Arquivo para a ‘Noosfera’ Categoria
Linguagem, verdade e erro
O mais comum é entender-se verdade como a tautologia lógica que deriva da concepção do empirismo científico e do silogismo matemático,
A filosofia moderna desenvolveu diversas concepções de verdade, atualmente busca-se a adequação da verdade aos sistemas ideológicos que vieram do Hegelianismo e de uma concepção da História, sobre estes equívocos está a elaboração de Hans-Georg Gadamer, que por sua vez vem da concepção de verdade enquanto Ser de Heidegger.
Do silogismo e do logicismo vem os conceitos idealistas de julgamento e o direito positivista.
A verdade é para Descartes: “Jamais aceitar coisa alguma como verdadeira que não a conhecesse evidentemente como tal” (Descartes, Discurso do Método), é assim oposta ao falso, muito próxima da verdade formal.
O pragmatismo utilitário de Stuart Mill é o extremo oposto disto (é ilógico), e está próximo a concepção de Hegel e Nietzsche, é a verdade relativista que dominam muitos discursos atuais.
Nietzsche também refaz o conceito hegeliano de verdade histórica para o conceito de existência, embora o conceito positivo pareça simples de ser refutado, a dificuldade é estabelecer o que é o verdade e real, que na realidade seriam a mesma coisa, mas o que é real? Muitas vezes esta adequação é feita de modo ideológico, assim surgem as narrativas.
É por causa desta dificuldade que surge o verdadeiro conjugado ao moral, ele tem sentido no contexto do realismo moral. Por exemplo, “A opressão e a exploração são malévolos” é uma verdade moral dentro de uma moralidade humanista, e “A impiedade é pecaminosa” é uma verdade moral numa moralidade religiosa e esta conjugação é resolvida em relação ao Ser e a linguagem, e pode-se retirar o véu, a ocultação através da a-lethéia, o desvelar.
A concepção ocidental de verdade, é assim difícil de ter uma única definição pode estar conjugada no caso ocidental de três raízes, a grega “aletheia” (a- não lethe oculto), que vem do que vem da definição do que é o ser: “a linguagem é a casa do Ser” (Heidegger), Veritas, o conceito latino conjugado entre lógica/linguagem (verdadeiro e falso) e Emunah (o conceito ético-moral) verdade/fidelidade e sua negação infidelidade, Agostinho de Hipona: “no interior de todo ser habita a verdade”.
Missa sobre o mundo
O escrito de Teilhard Chardin completou 100 anos no dia 03 de setembro de 2023, finalizou no deserto de Ordos na Mongólia, iniciado o escrito em 1919 quando trabalhava de maqueiro na primeira guerra mundial, foi lembrado pelo papa que estava na Mongólia nesta data.
Durante anos os escritos de Teilhard Chardin estiveram proibidos, mas aos poucos foram removidos e foram sendo publicados revelando uma espiritualidade e uma visão de mundo atualizada e real, foi Chardin que popularizou a palavra Noosfera de Volodymyr Vernasky.
Lê-se nesta missa: “Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França, mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo”.
Chardin havia completado sua tese sobre paleontologia e estava na Mongólia para coletar fósseis quando finalizou a obra, já que estava ali sem condições de realizar uma missa convencional (na foto com Émile Licent, no deserto de Ordos, Mongólia).
Sua obra mais conhecida é “O fenômeno humano” polêmica porque desenvolve sua teologia dentro de uma concepção evolucionista o que enfureceu os teólogos da época e que ainda hoje é combatida em setores cristãos mais fundamentalistas, é bom lembrar que Jesus usou de parábolas para explicar coisas complexas e que as provas da existência do homem em períodos primitivos já é um fato e muitas alegorias bíblicas são claras, como as usadas no Apocalipse.
Na missa escrita por Chardin está o desejo de uma humanidade una, presa ao amor da encarnação e revisitada na Hóstia santa de cada missa: “Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida pelo Vosso apelo, Vos apresenta na nova aurora. Este pão do nosso esforço não é, por si próprio, bem o sei, mais do que uma imensa desagregação. Este vinho da nossa dor não é ainda, por desgraça, mais do que uma bebida dissolvente. Mas, no fundo desta massa informe, Vós pusestes — tenho a certeza, porque o sinto — um desejo irresistível e santificador que nos faz gritar a todos, do ímpio ao fiel: «Senhor, fazei-nos um!» “.
O desejo de ver toda criação uma e ligada a vida e ao Amor é o desejo mais profundo do Criador.
CHARDIN, P.T. La Messe sur le Monde. (em português), 1923.
Religiao, Filosofia e Humanismo
Nem é religioso aquele que simplesmente proclama uma fé sem conhece-la, nem aquele que segue uma série de preceitos sem entender os fundamentos. No cristianismo o que é Amor, a filósofa Hannah Arendt, por exemplo, estudou como seu doutorado “O amor em Santo Agostinho” enquanto Edith Stein descobre a partir da filosofia e de Santa Tereza d´Ávila um caminho religioso e tornou-se freira e mártir (morreu em Auschwitz).
Há muita apologia a superstições e crendices no meio religioso, porém elas não eram desconhecidas por Jesus, é famosa a questão do sábado, que Jesus pergunta se é justo salvar alguém de uma doença no sábado (Mateus 12,10), chama os fariseus de “sepulcros caiados” (1Jo,2,27) e por fim termina por último revelando aos apóstolos que deverá sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e mestres da lei (Mateus 16,21-22), ao que Pedro se assusta e pede que isto não aconteça, e Jesus o repreende e o chama dizendo que ele não tinha uma inspiração divina.
Assim não é o modelo de vida pública de muitos religiosos nominais, falsos profetas e gente com pouca profundidade de fé que podemos entender o que é religião, mas há um sentido antropológico, filosófico e claro teológico que dão base aos ensinamentos do amor, do suportar a cruz, de não construir ódio, vingança ou rancor a moda daqueles que não creem.
Agostinho superou o dualismo maniqueísta do bem contra o mal, trata-se do Amor que é muito superior a tudo e o mal é apenas sua ausência, Boécio e depois Tomás de Aquino instituíram a questão da pessoa e do Ser, que é parte da polis, mas inseparável dela.
A importância de Severino Boécio, venerado como santo pela igreja católica (sua data é 23 de outubro) para a história da ciência e da filosofia, da “querela dos universais” e da importância da razão, de Tomas de Aquino e de figuras atuais como Edith Stein não separam a fé do pensamento humano e do humanismo contemporâneo.
O humanismo antropocêntrico do período renascentista, a questão da perspectiva foi central na pintura e nas artes, mas é também deste período A Utopia de Thomas Morus.
Disto nasceu a modernidade e seus dualismos (objetivo x subjetivo, corpo x mente, espiritual x material) parte do dualismo ontológico: o ser é e o não ser não é, entretanto, há agora o princípio do terceiro incluído vindo de Stéphane Lupasco e Barsarab Nicolescu, é físico e real.
É tempo de rever o humanismo e nenhuma face da realidade humana pode ficar sem uma necessária revisão: o que é o Ser, o que é a ideia (o eîdos grego ligado ao Ser) e o que significam os mitos e cosmogonias modernos diante de um olhar mais profundo ao sagrado com diálogo e profundidade.
Religião, antropologia e filosofia
O iluminismo e a filosofia moderna no pressuposto de abolir toda “superstição” instaurar uma época do conhecimento e da razão, dividiu o sistema de conhecimento em sujeito e objetos, a filosofia medieval não era muito distante disto haviam realista e nominalistas e nenhum venceu, tudo se modificou, e tudo que era considerado “metafísico” incluindo o Ser ficou de lado.
Porém as ideias de conceitos, estruturas que deviam desenvolver o conhecimento já estava presente num autor pouco lido, mas importante: Boécio (400 – 524 d.C.), um filósofo, poeta, estadista e teólogo romano, cujas obras tiveram uma profunda influência na filosofia cristã do Medievo.
Sua obra principal é a “Consolação da Filosofia”, porém é dele a “roda da fortuna” e um fragmento encontra que ficou conhecido como “querela dos universais”, se os universais (conceitos seriam hoje) seriam hoje “se os universais são coisas ou meramente palavras”, daqui pode se entender a divisão entre realistas que veem as coisas e nominalistas que defenderam os “nomes”, as palavras.
Porém tanto Boécio, como mais tarde Tomas de Aquino que estudaram e traduziram as obras gregas, com interpretações próprias, a questão do Ser era presente e a questão da história e da verdade também.
Sua contribuição humanística está na concepção do que hoje chamamos de “dignidade humana”, para sua Antropologia Filosófica a pessoa humana no horizonte da racionalidade considerando o seu dado de singularidade, um novo humanismo não pode prescindir de seu prisma novo e ainda pouco entendido, para os cristãos Boécio foi defensor contundente da fé e para os humanistas sua De Consolationes Philosophiae traz colaborações imprescindíveis.
Mesmo hoje suas ideias podem parecer polêmicas, ao defender que o homem é também natureza, mas dela deve subsistir e alcançar como extensão de “natureza”, diz em outra obra:
“Ou, se ‘pessoa’ não se iguala a ‘natureza’, mas se ‘pessoa’ subsiste sob o alcance e a extensão de ‘natureza’, é difícil dizer a que naturezas ela sempre ocorre, isto é, a quais naturezas convém conter ‘pessoa’ e quais delas não convém afastar do vocábulo ‘pessoa’. Com efeito, isto é manifesto: ‘natureza’ é subjacente a ‘pessoa’ e não se pode predicar ‘pessoa’ para além de ‘natureza’” (Boécio, Contra Êutiques e Nestório, 2005, p. 163).
Num momento em que o antropocentrismo é questionado e a relação com a natureza é revista é importante ler este filósofo, teólogo e humanista medievo.
BOÉCIO. Escritos (OPUSCULA SACRA). Tradução, introdução, estudos introdutórios e notas Juvenal Savian Filho. Prefácio de Marilena Chauí. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Mitos, oralidade primária e religiões
O mito é uma forma de explicar fenômenos, não apenas naturais, mas também culturais e históricos de modo a manter um determinado fato ocorrido para além do estado factual, a oralidade é uma forma de comunicação e as religiões tem uma estrutura de cosmogonias que dão aos fatos um sentido mais profundo.
É preciso destacar nas religiões e antigas oralidades primárias o papel dos oráculos e profetas, que tinham alguma “autoridade” para narrar os fatos históricos de modo que a compreensão se mantivesse e evitasse desvios de narrativas, e entre oráculos e sofistas há uma distância.
Os sofistas existiram e ainda existem para elaborar narrativas que justifiquem o poder, até mesmo as atrocidades e desmandos que ocorram e muitas vezes se confundem com os falsos profetas e oráculos do poder.
Porém os mitos foram inúmeras vezes necessários na história, a batalha narrada em Ilíada e Odisseia na forma de poemas, pode dar a entender apenas uma narrativa de poder, no entanto ali alguns mitos são usados como forma de manter uma narrativa e houve a batalha.
Já o mito religioso sore Adão, é até possível que tenha existido, porém a origem humana hoje se sabe pelas pesquisas que houve uma variação entre os Neandertais e o Homo Sapiens, os primeiros que desapareceram eram de crânio mais alongado e dentes mais fortes e que nasciam mais cedo, que os adaptava melhor aos alimentos menos tratados e mais duros.
Tudo que sabemos da origem da vida é o surgimento de microbiótica nos oceanos primitivos e depois os pequenos animais multicelulares e as conchas (foto) no período pré-cambriano.
Porém descobertas recentíssimas mostram que não apenas conviveram e tiveram cruzamentos, como há DNAs dos neandertais que ainda estão presentes no humano atual, mas os neandertais desapareceram a cerca de 40 mil anos.
Assim o mito bíblico adâmico deve ser compreendido de duas formas, a primeira é que o homem veio da natureza (na narrativa bíblica do barro) e que de alguma forma, que até a ciência tem dificuldade de explicar, entre as vidas que surgiram na formação da biosfera, o homem se formou, a segunda explicação é que os filhos Abel era pastor e Caim agricultor, então é o período sociológico que o homem já cultiva e inicia o “controle” da natureza.
A oralidade primária vai ter um papel fundamental para transmitir os “conhecimentos” que facilitam este controle, e os mitos devem significar este “controle” primário da natureza, assim como a transmissão oral sem desvios.
Então o que é crer ?
Já acreditamos em muitas coisas que não eram verdadeiras, o sol não é o centro do nossa galáxia, no centro está um Buraco Negro, e tanto a matéria como a energia escura parecem desafiar as leis atuais chamada de Física Padrão, um cientista disse que Deus fez a divisão por 0 e tudo pode ter surgido milagrosamente do Nada.
Se examinamos de perto as crenças, em todas existe a regra de ouro: não faças ao outro o que não gostaria que fosse feito a você, em especial disse Jesus sobre o maior mandamento(Mt 22, 37-40): “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.
Sem isto caímos no olho por olho dente por dente, disse o filósofo Byung Chul Han sobre um dos livros inaugurais de nossa era, o poema Ilíada (séc. VIII a.C.) (na imagem acima de Pablo Delgado), sua primeira palavra é “menin, a saber a cólera [Zorn]: “cantem, deusas, a cólera de Aquiles filho de Peleus” (pg. 22), assim a cultura humana, em especial a ocidental está fundada na violência e o filósofo aponta que ‘a desintegração da sociedade de hoje não deixa de existir a energia épica da cólera.” (pg. 23).
A oposição divina do pacifismo não é apenas uma inversão história, é neste momento de crise civilizatória a possibilidade real que o processo avance e a que a humanidade não se massacre.
É verdade que nem mesmo sobre o Deus Homo Jesus existe uma visão correta, não era um guerreiro, um fazedor de milagres e se os fazia pedia sempre discrição, jamais o fez por um ato exibicionista ou triunfalista, não estimulou nenhum tipo de cólera, ainda que a falsidade de muitos religiosos o irritasse, e sempre pergunta aos discípulos: “quem dizem que Eu sou”.
Em Mateus 16, 14 após indagar isto: eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.
E depois perguntam a eles, porque só os verdadeiros discípulos reconhecem o Homo Deus amor e misericórdia (Mt 16,16) e Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.
Como no tempo de Jesus e em toda história sempre houveram falsos profetas e discípulos, porém Jesus alerta é só da boa árvore que brotam bons frutos, então a distinção é simples.
HAN, Byung-Chul. No enxame: Perspectivas do digital”, trad. Lucas Machado, Petrópolis: Vozes, 2018.
Deus e o tempo não existem
Nem bem explicamos direitos a física quântica e a relatividade geral e a física parece estar em crise, filósofos e físicos parecem ter encontrado paradigmas e fenômenos estranhos em observações do universo e da física das partículas, qual a relação com Deus, mas há algo além do espaço-tempo e Deus é (existir é no espaço-tempo).
Não se trata da descoberta da partícula de Higgs ou partícula de Deus, comprovada sua existência, mas de uma especulação ontológica que agora se leva a sério, sempre afirmamos um princípio da dualidade, ou seja, A é falso ou Verdadeiro e não podendo ser os dois ao mesmo tempo e também se formos de A para B devemos passar por B intermediário, esta é a ontologia tradicional.
Assim desde os pré-socráticos até Kant o tempo era absoluto e esta física se comprovava, entretanto da descoberta física do terceiro incluído, este chamado “nível de realidade” traz o questionamento contemporâneo do questionamento do que é existência e Ser, uma nova abordagem científica, social e espiritual sob um método chamado de Transdisciplinaridade.
Não foram religiosos que o proclamaram, mas físico como Barsarab Nicolescu, educadores e filósofos como Edgar Morin e artistas como Lima de Freitas, um serigrafista e pintor português, que assinaram a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida.
Para teólogos e místicos que estão de acordo com este princípio, Deus existe uma vez que entrou na história através do “Deus Homo” Jesus, Deus é através do Ser divino eterno e Deus é comunicação através do Espírito Santo, a hipótese trinitária parece perfeita.
Se existiram manifestações divinas, Teofanias quase sempre sujeitas a contestação apesar de inúmeras contestações, tanto teoricamente quanto praticamente parece cada vez mais perto um momento de grande abertura da “clareira” de uma consciência geral.
Claro que há falsificadores, como sempre houveram na filosofia, nas ciências e nas religiões, onde a fantasia e o imaginário podem ter asas, porém há gente séria e que sabe que o fenômeno existe pelo menos na consciência de bilhões de crentes no mundo todo, em todas culturas e também cientistas, filósofos e psicólogos sérios tem suas crenças.
A realidade presente ao mesmo tempo que aumentaram falsificadores e falsos profetas, parece aproximar-se daquele momento em que o Homo Deus histórico Jesus afirmou (Jo 1,51): E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”, que era como Jesus curiosamente se referia a sua própria existência para dizer que se fez homem.
Os eventos em vários aspectos parecem convergir para isto e é grande esperança para uma humanidade confusa, uma civilização em crise e uma realidade dura.
A modernidade e Deus
Se é verdade que o discurso religioso de nossos dias atuais beira a insanidade, é verdade também que aquilo que a modernidade pensou e pensa de Deus é praticamente desconhecimento de presença na literatura não cristã.
Nascido de família de pastores luteranos Nietzsche não falou da Morte de Deus como pensam sua leitura rasa, não leram a Gaia Ciência onde o filósofo proclama “O homem louco – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’?” e pode-se ler mais a frente: “Para onde foi Deus’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move agora? Para onde nos movemos nós?’” está no §125.
Buscou na filosofia do oriente: Assim falou Zaratustra a mística perdida, mas sua obra o Nascimento da Tragédia tem passagens marcantes onde mostra a necessidade de compreensão desta forma de entender a vida, onde faz estudos sobre o apolíneo e o dionisíaco, onde o capítulo 5 se acredita que é de onde parte Heidegger para escrever a Origem da Obra de arte.
Da Influência de Husserl nasceram as filosofias de Heidegger e Edith Stein, que depois se tornou mística, sendo judaica se tornou cristã e foi mártir na Alemanha Nazista, ainda sobre a influência de Heidegger está Hannah Arendt, cuja tese de doutorado é “O amor em Santo Agostinho”, ainda que existam lacunas que seus contemporâneos atestam é uma boa leitura.
De Hannah Arendt nasceu as meditações sobre a Vitta Activa e Vitta Contemplativa, que o filósofo contemporâneo Byung Chul Han vai retomar em sua Sociedade do cansaço, não deixando de tocar na filosofia cristã de São Gregório de Nazianzo (ou Nazianzeno).
Ele foi fortemente influenciado por Peter Sloterdijk, que apesar de seu ateísmo, em todas suas obras a marcas profundas do conhecimento do pensamento cristão, reivindica o profeta Jonas para dizer que todos nós temos uma baleia (Jonas ao recusar sua missão foi devorado por uma baleia e devolvido a praia) e um pouco de Jonas, recusa a nossa missão neste planeta.
Byung Chul Han faz um diagnóstico muito atual, ele acrescenta que a “perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas á própria realidade, torna-se vida humana radicalmente transitória” (Han, pag. 42).
Isto não é um problema a parte, é parte essencial do pensamento moderna, recusa do essencial, adoção do transitório, vida fugaz e frívola e de prazeres passageiros e ex-tásicos (extase, está fora, também pode ser transe).
HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017
Entre o testemunho e o perdão: a cura
A análise de Paul Ricoeur se o perdão pode curar vai da memória ao esquecimento, mas o autor esclarece que “no quadro da dialéctica mais vasta do espaço da experiência e do horizonte de experiência”, e lembra que Freud chama isto de “translaboração”, que significa ultrapassar a crença que o passado é fechado e determinado e o futuro é indeterminado e aberto.
Os fatos passados são inapagáveis: não podemos desfazer o que foi feito, nem fazer que o que aconteceu não tenha acontecido, mas é preciso lembrar que o testemunho de quem sofreu os fatos ou de quem os praticou pode e deve ser modificado, em função de “nossas lembranças”.
Não se trata do perdão, ou de construir nova narrativa, mas Paul Ricoeur relembra Raymond Aron em sua Introdução a Filosofia da História, como o que ele chama de “ilusão retrospectiva da fatalidade” e que ele opõe a obrigado do historiador de se transportar para o momento da ação e se fazer contemporâneo dos autores.
O autor sentencia: “toda memória é seletiva”, e lembra o autor “se poderia implantar o esquecimento da fuga, a estratégia da escusa, a tarefa da má-fé, que faz do esquecimento passivo-activo um empreendimento perverso”, assim não é só esquecer, mas re-ver.
O ponto do texto de Ricoeur onde pode ser inserido o testemunho é precisamente este no qual afirma, tentando conjugar perdão com trabalho e luto: “Ele casa-se com um e com outro. E, juntando-se a ambos, traz aquilo que em si não é trabalho, mas precisamente dom, O que o perdão acrescenta ao trabalho de lembrança e ao trabalho de luto é a sua generosidade”, diria então lembrando que “dom” tanto em francês (don, termo usado na obra de Marcel Mauss) ou em italiano donno, tem uma tradução difícil (dádiva?), mas seria mais próximo de gratuidade, não gosto de dádiva porque embora possa ter algo de divino, é um desapego de quem dá (o perdão) e é um testemunho.
Relembrando o mito adâmico bíblico, parece natural a morte, a vingança e a guerra, mas é o dom e o perdão que podem dar uma reviravolta civilizatória e construir a paz e a prosperidade.
RICOEUR, P. O perdão pode curar? Trad. José Rosa, Esprit, n. 210, 1995. (pdf)
Erro e perdão
Do ponto de vista científico encontrar erros em métodos e análises significa mudar a rota e não a hipótese de pesquisa, se uma hipótese não se confirma isto é um resultado e não um erro, aliás para Popper é assim que a ciência caminha, porém outro pensador Thomas Kuhn defende que há rupturas ou novas hipóteses de pesquisa, a física quântica é um exemplo disto.
Já na filosofia a maioria dos filósofos defendem que o perdão é uma virtude moral, assim ele expressa a capacidade humana de superar o ressentimento e a vingança, e com isto restaurar as relações interpessoais e sociais, mas há filósofos que veem o perdão como fraqueza ou ilusão, já que nega a gravidade do mal e a responsabilidade do ofensor.
O filósofo contemporâneo que tratou o perdão foi Paul Ricoeur, que o desenvolveu sem se afastar do sentido religioso (cristão principalmente) e o vê como um paradoxo, pois vai de encontro ao imperdoável, ou seja, àquilo que não pode ser reparado ou compensado pela justiça.
O tema é relevante por que Ricoeur lembra que o tema se tornou relevante “particularmente característico do período pós-guerra fria, em que tantos povos foram submetidos à difícil prova de integração de recordações traumáticas” em texto publicado em Esprit, no 210 (1995), pp. 77-82 e que pode ser encontrado na Internet (pdf).
O autor coloca “o perdão na enérgica acção de um trabalho que tem início na região da memória e que continua na região do esquecimento” (Ricoeur, 1995), e que um fenômeno “que se pode observar à escala da consciência comum, de memória partilhada” e esclarece que deseja evitar a notação discutível de “memória coletiva”.
Embora escrito bem antes de nosso tempo, tanto a questão totalitária está em jogo como a questão do colonialismo, também o racismo e anti-semitismo e isto significa uma memória “partilhada” que pode levar à fúria.
O filósofo usa o vocabulário do filósofo alemão R. Roselleck, que opõe a “nossa consciência histórica global”, que ele chama de “espaço de experiência” e, por outro, o “horizonte da espera”, se olharmos de fato nossa experiência quase recente podemos superar os ódios e ressentimentos entre povos e culturas, por isto considero correto não usar “memória coletiva”.
É preciso superar erros históricos, equívocos e caminhos já trilhados, que nos levaram ao caos.
RICOEUR, P. O perdão pode curar? Trad. José Rosa, Esprit, n. 210, 1995.