, que atrai multidões é a felicidade, não por acaso, já que a felicidade estava em tudo o que está fechado agora: o shopping, o cinema, as casas de orgias e bebedeiras, o simples êxtase de estar em uma multidão frenética por algum motivo frívolo, afinal é a frivolidade que todos almejam que volte, não haverá nada de grandeza em penetrar na tragédia de uma pandemia, é preciso encontrar os culpados e puni-los por banirem a vida frívola e nos colocarem todos em tensão constante, em medo e longe do simples desfrute.

Nietzsche escreveu sobre O nascimento da tragédia, e culpava Empédocles por sua morte, porém foi Hölderling  que vai escrever sobre a Morte de Empédocles, foi ele antes de Nietzsche que rediscutiu a tragédia, e o trágico da tragédia, num diálogo com o idealismo alemão e foi quando cunhou a sua frase mais famosa: “onde há medo há  salvação”, quase na mesma linha que escreveu Cassius Clay que tornou-se Mohammed Ali: “é a ausência de fé que faz as pessoas temerem desafios”.

A pandemia não é outra coisa senão o fato de entender os limites do humano, a persistência da tragédia em nossas vidas e destinos, e a fatalidade da morte, aqueles que nunca pensaram nela são aquelas que mais a temem agora, nunca ela este tão próxima de todos, mas a tragédia é o mal, ou a falsa venda de felicidade fácil, é nela que se fiam os charlatães da filosofia, da fé e até mesmo da ciência sem “rótulo”.

A Morte de Empédocles, peça inacabada, onde Hölderlin trabalhava de 1797 até 1799, em seus textos poéticos deste período, onde pensava sobre a essência do trágico é marcado por um grande antagonismo, mas sobretudo a unificação do antagonismo com a contradição, onde deixa claro que o tema deveria ser “a verdadeira tragédia moderna”, talvez não durante as duas guerras também trágicas as enfrentamos, mas agora numa pandemia sem fim.

Em sua análise Empédocles odeia a civilização, é inimigo mortal da limitada existência humana, não suporta viver submetido ao tempo, sofre por não ser um deus, por não estar em intima união com o todo, e, por uma necessidade que decorre de seu ser mais profundo, decido morrer jogando-se no vulcão.

É menos mentiroso que os verdadeiros de formulas simplórias para a felicidade, porém trágico que queira ser ele próprio deus e que seria mais “nobre” que admitir um Deus, morto não pela tragédia, mas pelo idealismo alemão, afinal de Fichte a Schelling, a grande expressão que transgride o limite imposto por Kant ao conhecimento humano, ao considerar toda intuição, aquela que sensível aos objetos, torna-se intuição intelectual e intuição artística, sendo capaz de dar um conhecimento imediato ao absoluto, de possibilidade revelações que se dirigem ao todo.

Assim no ensaio “fundamento para Empédocles” diz que a tragédia é a expressão da “unidade íntima mais profunda” que se expõe por oposições reais, a ideia não só deve muito a análise de Schelling, que define a tragédia grega como apresentação conciliadora das contradições da razão, mas antecipa a visão hegeliana do poema trágico como apresentação da “tragédia que o absoluto encena eternamente consigo mesmo”, mas o absoluto aqui é vago, ideal.

No “fundamento para Empédocles”, Hölderling expõe como se dá a oposição harmoniosa entre arte e natureza, apresentando o processo pelo qual a natureza torna-se mais orgânica e o homem, mais aórgico, mais universal.

O conceito de aórgico aqui é fundamento, e a leitura aqui é de Françoise Dastur “Hölderlin, tragédia e modernidade” onde a define como “é a natureza desprovida de organicidade em sua unicidade infinita. O orgânico é a arte, que supõe, pelo contrário, organização e, portanto, oposição das partes”.

A na relação aórgica que pode-se encontrar a pandemia, o culpado é em última instância o vírus, o controle do vírus é questionável até que se tenha a vacina, fomos favoráveis ao isolamento social e em certos momentos do #LockDown, porém é na natureza desprovida de organicidade, um vírus que até então era estranho ao homem que alterou-o e se hominizou colocando o processo civilizatório em cheque, e a natureza parece revidar o que lhe propôs a humanidade.

Hölderlin, Friedrich; Curioni, Marise Moassab. A morte de Empédocles. SP: Iluminuras, 2000.

 

A noite escura da humanidade

04 ago

Assistir a debates políticos ou mesmo questões relevantes da vida pública, um breve olhar sobre a cultura e a religião, qualquer angulo que se olhe o momento agravado pela pandemia, é relevante que se aponte os traços confusos deste momento civilizatório.

É fato que já passamos por outra pandemia, em números assustadores a chamada “gripe espanhola” em meio a 1ª. guerra mundial, foi um grande e humanitário desastre que desafiou a humanidade, e mesmo assim depois veio a segunda guerra, os campos de concentração e a bomba de Hiroshima, porém os contornos deste momento parecem ainda mais graves, há uma crise do pensamento.

O que se observa são frases feitas de impacto duvidoso, apelos ao otimismo impossível diante do quadro pandêmico ou a esperança “depois que tudo isto passar”, porém na medida em que a vacina não chega a realidade vai impondo, até mesmo aos sábios de plantão um pouco de sobriedade, porém ainda sem a solidariedade e humanidade que seriam desejáveis.

A crise do pensamento já apontada por Edgar Morin, Nicolescu Barsarab e muitos outros, para além do debate científico e técnico, é a dificuldade de compor elementos que deveriam ultrapassar os limites das especialidades para resolver problemas além da doença, do social e do religioso, para atacar em conjunto o problema seria necessária uma visão de conjunto e não uma empobrecida visão disciplinar de especialistas.

Quando menos se enxerga por pura e simples análise, mais escura esta noite se torna, os fundamentos perdidos, ainda que possam e devam ser superados os alicerces civilizatórios: a cultura grega, a religiosidade judaico-cristã que tantos sábios teve, também a islâmica com Avicena, Averróis, Al-Khwarismi e mais recentemente Abdus Salam, que ganhou o prêmio Nobel de Física em 1979.

A ciência ainda segue fortemente ligada ao positivismo e logicismo de dois séculos atrás, enquanto Karl Popper, Tomas Kuhn ou Bachelard ainda são pouco conhecidos e confinados em rodas de “especialistas do método científico” que indica uma leitura rasa destes questionadores da ciência convencional.

O século passado nos deu Gustave Klimpt, Pablo Picasso, Henri Matisse, Salvador Dali, a arquitetura arrojada de Antoni Gaudi, do brasileiro Oscar Niemeyer, mas as fachadas retas, o abuso dos vidros e cristais que aparecem pela primeira vez no Palácio de Cristal  (foto), estrutura arquitetônica inglês ado século XIX que invocava centro de recreações para “educação do povo”, citado por Sloterdijk e seu discípulo Byung Chul Han como representante da arquitetura atual, como centros de consumo e “uma forma arquitetônica foi proclamada como a chave para o capitalismo. condição do mundo” (SLOTERDIJK, 2005, P. 279).

A grandeza e a novidade cotidiana do Criador são um grande contraste com religiões repetitivas, ultrapassadas e que nada dizem ao mundo atual, sobre a pandemia oscilam entre a simples adesão ao discurso corrente a modelos de solidariedade e de defesa da vida muito frágeis para a tragédia pandêmica.

Há uma beleza e uma novidade que jorra da vida todo dia, mas o que persiste é uma mesmice incapaz de dar esperança a uma pós-pandemia melhor, a verdadeira ciência, a cultura e Deus nada terão a ver com esta miséria que virá, claro se tudo não mudar e houver um arroubo de luz e de sanidade.

SLOTERIJK, P. Crystal Palace,  Chapter 33 of in Globalen Inneren Raum des Kapitals: Für eine philosophische Theorie der Globalisierung (In the Global Inner Space of Capital: For a Philosophical Theory of Globalization). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2005, pg. 265-276.

 

A origem história de conflitos em pandemias

03 ago

A ideia de esconder dados sobre a pandemia já havia ocorrido na gripe espanhola,que recebeu este nome apenas por razões políticas visto que a Espanha manteve-se neutra durante a primeira Guerra Mundial, o nome original era gripe das trincheiras por ter afetado muitos soldados e enfraquecido alguns exércitos.

A ideia de esconder a doença foi até mesmo sustentado por instituições de prestígio, como a Royal Academy of Medicine de Londres, até o final e 1918 poucos acreditavam na gripe.

O nome de influenza espanhola também é antigo, jornais brasileiros (houve um artigo da revista A Careta, n. 537) usavam o nome porém como agora o início do combate a doença foi conturbado, e as medidas coercitivas defendida pelo sanitária Oswaldo Cruz foi vista como uma tirania sanitária no país e os grupos políticos de oposição ao governo Wenceslau Braz (na figura) viam a gripe como um pretexto do governo para intervenção na vida da população.

Também o uso político foi feito, porém neste momento grave da história, é desejável que os verdadeiros espíritos humanitários se desarmem para defender a vida da população, a ação dos médicos, dos grupos de socorro e os esforços para a vacina.

A insistência em polarizar num momento tão trágico revela apenas a decadência dos mais caros valores de compaixão e solidariedade, até mesmo por grupos que deviam estar mais empenhados em unir esforços, e curiosamente encontramos mesmo em lados opostos tanto aqueles que se solidarizam como os que procuram desviar a atenção do verdadeiro inimigo: a pandemia que afeta a todos.

No país, perdida a oportunidade de fazer um #lockDown quando a doença ainda estava localizada em algumas regiões, agora se alastrou por todo país e apenas as medidas já conhecidas devem continuar a serem adotadas, vejo equipes médicas e os serviços de apoio atingirem o esgotamento, os casos de infecção deste verdadeiros heróis continuam crescendo.

O que há de novo é uma tensão mundial em limites verdadeiramente preocupantes, o desvario do abandono dos fundamentos básicos da sociedade e atitudes que variam entre o conformismo e o simples abandono de qualquer medida de proteção e isolamento social, como a marcha de milhares de pessoas na Alemanha.

Os patamares da pandemia no Brasil continuam estáveis, nem é verdade que a pandemia esteja sobre controle, nem é verdade que existe um genocídio no país, simplesmente as medidas que podiam ser tomadas não foram, e o tempo passou e a doença se espalhou.

Resta-nos a esperança da vacina, a de Oxford uma das mais confiáveis pelos critérios científicos, pela transparência dos cientistas que trabalham (um artigo detalhado foi publicado na revista The Lancet) e pelo rigor das etapas de liberação da vacina, sem atropelos.

O pós-pandemia assusta porque não há mesmo em setores conscientes da sociedade atitudes de sobriedade e equilíbrio, fica a impressão de um humanismo mais política que verdadeiro

 

Ignoramus et ignorabimus

30 jun

A frase do fisiologista alemão Emil du Bois-Reymond em sua obra significava que em sua Über die Grenzen des Naturerkennens significando que no conhecimento científico havia ignorância e a tradução do latim é ignoramos e ignoraremos.

A primeira grande reação viria de David Hibert em 1930 quando afirmou: “Nós precisamos saber e nós iremos saber”, dita numa reunião anual da Sociedade dos Cientistas e Médicos alemãos, porém um dia antes, numa mesa redonda numa Conferência sobre Epistemologia, Kurt Gödel anunciou provisoriamente o seu teorema da incompletude, que mostrava que os sistemas axiomáticos elementares são autocontraditórios e contêm proposições lógicas que são impossíveis de provar ou refutar, referindo-se a um dos 23 problemas propostos por Hilbert.

Foi numa Conferência de matemáticos em Paris no ano 1900 havia anunciado os famosos 23 problemas que a matemática deveria resolver, e entre eles o famoso teorema da incompletude que provaria que um sistema matemático ou é completo ou é aberto.  

Porém o maior problema foi fechar as questões em torno de teoremas e axiomas matemáticos, e o grande debate subsequente é a diferença entre os sistemas humanos e sociais de um lado, e os sistemas da natureza, físicos ou matemáticos de outro.

Assim se afirmamos que 2 mais 2 é quatro e isto é exato, mas significa que estamos no campo da matemática, assim como figuras geométricas podem ser perfeitas, nenhum sistema “natural” é exatamente perfeito, planetas não são exatamente redondos, a luz e as ondas eletromagnéticas não caminham em linha reta no universo e também nenhuma superfície natural é perfeitamente plana.

O que ignoramos significa que o nosso sistema de interpretação é limitado a determinados modelos e metáforas que não correspondem exatamente a natureza, e no plano social não só o homem é extremamente complexo como a natureza que é onde se realizam o conjunto das relações humanas é ainda mais complexa, já que é a soma das complexidades individuais.

O epitáfio no túmulo de David Hilbert está sua famosa frase:

“Wir müssen wissen.

Wir werden wissen”. (foto acima)

 

Matris in gremio, a relação de sangue e a aórgica

10 jun

Para entender a digressão 10 de Sloterdijk é preciso entender sua relação com a tragédia, e um texto que certamente é do conhecimento do filósofo é a interpretação que Hörderlin faz da tragédia grega Édipo Rei de Sófocles, onde usa o termo aórgico para a busca de Épico para saber quem é, quando mais busca a consciência menos consciente torna-se em direção a tragédia.

A tragédia é que o pai Laio, havia ouvido do oráculo de Delfos, que o filho o mataria e se casaria com a mãe Jocasta, o rei o entrega a um pastor pobre para mata-lo, mas o pastor o cria e depois ele vai parar nas mãos de Políbio, rei de Corinto que o cria como filho, mas a tragédia se cumpre e depois Édipo mata o rei Laio que era seu verdadeiro pai e desposa Jocasta ao tomar consciência da verdade cega-se, a tragédia tem mais detalhes, aqui é só para entender o aórgico.

Porém Sloterdijk inverte esta história e retoma a mariologia cristã, em sua digressão 10 Matris in gremio (colo ou regaço da mãe), onde após analisar o texto De humanitae conditionis in miseria de Lotário de Segni (1160-1216) que viria a tornar-se o papa Inocencio III, que afirma que o líquido que se alimentaria a criança é o mesmo da menstruação que seria interrompida com a gravidez.

Sloterdijk, mesmo não acreditando que existam religiões (assim ele não tem esta questão), vai dizer “não há dúvida que Jesus, mesmo in gremio, deve ter sido provido de um diferente plano alimentar” (Sloterdijk, 2016, p. 557), e vai usar a Questio 31 do terceiro livro da Summa Teológica de Tomás de Aquino.

O argumento de Tomás de Aquino é que “nem mesmo um sangue melhor teria bastado para gerar o corpo de Cristo, porque, pela mistura com o sêmen humano, ele se torna geralmente impuro” (idem), e “ … a comunhão de Jesus com a mãe deveria realizar-se, ao contrário, por meio de um sangue que merecesse ser classificado como particularmente casto e puro”, e cita Tomás:

“… pois, pela ação do Espírito Santo, esse sangue é recolhido do regaço da Virgem e conformado em feto. E por isso se diz que o corpo de Cristo foi formado pelo sangue mais casto e puro da virgem” (Aquino, Suma Teológica III, 31, 5, 3, SP: Loyola, 2001-2002).

Antes de Tomás de Aquino, João Damasceno que já falamos da pericorese trinitária, vai levar ao extremo esta relação de sangue entre Maria e seu feto, citada assim por Sloterdijk: “Dado que a pericorese sempre implica a primazia da relação sobre o lugar exterior, ou justamente porque a própria relação funda o lugar em que se encontraram os que se interpenetram, o corpo de Maria não pode ser sepultado, após a morte de uma maneira usual” (SLOTERDIJK, 2016, pag. 558).

E assim nasceu a ideai de Maria ter sido levada ao céu, mas também é o nascimento 11 séculos antes de ser aceito, o dogma de sua Imaculada Concepção (que por uso popular tornou-se Conceição), assim “é a própria matriz de Deus que ofereceu miraculosamente ao escultor o material de sua escultura, e a Deus o material para tornar-se homem …” (Damasceno apud Sloterdijk, 2016, p. 558), que assim pré-nuncia a ação aórgica de Maria com Jesus e Deus-Pai, como uma pericorese in extremis (na foto, também usada por Sloterdijk, Virgem com Abertura, final do século XIV, Museu de Cluny em Paris).

SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.

 

Translatio studiorum e as técnicas da escrita

03 jun

O longo período que foi desde o início da escrita registrada, a scriptura, até o surgimento dos copistas, chamado de oralidade mista, é chamado de translatio studiorum, onde a própria escrita vai passar por muitas variações técnicas, e nelas se destacam São Jerônimo que compilou e elaborou a primeira versão da Bíblia.

Neste período se destacam os chamados padres capadócios, Gregorio de Nissa (335, morto em 394), seu irmão Basílio, o Grande, e Gregório de Nazianzeno, cuja escrita é importante para o que tanto Hannah Arendt quanto Byung Chull Han vão analisar na vita activa, e aqui liga-se a informação em tempos de novas mídias, mas será feito no decorrer da semana.

Translation Studiorum, período de transferência de saberes, de uma época para outra quando as técnicas da cultura estão variando, e assim sua antropotécnica, entre diferentes culturas e religiões, sobretudo no Ocidente e no Oriente Médio, onde há a cultura do originária do livro das três grandes religiões abraamicas (vem do Pai Abraão), o Alcorão, a Torah e a Bíblia.

O translatio corresponde assim ao período de auge e decadência do pensamento greco-cristão, que possui mais enlaces do que é aparente, e que seria preservado e teria continuidade no mundo ocidental sob a forma de uma doutrina filosófica dominante e influente a trinitária e neoplatônica.

De Trinitate de Santo Agostinho é tão revelador quanto seu popular livro Confissões, e a influência de Plotino tanto não pode ser negada, como não pode ser supervalorizada, não é negada porque a concepção de Uno da alma em Plotino é essencial, e supervalorizada porque a conversão de Agostinho o desloca do centro deontológico de Platão, o Sumo Bem, para o ontológico: o Ser pessoa e trinitário do pensamento cristão.

Porém os padres capadócios trazem conceitos que podem ser explorados a luz do pensamento atual, Ousía (οὐσία, pronúncia correta é “ussía”), é traduzida um substantivo da língua grega dando origem a essência e substância, mas sendo feminina e conjugação no particípio presente do verbo “ser”, a interpretação heideggeriana é “presente” ou presentidade (ser-presente).

Também exploraremos o sentido da palavra hypostasis, do grego prosopon, vem da teologia grega com o significado de pessoa, e em articulação com o ousia dá um sentido ao trinitário.

 

A pandemia e o sinal de Jonas

14 mai

Nínive (atual Mossum) foi uma das maiores cidades durante o reinado dos assírios, para os padrões da época tinha mais de 100 mil habitantes e era bastante alargada já que a Bíblia revela que Jonas levou 3 dias para explorá-la e pedir a mudança de conduta de seus habitantes.

A data em que aconteceu a pregação em Nínive é incerta e o próprio autor do livro que leva o nome deste profeta também é desconhecido, mas como se refere ao reinado de Jeroboão II como rei de Israel, a data deve estar entre os anos 700 e 742 a.C., pela escrita do texto num aramaico típico do hebraico tardio, tanto em estilo como em gramática, é pós-exílio o que significa entre 722 e 742 a.C.

Do final do século XVII a.C. (quando o Império Neoassírio caiu), até meados do século VII, era uma entidade geopolítica, governada por outros povos, os assírios eram conhecidos por sua impiedade e violência, onde podia-se até matar por dívida, e a narrativa bíblica disse que o profeta Jonas que devia pregar e pedir a mudança e conversão do povo, teve medo de fazer sua missão.

Não se sabe ao certo qual era a praga que poderia vir ao povo ali, mas o povo incluindo o rei todos mudaram de atitude e se converteram, e a praga não aconteceu naquela região, a pandemia atual já tem o seu sinal de mudança de hábitos e a exigência da solidariedade com todos, mas há ainda aqueles que pensam que a pandemia vai passar sem nenhuma mudança de atitude.

Os livros de história não registram exatamente qual foi a mudança, mas foi durante o governo de Assurbanipal, filho Assaradão, que faleceu em 667 a.C., que a Assíria viveu seu período mais profícuo, construindo inclusive a primeira Biblioteca da história, justamente a Biblioteca de Nínive, que é onde se encontram os milhares de textos (crônicas, cartas reais, decretos, religião, mitos e muitos outros) escritos em tabuleta de barro cozido.

A mudança que precisamos não apenas para evitar o número de mortes que cresce, vai desde hábitos pessoas até a preocupação com a alimentação e manutenção de vida dos que já não tinham emprego, os que agora não tem e os que devem perder com o crescimento da pandemia.

Para os que creem devem também repensar em que creem e vivenciar o que creem, senão é só uma lenda ou fábula contada como uma bela estória.

 

O livro dourado

11 mar

Escrito em 1962 e considerado um dos grandes romances do século XX o Livro Dourado (Caderno Dourado em espanhol, na foto), conta a história de Anna Wulf, uma escritora imersa em uma crise pessoal que decide contar sua história, a partir do livro negro para sua vida literária quando morou na África do Sul, o livro vermelho sobre sua militância política de esquerda, o amarelo sua vida emocional e azul seu cotidiano.
Doris Lessing que ganhou o Nobel de Literatura aos 85 anos (2007) quando não esperava mais nada, ela própria fez uma piada sobre isto, porém o reconhecimento foi merecido e pouco se sabe hoje desta feminista consequente e que se recusou a aderir a modas e conjunturas seguia sua luta.
Temas como amizade, maternidade e sexualidade tem tons e contornos bem mais profundos nesta autora, em romances como por exemplo “As avós” (2007) onde a velhice é vista por um outro prisma, em especial para as mulheres, ou sobre política no seu livro “O sonho mais doce” que ela sugere como autobiográfico, e que faz reflexões profundas sobre sua visão humanitária.
Mas se tivesse que destacar um romance dela, meu preferido da juventude “Prisões que escolhemos para viver” (1987), ataca de modo sutil e extraordinário a questão da retórica política (ou o que resolveu-se chamar de politicamente correto) onde instiga os indivíduos a saírem das coerções sociais e a construir um mundo melhor, de fato e acima da moda cotidiana.
Não deixa de atacar neste romance a ignorância e a falta de responsabilidade pessoal no desejo de aplausos e mera repetição de lemas, quanta atualidade no seu discurso, diria antecipando os tempos, pois foi justamente pelo excesso de retórica e ausência de atos concretos que caímos em ciladas e ajudamos a ignorância e demagogia contemporâneas.
Sua frase que parece resumir este seu pensamento era: “Não posso e não vou ferir minha consciência só para aderir a moda do dia”, e dizia isto não para conservadores, mas para as posições aparentemente avançadas de seu tempo que não se dirigiam a atitudes concretas.

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